3. Direitos da Personalidade no Código Civil
Os direitos da personalidade estão consagrados no Código Civil nos artigos 11 a 21, contemplando ampla e absoluta tutela à pessoa humana. No presente estudo, pretende-se à análise do direito à integridade física e moral. A integridade física é a proteção ao corpo humano, ensinando Francisco Amaral:
A integridade física é a incolumidade do corpo humano, o estado ou a qualidade de intacto, ileso, que não sofreu dano. [...] O valor da vida e da integridade física tornam, por isso, extremamente importante a sua defesa contra os riscos de sua destruição ou de alteração da estrutura ou funcionamento normal do corpo humano, inclusive a simples ameaça contra a saúde. [21]
O direito à integridade física está assegurado no Código Civil nos artigos 13[22] e 15[23], tais dispositivos são fundados em valores morais e éticos (bons costumes, constrangimento a tratamento médico ou intervenção cirúrgica), no que diz respeito ao direito à informação ao paciente e à responsabilidade dos médicos. Sobre o tema, Sílvio de Salvo Venosa comenta:
Levando em conta que qualquer cirurgia apresenta maior ou menor risco de vida, sempre haverá, em tese, necessidade de autorização do paciente ou de alguém por ele. No mesmo sentido, situam-se tratamentos e medicamentos experimentais, ainda não aprovados pela comunidade médica. A matéria requer, percebemos, aprofundamento monográfico. [24]
Nesta seara, assim discorre Antonio Chaves, sobre a natureza jurídica do direito ao próprio corpo:
Reconhece a doutrina não ser absolutamente patrimonial o direito sobre o próprio corpo, mas pessoal, de caráter especial, tendo por conteúdo a livre disposição do corpo, dentro dos limites assinados pelo direito positivo. [...] Será ilícito qualquer ato, mesmo consentido pelo sujeito, mediante o qual se autorize a um terceiro dispor do corpo vivo, de tal maneira que isso implique na extinção da vida. [25]
Giovanni Ettore Nanni, ao falar sobre autonomia privada sobre o próprio corpo, faz interessante apontamento sobre a possibilidade de a pessoa poder consentir com tratamento de saúde, diante do exercício do direito ao seu corpo.
[...] a autonomia privada, nas palavras de Luigi Ferri não é um poder originário e soberano, mas um poder conferido aos indivíduos por uma norma superior, que regula sua atuação, estabelecendo cargas e limitações. [...] Nessa linha de raciocínio, o individuo que cede ao uso de um direito personalíssimo, como o da imagem, está praticando um ato dentro de sua autonomia privada, não estando necessariamente ligado a um fim negocial patrimonial, pois inserido no seu poder conferido pelo ordenamento jurídico. [26]
A vontade da pessoa é fundamental para a disposição do seu corpo, como é fundamental para si própria em todos os atos de sua vida. Completa Antônio Chaves que a disponibilidade corporal merece especial atenção do direito nas disposições realizadas pela pessoa, “em seu próprio benefício, com vista à recuperação ou melhoria de sua saúde e equilíbrio psicofísico”.[27]
Carlos Roberto Gonçalves ensina que “o direito ao próprio corpo abrange tanto a sua integridade com as partes dele destacáveis (leite, sêmen, sangue, cabelo) e sobre as quais exerce o direito de disposição. [...] Por outro lado, passam a integrá-lo os elementos ou produtos, orgânicos ou inorgânicos, que nele se incorporam, como enxertos e próteses” [28]. Não há pessoa natural sem corpo.
Fabio Ulhoa Coelho assevera que “a noção de direito sobre o corpo, aliás, é particularmente ilustrativa da grande proximidade entre sujeito e objeto, no campo dos direitos da personalidade”.[29]O direito ao corpo trata de temas polêmicos relacionados à doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante e tratamento de saúde, aborto, eutanásia, da esterilização e cirurgias transexuais.
É preciso salientar a relevância do consentimento informado nas questões atinentes ao direito ao corpo, conforme estipulado nos artigos 13 e 15 do Código Civil.
Ocorre, no caso do artigo 13, quando há necessidade de amputação de algum membro do corpo humano que o médico deverá obter o consentimento do paciente antes de realizar a amputação. O mesmo se dá nos casos de remoção de tecido, órgão ou parte do corpo humano de pessoa viva[30].
Quanto ao tratamento de risco, de que trata o artigo 15, cabe ao paciente consentir sobre o tratamento ou cirurgia, após devidamente informado. Em caso de risco de morte, se não houver condições do médico obter o consentimento do paciente ou do seu representante legal, poderá este realizar o procedimento. Tal caso chama-se privilégio terapêutico (trataremos desta matéria adiante).
