Reforma agrária.

A barreira política para o desenvolvimento da agricultura familiar e sustentável no Brasil

04/09/2014 às 15:40
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Apresentaremos um resumo do modelo de reforma agrária e seus principais problemas, seja no ambito institucional, politico ou pratico. Posteriormente realizaremos um breve comentário sob alguns modelos internacionais e suas conquistas!

Com a introdução do sistema de capitanias hereditárias no período colonial, remontado nos anos de 1530, pelo qual o rei distribuía a terra para quem se interessasse em cultiva-la, desde que dispusesse de 1/6 da produção para a corte, acabou por acarretar ao longo dos séculos a implantação dos grandes latifúndios, os quais muitos permanecem até os dias atuais. Com a independência do Brasil em 1822, o conflito por terras se agravou, onde se passou a estabelecer a lei do mais forte, criando a figura dos coronéis, dos grileiros e tantos outros, onde a terra era ocupada muitas vezes através de conflitos armados.

Somente nos anos 50 e 60, com o inicio da industrialização e rápida urbanização, a questão fundiária começou a ser debatida pela sociedade. Durante o regime militar, iniciou-se a discussão sobre a distribuição de terras agrícolas, dando origem a lei 4504/64 (Estatuto da Terra). Com a redemocratização brasileira em 1988, procurou-se promover de forma mais igualitária e justa a redistribuição de terras através da reforma agrária.

A lei 4504/64 trouxe o atual conceito da reforma agraria descrita nos §1° e 2° do artigo 1°, os quais respectivamente apresentam a seguinte redação:

 

(...) Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.

(...) Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

Seguindo este entendimento, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) conceitua da seguinte forma:

Reforma agrária é o conjunto de medidas para promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e aumento de produção.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é uma autarquia federal criada pelo Decreto nº 1.110, de 9 de julho de 1970, com a missão de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Está implantado em todo o território nacional por meio de 30 Superintendências Regionais. Após a constitucionalização do tema, o INCRA começou a crescer no cenário rural brasileiro, em termos de reforma agraria, impulsionando grandes movimentos sociais pela busca da distribuição da terra, como o MST (Movimento dos Sem Terra).

Ao longo dos anos, o MST sempre provocou grandes pressões no governo, com o intuito de realizar o máximo possível de distribuição de terras, as quais encontram grandes barreiras, jurídicas, sociais, financeiras, dentre outras. No entanto, observa-se no quadro abaixo, a quantidade de famílias assentadas, podendo observar o grande salto acometido a partir do ano de 1994:

Até 1994

58.317

1995

42.912

1996

62.044

1997

81.944

1998

101.094

1999

85.226

2000

60.521

2001

63.447

2002

43.486

2003

36.301

2004

81.254

2005

127.506

2006

136.358

2007

67.535

2008

70.157

2009

55.498

2010

39.479

2011

22.021

2012

23.075

Os dados apresentam um total de 1.258.205 de famílias beneficiarias dos assentamentos da reforma agraria em todo o país.

No entanto, ao longo dos anos o movimento das pessoas em busca de terra vem se acentuando cada vez mais. Antes da posse ao planalto de Fernando Henrique Cardoso, era 40.000 o numero de famílias acampadas aguardando a reforma agraria, durante seus 8 anos de mandato, foram assentados mais de 600.000 famílias, e ainda restava 80.000 aguardando por novas áreas a serem desapropriadas para fins de reforma agraria. Levando em consideração o ritmo de assentamento, e o numero que ainda resta de famílias a serem assentadas, observa-se que a cada ano cresce em grandes proporções esse déficit, ocorrendo o inverso dos exemplos de outros países onde já se consolidou toda a distribuição de terras, em que gradativamente foi diminuindo o numero de famílias sem terra.

O sistema defendido pelo MST e adotado pelo governo, vem há muito tempo sendo duramente criticado, seja pelas lideranças do agronegócio, seja pela sociedade civil em geral, bem como diversos meios de comunicação. Dentre os principais problemas apresentado pelo sistema, o mais grave encontra-se nos números de abandono das famílias. De acordo com Eliseu Roberto Alves, ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, apenas 1/5 das famílias que recebem terras, consegue gerar renda, sendo que as demais em um prazo de 10 anos acabam por abandonar as áreas rurais.

Nesse contexto, o que se acaba gerando é cada vez mais o numero de famílias em busca de terras, e do outro lado, temos a migração das famílias beneficiarias, após o transcorrer do tempo, para a cidade, em busca de melhores condições de vida.

