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A responsabilidade civil do cirurgião dentista não-autônomo nas situações de emergência das atividades hospitalares

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01/08/2002 às 00:00
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Introdução

A responsabilidade civil é um tema que cada vez mais tem sido dado importância dentro do Direito brasileiro.

Isso se deve, pois, avanços relevantes foram dados quanto à nossa legislação, com grande modificação quanto ao reconhecimento do povo como cidadãos, principalmente com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que instituiu, além de outras garantias, o direito à saúde. Assim, confirmou os cidadãos como entes participativos no meio social, fazendo com que todos buscassem com mais voracidade os seus direitos, e, conseqüentemente, grande foi o aumento do número de ações indenizatórias com o sentido de reparar os danos causados por profissionais da saúde.

Tais danos (e nesse estudo específico, causados por profissionais da odontologia), são obrigações derivadas de atos ilícitos, por meio de ações, sejam elas culposas ou dolosas, praticadas com infração a uma conduta a ser seguida. Terão como conseqüência, portanto, o dever de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado, sejam eles materiais ou morais. Presume-se, então, que quem incorre numa omissão que resulte em dano a outrem, deverá suportar as conseqüências do seu procedimento, pois se trata de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume o problema da responsabilidade civil.

Com essa nova tendência, de todo lesado buscar a reparação do dano que lhe foi causado, tornou-se a relação paciente e profissional da área odontológica, mais, do que antigamente era visto: hoje todos os atendimentos feitos por profissionais, e, nesse caso dando-se enfoque aos odontólogos, ficarão sempre sujeitos a qualidade de seus serviços, podendo eles responderem civilmente e criminalmente pelos seus atos profissionais.

Nesse condão, buscou-se, dentro da pesquisa feita, analisar a responsabilidade civil do Cirurgião Dentista não-autônomo, verificando se esta se configura independentemente de culpa, no tocante às situações de emergência da atividade hospitalar. O trabalho se desenvolveu através da pesquisa da teoria da responsabilidade civil, dentro da legislação brasileira vigente, da verificação das características da profissão de Cirurgião Dentista não-autônomo dentro da entidade hospitalar, além de apontar quais os requisitos da responsabilidade civil do Cirurgião Dentista não-autônomo nos atendimentos de emergência.

Para tanto, utilizou-se o método dedutivo, partindo de uma pesquisa geral em leis e doutrinas, para chegar a conclusão no estudo da responsabilidade civil, especificamente do Cirurgião Dentista não-autônomo, nos atendimentos de emergência.

Por fim, a presente monografia se estruturou com base em três capítulos, cada qual subdivido. O primeiro capítulo tratou da responsabilidade jurídica, através de conceitos de categorias e elementos basilares da teoria da reparação. O segundo capítulo, por sua vez, abordou a relação entre o profissional odontólogo e seu paciente, desde o histórico, passando por uma pesquisa legislativa e, ao final, abordando a ética profissional. O terceiro capítulo abordou o dano e a obrigação de reparar, as excludentes de reparação e o atendimento emergencial como excludente da reparação.


1 Da responsabilidade civil

1.1 Histórico

A teoria clássica da responsabilidade civil fundamenta-se, basicamente, no dano, na culpa daquele que casou o dano e na relação de causalidade entre o fato culposo e o dano. [1]

Já se cogitava, no período inicial de formação das sociedades, a existência de responsabilidade civil. É claro que não se falava em responsabilidade civil ou direito como ciência estruturada em sistemas normativos complexos, mas sim em regras de convivência que regulamentam o convívio social de maneira até mesmo a garantir a sobrevivência da espécie. Nada mais correto neste ponto do que o velho adágio romano – ubi societatis ibi jus – onde está a sociedade está lá o direito. [2]

A princípio, a responsabilidade civil não se distinguia da própria responsabilidade penal e era vista como uma forma de reação imediata e instintiva do homem às agressões de outro homem ou do próprio meio em que vivia. Nessa fase, que se mostra como sendo a primeira fase da evolução da responsabilidade civil, caracterizava-se pela vingança privada, onde o homem fazia justiça com as próprias mãos. Não havia, portanto, mecanismos que limitassem a reação humana; apenas a regra primitiva de que toda ação merece uma reação, ainda que desproporcionalmente maior em intensidade do que aquela originou. [3]

Posteriormente a vingança privada e ilimitada, surge o Código de Hamurabi, datado de 2.200 a.C.; ordenamento babilônico consagrador da Lei do Talião - "olho por olho, dente por dente". Nesse ordenamento, a vingança passou a ser regulamentada, não podendo ultrapassar aos limites da agressão sofrida. [4] Com efeito, é o que se depara nos §§ 196 e 200: "Se um awillum (membros de certa classe social) destruiu o olho de um outro awillum; destruirão o seu olho. Se um awillum arrancou um dente de um awillum igual a ele: arrancarão o seu dente". [5]

