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Políticas públicas (econômicas) e controle

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01/08/2002 às 00:00
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4.Dificuldades iniciais acerca do controle das políticas públicas

Quando o poder regulamentar, ao deixa de apenas conferir concreção e adequação das diretrizes legais à realidade social, o Executivo passa a exercer função normativa com prejuízo do Legislativo. Eros Grau chama esse fenômeno de capacidade normativa de conjuntura (Cf. 1998, p. 69), como sendo aquela que visa ao desempenho de uma atividade de ordenação pelo Estado sobre os agentes econômicos. A importância desse poder de regulação seria tanta, que Fernando Scaff entende importante a criação de um Conselho Consultivo, com funções opinativas (Cf. Controle Público e Social da Atividade Econômica). Essa proposta é oportuna, pois que, com a substituição da função da lei pelas políticas públicas dificulta-se o controle social e mesmo o controle legal. Dificuldade essa que se deve a diferentes razões, que podem ser apresentadas esquematicamente da seguinte forma:

4.1- Passa a haver uma demanda desmedida por legislação, a fim de aprovar planos e mais planos, bem como a regulamentação desses planos, o que nos Estados unidos é conhecido como overload, onde o Legislativo acaba por abdicar da direção política do Estado;

4.2- Faz-se necessário todo um extenso suporte institucional (agências de controle, instituições da sociedade civil organizada, etc.) para realizar um controle essencialmente finalístico;

4.3- A falta de cultura cívica e educação democrática dificulta, ou mesmo, inviabiliza a devida e necessária participação popular, de modo que a sociedade acaba não exercendo nenhum controle, antes finda perdendo maior parcela de liberdade, pois não participa da formação da opinião política;

4.4- Os partidos se enfraquecem e deixam de representar a sociedade, porque esta não é capaz de os pressionar nesse sentido, pelo que os mesmos passam a expressar os grupos de interesse dominantes, que são capazes de fazer pressão;

4.5- A utilização de conceitos jurídicos indeterminados e de normas programáticas não é tradicional em nossa cultura jurídica, que oferece certa resistência.

Ante dificuldades de tal ordem, imprescindível se torna intensificar e ampliar as instâncias de controle das políticas governamentais. Com isso, a função do controle exercido pelo Judiciário torna-se mais expressiva, num sentido crescente de quantidade e qualidade desse controle. Por outro lado, as pressões favoráveis e contrárias ao incremento desse controle passam a gera argumentos prós e contras, mediante um discurso político-jurídico-ideológico que começa a se definir.


5.Correntes acerca da importância do controle judicial das políticas públicas

As relações estabelecidas entre os Poderes de Estado de um lado e as relações entre o Judiciário, especificamente, as forças políticas e a sociedade, vêm forçando os aplicadores do direito a tomar posição como agentes políticos e não meramente como técnicos jurídicos. Essa nova feição gera desconfiança e receio, dada a potencialidade para o arbítrio que qualquer incremento de controle gera. Desta feita, em âmbito que se pode dizer mundial, os primeiros esboços doutrinários começam a surgir acerca da função e importância do controle judicial da atuação do Executivo expressa pela adoção de políticas públicas.

Em obra que se pode considerar pioneira, intitulada "A judicialização da política e das relações sociais no Brasil", de 1999, Luiz W. Vianna analisa a questão expondo duas correntes contrapostas, que, em síntese, são:

A primeira, que seria chamada a dos procedimentalistas, representada, nada mais nada menos, que por Habermans e Garapon, entende que o incremento do controle judicial prejudica o exercício da cidadania ativa, pois envolve uma postura paternalista. De tal sorte, favorece a desagregação social e o individualismo, dado que o indivíduo, enquanto simples sujeito de direitos, fica totalmente dependente do Estado. Torna-se um cidadão-cliente e o Judiciário o seu fornecedor de serviços. Portanto, não representa situação desejada, mas situação crítica, correlata a uma crise institucional que precisa ser superada.

Para os procedimentalistas os cidadãos deixam de ser autores e tornam-se meros destinatários do direito. Isto porque, para que sejam autores não é necessária a mediação do Judiciário, mas antes a "criação" ou conquista de canais comunicativos, que levem o poder democrático do centro para a periferia. Para os mesmos, dado que a lei não é a vontade direta do povo, este precisa ter meios de expressar sua própria vontade. Assim, a constituição deve apenas garantir a existência desses meios ou procedimentos, para que os cidadãos criem seu próprio direito. Os seus princípios não devem, portanto, expressar conteúdo substantivo, mas somente instrumentalizar os direitos de participação e comunicação democrática.

