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O problema na tipificação penal dos crimes virtuais

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"Alguns qualificam o espaço cibernético como um novo mundo, um mundo virtual, mas não podemos nos equivocar. Não há dois mundos diferentes, um real e outro virtual, mas apenas um, no qual se devem aplicar e respeitar os mesmos valores de liberdade e dignidade da pessoa".

(Jacques Chirac)


Introdução.

A INTERNET teve sua origem embrionária em plena guerra fria como arma militar norte-americana de informação. A idéia consistia em interligar todos as centrais de computadores dos postos de comando estratégicos americanos, precavendo-se, pois, de uma suposta agressão russa. Sendo atacado um desses pontos estratégicos, os demais poderiam continuar funcionando autonomamente, auxiliando e fornecendo informações a outros centros bélicos.

Inegavelmente não podemos deixar de render homenagens à INTERNET que atualmente destaca-se como um, senão, o mais forte meio de comunicação global. Diante das constantes evoluções históricas que a nossa humanidade vêm sofrendo, onde as diversas formas de barreiras, sejam: físicas ou lingüísticas, gradativamente se rompem, graças ao surgimento e a popularização da comunicação virtual.

Desta feita, e diante da propagação do microcomputador como um dos mais cobiçados e comuns objetos de consumo da era moderna, não é de se espantar que onde haja o uso, haja também o abuso. Estima-se que existam no Brasil cerca de 8 milhões de internautas, e este número não para de crescer dia-a-dia. Atualmente, o microcomputador ocupa lugar de destaque na lista dos bens de consumo da sociedade, segundo pesquisa do IDC, publicada na revista Veja [1], o volume de vendas de microcoputadores, saltara de 127 milhões de unidades vendidas em 2000, para mais de 166 milhões ate o ano de 2002.

Com a popularização da Internet, surgiu uma nova forma de revolução, trazendo consigo certas peculiaridades entre seus adeptos. Entre tais novidades surge a expressão lingüística hacker, esta palavra em si é alvo de discórdia, uma vez que detém vários significados entre este submundo.

Assim como o direito, a nossa língua sofre uma influência natural das transformações atuais, basta para comprovar o alegado, perguntar a alguém se já tomou conhecimento do que venha a ser um Hackers, ou seja, indivíduos que possuem conhecimentos específicos e aprimorados no setor informático, cuja essência de vida deste indivíduo é haraganear pela internet "invadindo" computadores alheios, tanto o é, que consta no Dicionário Aurélio a definição do que seja hackers dispondo que é o "Indivíduo hábil em enganar os mecanismos de segurança de sistemas de computação e conseguir acesso não autorizado aos recursos destes, ger. a partir de uma conexão remota em uma rede de computadores; violador de um sistema de computação" [2], urge salientar que a pouco expomos ser esta uma definição genérica, sendo o cracker o indivíduo agressor de computadores.

Tal distinção de nomenclatura é realizada por aqueles nativos do ambiente virtual, que se organizam em grupos. Entre estes grupos os mais conhecidos devido a sua voracidade em ataques a sites são; silver lords, brazil hackers sabotage, prime suspectz, tty0, demonios, estes cinco grupos brasileiros foram ranqueados pelo site alemão Alldas.de, como os mais ativos mundialmente em termos de ataques virtuais a grandes empresas e a altos órgãos governamentais dos mais diversos países.

Dentre os delitos perpetrados por estes, podemos citar as constantes investidas as contas bancárias alheias, desviando seus valores para contas fantasmas de amigos ou próprias e, nessa mesma linha de delitos um dos mais usuais delitos dessa natureza que é a "invasão" de computadores particulares com o intuito de ler os chamados e-mails.

Diante da popularização e do fácil acesso ao microcomputador, é que muitos indivíduos utilizam a INTERNET (jovens na sua maioria, entre 15 e 20 anos) como meio para praticar delitos das mais variadas espécies, causando enormes prejuízos a Bancos ou Instituições financeiras através de desvios em seu erário, bem como divulgando material pornográfico ou de caráter discriminatório.

Visa, portanto, este despretensioso estudo, analisar à problemática acerca do ajustamento da norma penal em face dos crimes virtuais e sua repercussão em âmbito jurídico.


I – HACKERS, CRACKERS, A TERMINOLOGIA QUANTO AO SUJEITO ATIVO.

1. a identidade do imputado.

