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O problema na tipificação penal dos crimes virtuais

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IV – CRIMES VIRTUAIS, NOVOS TIPOS PENAIS ?

Expomos a pouco a problemática na conceituação e tipificação penal dos crimes praticados no cyber - espaço tendo como centro o princípio constitucional da legalidade, o qual se encontra no nosso ordenamento legal infraconstitucional no art. 1º do Código Penal.

É diante deste princípio que só há conduta considerada como criminosa para efeito penal, se a mesma vier expressamente definida neste sentido. Não se pode aplicar a norma penal por analogia, devendo este princípio ser observado friamente, sob pena de se praticar uma coação ou constrangimento ilegal.

Neste sentido, trazemos à baila, a honrosa lição do mestre Heleno Cláudio Fragoso que, com salutar felicidade expõe:

"Uma nova função veio a ser atribuída modernamente ao princípio da reserva legal: proíbe ele a incriminação vaga e indeterminada, que não permite saber de forma exata qual é a conduta incriminada. Como diz mestre SOLER, ´a só existência de lei prévia não basta; esta lei deve reunir certos caracteres: deve ser concretamente definitória de uma ação, deve traçar uma figura cerrada em si mesma, por meio da qual se conheça não apenas a conduta compreendida, mas também qual é a não compreendida.´ [13]"

Tramitam, no Congresso Nacional, vários projetos de lei no sentido de classificar as condutas consideradas criminosas por meio da INTERNET, bem como a sua correta utilização. Entre eles, destaca-se o Projeto de Lei n.º 64/99 de autoria do Deputado Federal Luiz Piauhylino, cujo trabalho fora herdado de seu antecessor o Deputado Federal da bancada paraibana Cássio Cunha Lima, pioneiro nesta preocupação, tal PL dispõe sobre a "cyber - criminalidade", ou seja, os crimes praticados na área da informática, disciplinando, discriminando e atribuindo penalidades a tais condutas.

É nesta nova realidade que assistimos o surgimento de um novo tipo penal, no qual o delinqüente utiliza o computador doméstico ou não, como meio de praticar uma gama de delitos.


V – DO USO DA ANALOGIA.

Os Tribunais de todos os modos tentam conter os chamados "crimes virtuais", cada qual observando o caso em concreto, aplica uma solução que acha justa. Ora, na medida que a lei é omissa, deixa margens a ação do aplicador legal, que muitas vezes se ver em uma árdua tarefa, que foge a sua competência originária, pois é forçado a legislar, tudo devido a um caso concreto que lhe foi apresentado.

A par da norma insculpida no art. 5.º, inc. XXXV [14], da Carta Constitucional, que aflorou o principio da efetividade da jurisdição, quando for instando a se pronunciar ao caso concrento, impõe-se, ao Poder Judiciário, como um dever, prolatar uma decisão, não podendo desta forma ausentar-se de tal. No Direito Penal, ao contrário do que ocorre no Civil, só pode, o Magistrado, aplicar a analogia se a mesma for considerada benéfica para o acusado.

Tal instituto é tratado no caderno processual penal, em seu art. 3º [15], mas somente à analogia in bonam partem, é aceita, mesmo assim, com severas restrinções e acirradas criticas por parte de boa parte da doutrina penal, sendo sua interpretação jurisprudência bastante divergente, uma vez que seu campo de aplicação é bastante reduzido, como bem assevera Nélson Hungria:

"Em face de um Código, como o nosso, que enumera, em termos suficientemente dúcteis, as causas descriminantes ou de imunidade penal; que aboliu a ´responsabilidade objetiva´, consagrando irrestritamente o princípio nulla poena sine culpa; que é profuso no capítulo das causas de renúncia ao jus puniendi por parte do Estado; que faculta, em vários casos, o perdão judicial; que deixa ao juiz um extenso arbítrio na medida da pena (art. 42), haveria pouquíssimo espaço para a analogia in bonam partem. [16]"

O mesmo autor, baluarte do nosso direito penal, também leciona sobre a vedação do uso da analogia dispondo que:

