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Noergia institucional do Ministério Público na era da imprevisão

01/08/2002 às 00:00
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Sumário: I. Introdução; II. Desenvolvimento, a. Cristalização da Instituição, b. Ordem Interna, c. Ordem Externa; III. Conclusão


I. Introdução

Muito tem-se discutido sobre o papel institucional do Ministério Público, após o advento da Constituição da República de 1988. Constitucionalistas, processualistas, magistrados, membros ministeriais e cientistas do direito posicionam-se diante do Parquet, via de regra, dentro das seguintes óticas: originária (com fulcro na Lei Maior); derivada (sob égide da interpretação da Lei complementar nº 75/93 e da Lei nº 8.625/93) e ordinária (Leis nº 7.347/85, 8.078/90, 9.099/95, dentre algumas, citáveis).

Algumas das vezes, temos acesso a evolução histórica da entidade ministerial no Brasil e no Mundo, por intermédio de artigos investigativos – especializados – ou trecho de obras doutrinárias, que, sem grandes propósitos, invocam o tema.

Apesar do grande esforço do Ministério Público – considerado por respeitáveis autoridades jurídicas como o "quarto poder" –, a entidade precisa consolidar definitivamente o seu papel dentro da ordem social, perante a sociedade. A população brasileira, na sua grande maioria, mal conhece o chamado Ministério Público; não conhecem sua estrutura, seu funcionamento e muito menos sua função dentro do novo quadro de organização política e divisão de competências institucionais traçada pela constituição, há mais de treze anos.

Ainda hoje, é possível ouvirmos histórias (verídicas) de promotores/procuradores que continuam sendo tratados como representantes dos Estados-federados/União (confundidos com os Advogados da União ou com os Procuradores dos Estados). Não raramente, são confundidos – ainda – com nossos Defensores Públicos. Tal evidência é sentida entre magistrados, advogados, estagiários. O que pensar, portanto, em relação a maioria esmagadora da sociedade civil, que continua mergulhada no mais profundo ostracismo cultural ?

Mais é preciso prosseguir. Dispomo-nos, com o presente, a analisar e tecer algumas considerações a cerca dos desafios pujantes e das nova carta de competências que serão, num futuro muito próximo, exigidas de nossos acusadores públicos.


II. Desenvolvimento

a. Cristalização Institucional – meta a ser atingida a médio prazo

Quando invoca-se a necessidade de se promover uma cristalização do Órgão Ministerial, não significa dizer que o Parquet – considerado em si – não esteja ainda perfeitamente definido (sem forma, e contextura jurídica), como pessoa política pela Ordem Maior.

Seria imaturo visualizar a questão desta forma. Na verdade, a colocação aqui (diga-se melhor, a sugestão) tem o escopo de invocar medidas que imprimam maior eficácia na consolidação e materialização de seus ideais motivadores.

Seria também falta de preciosismo dizer que o Ministério Público não irá sofrer mais mudanças, em decorrência de novas exigências legais e, mesmo, em razão de não-distantes alterações na constituição.

Como primeira conclusão, posicionamos nossas idéias diante do desafio - necessidade - de preparar o Parquet para as gerações próximas e amoldá-lo, adequadamente, à defesa e tutela desses novos e revolucionários interesses.

De que forma isto seria processado ? A questão não se apresenta sinalizada de forma simples. Reclama-se por uma performance capaz de imprimir modificações de ordem substanciais – a despeito do atual (e elevado) nível de evolução formal –, aptas a acompanhar o processo dinâmico e constante de mudanças no mundo, compatíveis com os interesses jurídicos da instituição.

De início, vislumbram-se três direções iniciais, viáveis: - promovendo alterações legislativas; - intensificando a participação do Órgão Ministerial junto à sociedade nas áreas políticas e sociais e, por último, investindo na reengenharia de suas estruturas e concepções filosóficas.

A primeira direção apontada – alteração legislativa – não apresenta-se como a melhor alternativa, dentro do atual cenário político-social. A Constituição da República e as leis que legitimam o seu funcionamento são recentes, e, encontram-se atualizadas. Não podemos nos esquecer que são inúmeros os objetivos traçados para o Ministério Público, dentro do atual ordenamento jurídico, e inúmeras as dificuldades para atingi-los (restrições orçamentárias, carência de pessoal, dentre algumas).