O modelo brasileiro de reforma agraria consiste principalmente na desapropriação de terras improdutivas para distribuição a famílias cadastradas junto ao INCRA. A Constituição Federal determina como direito fundamental a necessidade da propriedade cumprir a sua função social (art. 5°, XXII), determinando ainda que a propriedade que não atenda a sua função social será desapropriada para fins de reforma agraria, acontece que na maioria dos casos, como já discutido anteriormente, ocorre que as famílias não conseguem manter-se por muito tempo, levando ao abandono da propriedade. Desta forma, ao invés de tais assentamentos resolverem os problemas de distribuição de terras, acaba por se tornando um circulo vicioso, onde sempre existirão pessoas em assentamentos, e ainda, ira se manter as grandes glebas de territórios rurais.

Outro mecanismo de reforma agraria implantada pelo governo, é o ITR (Imposto sobre Propriedade Territorial Rural), a qual se estabelece alíquotas progressivas, levando-se em consideração o tamanho da propriedade, bem quanto a sua área improdutiva, ou seja, quanto maior e mais improdutiva a área, maior é sua alíquota de imposto e consequentemente maior será o valor final a ser pago pelo proprietário. Ocorre que este é outro modelo que apresenta grandes falhas. Em primeiro momento, as alíquotas de ITR estão com valores completamente defasados, visto que ao longo de décadas não se estabelece um reajuste adequado, considerando a valorização econômica das áreas rurais, bem como o grande salto de produtividade acometido após o ano de 2000, ou seja, além da base de calculo, as alíquotas do ITR não correspondem com valores significativos de impostos a serem pagos pelos proprietários, o qual assim beneficia os grandes latifúndios. Em segundo plano, o governo considera uma média muito baixa de produtividade por hectare, levando-se em conta a atual fase de agricultura brasileira, o que torna qualquer propriedade com modelos arcaicos de produção, como área produtiva.

Outro grande problema encontrado para o exercício de fiscalização do governo, quanto à declaração de ITR, é o grande número de propriedades que não possui registro de toda a área, ou seja, grande maioria, principalmente as grandes glebas rurais, mantém registro apenas de uma parte de sua área, mantendo de maneira informal as demais, os quais não aparecem nas declarações de ITR. E por fim, outro grande problema deste modelo, é o baixo valor cobrado, o que muitas vezes torna inviável a execução fiscal de tal propriedade.

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Nosso processo de reforma agraria encontra-se na contramão dos modelos de outros países que com sucesso adequaram a distribuição de terras para a sociedade. A reforma agraria na França teve como principal marco, a Revolução Francesa de 1789, onde as propriedades rurais, que anteriormente pertencia ao clero e a nobreza, foram expropriadas e vendidas às pessoa com real interesse de manter-se no meio rural, estabelecendo algumas regras para essas vendas. Posteriormente se criou diversas leis regulamentando o assunto, mas ao fim, o que se almejou e se conquistou, foi a real distribuição de terras entre os franceses.

Já na Espanha, esta sofreu arduamente com os grandes latifúndios agrícolas, no entanto, após a segunda guerra mundial, através de diversas mudanças nas leis agrícolas, e com a limitação da posse e da propriedade, dentre outras medidas, se estabeleceu um adequado regramento para as propriedades rurais.

Já nos Estados Unidos, o processo de distribuição de terra se deu desde sua concepção, tendo posteriormente como grande marco, a guerra civil que resultou na libertação dos escravos e posteriormente na colonização do meio oeste norte-americano, criando grandes bases para a agricultura do país, a qual hoje é considerada uma das melhores do mundo, seja em produtividade, seja em sustentabilidade.

Diante disto, notamos que nosso país ainda insiste em um modelo cujos resultados já são conhecidos e infelizmente não asseguram a verdadeira reforma agraria para a população, mantendo assim os grandes latifúndios, como por exemplo, as enormes fazendas da família Maggi, onde constituem um aglomerado que supera os 150 mil hectares. Nesta diapasão, o Brasil segue na contramão da sustentabilidade das pequenas propriedades, que muitas vezes não conseguem sobreviver e são sucumbidas pelos grandes latifúndios.

REFERENCIAS

Barroso, Lucas Abreu et al. O direito Agrário na Constituição: Rio de Janeiro: Forense, 2005.

BORGES, Paulo Torminn. Institutos básicos do direito Agrario. São Paulo: Saraiva, 1998.

LIMA, Ruy Cirne. A questão do território no Brasil: sesmarias e terras devolutas. São Paulo, 1995.

MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrario brasileiro. 5. ed. Goiânia: AB Editora, 2004.

OPTIZ, Silvia C. B. e OPTIZ, Oswaldo. Curso completo de direito agrário. 2° ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. IV. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009

<http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/reforma_agraria/contexto_2.html> acesso em 15/10/2013 às 14:30

<http://www.incra.gov.br/> acesso em 15/10/2013 às 14:40

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