Carlos Roberto Gonçalves sobre o tratamento com risco de vida, afirma:
A regra obriga os médicos, nos casos mais graves, a não atuarem sem prévia autorização do paciente, que tem a prerrogativa de se recusar a se submeter a um tratamento perigoso. A sua finalidade é proteger a inviolabilidade do corpo humano.
Vale ressaltar, in casu, a necessidade e a importância do fornecimento de informação detalhada ao paciente sobre o seu estado de saúde e o tratamento a ser observado, para que a autorização possa ser concedida com pleno conhecimento dos riscos existentes. [31]
A integridade física é a incolumidade do corpo humano, sendo este um bem jurídico que o Direito reconhece e tutela. Por ser um direito de personalidade, a integridade física implica o direito que cada pessoa tem de não ter seu corpo atingido por atos ou fatos de outrem.
Elimar Szaniawski diz que o direito à integridade física vem logo após do direito à vida e completa:
[...] o direito de recusar-se a submeter-se a visitas ou a inspeções corporais vem a ser chamada por Misseneo de direito ao pudor, uma vez que deve ser garantida e preservada a personalidade humana. Saúde, doença, medicina, constituem a tríade que invade nosso direito na atualidade[32].
Adriano de Cupis, no mesmo sentido assevera:
Se pode consentir-se na ofensa de qualquer dos aspectos da integridade física, desde que o consentimento não vise produzir uma diminuição permanente da própria integridade física e não seja, por outro modo, contrário a lei, à ordem pública ou aos bons costumes, é porque existe um direito tendo por objeto todas as manifestações possíveis do bem em referência. [33]
Face ao exposto, deve-se entender que a integridade física somente poderá ser invadida quando houver consentimento da pessoa, cuja validade estará vinculada à não disposição do próprio corpo. Quanto a integridade moral e psíquica, esta se encontra amparada na Constituição Federal no artigo 5º, incisos V e X.
Constituição Federal, art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e a propriedade, no seguintes termos:
...
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Tal dispositivo tem que ser interpretado em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. José Afonso da Silva ensina que:
A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. [...] Ela (a integridade moral) e seus componentes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental. [34]
Pontes de Miranda afirma que “a integridade psíquica consiste no dever de ninguém poder causar dano à psique de outrem”[35]. Na psique está a manifestação de vontade, no qual ninguém será obrigado a fazer determinado procedimento ou tratamento médico sem o seu consentimento.
O direito à integridade moral ou psíquica tem por finalidade a tutela da pessoa humana contra qualquer ato atentatório a sua dignidade, honra, liberdade, pensamento, etc. A integridade pessoal deve ser garantida pelo Estado, individual e socialmente considerada.
Elimar Szaniawski, discorre com precisão sobre o caráter absoluto da integridade pessoal:
Todos têm o dever de respeitar de respeitar a incolumidade anatômica do individuo e sua saúde, não podendo atentar contra estes bens jurídicos, de modo algum. Nem mesmo os médicos podem realizar exames, intervenções cirúrgicas ou tratamentos sem que haja expresso consentimento por parte do paciente. Excetuam-se apenas as hipóteses em que a pessoa seja vítima de acidente, ou no caso em que surgirem complicações à sua saúde que requeiram uma atuação urgente do médico, quando este deverá fazer tudo para salvar a vida do paciente, justificando-se a prática de medidas de urgência. Diante da caracterização do estado de necessidade, será lícito ao médico promover a diminuição permanente da integridade física do paciente sem sua concordância expressa. Nessa hipótese, devido à presença do estado de necessidade, transfere-se o poder de autorização para a atuação do médico ao representante legal ou aos parentes do paciente. Estando, contudo, o paciente diante de um iminente risco de vida, pode o cirurgião realizar as intervenções necessárias e o internamento médico hospitalar sem o consentimento do doente, de seu representante legal ou dos parentes. Não se apresentando o estado de necessidade com o iminente risco de vida do paciente, nem hipótese de interesse público, torna-se ilícito qualquer exame médico ou corporal sem o consentimento do examinando, uma vez que assim o fazendo, estará violando o direito à sua própria pessoa, em desrespeito à sua dignidade humana. [36]
O Código Civil dispõe sobre integridade moral nos artigos 17 a 20, 186 e 953:
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotada para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou ausente, são partes legitimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 953. A indenização por injuria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.
A figura que importa no estudo do consentimento informado no que diz respeito à integridade moral, é a liberdade.