Assim, o controle de constitucionalidade seria necessário apenas nos casos que tratarem do procedimento democrático e da forma deliberativa da formação da vontade política (democracia deliberativa). Isso porque não caberia ao Judiciário dizer sobre o que decidir (conteúdo), mas apenas como decidir (procedimento democrático), para que os cidadãos decidam como lhes convier. Seria apenas o caso de garantir procedimentos para ampla deliberação democrática, sem exclusões. No entanto, isso demanda uma prévia cultura política da liberdade a que alude Habermans, de base social estável, capaz de produzir consenso democraticamente, bem como a existência de partidos fortes e livres das pressões econômicas, pautados em instituições firmes.

A segunda corrente, que também conta com expoentes de prestígio como Capelletti e Dworkin, é a dos chamados substancialistas, que entendem que o Judiciário precisa adquirir novo papel ante a função intervencionista do Estado [1] e passar a ser o intérprete do justo na prática social. Se as políticas ganharam mais relevância que a própria lei, o Judiciário necessita constituir-se em poder estratégico, capaz de assegurar que as políticas públicas garantam a democracia e os direitos fundamentais e não interesses hegemônicos específicos.

Nessa linha, caberia à Constituição a positivação do ideal de justiça mediante leis básicas, mas incisivas, cuja implementação pelo Judiciário transformaria progressivamente a sociedade e as instituições, conduzindo-a à realização dos valores fundamentais e ao exercício da cidadania. De fato, vê-se que a lei não é criada por um processo substancialmente, mas formalmente democrático. Entretanto, mesmo na democracia direta prevalecem os interesses da maioria, em prejuízo das minorias.

Assim sendo, não seria diferente, no sentido de não ser preferível, a "criação" jurisprudencial do direito oriunda da interpretação constitucional, que a conformação das políticas públicas a esse entendimento. Destarte, a judicialização das políticas públicas encontra seu fundamento no primado da supremacia da Constituição, tida como lei fundamental. Nessa ordem de idéias, o Judiciário não invade o âmbito do Executivo, apenas aplica a Constituição, esta sim que é superior a todos os Poderes Estatais, por serem poderes constituídos, ou seja, o Judiciário apenas exerce sua função, aplica a norma (constitucional).

Essa supremacia se justifica pela necessidade de preservar certos núcleos de direitos, como os Direitos Humanos, confiando sua guarda a instituições majoritárias (cortes constitucionais). Por isso é que o controle judicial das políticas públicas faz mais sentido no âmbito constitucional. Pois, as normas e princípios constitucionais prevalecem não somente sobre os Três Poderes, mas sobre toda a sociedade, em certo sentido, sobre a própria vontade da maioria. Por isso, o constrangimento que representa deve ser o mínimo necessário para assegurar aquele ideal de justiça.

Logo, conceder ao Judiciário o poder de decidir sobre esse ideal (esses direitos fundamentais) não significa que os juizes representem melhor os interesses dos cidadãos que os parlamentares ou o Chefe do Executivo, que, aliás, são eleitos. Pois, os juizes também podem ser tiranos e arbitrários tanto quanto os titulares de cargos eletivos. Destarte, o controle judicial das políticas públicas representa apenas mais uma instância de controle, o que significa mais controle, qualitativa e quantitativamente, pois é um reforço apenas.


6.Vantagens, desvantagens e funções do incremento do controle Judiciário, mediante a análise das políticas públicas.

Para os substancialistas, esse controle auxilia na reconstrução do sistema de valores democráticos, por ser mais um nível de acesso às instâncias do poder, por intermédio do questionamento de decisões políticas pelo controle de constitucionalidade. Abre, também, espaço ao pluralismo, mediante o amplo acesso ao Judiciário que existe na medida em que nenhuma questão deixa de ser apreciada, o que garante que grupos marginais – sem expressão política – questionem e influam sobre as decisões políticas. Ademais, fomenta a democracia deliberativa (de grupos) pelas ações coletivas;

Como desvantagens costuma ser apontada a necessidade de cristalização de muitas metas sociais em leis, que "engessa" a execução das políticas públicas, prejudicando a flexibilidade necessária para a regulação da dinâmica econômica, bem como cria mais um entrave burocrático, pelas muitas ações que ficam pendentes. Igualmente, diz-se que a própria definição do ideal de justiça e dos Direitos Humanos é mutável, pelo que o controle judicial dificulta mais essas mudanças de atualizações de valores.

