Uma análise crítica do conceito de Política na visão de Aristóteles

02/09/2014 às 08:11

Resumo:


  • A política, para Aristóteles, não se resume apenas à vertente partidária, mas engloba a essência e finalidade da convivência social.

  • O surgimento da política está intrinsecamente ligado às relações entre homens, mulheres, escravos e famílias, culminando na formação da cidade (Pólis).

  • A cidade é anterior ao indivíduo e à família na visão aristotélica, sendo a política a arte do convencimento e da persuasão para a convivência em sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto aborda o conceito de política para o ilustre filósofo Aristóteles e faz algumas críticas atuais sobre o que se entende por política atualmente.

Antes de analisar o conceito de política para o filósofo Aristóteles, se faz necessário traçar algumas diretrizes a despeito da política, a primeira delas: é que a política não se resume a sua vertente partidária, em outros termos, a política não se resume tão somente a política eleitoral, aos partidos políticos, a segunda: buscar-se-á neste trabalho relatar a essência da política, ou seja, abordar o verdadeiro espírito e a finalidade da política no contexto social brasileiro.

Para se falar em política na visão aristotélica, é interessante se narrar de forma breve a história do surgimento da política no mundo, este se deu simultaneamente com a origem e formação da família. A família surgiu de uma necessidade de relacionamento entre os homens nas épocas mais remotas de nossa civilização, mais adiante se vislumbrou a relação homem e mulher, a relação do homem com a sua propriedade, a relação do homem com o seu escravo. A relação de escravidão é bastante peculiar, posto que esta relação remete a ideia de subordinação absoluta, nesse sentido a relação é entre uma pessoa (dono) e uma coisa (escravo), de outra maneira o escravo não detinha nenhum direito, era um mero objeto. Ainda cabe salientar que existem outras concepções do termo escravidão, como aquela em que o próprio indivíduo se escraviza, ou seja, existem pessoas que são escravos de sua ignorância, falta de conhecimento, falta de virtudes e, talvez seja esta a pior modalidade de escravidão.

 Nesse diapasão, Aristóteles ressalta:

“É dessas duas associações, entre o homem e a mulher, e o senhor e o escravo, que se forma inicialmente a família [oikía]; e foi com razão que Hesíodo disse que a primeira família foi composta “pela mulher e o boi feito para o labor”, pois o boi exerce o papel do escravo entre os pobres. A família é, pois, a associação estabelecida pela natureza para atender às necessidades do dia-a-dia do homem, constituída pelos, como disse Carondas, vivem da mesma provisão, ou, como disse Epimênides de Creta, partilham o sustento".

É interessante a concepção de família e das relações sociais de Aristóteles, doravante cabe uma crítica, tal entendimento do filósofo é excelente para a época em que foi construída, atualmente se concebe como ilegal à relação de escravidão. Desse comentário do autor pode-se extrair em suma que as necessidades fizeram com que o homem se relacionasse, que a partir dessa relação associativa futuramente nasce à política. Note bem que apesar dos milhares de anos entre o que escreveu o ilustre filósofo e a realidade atual, ainda se vê hoje a relação de escravidão, alguns empregadores transformam seus empregados em verdadeiros escravos, a título de exemplo o que ocorre na região sudeste com as confecções têxteis, caso dos bolivianos e demais estrangeiros escravizados nessas fábricas.

Nessa linha de raciocínio, Aristóteles aduz:

“A sociedade que se forma em seguida, formada por várias famílias, constituídas não só para apenas atender às necessidades cotidianas, mas tendo em vista uma utilidade comum, é a aldeia (komé). Ela assemelha-se a uma colônia de famílias. Cujos membros foram alimentadas pelo mesmo leite. É por isso que as cidades foram originariamente governadas por reis, como ainda hoje o são algumas nações, posto que eram constituídas pela reunião de pessoas que já viviam sob o governo de um rei: toda casa, com efeito, sendo governada pelo componente mais velho da família, tal como por um rei, continuava a viver governada pela mesma autoridade, em razão do parentesco”.

Eis o ponto crucial do surgimento da política, foram as diversas relações experimentadas pelo homem, seja com a sua mulher, seja com o seu escravo, seja com outras famílias dentro de sua comunidade ou aldeia, todo esse conjunto de relações fez com que surgisse necessariamente a política, em seu termo original, a política é a arte de convencer(poder de convencer outrem), da palavra, da argumentação num debate de ideias, a política enquanto um poder, poder esse que exerce um chefe de família no seio familiar, poder esse que exerce um rei no que toca aos seus súditos. O termo “Poder” tem uma gama variada de significados, aqui irá se tomar poder como ferramenta para a arte de convencimento, seja pela força, seja pela articulação, seja pela arte de melhor administrar, seja provocando medo ou temor nas pessoas.