Passado mais de uma década, após a promulgação do novo texto constitucional – em que a "Lei das leis" passou por fases seguidas de conhecimento, adaptação e interação dos novos modelos de organização política e social da nação –, não se conseguiu instrumentalizar, de forma satisfatória, os novos fundamentos da República exsurgida em 1988.

Com o Parquet, a história não poderia transcorrer de forma diferente.

Na verdade, absorveu uma sobrecarga de atribuições para o qual não estava "fisicamente" preparado. O alargamento abrupto de suas incumbências e atribuições – numerus apertus, de acordo com o art. 129, IX da Constituição da República –, consolidou sua posição de instituição nacional essencial à justiça.

Não há a menor dúvida de que os atuais delineamentos constitucionais do Ministério Público foram enxertos legislativos promovidos por uma influência marcante que passou de uma postura predominantemente estática – espelhada, e em muito influenciada pelo judiciário – para uma postura dinâmica, autônoma, capaz de imprimir uma verdadeira revolução intra e extra corpus.

A tendência moderna atribui ao Órgão Ministerial um número crescente de missões legislativas, desafios e envolvimento com as questões macro-jurídicas. Em decorrência de tal realidade, inovar por inovar as estruturas legais vigentes, não se apresenta como direção – azimute – confiável.

O segundo caminho apontado, merece ser analisado com ponderação e reflexão. No início do presente trabalho dissemos ser o Ministério Público uma instituição pouco conhecida. Infelizmente, trata-se de um fato plausível. Não se faz necessário, sequer, socorrermo-nos a pesquisas de opinião pública, para chegarmos a esta triste conclusão.

Se quisermos alterar o atual perfil da instituição dentro dessa vertente – participação mais efetiva junto à sociedade, nas questões políticas e sociais –, preliminarmente, faz-se necessário a implementação de maciças e periódicas campanhas educativas/informativas, junto à população brasileira, visando descortinar "os mistérios" que guarda o Parquet.

A experiência positiva de Ministérios Públicos de outros países, aponta para o aumento progressivo da capacidade operacional do organismo, sem necessitar revirar as suas estruturas viscerais.

Os últimos avanços tecnológicos têm influenciado sobremaneira o funcionamento da justiça nos últimos dez anos. Não há como curvar-se às facilidades na transmissão e recepção de dados, aos programas voltados ao controle de processos, antecedentes criminais etc. Com base nesta nova realidade, deve ser traçada uma "política estratégica" interna, voltada para o aproveitamento e migração de dados e informações.

O Parquet necessita, urgentemente, dispor de um banco de dados moderno, confiável, abrangente e, juridicamente, o mais completo possível. Para tanto, a custos relativamente baixos, poderá firmar convênios com Secretarias, Ministérios, Autarquias, ONG, Entidades privadas etc – intercambiando ou coletando informações nas áreas parainstitucionais. Como eventuais "parceiros-colaboradores" dessa política, desde já, vislumbramos: Min do Meio Ambiente, Secretarias de Seg Pública, Min Justiça, órgãos estaduais e federal de Controle Orçamentário e Fiscal, Min Defesa, Organismos internacionais Dir Humanos etc.

Esta grande gama de dados, quando bem utilizado, permite desenvolver uma tutela ampla, moderna e preventiva de interesses juridicamente reconhecidos. Sintonizados e voltados à moderna processualística.

Não-menos importante é o estreitamento com as demais funções do poder – Legislativo, Executivo e Judiciário –; além de ser essa uma regra comum de convivência, dentro do federalismo pátrio, opera sobre as próprias bases institucionais. Fortalecendo a si, e, por via oblíqua, o próprio regime democrático – o qual todos somos eternos servos.

Outra sugestão que se faz volta-se a desenvolver mecanismos de acompanhamento – preferencialmente presencial – nas áreas criminal, execução penal, meio ambiente, cidadania e direitos individuais. Com isto, deseja-se que a instituição passe a exercer uma atuação dinâmica, em sua plenitude, tutelando repressiva e preventivamente os interesses transindividuais.