Entretanto, o controle judicial das atividades dos outros Poderes é exercido pelo Judiciário, principalmente, com base nos princípios e normas da Constituição, que são genéricos e muitas vezes utilizam conceitos juridicamente indeterminados. Portanto, podem ser "atualizados" por simples interpretação construtivista (criadora) do juiz, não havendo perigo real de "engessamento" da Administração Pública. Por isso, é importante que não existam normas constitucionais excessivamente específicas, pois não é a especificidade que garante a realização da finalidade legal, mas o tipo e a eficácia do controle da execução da lei, seja esta genérica ou específica.

Essa interpretação construtivista permite que se preserve-mudando, pelo que favorece a formação gradual de uma cultura política. Pois, auxilia na criação pelos cidadãos de consciência dos seus direitos em sentido mais amplo, a começar pela consciência de seus papéis específicos no momento comunicativo do processo, enquanto consumidor, contribuinte e outros. Segundo José Afonso da Silva, a Constituição Federal de 1988, pela peculiaridade histórica de sua formação, ficou distante do ideal de qualquer grupo nacional específico (Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000). Teria, portanto, refletido um mosaico de interesses e preocupações, porque não resultou historicamente de um conjunto de valores compartilhados por uma comunidade política, conforme um amadurecimento democrático do povo. Mas nem por isso pode ser tida como ilegítima, pois reflete valores socialmente desejáveis.

Ademais, em um modelo assim de Constituição Aberta, para se usar a expressão de Paulo Bonavides, favorece-se o construtivismo jurídico, pelo que se obtém a desejada interligação entre os Direitos Humanos e a democracia participativa. Tal porque a participação jurídico-política encontra no momento processual mais uma instância importante no cenário do Poder Estatal. Ao ir ao Judiciário em busca de seus direitos, o cidadão atua, exercita seu poder de iniciativa, torna-se cidadão-ativo, não mero cidadão-cliente, porque provoca o exercício da jurisdição e sai da inação. Com isso, mesmo que a Constituição não seja fruto da mais legítima vontade popular, poderá vir a ser pela atuação jurisdicional construtivista e as suas normas terão mais chances de não ficar na mera função simbólica.

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O exercício de ações coletivas e a atuação dos Juizados Especiais são exemplos específicos de momentos em que a jurisdição favorece a aquisição da cidadania. Inquestionavelmente, tais espaços ainda são muito tênues, carentes de toda sorte de aparelhamento, assim como a própria estrutura do Poder Judiciário Brasileiro, o que não anula os pequenos ganhos que significam. Ao se conceber o Judiciário enquanto instância democrática, percebe-se que o locus de participação popular desloca-se (ou amplia-se) para o Judiciário. Isso pressupõe, como base, a possibilidade de um controle abstrato de constitucionalidade, no qual a supremacia é a da Constituição e não de um Poder Constituído como o Judiciário. Daí não ser cabível falar-se, como já se tem feito, em "governo dos juízes".

Em suma, a ampliação do poder de controle judicial das leis e, particularmente, da Administração não tolhe a democracia participativa, antes lhe favorece, assim comoa democracia representativa. Pois, os partidos minoritários, que não estejam em coalizão com o Executivo, podem utilizar o processo judicial contra as instâncias do poder, isto é, contra os arbítrios do governante de plantão. Favorece, portanto, a conexão entre a democracia participativa e a representativa, o que é muito importante no Brasil, onde "as maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias parlamentares". (VIANNA: 1999, p. 43)

Essas minorias parlamentares passam a ter no Judiciário mais uma instância de atuação, com novas possibilidades de pressão. Entretanto, a adoção de um modelo de Estado-juiz, na expressão acre de Cittadino, correlata a uma visão "romântica" do Juiz-Hércules, como gosta de se referir Canotilho, é totalmente utópica. Pois, a participação no Judiciário é, em certa medida, dependente da mediação do direito e, em conseqüência da positivação dos direitos, da existência de cortes de justiça com feição política como as cortes constitucionais e do grau de consciência política dos magistrados. Contudo, todos esses óbices podem ser minimizados pelo contínuo exercício do controle judicial, pois este apresenta função pedagógica, que se aplica tanto aos cidadãos quanto aos magistrados.