Nessa linha de raciocínio, Aristóteles ressalta:

“Fica evidente, pois, que a Cidade é uma criação da natureza, e que o homem, por natureza, é um animal político [isto é, destinado a viver em sociedade], e que o homem que, por sua natureza e não por mero acidente, não tivesse sua existência na cidade, seria um ser vil, superior ou inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo Homero, é “um ser sem lar, sem família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como não é freado por nada, assemelha-se a uma ave de rapina”.

Nessa perspectiva cabe acrescentar que o surgimento da política se deu em meio ao surgimento das relações entre as pessoas, surgimento da sociedade, da própria Cidade (Pólis), na visão deste autor a política surgiu naturalmente das necessidades a serem supridas no dia-a-dia. Cristalino é que o homem por ser um animal necessariamente político vive em uma sociedade, mas cabe aqui uma reflexão: Por que o homem vive em sociedade? Por que o homem é um ser político? Par responder tais questões é necessário retomar a ideia de política enquanto o poder de convencer outrem, ou seja, o homem nas épocas mais remotas percebeu que era mais prático, mais fácil e menos arriscado viver em grupo do que viver isolado, como um nômade. Posto isto, é evidente que o líder de um bando, grupo de homens se utilizou da política para convencer a todos a viverem em conjunto, o que mais tarde fez surgir às sociedades e as cidades, cabe salientar que a posição do filósofo em análise é diversa, ele acredita que a Cidade é anterior a tudo. A arte do convencimento, o poder da palavra, a capacidade de dialogar com intuito de convencer, de ter a sua concepção como a preponderante é o conceito resumido da política.

O ilustre filósofo salienta:

“Assim, por natureza a Cidade é anterior à família e ao indivíduo, uma vez que o todo é necessariamente anterior á parte. Se o corpo é destruído, não existirá nem o pé nem a mão, exceto por simples analogia, quando se diz, por exemplo, de uma mão de pedra. Todas as coisas são definidas pelas suas funções; e sim que tão-somente têm o mesmo nome (homônima). Dessa forma, é evidente que a Cidade existe por natureza e que é anterior ao indivíduo; pois o indivíduo não tem a capacidade de bastar-se a si mesmo; e; relativamente à cidade, está na mesma situação que a parte relativamente ao todo. Ora, homem que não consegue viver em sociedade, ou que não necessita viver nela porque basta em si mesmo, não faz parte da Cidade; por conseguinte, deve ser uma besta ou um deus. Assim, há em todos os homens uma tendência naturala uma tal associação; aquele que a fundou no princípio foi o maior dos benfeitores. Pois o homem, quando atinge esse grau de perfeição, é o melhor dos animais, mas, quando está separado da lei e da justiça, ele é o pior dentre todos”. (grifo nosso)

O filósofo parte de uma premissa que a cidade é anterior ao indivíduo e a própria família, ou seja, o estudo dele tem como ponto de partida a ideia clara de que a cidade é o alpha e que tudo decorre dela. Nessa linha de pensamento, cabe a reflexão que se a cidade é o todo e o indivíduo é uma parte deste todo, o que precede este todo? Como era a civilização no mundo antes da formação da cidade? O homem que não vive em sociedade é necessariamente um deus ou uma besta? Para responder eminentes questionamentos tem-se que destacar a posição de Aristóteles, este expressava nas suas ideias a teoria naturalista, de outra forma, de que a Pólis surgiu naturalmente, em outras palavras ela foi a origem de tudo. Critica-se tal posição posto que não a como se conceber que a Cidade surgiu antes do indivíduo, antes da sociedade, antes da própria política, senão veja que para a formação de uma sociedade organizada, a formação de uma Pólis, é extremamente necessário, primeiro a existência de indivíduos, sem a qual não existe sociedade e nem a cidade e, que os indivíduos se utilizem de uma das vertentes da política, ou seja, que certos indivíduos lancem mão do poder de convencimento, da persuasão, do diálogo, do poder de influência ideológica para que seja daí formada um grupo, formada uma comunidade, formada uma tribo, formada uma cidade,etc. Nessa senda, fica evidente que a política é a precursora, em outros dizeres, sempre existiu a política, visto isso é plenamente possível que um homem viva fora da sociedade, seja um eremita, não há óbice para que o homem viva tranquilamente fora do seio de uma sociedade e nem por isso deve ser considerado um deus ou uma besta. Importante é relatar como era o mundo nos tempos mais remotos, antes da formação da Cidade, será que era um caos, uma desordem plena, ou um meio-termo entre a ordem e o caos? Não se sabe com certeza tais respostas, doravante é imperioso salientar que naquela época seja qual dessas situações prosperou dali, já se percebeu a utilização da política mesmo que de um modo primitivo, seja na hora de caçar, seja na hora de coletar alimentos, seja na hora de se proteger ou de se agrupar, ou de se proteger do frio ou de animais ferozes, o homem primitivo usou da arte e do poder do convencimento e, não existe forma melhor de convencer outrem do que a real necessidade, e até nesses casos de tribos bem antigas se usava a política da violência, determina e manda o mais forte. O homem enquanto ser político, dotado de razão, diferentemente dos demais animais, sempre vai ter uma nova necessidade e, necessidade de se proteger, necessidade de aprender e buscar novos conhecimentos, etc, dessa necessidade surge à política.