Nunca, deu-se tanto valor à tutela de resultado, como nos dias atuais. Esta (tutela) não tem apenas uma ou duas faces (tutela efetiva, tutela inibitória etc); é preciso buscar, investigar, insistir... nas várias modalidades de tutela. Trata-se de uma questão de sobrevivência e de garantia jurídica – dentro de uma visão prognóstica, no futuro, somente sobreviverão as entidades jurídicas mais aptas ao exercício de uma tutela essencialmente efetiva.

A instituição pode fortalecer-se, sem grandes extravagâncias. Um fortalecimento silente, instrumental. Vetor da instauração de um regime político verdadeiro e comprometido com os ideais de igualdade, liberdade, justiça e paz social.

A sociedade brasileira, de índole pacífica e essencialmente permissiva, ainda não vislumbrou que dispõe de um "Ministério de Interesses supraindividuais", altamente capacitado e legitimado à defesa dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

O terceiro aspecto a ser abordado – reengenharia de suas estruturas – é, de todos os pontos, o de maior relevância. É certo que as alterações a seguir apontadas não seguem pela direção das reformas legislativas.

O Ministério Público como Instituição [1] é soberano; como Órgão é vicariante [2] do judiciário.

A instituição, secular, retrata aspectos contornadores de uma identidade própria, no passado e no presente. Avoenga, erigiu seus princípios dentro da tradição histórica, dos diversos processos de evolução e influências políticas. Na atualidade, incorpora a vontade – desafios impostos – da constituição, de seus dirigentes maiores e dos órgãos coletivos de direção (colégio de procuradores e o conselho superior).

Como órgão está comprometido com sua função, delineada na Lei Ápice e nas leis fundamentais.

Como conclusão parcial, arriscamo-nos a afirmar que a reengenharia deve incidir sobre a Instituição, não sobre o Órgão.

Está provado (e é reconhecido internacionalmente) que só será um bom jurista se simultaneamente se possuir uma formação teórica e cultural profundas. O jurista não é o que sabe leis de cor... É por isso que cada dia vai ganhando mais adeptos uma introdução filosófica e técnica do direito – que ensine os mecanismos básicos (desde logo, como interpretar uma lei), e que questione os grandes problemas do direito. O jurista não é um burocrata da coacção – deve saber o que faz e porque o faz [3].

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Os valores humanos nunca foram tão importante às entidades despersonificadas, como nos dias de hoje. A próxima revolução não será mais sobre a tecnologia, mas sobre a própria máquina humana.

Como preparar convenientemente nossos promotores e procuradores para os desafios da era da imprevisão ? Já existem respeitáveis posicionamentos sobre o tema, como observamos acima. Mas é preciso – e, de todo necessário – aprofundarmos mais as idéias.

A instituição deverá investir maciçamente na formação de seus quadros. Quer venha objetivar o aperfeiçoamento cultural (como vimos acima), quer promova uma verdadeira "reengenharia" na formação étnica-moral nos seus efetivos. As virtudes (qualidades morais) desejáveis ao profissional não são ensinadas – melhor dizer desenvolvidas, porque não se profetiza como ser moral, como ser ético, como ser probo... – nos bancos escolares das faculdades, muito menos nos cursos preparatórios aos concursos de admissão.

Aliás, nossos concursos públicos de provas e títulos, como impõe a Constituição da República, não conseguem mensurar/aquilatar essas mesmas virtudes [4].

Como professa Andriolli lealdade e probidade não são virtudes jurídicas, mas fruto da experiência social de cada um [5].

Incumbe, portanto às Escolas de Formação (ou Especialização) profissional dos diversos Ministérios Públicos (União e Estados) promover a inserção – desenvolver – tais atributos, não se esquecendo que a valorização, ainda que subjetiva, dessas virtudes deve ser levada a efeito, quando da realização dos concursos de admissão.

Deve-se ainda investir, com toda ênfase, na formação lingüística, humanística e geopolítica de nossos procuradores (promotores).

É inegável a necessidade do Parquet aumentar sua participação dentro do organismo estatal. A Constituição República inovou, delegando-o uma crescente e efetiva participação no sistema de freios e contrapesos – checks and balances. Tal evidência decorre da própria concepção acidental do instituto dentro da nossa Lei Magna. A competência residual em exercer o sistema de freios e contrapeso é do Ministério Público!