Superada essa fase, passa-se para a fase de composição dos danos. Aquele que se prejudicou passou a obter vantagens econômicas em vez da vingança privada, no entanto sem ainda cogitar-se a culpa do ofensor. [6] Tratava-se de uma idéia primitiva de composição, a qual o ofensor comprava o ofendido e sua família, garantindo a sua impunidade. [7]

Numa etapa mais avançada, onde há uma autoridade estatal soberana, o legislador passou a regulamentar a composição, vedando a vingança privada e passou a compelir o ofensor a ressarcir o dano causado. [8] Nessa época, surgiram vários ordenamentos, dentre os quais: o Código de Manu, que datou do século XIII a.C., e tratou da indenização por defeito oculto da noiva e dano causado a animais; como também, no o Código de Ur-Nammur e a Lei das XII Tábuas. [9]

Começou aí a constatar-se que certos delitos não atingiam apenas os particulares, mas também a ordem Estatal, dividindo-se, então, em delitos privados e públicos. Os delitos públicos eram de maior abrangência e intensidade, e por esta razão, eram punidos pelo Estado. Nos delitos particulares o Estado apenas intervinha para fixar a composição e evitar conflitos. [10]

Nesse condão, transcrevemos as palavras de Wilson Mello da Silva:

Num estágio mais avançado, quando já existe uma soberana autoridade, o legislador veda à vítima fazer justiça pelas próprias mãos. A composição econômica, de voluntária que era, passa a ser obrigatória, e ao demais disso, tarifada. É quando, então, o ofensor paga um tanto ou quanto por membro roto, por membro de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em conseqüência, as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes históricos das nossas tábuas de indenizações preestabelecidas por acidentes de trabalho. É a época de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas. [11]

A responsabilidade civil passou a ser diferenciada da responsabilidade penal e surge a indenização, sendo que ocorre a partir do momento que o Estado passou exclusivamente para si a ação repressiva de velar e punir a composição. Esta ocorreu no tempo dos romanos. [12]

Nesse diapasão, assim refere-se Carlos Roberto Gonçalves:

A diferenciação entre a "pena" e a "reparação", entretanto, somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos públicos, a pena econômica imposta ao réu deveria ser recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena em dinheiro cabia à vítima. [13]

Foi com a promulgação da Lex Aquilia, durante a República Romana, aproximadamente ao longo do século III a.C., que se começou a traçar os fundamentos da responsabilidade civil. [14] Também pode ser chamada de responsabilidade civil aquiliana ou responsabilidade extracontratual, e assim denomina-se por ter sido de iniciativa do tribuno Aquilius, da gens [15] Aquilia, do patriciado romano. [16]

Nas palavras de José de Aguiar Dias:

É na Lei Aquília que se esboça afinal, um princípio regulador de reparação do dano. Embora se reconheça que não continha ainda uma regra de conjunto, nos moldes do direito moderno, era, sem nenhuma dúvida, o germe da jurisprudência clássica com relação à injúria, e fonte direta da moderna concepção da culpa aquiliana, que tomou da Lei Aquília o seu nome característico. [17]

Ela veio e atingiu não só a Lei das XII Tábuas, mas também qualquer outro instrumento regulador da reparação do dano. "Ulpiano, por sua vez, faz referência genérica ao efeito revogador da Lei Aquília, a qual atingiu não só a Lei das XII Tábuas como ainda alguma outra que tenha havido que não é necessário mencionar (...)". [18]

Esta lei teve como principal mudança para o sistema vigente, a substituição da multa fixa por uma pena proporcional ao dano causado. Entretanto, esse avanço era reduzido, pois atribuía o valor da pena a casos específicos, limitando o âmbito da reparação dos danos causados. [19] Ela dividia-se em três capítulos, ordenados da seguinte maneira: capítulo primeiro tratava da morte de escravos e animais e das espécies que pastam em rebanhos; o segundo regulava a quitação por parte do adstipulator [20] com prejuízo do credor estipulante; e, o terceiro ocupava-se do danum injuria datum [21](compreendia lesões a escravos ou animais e a deteriorização ou destruião de coisas corpóreas). [22]

A mesma tornou-se tão importante, que segundo palavras de Yussef Said Cahali, "É curioso e importante notar que a Lex Aquilia, a despeito de, desde os primórdios, ter sido tomada como referencial absoluto a respeito de quanto se entenda com a responsabilidade extracontratual, tanto que tomou o nome de ‘culpa aquiliana’, (...)". [23]

A grande questão que se discute entre os juristas, entretanto, é que se na Lei Aquilia encontrava-se ou não o conceito de culpa. Alguns acreditam que sim, e, afirmam que nos textos da época estava insculpido tal conceito.

