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Uso da força policial militar no exercício de suas funções

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12/09/2014 às 08:20
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O trabalho buscou não só chamar a atenção de quem o ler para os problemas que existem dentro da Polícia Militar, mas para que possam ver com outros olhos, os motivos que levam a determinados comportamentos dentro da mesma, e ajudá-los a encontrar novas formas de lidar com esses problemas.

Resumo: O trabalho buscou não só chamar a atenção de quem o ler para os problemas que existem dentro da Polícia Militar, mas para que possam ver com outros olhos, os motivos que levam a determinados comportamentos dentro da mesma, e ajudá-los a encontrar formas de melhoria, fazendo jus a participação democrática como cidadão, seja com uma palavra, seja com o simples reconhecimento, seja pelo respeito, enfim que cada acadêmico possa a partir da leitura deste trabalho, pensar na segurança pública como um problema que também seja seu e que interessa a todos. Seu objetivo geral consistiu na análise dos limites ao uso da força policial militar no exercício de suas funções. Já os seus objetivos específicos consistiram em investigar o exercício policial no Estado Democrático de Direito, estudar a atividade policial e analisar a questão referente ao uso da força policial e seus variados aspectos. A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica. Os resultados alcançados permitem que se afirme que a força policial pode e deve ser nas situações previstas em lei e que sua utilização não supere os limites e seja proporcional à conduta do delinquente.

Palavras-chave: Poder de polícia, polícia militar, uso da força policial.

Sumário: 1. Introdução. 2. O exercício policial e o Estado Democrático de Direito. 2.1. Conceito de polícia. 2.2. As espécies de polícia. 2.3. Poder de polícia e Estado Democrático de Direito. 2.3.1. Características 2.3.2. Objeto do poder de polícia. 2.3.3. Finalidades do poder de polícia. 2.3.3.1. Outras finalidades decorrentes do interesse público. 2.3.3.2. O abandono da finalidade restrita à ordem pública. 2.4. As funções da polícia militar. 3. Atividade policial. 3.1. Aspectos jurídicos da atividade policial. 3.2. A atuação da polícia militar e os direitos humanos. 4. Uso da força policial militar no exercício de suas funções. 4.1. Níveis de força. 4.2. Legislação pertinente quanto ao uso da força. 4.3. Abuso de autoridade. 4.4. Dignidade da pessoa humana frente às atividades policias. 5. Considerações finais. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O uso da força física, pela Polícia, foi visto como um dos melhores meios de eficácia na resolução de situações policiais em todas as épocas, mormente no militarismo em que a força expressada nos fuzis e arrogância dos militares, faziam lei entre as partes: polícia e população.

Essa ideia retrograda, ainda persiste a caminhar lado a lado com muitos policiais, seja pela falta de conhecimento, seja pela ignorância, seja pelo espírito militar antigo, presente nos grandes heróis das histórias policiais, que por vezes servem de motivo de risada e por outras de grandes ensinamentos de erros que não deverão mais ser cometidos.

São muitos ainda hoje os abusos cometidos por policiais no exercício de suas atribuições, utilizando da força seja por meio de bastões, gases, ou outros meios de diminuição de resistência do causador de situação ordinária ou não.

Porém, não são erros inerentes a pessoa do policial, em sua totalidade, o sistema de segurança pública brasileira cria as praças e os oficiais de que em sua concepção a sociedade necessita. Contudo não oferece aos mesmos, condições favoráveis, eficazes e concretas para a realização de seu ofício. Há uma disparidade enorme quanto ao que se almeja e o que realmente se tem dentro da polícia que a população finge não conhecer e por isso mesmo nada reclama ao Poder Público.

As armas em sua grande maioria são armas antigas e que não tem, dentro do quartel, manutenção própria. Muitos dos coletes balísticos utilizados diariamente estão com prazos de validades vencidos, e não há equipamentos de proteção individual. O número de algemas disponíveis são insuficientes para a quantidade de policiais que trabalham no mesmo horário. As viaturas não estão em boas condições de uso. O salário, em relação ao perigo permanente, estando ou não fardado, é muito baixo, o que acarreta a exposição do policial em trabalhos extras, como os chamados bicos. As facilidades de se obter arma registrada são praticamente inexistentes. Alia-se a tudo isso a falta de treinamento de defesa pessoal e reciclagem permanente dos policiais.