A posição estática do judiciário, aliada a índole gerenciadora dos negócios públicos do executivo e da função ordenatória-primária do legislativo, naturalmente, remetem ao Ministério Público a atribuição (residual), para velar pelo equilíbrio e harmonia entre os poderes constitucionalmente declarados.

Hoje é o Ministério Público o quarto poder, não formalizado na carta de intenções maior. Poder Moderador idealizado por D. Pedro I, na primeira constituição do Império em 1824, com nova vestimenta.

Em verdade, interessa muito mais a todo corpo institucional o seu fortalecimento material que o formal. Somente aquele é idôneo à sustentação dos pilares mestres do arcabouço político-jurídico da República.

Como fiscais da lei e representantes imparciais do Estado, os promotores públicos devem buscar inspiração no berço da civilização jurídica mundial – Roma. Como defensores da ordem jurídica, devem incorporar o espírito combativo de suas respeitáveis Legiões; como magistrados dos interesses do Estado, o bom senso e ponderação dos Pretores.

b. Ordem Interna

A gama de funções hoje acometidas aos promotores (procuradores) extrapola os limites da imaginação dos próprios operadores da ciência jurídica.

Nunca a sua legitimidade originária fora tão ampliada, como o fez a atual Constituição da República de 1988 e demais instrumentos legais em vigor no país.

É possível aquilatar este grau de amplitude – esfera – de competências por meio de alguns indicativos de ordem objetiva. Talvez, um dos mais confiáveis refere-se aos tipos de ações que o Parquet promove nos diversos juízos onde atua.

Em sua brilhante obra "A defesa dos interesses difusos em juízo", Hugo N. Mazzilli [7] enumerou cerca de 63 (sessenta e três) tipos diferentes de ações cíveis, de uso mais freqüente, embora admita a existência de mais de uma centena de hipóteses onde seja possível vislumbrarmos a atuação do dominus da ação civil pública – Constituição da República, Código Civil, Código de Processo Civil, Código de Processo Penal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Legislação trabalhista, Lei de registro públicos, Lei de loteamentos, etc.

No Brasil, a defesa dos interesses difusos começou a ser delineada, com maior precisão, com o advento da Lei nº 7.347/85 (Lei de ação civil pública). Logo após, surgiu a Lei nº 8.078/90 (Código de defesa do consumidor), estabelecendo importantes distinções conceituais em termos de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

É certo que, pela própria subjetividade dos conceitos transindividuais, qualquer tentativa em estabelecer limites ao alcance deste tipo de tutela será infrutífera, embora possível, em tese.

Hoje encontramo-nos diante da 3ª geração de direitos, internacionalmente reconhecidos ("direitos de fraternidade"), como p. ex. são os direitos ao meio ambiente, à qualidade de vida, à paz, à cidadania dentre outros. Alguns doutrinadores reconhecem, inclusive, a existência de uma 4ª geração de direitos [8].

Preliminarmente, afirmarmos que o único elemento capaz de limitar o campo de atuação do Órgão Ministerial, em âmbito interno (Estados federados e União) é a política legislativa de defesa dos interesses transindividuais, em vigor.

Assim, algumas questões sensíveis como são hoje o Meio Ambiente, Seg Pública e Direitos Humanos, por imposições de ordem estratégica, política, econômica, social ou jurídica tender-se-ão a receber um tratamento cada vez mais cerrado e efetivo por parte das autoridades constituídas. Desta evolução forçada, em termos de enrijecimento dos diversos mecanismos de tutela, repousa a certeza (ou incerteza) dao destino da humanidade.

Reafirma-se, mais uma vez, a necessidade do Parquet aumentar sua participação – direta ou indireta – nos grandes problemas jurídicos que envolvem os interesses das pessoas jurídicas de direito interno (União ou Estados/DF) ou de direito internacional (República Federativa).

Como problema imediato, temos a questão da Segurança Pública, em seu dimensionamento lato, desequilibrando as estruturas sociais, em todos os rincões do Brasil.

Trata-se de verdadeiro "calcanhar de Aquiles", que vem se prolongando nos últimos vinte anos, sem perspectivas de solução, a médio prazo. Temos observado que há um esforço dos governos em solucionar, ao menos amenizar, os principais óbices relacionados com a Segurança e seus desdobramentos (crime organizado, sistema prisional, violência urbana... ).