É como diz Cunha Gonçalves, que para ele tal resposta torna-se afirmativa. Eis aqui a transcrição de um trecho de sua obra :

Doutro lado, os jurisprudentes romanos e os intérpretes medievais, não só graduavam a culpa, conforme os casos, em lata, levis e levíssima, mas sujeitavam a responsabilidade civil o autor dum dano injusto, até no caso de culpa levíssima: ‘in lege aquilia et levíssima culpa venit’. E que significa esta culpa levíssima? O mesmo que na doutrina moderna: o grau mínimo de diligência humana possível e exigível, para além da qual só existe o caso fortuito. Ora, a responsabilidade objetiva não ultrapassa, também, o caso fortuito; ela coincide bem com a culpa levíssima, que é um conceito amplíssimo. [24]

Com o acontecimento da Revolução Francesa, grande foi a necessidade de uma inovação no campo legislativo, haja vista o grande vazio deixado na era medieval. Voltaram-se, assim, os juristas da época, para os textos romanos, principalmente da Lei Aquiliana. [25]

Nesse período, ficou estabelecido nitidamente o princípio geral da responsabilidade civil, afastando-se dos inúmeros casos em que foi instituída a composição obrigatória. Tais princípios estabeleceram algumas linhas de raciocínio, criando as seguintes categorias básicas: a que acarrete a responsabilidade penal do agente perante o Estado, e a responsabilidade civil perante a vítima; a das pessoas que descumprem obrigações, que é culpa contratual; a que se origina da imprudência e negligência, não se ligando a crime ou delito. [26]

Somente com o Código Napoleônico é que ficou instituída a culpa in abstracto e a distinção entre a culpa delitual e contratual, em seus artigos 1.382 e 1.383. Após a sua promulgação, esses princípios perpetuaram-se e influenciaram as legislações de todo o mundo. [27] Ficou aí delineada a teoria subjetiva da responsabilidade, a qual obriga o ofensor a pagar a indenização ao ofendido, se caracterizados os seguintes requisitos: dano, nexo de causalidade e culpa. [28]

Por fim, com a revolução Francesa e a seguir com a Revolução Industrial, a humanidade experimentou grandes progressos, os quais tiveram como conseqüência o aumento da ocorrência de danos e surgimento de novas teorias a cerca do dever de indenizar e da responsabilidade civil.

Assim, uma das teorias doutrinárias que vêm ganhando grande espaço até os dias atuais, é a teoria do risco e teoria do dano objetivo, ou seja, a teoria da responsabilidade objetiva. Esta fixa suas raízes no princípio da eqüidade, o qual quem lucra com alguma atividade deve responder pelos riscos ou desvantagens que ela resulta, respondendo pelos danos independentemente que exista a idéia de culpa. [29]

1.2 A responsabilidade civil e penal

O termo responsabilidade origina-se na palavra latina re-spodere e tem como significado a recomposição, a obrigação do agente causador do dano a repará-lo. [30]

Entre os romanos, não existia nenhuma distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal. Somente com a Lex Aquilia é que se passou a fazer uma tênue distinção, onde a responsabilidade continuou sendo classificada como penal; entretanto, a indenização passou ser a forma costumeira de sanção imposta aos ofensores. [31]

Hoje, a responsabilidade jurídica [32] divide-se, de uma forma genérica, em responsabilidade civil e penal, as quais possuem diferenças a serem delineadas.

Maria Helena Diniz, a cerca do assunto, assim discorre:

Enquanto a responsabilidade penal pressupõe a turbação social, ou seja, uma lesão aos deveres de cidadãos para com a ordem da sociedade, acarretando um dano social determinado pela violação de norma penal, exigindo para restabelecer o equilíbrio social, investigação da culpabilidade do agente (...) A responsabilidade civil requer prejuízo a terceiro, particular ou Estado. A responsabilidade civil, por ser repercussão do dano privado, tem por causa geradora o interesse em restabelecer o equilíbrio jurídico alterado ou desfeito pela lesão, de modo que a vítima poderá pedir reparação do prejuízo causado, traduzida na recomposição do statu quo ante ou numa importância em dinheiro. [33] (ênfase acrescentada)

Apesar da ordem jurídica admitir outras fontes de responsabilidade, diz-se que ela funda-se, em regra, no ato ilícito. Os atos ilícitos são aqueles praticados mediante desvio de conduta, desconformes com o ordenamento jurídico, acarretando ao se causador, a obrigação de repará-lo. [34]

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Reiteradamente explana-se o entendimento de Maria Helena Diniz:

O ato ilícito constitui uma ação (comissão ou omissão), imputável ao agente, danosa para o lesado e contrária à ordem jurídica. Essa violação jurídica poderá consistir em desobediência a um dever previsto no ordenamento jurídico (ilícito civil ou penal) ou a uma obrigação assumida (inexecução do contrato). Tal ação poderá ser praticada pelo próprio lesante ou pessoa, animal ou coisa que esteja sob guarda. Para que ocorra o dever de reparar o dano causado a outrem, o agente deverá ser passível de responsabilização, isto é, deverá haver suscetibilidade de atribuição do resultado ao lesado, pois a imputabilidade é um dos pressupostos do ato ilícito. [35]

