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Novas formas de comércio internacional.

O comércio eletrônico. Desafios ao direito tributário e econômico

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01/08/2002 às 00:00
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3.O Projeto de Lei da OAB sobre Comércio Eletrônico

            A grande função do projeto de lei, feito pela OAB-SP e baseado na Lei Modelo do UNCITRAL, foi tão somente viabilizar a contratação eletrônica segura através da criação de assinaturas e certificados digitais, reconhecidos em cartório. Nos outros aspectos ela em nada inovou. Falemos, então, um pouco das questões relacionadas com a utilização dos documentos eletrônicos.

            3.1.O Documento Eletrônico como Meio de Prova

            A maioria dos problemas concernentes aos documentos eletrônicos é passível de ser superada. Seja pela releitura de velhos conceitos, seja pela inovação legislativa que está por vir. Mas seria realmente necessária está inovação?

            O Brasil tem um sistema probatório regido pelo princípio da livre apreciação das provas pelo juiz. Isto está expresso em nosso Código de Processo Civil, em seu artigo 131. Não poderíamos, então, utilizar livremente os documentos eletrônicos em nossos negócios da vida cotidiana, confiantes de que um juiz saberia apreciar o valor probatório de tais documentos caso fosse necessário?

            O mesmo Código, quando trata das provas documentais, traz em seu artigo 368 o preceito de que as declarações constantes de documento particular, escrito ou assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário. Os tabeliães eletrônicos não foram ainda regulamentados ou instalados, então este preceito não pode ser aplicado aos documentos eletrônicos? Mas e o que diz o artigo 371, inciso III? Não se presume autor do documento aquele que, mandando compô-lo, não o firmou porque conforme a experiência comum não se costuma assinar? Ora, o que podemos concluir da leitura do artigo 368 conjugado com a inciso III do 371?

            Em nossa opinião, se o juiz tiver confiança no documento eletrônico apresentado, pode perfeitamente aplicar os referidos diplomas legais para utilizar-se do documento como um dos fundamentos de sua sentença.

            Da mesma forma, temos o artigo 383, que versa sobre representações mecânicas. Se o juiz for muito ortodoxo e desconfiado da informática pode apoiar-se neste diploma legal para utilizar os documentos eletrônicos. Caso seja contestada a autenticidade do documento, proceder-se-á uma perícia, como normalmente é feito com as demais representações mecânicas utilizadas como prova.

            O mundo dos fatos não pára, não se limita ao defasado mundo do Direito. Um exemplo muito claro disso é a utilização de uma página na Internet como meio de prova. Se o delito é cometido na rede mundial, como prová-lo senão por meio de documentos e rastros eletrônicos? Ficarão os crimes informáticos impunes só porque a legislação processual se apresenta não de todo perfeitamente compatível com os novos institutos? E a função integradora do juiz?

            Obviamente esta não é uma opção. Assim, nada obsta a que um juiz faça uma inspeção de uma página na Internet, nos termos do artigo 440 do CPC e depois se utilize a página impressa como documento para formar sua convicção e fundamentar sua sentença. Em uma analogia poderíamos aplicar o parágrafo único do artigo 443.

            De qualquer forma, a utilização cada vez maior de documentos eletrônicos na vida social fará de sua aplicação nos Tribunais não uma opção ou questão de aceitação, mas um imperativo. Independentemente de regulação específica, os documentos eletrônicos vieram para ficar e é obrigação dos órgãos judiciais estarem preparados para lidar com eles.

            Quanto à legislação que está por vir, ela é muito bem vinda pois colocará o Brasil em pé de igualdade com países como a Argentina, Estados Unidos, França, Bélgica, Itália, Alemanha e Canadá, que já têm uma legislação sobre o assunto, ainda que em alguns casos esteja limitada à utilização pelos órgãos da administração pública. Além do que extirpará de uma vez todo e qualquer preconceito que possa existir entre nossos magistrado e advogados em admitir o documento eletrônico e a assinatura digital como elementos integrantes da nossa vida social.

            3.2.Assinatura e Certificado Eletrônicos

            A assinatura eletrônica é a marca capaz de identificar através de averiguação eletrônica. Bem, a assinatura digital é uma espécie de assinatura eletrônica. Mas qual seria a definição de assinatura digital?

            A legislação alemã nos traz uma interessante definição, segundo a alínea 1, do §2º do artigo 3º da Lei de Assinatura Digital, de 1º de Agosto de 1997:

            "assinatura digital" significa um selo afixado a dados digitais, o qual é gerado por uma chave privada de assinatura e comprovador do dono da assinatura e da integridade dos dados com o uso de um chave pública de assinatura sustentada por um certificado de chave de assinatura utilizada, fornecida de uma autoridade de certificação, de acordo com o §3º desta Lei

            Os atuais programas de criptografia são capazes de cifrar um documento eletrônico, seja ele texto (e.g. uma peça processual, um título de crédito eletrônico), som (e.g. uma audiência gravada, uma confissão) ou imagem (e.g. uma fotografia, documento digitalizado) e marcá-lo com uma assinatura digital de tal forma que, se houver qualquer alteração no documento, a chave pública não mais o abrirá, acusando a falsificação.