"A lei penal é, assim, um sistema fechado: ainda que se apresente omissa ou lacunosa, não pode ser suprida pelo arbítrio judicial, ou pela analogia, ou pelos ´princípios gerais de direito´, ou pelo costume. [17]"

Já alertava Noberto Bobbio, sob a problemática quanto à falta de normas reguladoras dos problemas sociais, que deixam de ser abrangidos pelas normas jurídicas, pois:

"(...) não há, até hoje, se não nos enganamos, nenhum tratado completo e orgânico sobre todos os problemas que a existência de um ordenamento jurídico levanta (...) [18]"

Por isso se faz tão necessária uma política forte, urgente e séria, que culmine na sanção de leis tipificadoras destas condutas, a fim de inibir a ocorrência destes delitos. Devendo ser considerado um dos maiores males deste nosso novo século os crimes contra os meios tecnológicos, devido a sua importância atual para o desenvolvimento, não só social, como econômico, desta nova situação que convivemos.


VI – O OBJETO DE PROTEÇÃO PENAL NOS CRIMES VIRTUAIS.

A dogmática penal moderna, sempre se preocupou em analisar a estrutura do direito penal como um todo, individuo, sociedade, crime e seus reflexos. Analisando o Direito Penal, podemos seguramente afirmar, que o mesmo, tem como escopo principal proteger um determinado objeto de uma agressão ilícita, portanto o objeto de proteção por parte do mesmo há de ser específico e determinado. O crime em uma visão lato é uma agressão a um bem tutelado pelo Estado e prevista em lei como tal.

Portanto no que tange aos crimes virtuais há de se especificar quais são os objetos a serem tutelados pela norma penal. Se observarmos, por exemplo, que a conduta do indivíduo primou em "invadir" um computador alheio apenas com o condão de visualizar suas correspondências (e-mails), aponta-se como objeto de tutela pelo estado a intimidade do indivíduo atacado, intimidade esta, indevidamente afrontada.

Também deve ser registrada a crescente onda de usuários que utilizam a INTERNET com o intuito de divulgar e adquirir fotos de menores e adolescentes, o fim lascivo desta pretensão pode ser denominado de pedofilia e, como objeto a ser resguardado pela norma penal, encontram-se os costumes.

Devido ao caráter subjetivo exposto no art. 241 [19] da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), os crimes de pedofilia vêm tendo assento neste dispositivo de caráter penal com grande sucesso, frise-se, graças ao caráter subjetivo constante no mesmo, impondo um pena de reclusão de um a quatro anos, para aqueles que atentarem contra o disposto neste artigo.

Mesmo assim, para imputar-lhes a pratica desta ação é preciso comprovar a sua participação neste odioso delito, o que vem se tornando um grande desafio às autoridades policiais.

Noutro norte, se a conduta do agente tem o fito de "invadir" o sistema operacional de um Banco ou outra Instituição Financeira para desviar valores, mesmo sem subtrair fisicamente uma coisa móvel para si, houve no caso, como resultado final, uma alteração ilícita do dominius daqueles valores em favor do subtraens, o que constitui uma violação atentatória contra a propriedade do dominus. Portanto, como via de conseqüência, o objeto a ser tutelado é o direito à propriedade.

A problemática reside da leitura da norma tipificadora do furto e o que venha a ser considerado furto virtual. Tomemos por exemplo um furto de um arquivo ou um programa constante em um banco de dados privado, onde o agente delituoso acessa clandestinamente e secretamente o copia ou, outros arquivos quaisquer que sejam do seu interesse. O art. 155 [20] do Código Penal Brasileiro, que tipifica o crime de furto, ao dispor que deve haver uma diminuição do patrimônio, ou pela definição que a jurisprudência pátria têm assentado, de que a res seja retirada da esfera de proteção do seu dono, espanca a sua caracterização pelo exemplo acima, tornando tal conduta atípica.

Como exposto anteriormente, apesar de não haver uma diminuição no patrimônio do sujeito passivo, pois permanece em seu banco de dados os arquivos furtados e, ou copiados clandestinamente, houve tecnicamente uma subtração de um bem imóvel e um acréscimo, uma vantagem ilícita para o autor, em detrimento daquele, sem que ao menos cometesse o crime estampado no art. 155 do Código Penal.