Na responsabilidade penal, o agente atinge uma norma de Direito Público, o qual o interesse lesado é o da sociedade. Além disso, ela é pessoal e intransferível e o agente que causou o dano deve pagar com a privação de sua liberdade, prerrogativa que cabe ao Estado. Perturba, portanto, a ordem social, provocando uma reação do ordenamento jurídico, que é representada através da imposição da pena. [36]

Na lição do doutrinador Rui Stocco, temos que "A responsabilidade penal pressupõe uma turbação social, determinada pela violação da norma penal, sendo necessário que o pensamento exorbite do plano abstrato para o material, pelo menos em começo de execução". [37]

Esta tem como requisito genérico, para configuração do crime e da responsabilidade penal, a tipicidade. In casu, nem sempre aquele que agiu com culpa será punido, haja vista depender da intensidade em que foi causado o dano. Outro requisito é a imputabilidade, que, se configura, para efeitos de penalização, a partir dos dezoito anos de idade, sendo que o louco será em toda e qualquer hipótese, irresponsável penalmente. [38]

A responsabilização e conseqüente penalização do agente que causou o ilícito penal, tem como objetivo restabelecer a ordem social. E, essa prerrogativa cabe ao Estado, que deve agir de forma a coibir a ação dos penalmente responsáveis.

Nesse sentido, leciona Rui Stocco:

Obediente ao princípio ‘nulla poena sine lege’, o legislador compendia, nos Códigos Penais, os atos que considera prejudiciais à paz social, e que, como tal, acarretam a responsabilidade penal do agente. Importa em homenagem àquele princípio, que o indivíduo ao agir, conserve a sua liberdade, isto é, que, praticando certos atos, saiba que não será inquietado, sabendo, por outro lado, que aqueles outros, infringentes da norma penal, provocarão ação repressora. Esta ação repressora não se preocupa, porém, com os danos particulares (embora em concreto ele ocorra), mas tem em vista o dano social, contra o qual reage, ferindo, isolando, acautelando, em uma palavra, restabelecendo e conservando o equilíbrio desfeito. [39]

Já a responsabilidade civil, o interesse lesado é de um particular, que deve buscar a reparação do dano. [40]

Diferentemente da área penal, que necessário se faz a configuração da tipicidade, qualquer ação ou omissão que lesar direito ou causar prejuízo a terceiros, pode gerar a responsabilidade civil. O segundo requisito é a culpa, que na área cível, ainda que leve ou levíssima, obriga a indenizar. A imputabilidade se verifica a partir dos dezesseis anos;então, são considerados maiores, civilmente, dos dezesseis anos aos vinte e um anos, sendo que estes são equiparados aos maiores, para efeitos de responsabilidade civil. [41]

Para Sílvio Rodrigues, a indenização é a reação causada pela sociedade, que deva ser exigida pela vítima. "Todavia, como a matéria é de interesse apenas do prejudicado, se este se resignar a sofrer o prejuízo e se mantiver inerte, nenhuma conseqüência advirá para o agente causador do dano". [42]

Então, necessário se faz a configuração de um dano, para que a vítima exija do agente a sua reparação. O dano, o prejuízo, descompensação ou desfalque ao patrimônio de alguém [43] é, portanto, a condição sine qua non para haver a indenização.

Vedel comenta: "Contudo, sem a ocorrência de dano, não há responsabilidade civil, pois consiste ela ‘na obrigação imposta, em certas condições ao autor de um prejuízo, de repara-lo, quer em natura, quer em algo equivalente". [44]

Portanto, segundo corrobora José de Aguiar Dias, desta maneira se mostram as diferenças entre responsabilidade civil e penal:

(...) certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função dos órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva. Reafirmamos, pois, que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e penal. As condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir par se efetivar. E não pode deixar de ser assim. Tratando-se de pena, atende-se ao princípio nulla poena sine lege, diante do qual só exurge a responsabilidade penal em sendo violada a norma compendiada na lei; enquanto a responsabilidade civil emerge do simples fato do prejuízo, que viola também o equilíbrio social, mas que na exige as mesmas medidas no sentido de restabelece-lo, mesmo porque outra é a forma de consegui-lo. A reparação civil reintegra, realmente, o prejudicado da situação patrimonial anterior (pelo menos tanto quanto possível, dada a falibilidade da avaliação; a sanção penal não oferece nenhuma possibilidade de recuperação ao prejudicado; sua finalidade é resituir a ordem social ao estado anterior à turbação. [45]

Por fim, uma situação que pode ocorrer é que se o agente ao causar um dano, infringir norma de direito penal e de direito civil ao mesmo tempo, ou seja, ser responsabilizado penalmente e civilmente. [46] Então, "(...) Certos atos ilícitos, devido à sua gravidade por infringir norma de direito público, constituindo crime ou contravenção, e por causar dano a terceiro, e às suas conseqüências, têm repercussão tanto no cível como no crime, hipótese em que haverá dupla reação da ordem jurídica: a imposição de pena ao criminoso e a reparação do dano causado à vítima". [47] Assim, serão acionados o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil e o sistema repressivo penal [48], em busca da reparação dos danos causados para pelo menos tentar voltar ao equilíbrio natural, ou seja, ao status quo anterior.