O risco da função policial fica, portanto, nestas condições, aumentado pelo próprio Estado, que é um dos responsáveis pela segurança não só da sociedade civil, mas dos policiais, e sem segurança própria, não poderão eles proporcioná-la à sociedade.

O presente tema surge de uma pequena esperança de mudança na vida destes profissionais de segurança pública, e a diminuição de críticas da sociedade civil aos mesmos com um maior conhecimento das reais condições de trabalho. A segurança pública é dever do Estado, e o Estado é governado por homens que as pessoas colocam no poder transferindo a estes, a responsabilidade para que cuidem de seus direitos. Infelizmente, estes homens pouco ou nada fazem em prol do bem comum em sua totalidade: o bolo é feito, mas não é repartido. Os policiais que trabalham na rua diretamente em contato com a população não são os culpados de tudo, são mais algumas vítimas apenas do Estado, chamado Democrático de Direito, que não cuida de seus cidadãos na medida de suas necessidades. Os detentos de hoje são os cidadãos, e a prisão, suas próprias casas.

A polícia militar é afetada diretamente, e, portanto não recebe os cuidados necessários para oferecer maior segurança. O que não justifica por certo o uso de força imoderada, mas expressa significativamente, que o ser humano aprende o que lhes é passado.

O uso da força deve ser proporcional a situação em que a mesma será utilizada, trata-se na verdade de um meio de trabalho que deve ser utilizado pelo policial quando esgotarem todos os outros meios moderados de resolução de um conflito, como por exemplo, a dialética e o saber ouvir.

O militarismo vem durante décadas deixando marcas por onde passa. A maioria dos homens que faziam parte da corporação, e ainda hoje, era constituído de negros, pois sua força bruta se tornava uma grande arma contra os “fora da lei”, e a falta de oportunidade de emprego os levavam a incorporação.

Assim, a imagem da polícia foi, paulatinamente, sendo vista como uma organização truculenta, torturadora e inimiga da sociedade civil.

O aumento da criminalidade que se revelou ao passar dos anos, no contexto brasileiro, aliado a falta de estrutura organizacional de qualidade, e preparação eficiente contínua para os policiais não mudou esta imagem, pelo contrário, ela se tornou mais presente.

Contudo, trata-se de uma realidade que ainda pode ser mudada, a começar da própria maturidade daqueles que fazem parte da corporação, pois, é a partir deles, pessoas humanas, que se constitui uma corporação que honra os preceitos constitucionais e que trabalha em respeito à dignidade da pessoa humana.

Vale ressaltar que não é somente o policial quem precisa mudar, a sociedade civil também, mormente os futuros e os já bem conceituados protagonistas do mundo jurídico, pois são estes os que criticam destrutivamente ou não o mundo policial, e que podem dar a decisão final sobre a vida de um homem e sua posterior imagem perante toda uma sociedade e/ou corporação.

O presente estudo buscou responder à seguinte indagação: quais são os limites ao uso da força policial militar no exercício de suas funções?

Seu objetivo geral consistiu na análise dos limites ao uso da força policial militar no exercício de suas funções.

Já os seus objetivos específicos consistiram em investigar o exercício policial no Estado Democrático de Direito, estudar a atividade policial e analisar a questão referente ao uso da força policial e seus variados aspectos.

O Uso da Força Policial Militar é um tema muito discutido atualmente, tanto entre os juristas quanto entre a sociedade e, o emprego dessa força pelo Policial Militar no Exercício de suas funções, ainda é muito marginalizado em virtude da ignorância de muitos em não conhecer os motivos, razões ou circunstâncias para o uso da mesma, necessitando assim de um estudo mais aprofundado, para que não restem dúvidas quanto a sua aplicabilidade.

Destarte, será utilizada em grande parte do levantamento, pesquisa bibliográfica. A partir do estudo dessas obras, foi desenvolvida uma linha de raciocínio própria, a fim de se construir uma nova concepção do tema escolhido de maneira clara e concisa para os leitores.


2. O EXERCÍCIO POLICIAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O objetivo dessa seção foi fazer comentários breves sobre da polícia e o poder de polícia, seu conceito e características, após o advento do novo regime constitucional no Estado Democrático de Direito.