Inobstante a problemática na tipificação destes delitos, cingi em dos principais pontos nevrálgicos desta, a imputação objetiva pela prática do evento criminoso ao suposto autor, bem como a sua comprovação no mundo fático.

Mas, para se aplicar a devida sanção penal, deve se ter fixo um sujeito infrator, um dos elementos intrínsecos da ação. O direito penal não pode alcançar pessoas abstratas, virtuais. Não podemos, na sanha de condenar, aplicar a sanção penal aquele que pela sua conduta não concorreu de qualquer modo para a caracterização do evento criminoso.

Diante deste fato é que os crimes perpetrados neste ambiente se caracterizam pala ausência física do agente ativo, por isso, ficaram usualmente definidos como sendo crimes virtuais, ou seja, os delitos praticados por meio da internet são denominados de crimes virtuais, devido à ausência física de seus autores e seus asseclas.

Por isso, torna-se imperioso tecermos alguns comentários acerca da definição jurídica do sujeito autor (imputado) nos crimes virtuais e, sua posição processual, como bem salienta Fernando da Costa Tourinho Filho ao citar Carnelutti sobre a necessidade de sua aferição:

Ensina, magnificamente, Carnelutti, que ´sin imputado, el juicio no se puede dar. Por eso la imputación se resuelve en la indicación de la persona contra la cual se propone la pretensión penal´. Da exigência de indicação do imputado surge o problema da sua identidade, ou seja, a ´coincidência entre a pessoa indiciada e a pessoa submetida a juízo´ (lecciones, cit, v. 1, p. 196) [3]"

Não basta, para a aplicação da sanção penal, o conhecimento superficial sobre a identidade do acusado, não se trata de homonímia, mas da comprovação de que aquele que se figura como imputado realmente praticou o que lhe é imputado. Tendo como norte o caráter virtual deste meio, as transações e ingressos na internet são realizados por meios de chaves, códigos formulados através da criptografia.

Um expert em informática como os crackers modernos podem perfeitamente se apropriar de uma senha alheia e utiliza-la para diversos fins. Desta feita, estaria usando a identidade alheia, aplicando golpes ou simplesmente navegando na internet como se fosse o titular daquele código ou senha. Daí a preocupação em determinar a sua real identidade para que a pretensão punitiva seja justa e contra aquele que realmente perpetrou o delito, pois corroborando com este entendimento salienta, ainda, Tourinho Filho mais uma vez citando Carnelutti:

"O problema da qualificação do acusado é de suma importância, porquanto, em se tratando de qualidade personalíssima, não poderá ser atribuída a outra pessoa que não a verdadeira culpada. Ensina, com autoridade, Carnelutti:´ no puede haber, sin um imputado, um juicio penal, ouesto que este se hace, no com fines teóricos, para resolver uma Duda, sino com fines práticticos, para infligir uma pena´ (leccciones, cit., v. 1, p. 195) [4]"

2. hackers e crackers.

Genericamente HACKER é uma denominação para alguém que possui uma grande habilidade em computação. Cracker, black-hat ou script kiddie neste ambiente denomina aqueles hackers que tem como hobby atacar computadores. Portanto a palavra hacker é gênero e o craker espécie.

Atualmente por um estudo realizado pelo site alemão Alldas.de, o Brasil abriga o maior grupo de hackers do mundo, calcula-se que o grupo que se intitula de silver-lords atingiu a cifra de 1.172 ataques as páginas da internet, entre os feitos desta trupe, registra-se invasões contra a Meca militar americana, o Pentágono, a própria Microsoft e a IBM americana. Nesta mesma pesquisa destaca-se que dos 10 maiores grupos de hackers mundiais ranqueados naquela pesquisa, cinco são brasileiros (silver lords, brazil hackers sabotage, prime suspectz, tty0, demonios).

O que torna o Brasil a seara destes aventureiros virtuais é a facilidade de atuação e a impunidade por parte de nossas leis. Basta destacar que o Comitê Gestor de Internet no Brasil, órgão federal de fiscalização e controle deste meio de comunicação, somente em 1989 recebeu cerca de 3.107 notificações de incidentes de segurança [5], suspeita-se ainda, que esses números possam ser de maior monta, devido à política adotada pelas empresas de encobrir invasões devido à má publicidade advinda de uma suposta falta de segurança em seus sites.