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VII – É POSSIVÉL O CRIME VIRTUAL TENTADO ?

Ainda em sede de especulações o conhecimento médio em informática e de direito orienta-se no sentido de ser perfeitamente plausível a idéia do crime virtual tentado.

Ousando frisar que neste ambiente virtual é perfeitamente possível a figura do crime tentado, senão vejamos a guisa de exemplo, desta assertiva, o caso já analisado acima, no que tange a conduta do indivíduo que prima em "invadir" um computador alheio apenas com o condão de visualizar seus e-mails, vasculhando a intimidade alheia. Caso o agente chegue a acessar a caixa postal do titular daquela conta, mas sendo frustada a sua tentativa de lê-los, em decorrência de que, em tempo hábil, este frustra sua investida, não se consumando o núcleo caracterizador do tipo, ou seja, ler a correspondência, configurando-se, assim, o crime tentado.


VIII – CONCLUSÃO.

A balda das informações expostas, chega-se a uma ilação lógica, que devido à ausência de tipificação legal, discriminante das condutas dos agentes que utilizam a INTERNET como instrumento na prática de delitos, tal vácuo legal, encoraja o surgimento de novos delitos neste meio tecnológico.

Enquanto houver por parte da legislação penal tal omissão, não serão considerados crimes, como de fato são. Destarte, seus agentes sempre serão agraciados com o benefício da impunidade, pois no direito penal não se pode atribuir uma pena, ou impor uma sanção, a uma conduta que o ordenamento penal não considere expressamente como criminosa, mesmo que tal conduta produza prejuízos financeiros ou atente contra a integridade humana, bens resguardados pelo direito penal.

De fato estamos presenciando o surgimento de novos tipos legais, que, dado a suas singularidades, surpreenderam os operadores do direito em geral, em todos os ramos legais, não só em relação à matéria penal.

Enquanto não houver uma preocupação por parte dos nossos legisladores, materializando tal ato na formulação de leis que qualifiquem, discriminem e tipifiquem as ações destes agentes como criminosas, os delitos praticados pela INTERNET, serão na sua esmagadora maioria carecedores de uma reprimenda legal.

Urge, por parte dos legisladores pátrios, uma reformulação na ótica deste novel meio comunicativo global, devendo ser apreciado com esmero, nunca relegado a um plano de insignificância, dado aos valores que abrange, sejam monetários ou até mesmo referentes à intimidade e a honra de seus usuários.

De certo é que, a matéria suscita várias discussões e acirrados debates. Ainda não há um concesso seja da doutrina ou da jurisprudência, o que é perfeitamente justificável pela total ausência de lei especifica sobre a matéria em comento.


Notas

1. O Renascimento da Máquina, Veja n.º 19,16 de maio de 2001, p. 126

2. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa.

3. Processo Penal, v. 2, Saraiva, p. 446.

4. ob., cit., p. 447.

5. Fonte: InfoExame n.173, agosto de 2000, p. 46

6. Código Penal Comentado, Saraiva, pág. 2.

7. Comentários ao Código Penal, v. I, t. I, 5ª ed., Forense, p. 22.

8. Imputação Objetiva, Saraiva, pág. 3.

9. Teoria do Delito, Editora Revista dos Tribunais, pág. 42.

10. Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, pág. 21.

11. Suspensão Condicional do Processo Penal, Editora Revista dos Tribunais, pág.101.

12. ob., cit., pág. 20.

13. Comentários ao Código Penal, 5ª ed., v. I, t. I, Forense, p. 223.

14. - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (art. 5.º inc. XXXV, CF/88).

15. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.(CPP, art. 3º).

16. ob. cit., p. 101.

17. ob. cit., p. 21.

18. ob., cit., pág. 20.

19. - Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão de um a quatro anos

20. Subtrair, para si ou para outrém, coisa alheia móvel; (Código Penal Brasileiro), Pena - reclusão de um a quatro anos. (Art. 241, Lei 8.069/90)

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Sobre o autor
Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro

advogado criminalista, aluno da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio Fonseca Vieira. O problema na tipificação penal dos crimes virtuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3186. Acesso em: 5 nov. 2024.

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