2.5- Papel do Judiciário – dificuldades no exercício do controle

Ao se analisar as dificuldades do controle judicial dos atos dos outros poderes do Estado, especialmente os do Poder Executivo, percebe-se a necessidade de utilização de técnicas de "sopesamento" de valores, interesses e direitos. Essas técnicas são simultaneamente simples instrumentos e opções valorativas, revelando o viés político do direito, enquanto racionalidade acerca do poder. O controle judicial das políticas públicas nesse sentido é um típico caso em que a regulamentação legal se defronta diretamente com os meandros "irracionais" do poder político.

O direito não pode atuar nesses casos com o mesmo rigorismo técnico, julgando-se neutro, é preciso buscar parâmetros mínimos de ética e justiça. Por conta disso, o controle legal encontra muitas dificuldades, de ordem técnica, ideológica e valorativa. Já observava Rui Barbosa, citado por Comparato, que:

"O effeito da interferência da justiça, muitas vezes não consiste senão em transformar, pelo aspecto com que se apresenta o caso, uma questão política em questão judicial. Mas a atribuição de declarar inconstitucionaes os actos da legislatura envolve, inevitavelmente, a justiça federal em questões políticas. É, indubitavelmente, um poder, até certa altura, exercido sob as formas judiciaes" (1997, p. 20)

Diante disso Comparato afirma "Afastemos, antes de mais nada, a clássica objeção de que o Judiciário não tem competência, pelo princípio da separação de Poderes, para julgar ‘questões políticas’" (Op. Cit., p. 19). No entanto, essa postura é rechaçada pela maior parte dos juristas pátrios, que só a admitem por via transversa, mediante um exercício argumentativo pelo qual as questões "deixam de ser" políticas, passando a ser jurídicas. Por isso, o controle da Administração Pública é apontado como restrito ao nível constitucional e, por isso, os defensores de uma maior margem de liberdade para o gestor público, postulam a desconstitucionalização de muitos assuntos como os serviços públicos. Porém, como visto de início, não é o locus da norma que facilita ou não o controle, mas os mecanismos de que o sistema dispõe. Alias, está demonstrado que finda como letra morta a constitucionalização de muitos temas, pela inviabilidade do controle.

Portanto, é preciso observar que o controle das políticas públicas não pode ficar restrito ao Controle de Constitucionalidade, sob pena de ser considerado como inviável, ante certos mecanismos estrategicamente pensados para minimizar esse controle, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade. Ademais, não se pode restringir o controle de constitucionalidade ao controle concentrado. Mesmo porque, toda a estrutura do sistema legal pode ser tida como uma concreção dos fins constitucionalmente propostos.

Um segundo ponto, observado por Comparato, é que o controle judicial da Administração Pública incide sobre atos e não sobre programas ou políticas, sendo, portanto, um controle pontual não abrangente. Logo, as políticas públicas, em seu conjunto, findam fora do controle, porque expressam a idéia de metas coletivas e de atividade, de modo que não se resumem a normas ou atos, pois representam o conjunto destes, que é unificado pela sua finalidade.

Comparato assim leciona:

"A primeira distinção a ser feita, no que diz respeito à política como programa de ação, é de ordem negativa. Ela não é uma norma nem um ato, ou seja, ela não se distingue nitidamente dos atos da realidade jurídica, sobre os quais os juristas desenvolvem a maior parte de suas reflexões desde os primórdios da iurisprudentia romana. Este ponto inicial é de suma importância para os desenvolvimentos a serem feitos a seguir, pois tradicionalmente o juízo de constitucionalidade tem por objeto, como sabido, apenas normas e atos" (1997, p. 18)

Entretanto, como visto, as finalidades legais que orientam o controle judicial finalístico não se resumem ao controle de constitucionalidade. No Brasil confundem-se com este, dado o caráter extremamente abrangente da Constituição Federal, porém, isso não significa que ao mesmo se limitem. Logo, é preciso perceber que existe uma hierarquia de valores que define o "peso" dos princípios em conflito, mesmo a nível infraconstitucional. Obviamente, se se tratar de um valor constitucional em colisão com um infraconstitucional, aquele deverá prevalecer, à semelhança do que ocorre no caso das normas.