2.1. CONCEITO DE POLÍCIA

Deriva a palavra polícia, do grego politéia, e do latim politia, tendo como significado, o governo de uma cidade, sua forma de governo. O significado grego persistiu até o século XVIII e XIX, passando a polícia a representar um órgão a serviço do Estado com a finalidade de zelar pela ordem pública e bem-estar público.

Segundo Cretella Júnior (1998, p. 16): “É o conjunto de poderes estatais coercitivos exercidos, in concreto, pelo Estado sobre as atividades dos administradores, através de medidas restritivas, impostas a essas atividades, a fim de assegurar-se a ordem pública”.

Para Brum (2009), pode-se afirmar que:

Assim, se o Estado é uma ordem normativa que regula o mútuo comportamento dos indivíduos, é válido afirmar que polícia é o Estado e, num Estado de Direito, ato de polícia é o ato de fazer cumprir as leis, em prol da ordem pública, da segurança coletiva, da ordem social ou do interesse público. Todavia, as expressões "ordem pública", "segurança coletiva", "ordem social" e "interesse público" são ambíguas, cada uma delas tomada em substituição a outra, na pretensão de alterar o grau de interferência do Estado na vida das pessoas, mas, todas, em grau maior ou menor, admitindo a interferência do Estado na vida privada, sem conseguir livrar-se da concepção de que o Estado é uma ordem coercitiva, posta para controlar comportamentos prejudiciais à sociedade, admitindo-se o sacrifício de interesses minoritários em prol da coesão do grupo e da segurança comum.

A polícia como instituição evoluiu consideravelmente, tendo grande importância no que se relaciona à preservação e manutenção da ordem pública, afirmando a existência de um Estado democrático de direito que assegura as garantias fundamentais do cidadão. Desta forma, pode-se afirmar a polícia como sendo um conjunto de atividades de caráter coercitivo adotadas pelo Estado com a finalidade de impor limitações à liberdade individual, zelando pelo cumprimento das garantias fundamentais, assegurando a ordem pública (ROSA, 2004).

Dessa mesma forma, Cathala (1975, p. 12), afirma que: “A polícia representa o conjunto das forças públicas que têm o encargo de manter ou restabelecer a ordem social, assegurar a proteção das pessoas e dos bens”.

Assegurou-se a função de polícia na Constituição Federal, por meio do artigo 144, que dispõe que:

Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Vale salientar que, este estudo possui como foco a polícia ostensiva, no caso, a polícia militar, destinada, de acordo com o parágrafo 5º do dispositivo legal supracitado, de real preservação da ordem pública: “§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.

Rosa (2004, p. 79), acerca da polícia militar e da preservação da ordem pública, afirma que:

A polícia militar possui competência ampla na preservação da ordem pública que, engloba inclusive a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, à exemplo de suas greves e outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, pois, a polícia militar é a verdadeira força pública da sociedade. Bem por isso as polícias militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema de ordem pública e, especificamente, da segurança pública.

Assim, pode-se afirmar tratar-se a polícia de uma instituição, que foi criada e é mantida pelo Estado, com a finalidade de garantir o Estado democrático de direito e todos seus direitos, garantias, cabendo, especialmente à polícia militar, a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas.

2.2. AS ESPÉCIES DE POLÍCIA

No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se, de acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro (2011), dois tipos de polícia: a administrativa e a judiciária. Ainda de acordo com a citada doutrinadora, a maior diferença entre as duas polícias é o caráter preventivo, ou seja, a polícia administrativa age com caráter preventivo, visando impedir ações antissociais, enquanto a polícia judiciária tem o caráter repressivo, punindo aqueles que vieram a cometer as citadas ações.

Neste sentido, tem-se a polícia administrativa e a polícia judiciária, cada qual com sua função específica dentro do seu espaço de atuação.

Cretella Júnior (1989, p. 132), assim distingue os dois tipos de polícia:

A polícia administrativa tem por objetivo impedir as infrações das leis antes que se concretizem. Incumbe-lhe a vigilância, a proteção da sociedade, a manutenção da ordem e tranqüilidade públicas, assegurando os direitos individuais e auxiliando a execução dos atos e decisões da Justiça e da Administração.

A polícia judiciária, também denominada polícia regressiva, age “a posteriori”, investiga os delitos depois de praticados.