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Os conceitos de política, da relação entre homem e mulher, escravidão de Aristóteles são muitos importantes até hoje, doravante deve-se ter cuidado posto que tais conceitos não são aplicáveis atualmente como o foram na época. Em suma, o atual conceito de política vai muito além daquele tido como correto pelo senso comum no Brasil, alguns populares falam com fervor: “Eu não me envolvo em política”, mas calma ao se expor essa frase o indivíduo está fazendo política, ou seja, ele não está somente se envolvendo como produzindo, como expondo aos demais sua posição com o intuito de convencer ou meramente informar alguém sobre a sua pretensão de não se meter em política, ou seja, para este indivíduo a ignorância prospera, reduzir a política ao período prévio e posterior as eleições e ao direito eleitoral é um tremendo absurdo. Nessa banda, até mesmo esse que vos escreve está fazendo política, querendo que a sua tese, a sua posição seja a preponderante, sirva de base e influência para outras teses. Isto posto, não a razão para reducionismo no que tange ao conceito de política, mesmo que a cultura do reducionismo seja disseminada pelo Brasil.

Ainda no que tange a este assunto vale a pena relembrar a cultura do reducionismo, esta é aplicada em larga escala no Brasil, posto que é bem mais interessante aos detentores do poder econômico e do poder político deixar o cidadão no escuro, na ignorância do que lhe proporcionar à luz, lhe proporcionar o conhecimento, a título de exemplo: ao se retomar ao questionamento anteriormente feito a um cidadão, o que você entende por política? Este vai de pronto responder: são as eleições, os políticos corruptos do congresso nacional, não me envolvo em política, voto por que sou obrigado, etc. A questão crucial é o porquê disto? Por que reduzir o conceito de política a isto? Há possibilidade de mudança nesse cenário? A expectativa é que a mudança comece agora, inclusive com as revoltas e protestos sociais, e uma transformação do pensamento e da reflexão das pessoas, essa devendo ser paulatina e não abrupta que não surta o efeito esperado tanto no indivíduo, na sua família e na sociedade.

Em outra perspectiva, não se deseja aqui fechar, petrificar um conceito de política, dar um conceito único sobre o que é a política para todos os seus campos de estudos, aliás não se acredita num conceito único, isto depende de cada seara aonde é estudada a política, em exemplo: a política financeira, a política jurídica, a política eleitoral e partidária, a política econômica, a política de mercado, dentre outras. Neste diapasão, se fixa uma premissa de que o conceito de política é dinâmico, acompanha o desenrolar dos fatos sociais, acompanha a evolução da sociedade, doravante isto, pode-se de forma genérica analisar a política como sendo a arte do convencimento, da persuasão, arte da argumentação com intuito de convencer alguém ou todos que a sua ideia é a correta para certo caso, conclui-se que a política deve ser vista pelos cidadãos brasileiros na perspectiva narrada neste texto, ou seja, que o cidadão abra sua mente, comece a olhar as coisas ao seu redor de uma outra forma, retire aos poucos das suas entranhas essa cultura reducionista absurda não somente no que toca ao conceito de política.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ARISTÓTELES. POLÍTICA. COLEÇÃO OBRA-PRIMA DE CADA AUTOR. ED. MARTIN CLARET LTDA. 6 º EDIÇÃO. 2013. TRADUÇÃO DE POLITIKÓN, PEDRO CONSTANTIN TOLENS.

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Sobre o autor
Rodrigo Pereira Costa Saraiva

Ex-Procurador Geral do Município de Porto Rico do Maranhão. Advogado e Consultor jurídico em São Luís- Ma, Advogado da União de Moradores do Rio Grande. Mediador e Árbitro formado pela CACB- Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil em 2016. Professor do Curso Preparatório para o Exame da ordem do Imadec, Ex-coordenador do Premium Concursos, diretor do Escritório Rodrigo Saraiva Advocacia e Consultoria Jurídica, Ex- Coordenador do grupo de estudos em Direito Constitucional da Oab/Ma desde 2013. Doutorando em Direito pela UNLZ (Universidade Nacional de Lomas de Zamora), membro da comissão dos jovens advogados da OAB/MA desde 2011, pós-graduado lato sensu em Direito e Processo do Trabalho, com formação em Magistério Superior pela Universidade Anhanguera Uniderp/REDE LFG. Bacharel em direito pelo UNICEUMA. Autor de artigos científicos e de modelos de peças processuais. Coautor do Livro "Artigos Acadêmicos de Direito". Editora Sapere, Rio de Janeiro. 2014. Disponível para a compra no site: http://www.livrariacultura.com.br/p/artigos-academicos-de-direito-42889748

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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