Por melhores que sejam as intenções, os resultados são mesquinhos. Por quê? Porque as medidas são aparentes, de fundo estritamente repressivo, sem o poder de influenciar toda a capilaridade de um sistema que se encontra doente, falido.

Infelizmente, não ouvimos falar em terceirização do sistema prisional, nem do desenvolvimento de políticas paralelas – investimento – nas áreas de educação, geração de empregos e saúde preventiva. Tais providências devem ser desencadeadas em conjunto com medidas proporcionais de prevenção e repressão, necessárias e adequadas ao momento.

Por trás do "câncer da violência" existe uma sombra, capaz de desestabilizar a ordem e o regime democrático de forma sorrateira e abrupta. Trata-se do fantasma do sistema constitucional de crises e da intervenção federal.

Criticamos o legislador constituinte de 1988 por não abordar os contornos dos dois institutos, com a senso analítico desejado. Como se sabe, o sistema de crises – medida de exceção – é marcado pela precariedade e taxatividade.

Por ser situação excepcionalíssima, grave e abaladora do Estado Democrático de Direito, o sistema de crises e a intervenção, da forma como foram inseridos na Magna Carta, caracterizam uma construção inacabada. Incompatível e contrária ao universo de valores e princípios difundidos pela Constituição da República.

Em nome da própria segurança jurídica que norteia os interesses mais elevados do Estado e da manutenção da soberania interna, a atual radiografia programática da Constituição exige uma Lei Complementar específica regulamentado, nas suas linhas mestras, o assunto.

Tal providência não pode ficar por esperar o surgimento de um caos social, como a pouco tempo aconteceu no vizinho Argentina ou como faz parte do cotidiano da Colômbia, dividida entre forças regulares e guerrilheiras.

Como insigne defensor do Estado e da República, também como fiscal da lei – quer seja a mesma excepcional ou não-excepcional –, também não se concebe a ausência do Ministério Público do processo de fiscalização e execução das medidas de implantação do Estado de Sítio e do Estado de Defesa [9].

Pensar em crise, em hipótese de guerra civil, atentados de grandes proporções ou da subversão da ordem interna não faz parte de nenhum pensamento utópico, na era da imprevisão ! Sentimos o ordenamento jurídico carente de regulamentação. Mais do que regulamentar é preciso discutir e envolver – mobilizar – as forças nacionais em torno do assunto.

Proclamamos ainda a criação de centros de estudos, subordinados às escolas superiores do Parquet com fito de desenvolver estudos jurídicos e pesquisas voltadas para as questões relacionadas com Proteção Patrimônio Público, Meio Ambiente, Dir Individuais, Populações Indígenas e minorias étnicas, Fiscalização Orçamentária e Financeira. A presente experiência faz parte da realidade do Órgão Ministerial de vários países desenvolvidos da Europa.

c. Ordem Internacional

Partimos da premissa que a Constituição Federal de 1988 atribuiu as funções estatais de soberania do Estado, tripartido-a entre o Legislativo, Executivo e Judiciário e à Instituição do Ministério Público, que entre outras, deve zelar pelo equilíbrio entre os poderes, fiscalizando-os, e pelo respeito aos direitos fundamentais [10].

Em âmbito internacional a representação da República Federativa do Brasil faz-se por meio da pessoa jurídica interna mais abrangente: a União. Representada, normalmente, pela figura do seu Presidente da República, de acordo com a interpretação do art. 84, VII, VIII e XXII e do art. 21, I, II e IV, ambos da Constituição da República.

Em sede de Direito Internacional, a República é soberana. Não existe controle externo sobre os seus atos, pelos entes internos – União e Estados Federados. Mas é possível falarmos em projeção de uma soberania em âmbito interno. A República, antes de mais nada, reflete o estado de espírito e dos preceitos de convivência política, que sustentam a ordem interna.

Há, em tese, portanto duas soberanias: a interna (primária), sob a qual edifica-se a externa (secundária) – verdadeira soberania de direito internacional público. A segunda, nasce da primeira.

O Legislativo Federal (Congresso Nacional) está legitimado originariamente para exercer o controle sobre a política e administração externa desenvolvidas pelo Executivo. Dentro desta mesma "teoria de projeção", o Ministério Público Federal é importante instrumento supervisionador dos interesses supra-nacionais.