Liberdade é ausência de impedimentos. É o poder de ação das pessoas sem qualquer interferência do Estado ou de outras pessoas. Por isso, o direito à liberdade se dirige contra as pessoas e contra o Estado. O direito protege a liberdade física e a liberdade de pensamento [...] O direito à liberdade é, portanto, um dos direitos de personalidade [...]. [37]
O direito de recusa à transfusão de sangue é importante para tornar inviolável a integridade moral do paciente, que deve obrigatoriamente autorizar, ou não, determinado tratamento medicinal. Tal instituto encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, nos princípios constitucionais do direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à saúde, à igualdade, entre outros. Também, vem disposto no Código Civil, quando trata dos direitos da personalidade, nos artigos 13 e 15. Além, de muitas outras leis esparsas.
5. Direito de recusa à Transfusão de Sangue
O direito de recusa à transfusão de sangue confronta o princípio da autonomia e o princípio da beneficência.
A Constituição Federal, no art. 5º, II, reza que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Não existe no ordenamento jurídico brasileiro lei que determine a obrigatoriedade da transfusão de sangue. Conseqüentemente, o paciente tem a faculdade de aceitar ou não fazer a transfusão de sangue. Mesmo nos casos de iminente risco de vida, o paciente pode optar pela não transfusão de sangue, vez que existem outras alternativas. Este é o posicionamento de Celso Ribeiro Bastos:
[...] o paciente tem direito de recusar determinado tratamento médico, inclusive a transfusão de sangue, com fundamento no art. 5º, II, da CF. Por este dispositivo, fica certo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (princípio da legalidade). Como não há lei obrigando o médico a fazer transfusão de sangue no paciente, todos aqueles que sejam adeptos da religião "Testemunhas de Jeová", e que se encontrarem nesta situação, certamente poderão recusar-se a receber o referido tratamento, não podendo por vontade médica, ser constrangidos a sofrerem determinada intervenção. O seu consentimento, nesta hipótese é fundamental. Seria mesmo desarrazoado ter um mandamento legal obrigando a certo tratamento, até porque podem existir ou surgir meios alternativos para chegar a resultados idênticos. [38]
E continua o autor, dizendo que o direito à vida envolve vários outros direitos e o conteúdo resguarda a inviolabilidade como um bem jurídico de maior grandeza. Mas, isto não representaria indisponibilidade, deve-se, desse modo, insistir neste ponto: a garantida constitucional da inviolabilidade do direito à vida, assim como o faz quanto à liberdade, à intimidade, à vida privada, e outros tantos valores albergados pela Carta Magna. “No caso presente, não se fala em indisponibilidade, mas sim de inviolabilidade. O que a Constituição assegura, pois, é a "inviolabilidade do direito á vida" (art. 5.º, caput)”[39] .
O direito à vida, protegido na Constituição Federal, não se refere apenas aos elementos materiais e físicos da pessoa, mas, também, aos psíquicos e espirituais, que serão atingidos, caso haja a transfusão de sangue sem o consentimento do paciente. Assim, é o comentário de José Luiz Quadros de Magalhães:
Acreditamos, no entanto, que o direito à vida vai além da simples existência física. [...] O direito à vida que se busca através dos Direitos Humanos é a vida com dignidade, e não apenas sobrevivência. Por esse motivo, o direito à vida se projeta de um plano individual para ganhar a dimensão maior de direito [...], sendo, portanto, a própria razão de ser dos Direitos Humanos".[40]
Celso Ribeiro Bastos trata conjuntamente o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa humana, destacando que o valor distinto da pessoa humana repercute na afirmação de direitos específicos de cada homem e no reconhecimento de que o homem, na vida social, não se confunde com a vida do Estado, havendo um deslocamento do Direito do plano do Estado para o plano do indivíduo.[41]
Luiz Antônio Rizzato Nunes, citando Miguel Ekmekdjian, concorda com a idéia de que não existe vida sem dignidade:
Se realizarmos uma enquete sobre a relação hierárquica entre o direito à dignidade e o direito à vida, possivelmente grande parte das respostas apontaria em primeiro lugar o direito à vida e abaixo deste o direito à dignidade. O argumento que aparenta ser decisivo é que sem a vida não é possível a dignidade. Essa afirmação pode aparecer de grande impacto, contudo é errônea. Implica uma transposição de lugares. De um ponto de vista biológico, é certo que não é concebível a dignidade em um ser inerte, em uma pedra, ou em um vegetal. Assim como se afirma que sem vida não há dignidade (o que aceitamos somente de um enfoque biológico), nos perguntamos se existe vida sem dignidade. Que vida é esta? Era a vida dos escravos tratados como animais que servem para trabalhar e reproduzir-se? Biologicamente sim, mas eticamente não[42].
Se a vida não se resume ao aspecto físico, devendo esta, ser vista interligada ao princípio da dignidade da pessoa humana. Celso Ribeiro Bastos considera que o Judiciário, ao intervir quando chamado por um médico nos casos de recusa à transfusão de sangue, afronta o direito da liberdade individual e da dignidade da pessoa. E mais, autorizando tal procedimento estaria protegendo o aspecto físico mas, concomitantemente, estaria retirando a dignidade do paciente[43].