            Temos, pois, a forma mais eficiente possível de garantir a autenticidade de um documento eletrônico. O problema agora é quem garantirá que determinada chave pertence a determinada pessoa. O controle das chaves tornou-se, desculpe-nos o trocadilho, a questão chave da força probatória dos documentos eletrônicos.

            Já existem várias empresas que realizam o trabalho de certificação das chaves públicas, são as chamadas certificadoras digitais, que funcionam como verdadeiros cartórios eletrônicos. O usuário registra sua chave pública na certificadora e toda vez que se fizer necessária a comprovação da autenticidade, basta que se envie eletronicamente a chave a ser autenticada e a empresa confirmará ou não o proprietário.

            Este serviço já é regulamentado em vários países e está em vias de sê-lo no Brasil. O projeto de lei n.º 1.589, de 1999, visa a regulamentar o comércio eletrônico e institui tanto a assinatura digital, como as certificadoras em nosso ordenamento. O projeto de lei, se aprovado, acabará de uma vez com todos os obstáculos impostos pelos doutrinadores e juizes à utilização do documento eletrônico como meio de prova.

            No entanto, apesar de o projeto ser benéfico para a sociedade brasileira, perde-se uma grande oportunidade de dar fim, ou ao menos reduzir em muito, a cartorização que existe no Brasil. Ao invés de aproveitar a oportunidade e permitir que qualquer empresa, que obedeça a critérios técnicos e seja registrada, possa realizar a atividade de certificação, o projeto de lei mantém o monopólio dos cartórios, atribuindo aos tabeliães a prerrogativa de autenticar os documentos eletrônicos. Qualquer autenticação realizada por empresa privada estaria excluída do regime legal. É o que diz o artigo 24, nos seguintes termos:

            Os serviços prestados por entidades certificadoras privadas são de caráter comercial, essencialmente privados e não se confundem em seus efeitos com a atividade de certificação eletrônica por tabelião, prevista no Capítulo II deste Título.

            A priori, os já acostumados juristas não veriam qualquer problema com este artigo, uma vez que tudo já é realizado mediante autenticação cartorária no Brasil. Mas um exame mais detalhado das oportunidades que se estará perdendo incomoda. Pelo diploma, os Tribunais não poderiam estabelecer serviços públicos próprios de atendimento, muito menos de comunicação dos atos processuais aos advogados.

            A própria OAB não poderia fazer um cadastro universal das chaves de seus advogados, nem qualquer outra entidade de classe. Imaginem como não seria útil que os advogados, ao receberem a carteira da Ordem também recebessem uma chave exclusiva de advogado para utilização no dia a dia dos fóruns, ou para comunicar-se com a própria entidade. Pelo texto a certificação até seria possível, mas apenas para fins comerciais, o que torna impraticável nas hipóteses avençadas, pois seria desprovido de fé pública o certificado da Ordem, ainda que as carteiras valham oficialmente como documento de identidade. Pode emitir documento, certificar assinatura de seus membros não.

            Além disso, mantemos o problema dos preços dos cartórios e a impossibilidade de se estabelecer uma verdadeira lei de mercado nas autenticações, perdendo-se assim uma oportunidade de se reduzir os custos do comércio eletrônico, que promete ser uma nova forma de competição entre as economias e é vista por muitos como uma oportunidade para o crescimento dos países em desenvolvimento (13).

            Bem, ainda há tempo para alterar o texto, e nem tudo é lástima. Uma das celeumas que sempre foi levantada quando se tratou de documento eletrônico foi a questão da originalidade dos documentos dele decorrentes, tanto pela impressão (ou materialização, nos termos do projeto), quanto pela digitalização de documentos cartulares preexistentes. Os juristas em geral, seguindo a regra do hearsay anglo-americana, afirmam que o documento eletrônico não é um original, mas cópia não autenticada. Por isso, em caso de impugnação, seria necessária a apresentação do original. O futuro artigo 14 resolve este problema da seguinte forma:

            Considera-se original o documento eletrônico assinado pelo seu autor mediante sistema criptográfico de chave pública.

            §1° - Considera-se cópia o documento eletrônico resultante da digitalização do documento físico, bem como a materialização física de documento eletrônico original.

            §2° - Presumem-se conforme o original as cópias mencionadas no parágrafo anterior, quando autenticadas pelo escrivão na forma dos art. 33 e 34 desta lei.

            §3° - A cópia não autenticada terá o mesmo valor probante do original, se a parte contra quem for produzida não negar conformidade.