É neste contexto que a sociedade reclama ao direito moderno novos meios coibitivos e sancionadores dos abusos cometidos no cyber - espaço, ou mundo virtual, que via de regra, suas conseqüências no mundo fático, são bem visíveis. Apesar disto o Direito Penal, como todos os ramos do Direito, encontra-se desprovido de meios para conter tais abusos virtuais.


II – O PROBLEMA NA TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES VIRTUAIS.

O Direito é uma ciência de natureza social, portanto, é lógico concluir que sofre inúmeras mudanças de acordo com o avanço da sociedade a que esteja ligado. O ser humano é um ser eminentemente social, devido a esta necessidade organizacional do homem em sociedade, é que surge a figura do Estado. Após a organização do Estado como único ente capaz de substituir a vingança particular, ultrapassando a fase da autotutela primitiva humana, depende o homem do direito para não só respaldar suas transações privadas, mas como confia e outorga-lhe o direito da devida sanção aos indivíduos que transgridem a ordem legal estabelecida.

Diante deste pequeno escorço histórico podemos observar que o direito relaciona-se intrinsecamente com a sociedade, tentando evoluir ao lado da mesma passo a passo. Seria pretensão nossa afirmar que o direito avança em conjunto com a sociedade em harmonia, o que de fato não o é, pois este estará sempre a um passo atrás da mesma, estando sempre em mora nesta relação. Isto se deve não só ao modelo legislativo arcaico que possuímos, onde leis e demais normas legais sofrem com um árduo e demorado processo legislativo, que por muitas vezes promulga normas que já afloram ultrapassadas, necessitando de várias arestas na sua forma para uma aplicabilidade eficaz.

Some-se a isto, a espantosa rapidez com que a sociedade atual se encontra evoluindo, devido a crescente onda de descobertas nos mais variados ramos da ciência moderna, entre essas, destaca-se a informática como epicentro dos novos avanços.

Portanto, nem sempre o Direito acompanha a evolução da sociedade e à medida que esta evolui, reclama por parte deste, novas formas de procedimentos e novos tipos legais que ampare e, resguarde os frutos oriundos desta evolução.

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Tais mudanças por parte da sociedade resvalem por seu turno na forma de aplicação e interpretação do direito. O que torna ineficaz a tutela jurídica pleiteada ao Estado, por faltar instrumentos legais, que não só deixa de compor os litígios como é carente de meios legais que coíba as infrações oriundas desta nova realidade.

Atualmente um dos temas mais palpitantes pelos operadores do direito penal diz respeito aos crimes praticados no ciber - espaço ou através da Internet. Dentre as inúmeras dúvidas suscitadas, uma delas diz respeito à tipificação e à imputação penal aos praticantes de delitos que utilizam a web (world wide web, em uma tradução despretensiosa seria algo como "cadeia mundial de computadores") com intenção delitiva.

Repousa aqui um dos melhores exemplos de como o direito apesar de esforça-se para acompanhar a evolução da sociedade, carece de meios que ilida condutas atentatórias contra as normas penais constantes do nosso modelo legal atual. Resta patente, pois, que se encontra desprovido de meios reguladores dentro da atual conjuntura, uma vez que, a sociedade caminha sob o pálio de um mundo globalizado, sem fronteiras físicas, um mundo onde, do conforto da nossa sala podemos "visitar" museus mundo afora, fazer compras, efetuar pagamentos, transferir fundos e etc. E é diante de tal realidade que assistimos passivos a inoficiosidade do nosso ordenamento penal diante de tal situação.


III. O PRINCIPIO DA LEGALIDADE.

O cerne da questão se prende ao fato de que, como sabemos, é princípio penal básico que nullum crimen, nulla poena sine lege, ou seja, não há crime sem lei anterior que assim o defina. Tal principio encontra-se esculpido no art. 5.°, inc. XXXIX, da Constituição Federal de 1988 nestes termos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

..... omissis.....

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

Também se encontra encartado infraconstitucionalmente no art. 1.° do Código Penal Brasileiro, dispondo que:

Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Por este principio, qualquer indivíduo só pratica uma conduta tida como crime, se a mesma, assim estiver expressamente tipificada como tal em nosso ordenamento penal vigente. Apesar de tal principio ter sua aparição ainda nos primórdios da evolução do direito, pelos romanos, o surgimento do princípio latinizado teve origem no abalizado escólio do doutrinador alemão Anselmo Feuerbach.