Porém, tratando-se de princípios mesmo essa regra não pode ser absoluta, pois pode ser que o valor ou interesse protegido por normas infraconstitucionais prevaleça naquele caso concreto por diversas razões tópicas. Uma delas pode ser a de que a prevalecer o interesse constitucionalmente protegido, o outro seria aniquilado, ao passo que no caso inverso isso não se daria. As colisões de princípios são mais freqüentes e diversificadas que se costuma considerar e podem chegar ao nível processual. Como exemplo toma-se o caso dos prefeitos cujas regras de aposentadoria não foram recepcionadas pela Constituição, mas que ganharam o direito a tal aposentadoria em Juízo, estando sob o manto da coisa julgada. Então, seria o caso de se dizer que é imperioso respeitar a coisa julgada, instituto protegido pela própria constituição, mesmo que com isso se estabeleça uma situação contrária à própria Constituição. Esse é um caso de aplicação do princípio da proporcionalidade, pelo qual observa-se que houve menor vantagem em se atender ao princípio da coisa julgada, que em se desconsidera-lo.

A princípio qualquer decisão seria aceitável ou recusável, posto que se trata de dois valores constitucionais. Entretanto, importa reconhecer que as técnicas de racionalização da decisão jurídica nem sempre podem obedecer a um rigor lógico-formal, mas podem atender a uma demanda de racionalidade tópica. Desta feita, pode-se fazer uma distinção entre as soluções possíveis juridicamente, conferindo maior peso a uma, como determina a aplicação do princípio da proporcionalidade. A maior desvantagem é observada não apenas do ponto de vista lógico, mas finalístico.

Um outro óbice procedimental é que os atos e normas tomados isoladamente são heterogêneos e possuem um regime jurídico próprio. Ou seja, sua validade é analisada separadamente da atividade global, ou seja, das políticas públicas nas quais se inserem. Desse modo, uma norma ou ato pode ser inválido, sem que a política pública no qual se insere o seja e vice-versa. Nesses casos, novamente pela aplicação do princípio da proporcionalidade, na análise dos atos a estes poderia ser conferido um peso diferenciado, considerando-se sua relação dentro da política pública no qual se encerra. Com isso, o controle seria ampliado pela estipulação de uma "sintonia fina" para a análise dos atos, de acordo com uma análise prévia da política pública, seria o caso desta estar inclusa na pré-compreensão do julgador.

Uma outra questão seria o fato de que a Constituição Dirigente, correlata ao Estado Intervencionista, contém objetivos que são impostos por meio de normas programáticas, pelo que estas precisam ser tomadas como vinculantes para o Estado e para toda a sociedade, incluindo os detentores do poder econômico. Para tanto, trabalha-se com a noção de conceitos juridicamente indeterminados, que ao lado do princípio da proporcionalidade, representa mais uma técnica de racionalização da decisão judicial. A própria análise desses tipos de conceitos jurídicos implica um juízo de ponderação, ou seja, a ela também se aplicam os parâmetros do princípio da proporcionalidade.

Com isso, a generalidade das normas pode ser tida como não redutora de sua função diretiva ou vinculante. Igualmente, o "alargamento" da competência normativa do governo (medidas provisórias, especialmente), pode ser mais estreitamente controlado, sempre do ponto de vista concreto, pois a análise tópica de prudência ou proporcionalidade sempre se dá in concreto, o que não atinge a agilidade e mobilidade, necessárias à eficiência da gestão pública, afastando o perigo tão supervalorizado do "engessamento" da Administração Pública. Dessa forma o controle judicial deixa de significar uma ampliação no Juízo de Oportunidade e Conveniência da Administração, ou seja, não significa uma "invasão de competência", pois não se concebem as questões meramente como "questões políticas" ou "mérito administrativo", cuja análise deve escapar ao Poder Judiciário.

A resistência dos Poderes do Estado em submeter as políticas públicas ao controle judicial mais rígido, está em que tal demanda uma atuação política do Judiciário, no sentido de que deverá questionar as opções do Administrador. Notadamente atos como declaração de guerra, licença para parlamentar ser processado e outros, manifestam feição meramente política. Mas sob o rótulo de questões meramente políticas não pode se esconder questões que afetam de forma direta e rotineira o exercício dos direitos dos cidadãos, como é o caso dos programas econômicos e seus efeitos. Tanto, que os mesmos estão sendo sempre questionados, sendo as perdas salariais, em geral, reconhecidas.

O incremento do controle judicial da atividade administrativa não significa mera substituição do arbítrio do Executivo pelo arbítrio do Judiciário, pois a mediação da norma e dos princípios jurídicos minimiza o subjetivismo. Os atos em si considerados e as políticas nas quais se inserem devem ser confrontados com os objetivos constitucionais, bem como com as regras infraconstitucionais que estruturam o desenvolvimento dessas políticas e atos (atividade).