            No nosso entender, retirando-se o valor probatório atribuído de lege ferenda à assinatura digital, o regime do documento eletrônico continuaria fiel aos princípios já existentes em nosso Código de Processo Civil. De qualquer monta, uma vez promulgada a Lei, não haverá juiz no país que negue o valor probatório dos documentos eletrônicos. A positivação trará maior segurança jurídica aos agentes econômicos e aos mais de 5,8 milhões de usuários da Internet no Brasil (14).

            3.3.O Endosso Eletrônico

            Uma grande questão que não foi tratada em nenhum projeto de lei, é a necessidade de criação de um endosso eletrônico para os títulos de crédito eletrônicos. Principalmente na área de comércio exterior, na qual este instituto é amplamente utilizado nas operações de financiamento e transporte. Neste caso, em que o conhecimento de embarque ou bill of lading é um instrumento essencial, a utilização de meios eletrônicos seguros poderia impulsionar o comércio internacional.

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            Hoje, através de sistemas baseados na Internet, as empresas de transporte já fornecem informações através das quais o emissário pode preparar o contrato de transporte antecipadamente, no computador. A transportadora possibilita ao emissário com acesso a Internet: conferir, imprimir e enviar o termo de recebimento do seu próprio site. A informação do termo de recebimento pode ser transmitida para o consignatário antes da chegada da transportadora, permitindo o conhecimento antecipado do que se está embarcando.

            A possibilidade de se colocar o bill of lading na Internet significa ampliar a sua utilidade contratual como título de propriedade, passa-se a ter uma fonte correta de informações para emissário, transportadora e destinatário permitindo que eles agendem e controlem os carregamentos, automatizando as transações pela cadeia de transporte, ao mesmo tempo que diminui o risco de entrada de dados errados (15).

            Inúmeras iniciativas estão sendo empreendidas para a introdução de métodos eletrônicos no processamento dos documentos comerciais e para informatização da cadeia de fornecedores (supply chain) em termos globais. Entre elas podemos destacar o Projeto Bolero (Bill of Lading Electronic Registry Organisation), cujo objetivo é estabelecer uma rede global de informações para transacionar documentos como o termo de recebimento e outros títulos não-negociáveis. O projeto lançou, a título de experiência, uma rota piloto com acesso a uma central de registro eletrônico e assinaturas digitais para substituírem os termos de recebimento cartulares.


4.Desafios ao Direito Concorrencial

            4.1.O Terceiro Mercado e a Noção de Mercado Relevante

            Um aspecto que vem sendo levantado por alguns doutrinadores é o surgimento de um novo mercado, um terceiro mercado. Nós tínhamos o mercado nacional, o internacional e agora teríamos o mercado virtual, que misturaria ambos em um único mercado global em que os agentes econômicos não necessitariam de se locomover. É como se o mercado na Internet unificasse todos os mercados regionais e os ampliasse, ao permitir um acesso indiscriminado de qualquer ponto do mundo.

            Não concordamos muito com esta concepção, uma vez que não conseguimos enxergar um terceiro mercado, mas sim os mesmos mercados nacional e internacional, apenas ampliados, por assim dizer, pela facilidade de comunicação. Mas é um tema para se pensar um pouco mais.

            Outra questão que se põe, esta de maneira mais problemática e com menos estardalhaço, é a necessidade ou não de uma revisão do conceito de mercado relevante. Uma vez que os mercados estão cada vez mais integrados e o comércio eletrônico tende a aproximá-los ainda mais, como fica a noção de mercado relevante? Se surgisse, no Brasil, um gigante da indústria informática que detivesse o monopólio de um determinado produto no mercado brasileiro, ainda assim ele deteria 2,8% do mercado mundial, podendo ter que concorrer com competidores estrangeiros, com fatias superiores a 30%. Como ficaria esta questão, é mais um tema para meditação.

            Por último, temos visto cada vez mais a concentração de poder e fatia do mercado mundial nas mãos de empresas de tecnologia. A pergunta que propomos é até que ponto ainda é possível que os Estados exerçam seu controle sobre elas? Que tipo de concorrência pode haver quando uma companhia domina 98% do mercado mundial de sistemas operacionais?

            Este tipo de situação pode ser nocivo à economia, como pudemos ver no caso Microsoft e seus reflexos sobre o programa de correio eletrônico Eudora e os produtos da empresa Netscape. Abusos esses que se repetem toda a vez que uma empresa tem inegável controle de mercado, como foi caso da AOL. Esses problemas serão novos desafios para o crescimento saudável da economia mundial, visto que estas empresas são globais, e para a melhoria da condição dos consumidores, sem a devida proteção, ainda, contra estes macro-agentes econômicos.

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Sobre o autor
Ivo Teixeira Gico Junior

Doutor pela USP, Mestre com honra máxima pela Columbia Law School, Coordenador do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Publico – IDP e sócio fundador do escritório Dino, Siqueira & Gico Advogados. Autor do livro "Cartel – Teoria Unificada da Colusão".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Novas formas de comércio internacional.: O comércio eletrônico. Desafios ao direito tributário e econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3122. Acesso em: 25 dez. 2024.

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