As naturezas jurídicas destes dispositivos legais cingi ao fato de impor limites para a discricionariedade punitiva estatal, sendo um verdadeiro corolário da reserva legal. Como bem salienta o mestre penalista Cezar Roberto Bitencourt, verbis:

"O principio da legalidade ou da reserva legal constitui efetiva limitação ao poder punitivo estatal. Feuerbach, no inicio do século XIX, consagrou o principio da reserva legal por meio da fórmula latina nullum crimen, nulla poena sine lege. O principio da reserva legal é um imperativo que não admite desvios nem exceções e representa uma conquista da consciência jurídica que obedece a exigências de justiça; somente os regimes totalitários o têm negado. [6]"

Já corroborava Nélson Hungria neste sentido:

"Antes de ser um critério jurídico-penal, o nullum cirmen, nullum poena sine lege é um princípio (político-libera), pois representa um anteparo da liberdade individual em face da expansiva autoridade do Estado. [7]"

Diante disto denota-se que para a sua caracterização, o crime necessita de: a) uma tipificação expressa como crime por lei b) conduta (comissiva ou omissiva) c) que sendo expressa como tal, esteja válida ou apta a surtir efeitos perante todos (erga omnes). Diz-se, assim, que é o tipo penal, ou seja, a conduta considerada como atentatória à norma.

A tipificação penal é um incansável objeto de estudo por parte dos nossos grandes penalistas, entre tais, Damásio E. de Jesus. Foi o mesmo, que debulhando o tipo penal, ensina que são quatro os elementos integrantes do fato típico:

"1º) conduta humana dolosa ou culposa;

2º) resultado;

3º)nexo de causalidade material entre a conduta comissiva e o resultado;

4º)enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo causal) a uma norma penal incriminadora (tipicidade). [8]"

Por seu turno o eminente jurista pátrio Miguel Reale Júnior, sobre o tema em comento acrescenta:

"A tipicidade diferencia e especifica as condutas criminais em seu aspecto objetivo. O tipo constitui apenas e tão somente a descrição objetiva, não encerrando elementos subjetivos, nem possuindo conteúdo valorativo. [9]"

Sobre o princípio da legalidade ensina Francisco de Assis Toledo que:

"(...) nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei, o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais(...). [10]"

A teoria da tipicidade visa classificar as condutas humanas em normas penais proibitivas, ou como preferem alguns doutrinadores, em normas negativas, incriminando todos os fatos que possam estar desviados de uma conduta aceita socialmente. Tudo, tendo como paradigma principal, os critérios de censurabilidade da sociedade, formalizando essas ações na legislação criminal. Para os transgressores dessas normas, impõe-se uma sanção penal, que é geralmente a pena privativa de liberdade.

O processo pelo qual verifica-se uma transgressão à norma penal, e devido a tal agressão, poderá cominar com uma aplicação de uma pena. Ficou patenteada na doutrina pátria como sendo o principio da criminalização. Conforme basilar lição de Luiz Flávio Gomes:

"Por criminalização (stricto sensu) entende-se o processo que reconhece formalmente a ilicitude de uma conduta, descrevendo-a como infração penal ou transformando-a de contravenção em delito. [11]"

O cerne da questão repousa justamente aqui. Em muitos casos, devido à ausência de norma que tipifique tais crimes, têm, os Tribunais, se socorrendo da analogia para o ajustamento da conduta atípica à norma penal, o que pelo Princípio da Legalidade, onde se assenta o nosso Direito punitivo, é terminantemente proibido o emprego da analogia em matéria penal.

Portanto pela exegese do principio penal da legalidade, os crimes praticados atualmente pelos hackers, são isentos de punição.

Desta feita, carecem, estes indivíduos, da devida sanção penal por absoluta falta de tipificação legal de tal delito, bem como na falta de legislação específica que as regule. Mesmo que passível de censura moral, padecem da sanção penal pelos motivos expostos, aliás, neste sentido assevera Noberto Bobbio no entendimento que:

"É impossível que o Poder Legislativo formule todas as normas necessárias para regular a vida social; limita-se então a formular normas genéricas, que contêm somente diretrizes, e confia aos órgãos executivos, que são muito mais numerosos, o encargo de torná-las exequíveis. [12]"

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Sobre o autor
Cecílio da Fonseca Vieira Ramalho Terceiro

advogado criminalista, aluno da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMALHO TERCEIRO, Cecílio Fonseca Vieira. O problema na tipificação penal dos crimes virtuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3186. Acesso em: 4 nov. 2024.

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