O Controle de Constitucionalidade no Brasil é bem amplo, pois envolve tanto a matéria, quanto os meios e instrumentos, a forma e competência e, ainda, a omissão. Seus efeitos são desconstitutivos, pois resulta na invalidade do ato (efeito ex nunc). Há muitas falhas, como a própria utilização "má intencionada" da Ação Declaratória de Constitucionalidade, mas, independentemente de uma reforma constitucional, apresenta muitas possibilidades, que deixam de ser empregadas por receio de o Judiciário assumir seu papel de agente político ao lado dos outros poderes. Poderiam ser mais utilizados os instrumentos mandamentais e de injunção, bem como a tutela preventiva da legalidade (constitucionalidade).

Com isso, a intervenção sobre o domínio econômico prepondera, em especial, mas também a atuação no domínio econômico do Estado seria passível de um controle mais eficiente, que não fosse meramente formal, como muitas vezes é o exercido pelo Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas. Questões como a guerra fiscal, o tratamento da dívida pública, a função meramente formal das leis orçamentárias, dentre outras, poderiam ser redimensionadas com vistas a atender interesses sociais reais. Tal porque o governo deixaria de não ser responsabilizado pelas distorções praticadas por meio de políticas econômicas descompromissadas com o social, como as que atendem aos interesses bancários (operações de socorro aos Bancos), em detrimento de áreas fundamentais como educação e saúde.

A intervenção econômica não só permanece, como vem sendo incrementada, ao que precisa se seguir um incremento de instrumentos de controle. Isso, porém não demanda reforma legal para se implementar, pois mecanismos normativos já existem, é o exemplo das leis orçamentárias, que precisam ser tratadas como leis, como norma legal vinculante. Se esses mecanismos já existentes fossem implementados, muitas distorções praticadas continuamente seriam evitadas. Isso não significa que as propostas de mudança devam ser rechaças, pelo contrário, importa na necessidade de combinar o esforço para a adoção de mudanças positivas com a efetiva utilização dos mecanismos legais já disponíveis, maximizando as possibilidades que estes representam.

Aliás, vale ressaltar a vasta gama de propostas positivas para incremento do controle, judicial e social, das políticas econômicas, das quais vale ressaltar as formuladas por Fernando Facury Scaff, em breve, mas significativo ensaio, onde sugere a criação de agências reguladoras específicas para setores da econômica, com possibilidade de participação popular, participação de professores universitários. Além disso, sugere, ainda, possíveis alterações na composição dos Tribunais de Contas, podendo-se pensar em inclusão de representantes da sociedade e na idéia de exercício de mandato ao invés de vitaliciedade no cargo, dentre outras como a criação de ouvidorias e conselhos consultivos específicos. (Cf. Controle Público e Social da Atividade Econômica).

Demais disso, há a noção de orçamento vinculante, pelo que se tentaria reduzir as divergências entre o aprovado em lei e o executado, pela utilização de linguagem mais precisa nas leis orçamentárias e da idéia de obrigatoriedade na realização das despesas programadas, com uma margem de mobilidade de recursos dentro do estritamente necessário. Aperfeiçoar o controle a posteriori nos casos de Responsabilidade do Estado por medidas de política econômica também é um caminho sugerido para que, pela efetivação de um controle – social e, especialmente, judicial – seja implementado neste país um modelo de desenvolvimento econômico com efetivo progresso financeiro e social, capaz de reduzir o grau de marginalidade e exclusão social. Nesse sentido, o instrumental jurídico não seria considerado como a mola mestra desse processo evolutivo, mas como um significativo instrumento de realização de ideais democráticos.


Notas

1 - Aqui, utiliza-se a expressão intervencionista no sentido já visto, como sempre existente independentemente do modelo de Estado, seja de Bem-estar Social ou de cunho Neoliberal, pois a intervenção sempre existe e pode dar-se – de fato está se dando – neste "novo" modelo neoliberal com maior intensidade ainda que no Welfare State.


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VIANNA, Luiz Verneck, et alli. A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, pgs. 15/70.

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Sobre a autora
Marília Lourido dos Santos

advogada em Belém (PA), especialista em políticas públicas, mestranda e ex-professora da Universidade Federal do Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marília Lourido. Políticas públicas (econômicas) e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3179. Acesso em: 25 abr. 2024.

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