Ainda com relação à distinção entre polícia judiciária e polícia administrativa, afirma Hely Lopes Meirelles (2003, p. 532):

A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras (polícias judiciárias) atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente.

A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a administração pública, enquanto as demais (polícias judiciárias) são privativas de determinados órgãos.

Outro ponto existente de diferenciação entre as duas polícias é o uso da força, apontado por Moreira Neto (1992, p. 232):

O uso da força pela polícia judiciária se volta à coação legal de pessoas singularmente consideradas (indiciados e acusados) absolutamente necessárias à sua condução à barra de tribunais, que faz a repressão a posteriori. O uso da força pela polícia administrativa, preventiva e repressivamente, se dirige contra a ação de pessoas, singularmente ou coletivamente consideradas, que, na prática de ações, criminais ou não, ocasionem perturbação da ordem pública, fazendo a repressão no momento em que ela ocorra, até restabelecê-la.

Faz-se mister ainda destacar a lição de Luiz Otávio de Oliveira Amaral no que tange a diferença existente entre polícia administrativa e polícia judiciária:

A polícia administrativa tem por objetivo a manutenção habitual da ordem pública em cada lugar e em cada parte da administração geral. Ela tende, no âmbito da segurança pública, principalmente a prevenir os delitos e desordens. A polícia judiciária investiga os delitos que a polícia administrativa não pôde evitar que fossem cometidos, colige as provas e entrega os autores aos tribunais incumbidos de puni-los.

Em suma, pode-se entender que a polícia administrativa está voltada para a preservação da ordem pública e garantia dos direitos fundamentais, prevenindo a prática de atos ilícitos, já a polícia judiciária atua após a ocorrência do delito, voltando suas atividades para a apuração dos mesmos, auxiliando a justiça, apurando as infrações penais e fornecendo para o titular da ação penal elementos para propô-la.

Neste sentido, resta claro que a polícia militar, objeto de estudo deste trabalho, é do tipo polícia administrativa.

2.3. PODER DE POLÍCIA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

No escopo desse trabalho interessa delinear breves comentários acerca do poder de polícia, seu conceito e suas características, após o advento do novo regime constitucional, considerando a mudança de paradigma ocorrida com o fim do período ditatorial e início do Estado Democrático de Direito.

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O Direito Brasileiro define poder de polícia como a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público. Outro conceito comumente adotado é o de que “poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado” (MEIRELLES, 2006, p. 115).

A simples expressão, poder de polícia, não pode ser bem compreendida em um só sentido, uma vez que esta particular forma de manifestação do poder estatal ocorre em dois planos, um legislativo e outro administrativo. Nos dizeres de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005, p. 111), “o poder de polícia reparte-se entre Legislativo e Executivo”.

Di Pietro (2011) inclui o Poder Legislativo no sentido amplo, na medida em que, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, é o Legislativo quem cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.

Em um primeiro momento, portanto, o poder de polícia é exercido pelo Estado-Legislador, o único capaz de criar as limitações à propriedade e à liberdade.

Como bem salienta José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 61), “apenas as leis, organicamente consideradas, podem delinear o perfil dos direitos, elastecendo ou reduzindo o seu conteúdo”, com fulcro no princípio constitucional de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2005) acata o sentido amplo. Para ele, a expressão abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo, referindo-se ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade do cidadão.

BANDEIRA de MELLO (2005, p. 709), menciona ainda a observação de Caio Tácito de que, nos Estados Unidos, a expressão “police power” reporta-se sobre tudo às normas legislativas em que o Estado regula os direitos privados em proveito dos interesses coletivos.

Mesmo sem mencionar a expressão “poder de polícia em sentido amplo”, Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005) imprime o destaque necessário ao papel legislativo. Para o autor, ao legislador compete a tarefa nada simples de instituir normas de polícia, para alterar e adequar os direitos individuais ao convívio social.

Isso ocorre porquanto, no sistema jurídico brasileiro, “o emprego do poder estatal para restringir e condicionar liberdades e direitos individuais é uma exceção às suas correspectivas afirmações constitucionais, daí porque somente possa ser exercido sob reserva legal (art. 5º, II, CF)”.