1.3 Da responsabilidade objetiva e subjetiva

Tendo em vista os fundamentos da responsabilidade civil, esta se classifica em responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva.

A responsabilidade subjetiva funda-se no conceito de que para haver a responsabilização do agente causador do dano, imprescindível se faz a comprovação da culpa, esta em sentido latu. Ou seja, deve o agente agir com vontade própria e consciência. [49]

Entende-se, portanto, "(...) ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na idéia de culpa, a qual passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu como dolo ou culpa". [50]

Assim dispõe a doutrina:

A culpa, para os defensores da teoria da responsabilidade civil subjetiva é o elemento fundamental para determinar o dever do ofensor de reparar o dano. Assim, para que determinada pessoa seja obrigada a indenizar o prejuízo causado a outrem, por sua atitude, é necessário que esta tenha emanado de sua consciência, ou seja, que tenha sido intencional, caracterizando o dolo; ou ainda, que esta pessoa tenha descumprido seu dever de bom pater familiae, agindo, com negligência, imprudência ou imperícia (culpa).

Se o dano não tiver emanado de uma atitude dolosa (culpa lato senso) ou culposa (culpa em sentido estrito) do agente, a própria vítima será obrigada a suportar os prejuízos, como se estes tivessem sido causados por caso fortuito ou força maior. [51]

Essa teoria está delineada no artigo 159 do Código Civil Brasileiro, o qual conceituou a culpa em um conceito amplo: "Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano". Quando fala em ‘ação ou omissão voluntária’, expressa aí a culpa strictu sensu, representada pela negligência e imprudência. [52]

Entretanto, a jurisprudência e a doutrina vêm se convencendo a cada dia que, a responsabilidade civil fundada na culpa tradicional não soluciona inúmeros conflitos, deixando de lado a reparação de diversos casos. [53]

Nesse sentido:

E se é verdade (e isto não se contesta), que a culpa subjetiva é, ainda, noção útil e que dela ainda não se possa, nem talvez o possa jamais, o direito prescindir, verdade é, também, que já se revela, a cada dia e a cada minuto, um critério técnico insuficiente, insusceptível de abarcar todo o edifício da responsabilidade civil. [54]

Assim, a partir da Revolução Industrial grandes mudanças e avanços profundos em todas as áreas da tecnologia vêm ocorrendo, não podendo a responsabilidade civil ficar restrita à teoria da responsabilidade subjetiva, haja vista inúmeros casos de responsabilização ficarem sem solução. Principalmente em razão dos trabalhadores desta época não estarem ao amparo de leis que o protegessem da ganância de seus patrões, tendo que aqueles suportarem todos os danos decorrentes de seu trabalho. [55] Então, grande foi a comoção dos doutrinadores e legisladores para ampliar os conceitos de reparação.

É da doutrina:

O século XX notabilizou-se por uma mudança social profunda, o homem aprendeu a voar e conquistou espaço, inventou a comunicação remota pelo rádio, televisão, telefone e opera, a partir de fibras óticas, um turbilhão de informações que chega a nossos lares por meio da Internet. Neste contexto, as relações não podem ficar restritas à subjetividade que deturpa a noção de justiça (...). [56]

Nessa época, devido ao avanço tecnológico que estava sendo vivenciado, passaram a ser adotados poderosos maquinismos, os quais causaram inúmeros acidentes com os seus operários. Entretanto, ficavam estes à mercê do desamparo, sem reparação alguma para os lesados ou suas famílias, lançadas em negra miséria, enquanto seus patrões cada vez mais enriqueciam. [57]

E, segundo Serpa Lopes:

Dois foram os fatores determinantes desse movimento de oposição à idéia de culpa: primeiramente a estreiteza da cobertura oferecida pela culpa, sem poder trazer a solução para certos casos ou fatos, excluídos do seu alcance, como o dano resultante do acidente de trabalho; em segundo lugar, os motivos de ordem filosófica, como o declínio do individualismo e uma atmosfera de socialização do Direito que começou a perturbar a estrutura dos Códigos então vigentes. [58]

Desta maneira, nasceu a teoria da responsabilidade objetiva, ou também comunmente chamada de teoria do risco.

Pode-se adotar como postulados, portanto, da responsabilidade objetiva:

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano cometido sem culpa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou ‘objetiva’, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Esta teoria dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa. [59]

Nesse caso, a culpa não se torna pressuposto essencial para a sua configuração, sendo que em alguns casos ela é presumida pela lei. Quando presumida, inverte-se o ônus da prova, só precisando o autor da ação provar a ação ou omissão e o dano a ele causado.