Como fiscal e guardião da Ordem Interna, e da política externa desenvolvida pelo Estado fundada na Constituição, pode: suscitar conflito de constitucionalidade de tratados e acordos firmados pelo Chefe do Executivo ou seus representantes, fiscalizar a política externa desenvolvida, sob aspecto da legalidade e dos preceitos fundamentais republicanos; participar dos processos de expulsão, extradição e demais procedimentos que envolvam interesses de cidadania e nacionalidade, quando chamado a intervir; participar de organismos jurídicos ultranacionais, participando de julgamentos e procedimentos judiciais, onde estejam em jogo interesses indígenas.

Como órgão independente e soberano participa e promove congressos e reuniões internacionais para tratar de assuntos institucionais; pode ultrapassar fronteiras para cumprir sua missão institucional, como faz, em tese, o Ministério Público Militar, em casos de conflitos bélicos; realiza investigações e procedimentos judiciais, como faz o Ministério Público Federal, na investigação de fraudes, desvio de recursos públicos para exterior etc.

Sabiamente, o legislador constituinte em 1967 estabeleceu que o cargo de Procurador Geral da República somente poderia ser ocupado por brasileiro nato. Infelizmente, não foi este o entendimento que norteou a elaboração do parág. 3º, art. 12 da atual Constituição (cargos privativos de brasileiro nato). Não seria esta uma função sensível, a exemplo da concepção que se tem do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal ? Não estão ambos hierarquicamente equiparados, em termos funcionais ? !... Tudo leve a crer que faltou visão de soberania ao constituinte de 1988.

Cresce de importância, na atualidade, a proteção Internacional dos Direitos Humanos. Naturalmente legitimado à questão o Parquet federal é importante instrumento de viabilização implementação deste mecanismo de proteção da cidadania mundial.

Paralelamente, tem se dado não-menos importância a questões ligadas à preservação do Meio Ambiente e desenvolvimento sustentável, participação dos Estados em organismos de pacificação, ajuda humanitária e participação em Tribunais Internacionais.

Os tribunais penais internacionais, p. ex., já fazem parte da realidade jurídica do mundo globalizado.

O Tribunal penal internacional para a ex-Iugoslávia funciona na Haia; seus quatorze juízes são eleitos pela Assembléia Geral da ONU a partir de listas preparadas pelo Conselho de Segurança, e o mandato é de quatro anos. O procurador, titular da ação penal, em todos os casos, é eleito pelo Conselho. O Tribunal se divide em duas câmaras de primeira e segunda instância e uma de apelação, não havendo foro exterior de recurso. Em janeiro de 2000 o Tribunal condenou mais cinco réus (a pena máxima possível é a prisão perpétua), elevando para treze o número total de sentenciados, desde sua instalação em 1993 [11].

Importante destacar que a competência dos tribunais restringe-se apenas a violações reconhecidas internacionalmente em tratados. A aplicação de sansões diretas aos Estados – responsabilidade objetiva internacional – por certo, tem muito a evoluir.

A condenação penal sempre é pessoal – subjetiva. Normalmente envolvendo personalidades políticas, militares etc. Ao povo e às instituições maiores do país cabe a precípua, e menos complicada, tarefa de realizar o julgamento político !

Dentro desta ordem de idéias, ainda pouco perceptível dentro de nossa cultura jurídica, faz-se necessário todo um estudo e redimensionamento do Órgão Ministerial, integrando efetivamente o sistema que descortina a abertura de novas fronteiras jurídicas no limiar de novo século.

Cresce de importância o aculturamento de nossos profissionais em Direito Internacional Público e Privado, Noções sobre Diplomacia, o domínio de Línguas estrangeiras e em Relações Internacionais.


III. Conclusão

As instituições não se tornam eternas ao acaso. Por mais significativas que sejam dentro de qualquer sistema político que as venham a sustentar, a evolução e a modernidade estão a desafiar as estruturas e a previsibilidade imaginativa do homem.

Com o reconhecimento – consenso – que a globalização é um processo de mutação irreversível, instaurou-se na ordem internacional a era da imprevisão. Quais os limites sociais, políticos e jurídicos desta nova onda, que atinge indistintivamente países ricos, pobres, comunistas, democráticos,... ? A humanidade não sabe e, por vezes, sente-se temerosa frente a previsões assombrosas de cientistas políticos e videntes.