Com sua proficiência e poder de síntese, conclui Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2005, p. 396) que “o poder de polícia é exercido pelo Estado enquanto legislador, pois apenas por lei se pode limitar e condicionar liberdades e direitos, enquanto que a função de polícia, como aplicação da lei, é exercida pelo Estado como administrador.”

Em sentido amplo, poder de polícia é o poder do Estado de conformar o conteúdo do direito de propriedade e de liberdade, com o escopo de adequá-los ao interesse público. Abrange, portanto, qualquer ação do Estado que restrinja o exercício de direitos individuais, seja pela função legislativa, seja pela função administrativa.

O poder de polícia é conceituado no art. 78 do CTN, in verbis:

Art.78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Após a conformação jurídica dos direitos, incumbe à Administração Pública que o exercício desses direitos seja adequado ao perfil jurídico traçado, para isso utilizando seus próprios meios, em atividade subjacente à lei e ao Direito.

O sentido amplo, conclui-se, envolve o poder do Estado de criar normas e de impor seu cumprimento, compreendendo as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade e os atos administrativos que objetivam a sua concreção. Em outras palavras, corresponde à atuação do Estado que impõe limites à conduta individual, com base na supremacia do interesse público.

Dessa forma, o poder de polícia se constitui em instrumento hábil para autorizar que a Administração Pública realize os atos coercitivos necessários para fazer prevalecer o interesse geral sobre o individual no caso de conflitos, defendendo os direitos sociais de convivência harmônica e pacífica (LAZZARINI, 1999).

2.3.1. Características

O poder de polícia apresenta como atributos a coercibilidade, a discricionariedade e a autoexecutoriedade. A primeira consiste na imposição obrigatória das medidas impostas pela Administração Pública em face do administrado, podendo, inclusive, ser utilizada a força física em caso de resistência. A segunda está relacionada à possibilidade de a Administração Pública, nos limites impostos pela lei, definir a oportunidade e a conveniência do exercício do poder de polícia no interesse do bem comum. A terceira característica refere-se à capacidade de os atos de polícia administrativa serem realizados e terem seus efeitos produzidos imediatamente, sem submissão à análise do Poder Judiciário (MEIRELLES, 2006).

De acordo com Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o Estado, quando em efetivo exercício de seu poder de polícia, desempenha seu mister mediante a execução de quatro fases distintas, a saber: a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia.

Segundo o Parecer n. GM-25 da Advocacia Geral da União, publicado no Diário Oficial da União em 13 de agosto de 2001, as fases do poder de polícia são assim entendidas:

A ordem de polícia se contém num preceito, que, necessariamente, nasce da lei, pois se trata de uma reserva legal (art. 5º, II), e pode ser enriquecido discricionariamente, consoante as circunstâncias, pela Administração. [...]

O consentimento de polícia, quando couber, será a anuência, vinculada ou discricionária, do Estado com a atividade submetida ao preceito vedativo relativo, sempre que satisfeitos os condicionamentos exigidos. [...]

A fiscalização de polícia é uma forma ordinária e inafastável de atuação administrativa, através da qual se verifica o cumprimento da ordem de polícia ou a regularidade da atividade já consentida por uma licença ou uma autorização. A fiscalização pode ser ex officio ou provocada. No caso específico da atuação da polícia de preservação da ordem pública, é que toma o nome de policiamento. Finalmente, a sanção de polícia é a atuação administrativa auto-executória que se destina à repressão da infração. No caso da infração à ordem pública, a atividade administrativa, auto-executória, no exercício do poder de polícia, se esgota no constrangimento pessoal, direto e imediato, na justa medida para restabelecê-la (BRASIL, 2009).

O Poder de Polícia no Estado Democrático de Direito é o poder de governo, dentro da estrita legalidade, destinado a limitar a propriedade e a liberdade aos interesses da maioria. Corresponde a atos dos Poderes destinados a este fim. É oriundo do poder de império do Estado, mas aliado à legalidade do Estado Democrático de Direito e com a atribuição política próprio de um estado republicano, é caracterizado pela função de meio instrumental destes princípios do Estado e ao mesmo tempo ferramenta limitada por tais princípios.

O Estado Democrático de Direito tem, pelos princípios da supremacia do interesse coletivo e da legalidade, a ação de polícia sobre o administrado. Tal poder estatal tem como fim garantir o próprio Estado Democrático de Direito e os seus preceitos de realização das liberdades individuais e de racionalidade.