Nesse condão, profere Rui Stocco:

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro) assenta-sena equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar a imputabilidade ou investigar a antijuricidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável. [60]

Portanto, na responsabilidade subjetiva o ilícito é seu fato gerador, de modo que o imputado, deverá ressarcir o prejuízo, se for provado pelo lesado, que houve dolo ou culpa na ação. Já na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é licita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerceu terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal. [61]

Desse modo, a teoria do risco veio para preencher as lacunas que a responsabilidade pela culpa deixava, permitindo reparar o dano sofrido, independentemente de culpa. Para Caio Mário, "a teoria da culpa impera como direito comum ou a regra geral básica da responsabilidade civil, e a teoria do risco ocupa os espaços excedentes, nos casos e situações que lhe são reservados". [62]

O que vale lembrar é que a responsabilidade subjetiva não foi substituída ou reprimida pela teoria do risco. A segunda veio para completar lacunas que haviam nas legislações, sendo que a responsabilidade subjetiva é regra necessária. [63]

Assim, o que se deve adotar como regra para a responsabilidade civil, é sua fundamentação na culpa. Entretanto, sendo esta insuficiente para atender às necessidades advindas como conseqüência do progresso, necessário se faz que o legislador fixe os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Dessa maneira não se estará abstraindo ou muito menos suprimindo a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Entretanto, se nos atermos somente à ela, estaremos impedindo o progresso e negando uma realidade que há muito já existe. [64]

1.4 Da responsabilidade contratual e extracontratual

A responsabilidade jurídica, conforme seu fato gerador, divide-se em responsabilidade contratual e extracontratual.

Assim, a obrigação de repara o dano surge a partir do descumprimento obrigacional, seja porque o devedor deixa de cumprir um contrato, ou parte dele, ou ainda, por não observar o sistema normativo que regulamenta a sua vida em sociedade. [65]

Portanto, a responsabilidade civil divide-se em dois grandes ramos, como se observa na doutrina:

Divide-se a responsabilidade em dois grandes ramos: a) a responsabilidade contratual, quando há inexecução obrigacional, advinda de um contrato, e b) responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, quando há inadimplemento normativo, que por sua vez pode ser subjetiva (com culpa do devedor) ou objetiva (sem culpa do devedor). [66]

Então, quando a responsabilidade não advier de um contrato, pode-se afirmar que se trata de responsabilidade extracontratual, aplicando-se o previsto no art. 159 do Código Civil. Assim, todo aquele que causa dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, fica obrigado a repará-lo. É a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também chamada aquiliana. [67]

A responsabilidade extracontratual, em nosso ordenamento, se escora no princípio da culpa, este previsto nos artigos 159 [68] e 160 [69] do Código Civil. [70] Diz-se, portanto, ser extracontratual por não derivar de um contrato, e sim de um ato ilícito. Assim, em razão do agente causador do dano agir com culpa em sentido estrito ou dolo, deverá repará-lo. [71]

Este ato ilícito, para que exista, necessário se faz que haja uma ofensa, ou seja, a violação de um direito, além da ação ou omissão, que são conseqüências do dolo, imprudência ou negligência. [72]

Quanto aos princípios inerentes à responsabilidade extracontratual, Aguiar Dias assinala:

A responsabilidade extracontratual no direito brasileiro assenta, por doutrina pacífica, no princípio da culpa, reiterado, nesse passo, o direito anterior à codificação. Os princípios fundamentais estão condensados nos arts. 159 e 160 do Código Civil. Consoante lição de Pontes de Miranda, nesses princípios se consideram as seguintes noções: ato ilícito: ação ou omissão voluntária, compreendendo a negligência, imprudência e o dolo; limites do ato ilícito: legítima defesa e deterioração ou destruição de coisa alheia para remover perigo iminente; reparabilidade do dano. [73]

Em se tratando de responsabilidade contratual, esta se funda no descumprimento de um contrato, ou melhor, como diz Gonçalves, o agente descumpre o avençado, tornando-se inadimplente. [74] Ela é oriunda da vontade das partes e expressa em um contrato, ainda que meramente verbal. [75]

Para o doutrinador Orlando Gomes, as responsabilidades contratual e extracontratual, quanto à obrigação de indenizar, se diferenciam da seguinte forma:

A obrigação de indenizar o dano causado pode surgir:

a)do inadimplemento de obrigação negocial ou "ex lege";

b)da lesão de direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer

relação jurídica.

Na primeira hipótese, diz-se que a responsabilidade é contratual; na segunda, extracontratual ou delitual. Nas duas a lei impõe ao autor do dano uma obrigação que tem por objetivo a prestação da indenização. Embora tal obrigação seja a mesma, diferem as duas espécies de responsabilidade, notadamente quanto ao fundamento, à razão de ser e ao ônus da prova. [76]

Na responsabilidade extracontratual infringe-se um dever legal, não existindo nenhum vínculo jurídico entre as partes. Já na responsabilidade contratual, as partes convencionaram e algo não é cumprido. Entretanto, como se denota, nos dois casos surge a obrigação de reparar o dano, seja ela por infração a um dever legal, seja por infração a um dever contratual. [77]

Então, o elemento que dá origem tanto para a responsabilidade aquiliana, quanto para a responsabilidade contratual, é o ato ilícito.