Para os seguidores da religião Testemunhas de Jeová[44], a recusa às transfusões de sangue é princípio fundamental que norteia as suas vidas. É uma relação íntima protegida pela Constituição Federal por meio do princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Afirma Celso Ribeiro Bastos, que “aqueles que aderem à orientação das Testemunhas de Jeová também pretendem, como todas as pessoas, continuar vivos. Apenas ocorre que também objetivam uma vida em paz consigo mesmos, sem que a sua posição religiosa reste maculada[45]”.
Assim, não há falar-se em colisão de princípios fundamentais, ou seja, direito à vida e liberdade de crença, mas sim em concorrência, pois o que está em jogo é o direito à vida pelo seu aspecto imaterial. As Testemunhas de Jeová não têm a intenção de renunciar à vida quando negam fazer a transfusão de sangue, apenas manifestam a vontade de serem submetidas a tratamento alternativo ao sangue[46], como ilustra Aldir Guedes Soriano:
Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico. Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos para se evitarem as transfusões sangüíneas, que, por sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível AIDS[47].
O Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1931/2009), em seu art. 32 dispõe que, "É VEDADO AO MÉDICO: Deixar de usar tos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecido e a seu alcance, em favor do paciente.
Marco Segre, em palestra ministrada sobre o assunto em tela, em abril de 1996, na cidade de Ribeirão Preto, afirmou que "[...] o fato de existir uma crença religiosa que impede a aceitação de sangue está contribuindo enormemente para o desenvolvimento científico”.[48]
Com o avanço da medicina, num futuro bem próximo, as cotidianas transfusões de sangue, por vezes contaminadas, serão substituídas por tratamentos alternativos, bem mais seguros para os pacientes. Consequentemente, acabará a dependência da escassez cada vez maior dos bancos de sangue. Inclusive, atualmente, já existe um crescente número de médicos que estão criando alternativas para o tratamento sem a necessidade de transfusão de sangue. Para isso, precisam ter atenção no período pré-operatório, evitar a perda de sangue durante a cirurgia e ter cuidados no pós-operatório. Há ainda, equipamentos que diminuem a perda de sangue durante a cirurgia, como o eletrocautério, coagulador por feixe de gás argônico, a cola de fibrina, hemodiluição, recuperações intra-operatórias de células, etc. Também, existem máquinas de recuperação intra-operatória de sangue que recuperam e reutilizam o sangue do paciente.
Ressalte-se, ainda, que numa emergência quando o paciente está perdendo muito sangue, a hemorragia deve ser estancada de imediato e haver a substituição do sangue perdido por outra substância parecida que assuma, provisoriamente, suas funções, como expansores e outros produtos farmacêuticos indicados nos casos concretos. Assim, ao recusar uma transfusão de sangue, o paciente apenas está fazendo valer seu direito constitucional à vida, vez que este engloba os direitos da personalidade na dimensão espiritual. É preciso ressaltar, ainda, que sem os atributos espirituais, as pessoas são rebaixadas à condição análoga de animais.
O jurista português André Gonçalo Dias Pereira comunga do entendimento que o paciente tem direito à recusa da transfusão de sangue e a qualquer outro tratamento médico proposto:
A opinião dominante é a de que qualquer pessoa adulta tem o direito de recusar os tratamentos propostos por mais irracionais e estúpido que possa parecer aos olhos do médico. É a que prevalece em Portugal. [...] Os médicos têm a obrigação deontológica de respeitar as opções religiosas dos doentes. O médico que procede a uma transfusão de sangue contra a vontade do paciente não está no exercício de nenhum direito. O seu comportamento é, inclusive, punível nos termos da lei penal. Por todo o mundo existe bastante jurisprudência sobre esta matéria. Em alguns casos decide-se pelo princípio da autodeterminação... [...][49].
Segundo importantes doutrinadores, no caso da recusa da transfusão do sangue, não há ofensa ao direito à vida, pois existem tratamentos alternativos. A medicina encarou o desafio e tem desenvolvido métodos terapêuticos alternativos sem sangue, respeitando a dignidade e encarando o paciente como um todo e não só como um ser biológico.
Conseqüentemente, como vigora, atualmente, o princípio da autonomia, via consentimento informado, tem-se que o paciente tem o direito de recusar-se a tratamento no qual será utilizada a transfusão de sangue (com exceção dos casos que não têm tratamento alternativo)[50]. Devendo o médico respeitar sua decisão, caso contrário responderá pelos riscos assumidos.
Mas é preciso ressaltar, que a maioria dos Tribunais não adota esse posicionamento[51].