2.3.2. Objeto do Poder de Polícia

O objeto do poder de polícia tem sido assunto de diferentes posições doutrinárias, brasileiras ou estrangeiras, ao longo do tempo. Quase sempre figurou a menção à ordem pública, em suas mais variadas dimensões, como objeto.

Entretanto, com a devida vênia, discorda-se que a ordem pública pudesse ser objeto desta espécie de poder estatal. A ordem parece-nos muito mais correlata à finalidade do poder de polícia, e, ainda assim, com severas críticas de autores modernos.

Assim, coloca-se a ordem pública como finalidade, não como objeto. Nesta esteira de pensamento, entende-se por objeto os bens jurídicos sobre os quais incide o poder do Estado de impor limitações, condicionamentos ou restrições.

O poder de polícia exercido pelo Legislativo, na conformação dos direitos (vale dizer, na construção do perfil do direito, do seu próprio conteúdo), tem por objeto a liberdade e a propriedade.

Nesse sentido mais amplo, precisamente se manifesta Luis Manuel Fonseca Pires (2006, p. 168):

Respeitadas as prescrições constitucionais quanto aos direitos e garantias destes bens jurídicos (liberdade e propriedade), a conformação dos direitos não se restringe a campos herméticos, mas pode recair sobre qualquer tema relacionado com a liberdade e a propriedade.

Já no sentido restrito, o Código Tributário Nacional, no seu conceito de polícia administrativa constante no artigo 78, prescreve que a administração pública limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade.

Versando sobre o poder de polícia administrativa, Diógenes Gasparini (2005, p. 125) observa que seu objeto é “a liberdade e a propriedade dos administrados, sem alcançar os respectivos direitos. Aquela, no que respeita ao seu exercício; esta no que se relaciona com o uso, gozo e disposição”.

Continua o autor, em observação muito esquecida por outros doutrinadores, de que “por administrados, há de se entender todas as pessoas físicas e jurídicas, embora sempre se diga: liberdade e propriedade individuais” (GASPARINI, 2005, p. 125).

De modo não hermético, Hely Lopes Meirelles (2006, p. 133) expressamente considera que “o objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional [...]”.

Com efeito, o poder de polícia em sentido amplo tem por objeto qualquer tema relacionado com a liberdade e a propriedade, no que envolve bens, direitos e atividades.

Em sentido estrito, como atividade da Administração, o objeto da polícia administrativa é o mesmo, porém vinculado à lei e ao direito, e direcionado a “concretizar o contorno dos direitos individuais, albergados no sistema normativo”, nos dizeres de Clóvis Beznos apud Pires (2006, p. 170).

2.3.3. Finalidades do Poder de Polícia

Compreender a finalidade deste poder estatal é de tal modo indispensável que a maioria dos doutrinadores a coloca, estrategicamente, dentro do conceito de poder de polícia. Isto talvez para destacar que o uso do poder para impor limites à conduta individual deva ser, de logo, justificado por um fim legítimo e voltado mesmo para a própria coletividade.

Fala-se em finalidades, no plural, porquanto embora o objetivo precípuo do poder de polícia seja a obtenção do bem-estar social, outras finalidades reflexas e sempre vinculadas à finalidade precípua podem ser facilmente observadas, como se fossem uma expressão do interesse público.

2.3.3.1. Outras finalidades decorrentes do interesse público

A doutrina brasileira majoritária aponta como finalidade do poder de polícia a proteção do interesse público. Este, contudo, não é a sua exclusiva finalidade. Outras têm sido expostas, mas sempre, diga-se, indissociadas do interesse público.

Assim, Maria Joseleide de Araújo Brito (2000, p. 239) afirma que “o cerne do poder administrativo de polícia está em equilibrar a fruição dos direitos de cada um com os interesses coletivos”.

A mencionada autora colhe a brilhante definição de polícia administrativa emanada de Juarez Freitas apud brito (2000, p. 245):

Exercício de um poder-dever subordinado aos princípios superiores regentes da Administração Pública, que consiste em restringir ou limitar, de modo gratuito e, sobretudo, preventivo, a liberdade e a prosperidade, de maneira a obter, positiva do que negativamente, uma ordem pública capaz de viabilizar a coexistência das liberdades (grifos no original).