Entretanto, como se depreende das palavras de Montenegro:

Nesta, a ilicitude consiste na quebra do contrato; naquela, na violação do dever legal de não prejudicar a ninguém – neminem laedere. Afirma-se que a diferença entre as duas responsabilidades reside no vínculo obrigacional. Quando preexiste esse vínculo, aparece a responsabilidade contratual. Na ausência dele, o dever de ressarcir funda-se na responsabilidade extracontratual. [78]

A nossa legislação, mais precisamente em nosso Código Civil, essas duas espécies de responsabilidade foram disciplinadas de forma genérica (a responsabilidade contratual nos artigos 956 e 1.056 e ss, e, a extracontratual nos artigos 159, 160 e 1.518 e ss.), omitindo qualquer diferença entre elas. [79]

Essa visão de que responsabilidade extracontratual e contratual são coisas distintas, cada uma baseadas em princípios diferentes, não é entendimento unânime em nossa doutrina. Ela divide-se, atualmente, em três teorias: monista, dualista e eclética. [80]

A teoria monista, segundo prescreve Oliveira, sustenta a existência de uma unidade ontológica fundamental entre as duas responsabilidades, afirmando que a lei e o contrato possuem uma identidade marcada fundamentalmente por suas fontes. Afirmam que em ambas as formas de responsabilidade os efeitos seriam os mesmos, ou seja, gerar o dever de indenizar a vítima do dano. Assim, os pressupostos para o dever de indenizar em ambas são os mesmos, não sendo necessário fazer diferenciação entre elas, ou seja, a ação culposa, o dano e o nexo de causalidade. [81]

Carlos Roberto Gonçalves ressalta:

Há quem critique esta dualidade de tratamento. São os adeptos da tese unitária ou monista, que entendem pouco importar os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, pois uniformes são os seus efeitos.

De fato, basicamente as soluções são idênticas para os dois aspectos. Tanto em um como em outro caso, o que, em essência se requer para a configuração da responsabilidade são estas três condições: o dano, o ato ilícito e a causalidade, isto é, o anexo de causa entre os primeiros elementos. [82]

Percebe-se que nem sempre as diferenças entre essas duas espécies de responsabilidades mostram-se de forma clara, pois por vezes não se faz nítida a existência de um contrato. Tanto a responsabilidade contratual, quanto a extracontratual surge a partir do momento em que se transgride uma conduta a ser seguida, vinda daí a obrigação de reparar o dano. Portanto, o ponto de partida é o dever violado, não importando se foi dentro ou fora de um contrato. [83]

A teoria dualista, ora já delineada neste texto, segundo o entendimento dos doutrinadores citados, mostra-se acolhida pelo Código Civil brasileiro. [84]

Defensor desta teoria, Montenegro explicita desta forma:

Respeitável corrente doutrinária sustenta que ontologicamente não é possível cogitar-se de diferenças entre as duas espécies, uma vez que a culpa constitui a fonte tanto da responsabilidade contratual quanto da extracontratual.

Quer-nos parecer, todavia, que esse ponto de vista só se mostra defensível quando simplesmente se pretenda repelir a tese de que o princípio in lege Aquilia et levíssima culpa venit torna mais grave a culpa da responsabilidade contratual. [85]

Por fim, a terceira teoria, é a chamada teoria eclética. Esta sustenta que, apesar de serem ontologicamente idênticas, cada uma dessas responsabilidades possuem peculiaridades a serem dissecadas.

Marcelo Oliveira se ocupa desta tarefa:

A principal diferenciação entre essas teorias encontra-se o ônus da prova. Na responsabilidade extracontratual, a vítima do dano terá de provar sua existência, assim como o nexo de causalidade e a culpa do seu autor. Já no caso da responsabilidade ser fundada em uma relação contratual, ocorre uma inversão do ônus da prova, cabendo a à vítima tão somente a prova do inadimplemento contratual, deixando à parte contrária apenas a opção de provar algumas excludentes do nexo causal admitidas pela lei, como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. [86]

Portanto, para os que defendem a teoria eclética, há uma unicidade entre as duas espécies de responsabilidade, diferenciando-se apenas quanto aos elementos probatórios.

1.5.Elementos da responsabilidade civil

A responsabilidade mostra-se como a imposição a uma pessoa para reparar o dano causado a outrem, seja em decorrência da responsabilidade objetiva, seja em decorrência da responsabilidade subjetiva. [87] Portanto, os seus elementos basilares dependem do ponto de vista a ser analisado: culpa presumida ou circunstância meramente objetiva. [88]

Os elementos formadores da responsabilidade civil são: a culpa, a ocorrência de um dano e o nexo de causalidade.