O hoje é diferente do amanhã. O amanhã, nunca esteve tão distante de nosso alcance. Tornou-se imprevisível, incontrolável, indefinível. Como será o Ministério Público, como instituição daqui a vinte, cinqüenta ou cem anos ?

Será preciso passarmos por um novo processo de remendo – mudança – constitucional, para repensarmos sobre a missão e a função do Parquet ? Cremos que não. As transformações que vêm assolando a estrutura política-social-econômica estão a indicar que não.

O processo de mudança deve ser constante, principalmente interno, sem imprimir traumas nas estruturas basilares da Instituição. Desenvolvendo estudos, estabelecendo novos parâmetros e processos de trabalho, investindo nos valores humanos – principal patrimônio à serviço dos ideais magnos da entidade ministerial.

As dificuldades são muitas, mas devem ser vistas num plano meramente circunstancial. Grandes batalhas e desafios imprevisíveis surgirão, sem deixar aviso, inesperadamente.

A instituição encontra-se adequadamente preparada para vencer no presente ?... e no futuro ?


Referências Bibliográficas e Complementares do Texto:

1. Como instituição, reconhece-se a sua função de poder. A ordem jurídica constitucional reconhece sua independência, unidade e indivisibilidade. Em relação à soberania, ela manifesta-se, em relação ao Min Público, na forma aderente e em proveito dos interesses administrativos da justiça.;

2. Etimologicamente, e fazendo o seu enquadramento dentro do texto, a palavra pode ser entendida com o seguinte significado: "diz-se do órgão que, por meio de sua própria atividade, supre a insuficiência funcional de outro" (Aurélio B. de Holanda in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 11ª Edição, 1975);

3. Paulo F. da Cunha in Pensar o Direito, Vol. II. Almedina: Coimbra, 1991;

4. Não cabe a nenhuma comissão de concurso ‘reprovar’ o candidato por insuficiência moral. O que, normalmente, é feito está restrito a apuração sumária de antecedentes pessoais/profissionais dos concursandos, sem perpetrar no âmago da questão. A própria Constituição da República tutela, de forma clara, a intimidade, a inviolabilidade e a vida do cidadão – art. 5º caput e incisos VIII, X, XLI, LVII, dentre outros;

5. Humberto T. Júnior in Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, pág. 85. Forense: Rio de Janeiro, 1999;

6. O sistema de pesos e contrapesos não é indígena. Seu fundamento é o modelo norte-americano e o inglês. Mesmo nesses países, não funciona com absoluta perfeição. Há – ao analisarmos a Constituição Federal e as Constituições dos Estados – grandes lacunas, em termos de equiparação de forças e de equilíbrio entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. A posição – contorno atual – constitucional delineado, favorece ao Parquet o exercício residual desse munus.

7. Hugo N. Mazzilli in A defesa dos Interesses difusos em juízo, 13ª Ed., pág. 66 a 72. Saraiva: São Paulo, 2001.

8. É o caso do jurista César Lafer, proclamando que os direitos de terceira e quarta gerações transcendem a esfera dos indivíduos considerados em sua expressão singular e recaindo, exclusivamente, nos grupos primários e nas grandes formações sociais. (Celso Lafer in A reconstrução dos direitos humanos. Companhia das Letras: São Paulo, 1988);

9. Tratou o constituinte de fiscalizar a execução das medidas coercitivas do Estado de Defesa e do Estado de Sítio prevendo a atuação de uma comissão parlamentares constituída especificamente para este fim. Embora, em tese, o Min Público esteja legitimado ao exercício de tais atribuições, esqueceu o legislador deste seu pendor natural à questão.

10. Trecho extraído da obra de Alexandre de Moraes in Direito Constitucional, 9ª Ed., pág. 362. Atlas: São Paulo, 2001;

11. J. Francisco Rezek in Direito Internacional Público, 8ª Ed., pág. 149. Saraiva: São Paulo, 2000.

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Sobre o autor
Ângelo Fernando Facciolli

oficial do Exército (major da Arma de Infantaria), bacharel em Direito pela UFPA, bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Noergia institucional do Ministério Público na era da imprevisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3172. Acesso em: 26 abr. 2024.

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