Em vista das exposições, para realizar a proteção do interesse público, torna-se indispensável a busca por um equilíbrio entre os direitos assegurados de cada um e os direitos de todos como coletividade.

Com isso concorda Willis S. G. Filho (2007, p. 83), ao assinalar que a proteção do interesse público poderá reduzir direitos individuais, em prol da coexistência pacífica de todos:

Assim é que se torna admissível e, mesmo, necessária a atribuição de competência ao Estado para, tutelando primordialmente o interesse público, fazer o devido balizamento da esfera até aonde vão interesses particulares e comunitários, para o que, inevitavelmente, restringirá direitos fundamentais, para com isso assegurar a maior eficácia deles próprios, visto não poderem todos, concretamente, serem atendidos absoluta e plenamente.

A função de polícia busca, portanto, uma convivência social ordeira, harmônica e produtiva. O necessário atendimento de valores convivenciais estende-se a qualquer campo da convivência humana, no qual ações ou omissões individuais possam prejudicar específicos interesses gerais, como a segurança, a salubridade, o decoro, a estética e outros que a lei expressamente elenca (MOREIRA NETO, 2005).

Nesse ponto, destaca-se a necessidade da prevenção e da repressão ao uso irregular de direitos, tendo como escopo legítimo viabilizar a “coexistência de liberdades” “bem como a livre fruição dos direitos de cada um” (TÁCITO, apud BRITO, 2000)

Hely Lopes Meirelles (2006) ressalta que o poder de polícia é um mecanismo de frenagem que a Administração Pública utiliza para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.

Ainda consoante o saudoso mestre, “o regime de liberdades públicas em que vivem os assegura o uso normal dos direitos individuais, mas não autoriza o abuso, nem permite o exercício antissocial desses direitos”.

Tome-se como simples exemplo a utilização dos potentes aparelhos sonoros automotivos em via pública pelo particular, o qual, muitas vezes, extrapola o limite de seu direito ao utilizar intensidade sonora superior ao que seria audível apenas para ele mesmo. Assim, acaba invadindo a esfera individual de outras pessoas, que possuem igual liberdade de fruir os espaços públicos, bem como o direito de exigir que o indivíduo antissocial respeite os padrões normais de utilização de seu direito e de seu bem.

Quanto ao abuso do direito individual, a opinião de Germana de Oliveira Moraes (2004, p. 54), coaduna-se com a de Sérgio de Andréa Ferreira, cujas palavras são reproduzidas pela autora: “Quanto mais civilizada uma comunidade menos atos de polícia administrativa têm de ser praticados, pois a autolimitação no respeito ao direito alheio é ordinária”.

Outra importante finalidade intrínseca ao interesse público é a bem observada pelo jurista português Marcello Caetano, apud Carvalho Filho (2005, p. 62) ao conceituar a polícia administrativa:

É o modo de atuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar quê se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que a lei procura prevenir. (grifo nosso)

Prevenir o dano social ou evitar sua ampliação é uma cristalina forma de se proteger o interesse público, uma vez que o dano (social), por constar em lei, é presumidamente prejudicial a uma parcela considerável e indeterminada da sociedade.

2.3.3.2. O Abandono da finalidade restrita à Ordem Pública

É muito comum observar na doutrina confusões entre a finalidade e o objeto do poder de polícia. Parece mais consentâneo, que a ordem pública seja considerada como sua finalidade.

Com efeito, muitos autores consideram a ordem pública como o maior objetivo do poder de polícia, mormente os mais clássicos. Contudo, grandes ponderações foram (e ainda são) realizadas no sentido de seu abandono, em substituição pela finalidade de assegurar o interesse público.

Em magistral dissertação acerca do poder de polícia administrativa, Germana de Oliveira Moraes (2005) traça uma análise detalhada dos maiores expoentes doutrinários estrangeiros, cujas reflexões acabaram por influenciar o pensamento brasileiro sobre o poder de polícia.