A ação culposa constitui o primeiro momento da responsabilidade civil, pois sem esse elemento, não poderá ser caracterizado um comportamento suscetível de reparação, podendo sê-la lícita, ilícita, comissiva ou omissiva. [89]

Assim dispõe a doutrina:

A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser lícita ou ilícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, e a responsabilidade sem culpa, funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissa. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. A omissão é, em regra, mais freqüente no âmbito da inexecução das obrigações contratuais. [90]

O dano, sem nenhuma dúvida, podemos dizer que é o elemento de maior importância na responsabilidade civil, pois é o que enseja a obrigação de reparar os prejuízos por ele causados.

Leciona Rui Stocco:

O elemento primário de todo o ato ilícito é uma conduta humana e voluntária do mundo exterior. Esse ilícito, como atentado a um bem jurídico protegido, interessa a ordem normativa do Direito justamente porque produz um dano. Não há responsabilidade sem um resultado danoso. [91]

Como afirma Diniz, o dano é um elemento de suma importância para a sua reparação. Senão, vejamos sua lição: "Deveras, para que haja o pagamento da indenização pleiteada é necessário comprovar a ocorrência de um dano patrimonial ou moral, fundados não na índole dos direito subjetivos afetados, mas nos efeitos da lesão jurídica". [92]

O último elemento a ser analisado é o nexo de causalidade, que representa a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão, e o dano. [93]

Para Carlos Roberto Gonçalves, o nexo de causalidade pode ser conceituado:

É a relação de causa e feito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo "causar", utilizado no art. 159. Sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas a sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar. [94]

Orlando Gomes, em sua obra "Obrigações", leciona: "Para o ato ilícito ser fonte da obrigação de indenizar é preciso uma relação de causa e efeito entre o ao (fato) e o dano. A essa relação chama-se nexo causal". [95]

Nesse diapasão, elegem-se as palavras de Demongue: "É preciso estar certo que, sem este fato, o dano não teria ocorrido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria". [96]

Assim, a responsabilidade civil não pode existir sem esta relação de causalidade entre o dano e a ação que o provocou. Portanto, um dano só produzirá responsabilidade quando tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado. [97]

Sílvio de Salvo Venosa afirma:

O conceito de nexo causal ou relação de causalidade deriva de leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensarão nexo causal. Se a vítima que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. [98]

Na lição de Maria Helena Diniz:

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se nexo causal, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência. [99]

O que se constata quanto ao nexo de causalidade, é a dificuldade em determina-lo, devido à duas questões: a dificuldade de sua prova e a identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, pois nem sempre se tem condições de apontar qual a causa direta do fato. [100]

Com relação a essas dificuldades encontradas para precisar a existência do nexo de causalidade, surgiram algumas teorias: a teoria da equivalência de condições ou da condição sine qua nom, teoria da causalidade adequada e a teoria dos danos diretos e imediatos. Entretanto, a teoria adotada pelo nosso Código Civil, foi a teoria do dano direto e imediato, essa expressa no art. 1.060. [101]- [102]

Segundo afirma Marcelo Lima de Oliveira a respeito da teoria dos danos diretos e imediatos, "o causador do dano, portanto, responde somente pelos danos causados necessariamente por sua ação; pelos danos causados por suas causas estranhas, respondem seus respectivos agentes". [103]

São palavras de Bonvicini, citado por Antônio Lindeberg Montenegro, a cerca da referida teoria:

Na teoria da causalidade imediata somente a causa imediata assume relevância jurídica na aferição do dano. A sua conceituação exige uma precisa distinção entre causa e condição a fim de permitir separar o próximo remoto. O momento exato da violação do direito apresenta-se por igual, relevante para o efeito de determinar se houve ou não interrupção do nexo causal, de tal modo que o autor da primeira causa seja liberado. [104]

Ainda, necessário se faz ressaltar que existem alguns fatos que interferem na exteriorização do nexo causal, excluindo-se a responsabilidade do agente. Estes, se comprovados excluem o direito da vítima ao ressarcimento, livrando o agente causador do dano da sua responsabilidade. Os principais fatores são: o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, a cláusula de não indenizar e o caso fortuito ou força maior. [105]

Assim, para que o dano seja indenizável, ou seja, para que haja a reparação do dano por parte de seu agente causador, torna-se imprescindível os seguintes requisitos: diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral, pertencente a uma pessoa, a efetividade ou certeza de um dano, a causalidade, a subsistência de um dano, a legitimidade da vítima em pleitear o dano e a ausência das excludentes de responsabilidade. [106]

Tais elementos serão tratados de maneira mais aprofundada no terceiro capítulo deste trabalho.

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Sobre a autora
Carolina Willemann

acadêmica de Direito na Universidade do Vale do Itajaí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WILLEMANN, Carolina. A responsabilidade civil do cirurgião dentista não-autônomo nas situações de emergência das atividades hospitalares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3129. Acesso em: 2 nov. 2024.

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