No aludido estudo, a autora aponta que na doutrina francesa clássica, o manifesto objetivo do poder de polícia é o de manutenção da ordem pública, esta entendida como o que a legislação tem em conta como tranqüilidade, segurança e salubridade. Assim, A. Laubadére resume que sua finalidade é a de “assegurar a tranqüilidade (ausência de risco de desordem), a segurança (ausência de riscos de acidentes) ou a salubridade pública (ausência de risco de epidemias)” (MORAES, 1989, p. 27).

Com a mesma tríplice noção de ordem pública (tranquilidade, segurança e salubridade), a autora aponta Maurice Hauriou e R. Rolland.

Com concepções diversas daquela doutrina francesa mais clássica, destaca Georges Vedel (para quem a polícia reparte-se em geral, destinada à tranquilidade, segurança e salubridade; e especial, destinada às demais atividades com exclusão das gerais) e Jean Rivero (o qual não demarca as áreas de intervenção estatal).

Ainda com base no valioso estudo de Germana de Oliveira Moraes (2005), podem-se identificar dois posicionamentos que muito divergem do objetivo de manutenção da ordem pública desenvolvido na França.

O primeiro decorre da jurisprudência norte-americana, criadora de uma concepção ampla de poder de polícia, de modo a envolver o Legislativo e a possuir ampla finalidade (MORAES, 2005).

No mesmo sentido de amplitude, Willoughby apud Moraes (2005, p. 26), afirma que “na doutrina norte-americana os fins da polícia são não apenas aqueles que tendem a proteger a segurança, a saúde e a moralidade pública, mas também os que perseguem a conveniência e a prosperidade geral”.

Como observa Bielsa apud Moraes (2005), o “Police power” norte-americano tem uma extensão considerável “[...] compreendendo também normas protetoras da condição econômica e social dos indivíduos, esse poder visa o fomento do bem-estar geral e a regulação de sua vida econômica”.

Ainda no âmbito de sua retromencionada obra, Germana de Oliveira Moraes (2005), aponta a doutrina desenvolvida por Augustín Gordillo como exemplo que diverge da vinculação da finalidade do poder de polícia à ordem pública.

Segundo a autora, Gordillo afirma que a concepção clássica do poder de polícia, com a “finalidade de salvaguardar a segurança, salubridade e moralidade pública [...] estaria superada pela multiplicação de bens jurídicos que o Estado protege através de limitações e restrições de direitos individuais” (GORDILLO, apud MORAES, 2005, p. 36).

Gordillo apud Moraes (2005), então, acrescenta à “segurança, salubridade e moralidade públicas, a tranqüilidade, a confiança, a economia, a estética e o decoro públicos e a seguridade social, elastecendo o objeto do conceito tradicional de poder de polícia”.

Luis Manuel Fonseca Pires (2006, p. 275) igualmente cita as ponderações de Augustín Gordillo:

[...] é impróprio o conceito de ordem pública para determinar a polícia, enquanto atividade administrativa de limitação e controle dos administrados’ uma vez que corresponde a uma concepção liberal de Estado, é, por isto, categórico ‘[...] a ordem pública é um conceito metajurídico incapaz de servir para caracterizar a instituição e seja qual for o conceito de ordem pública que se adote e ainda que se considere que se tem havido modificações fundamentais e sua fisionomia.

Acorde Luis Manuel Fonseca Pires (2006, p. 274), interpretando Gordillo:

[...] a constituição das limitações administrativas aos temas segurança, salubridade e moralidade públicas associa-se ao Estado Liberal no qual a ação estatal devia ser tão somente negativa, isto é, estabelecer proibições e restrições, mas nunca obrigações positivas e [Gordillo] pondera que atualmente os bens jurídicos relacionados com as limitações administrativas multiplicaram-se porque os fins do Estado contemporâneo também multiplicaram-se. (grifo nosso)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2011), em esclarecedora retrospectiva histórica, observa que no Estado de Direito Liberal, a regra era o livre exercício dos direitos individuais. A atuação estatal era a exceção, só podendo limitar o exercício dos direitos individuais para assegurar a ordem pública.

A ilustre doutrinadora lembra que a passagem do Estado Liberal para o Intervencionista trouxe a ampliação do poder de polícia. Assim:

[...] o próprio conceito de ordem pública, antes concernente apenas à segurança, passou a abranger a ordem econômica e social, com medidas relativas às relações de emprego, ao mercado dos produtos de primeira necessidade, ao exercício das profissões, às comunicações, aos espetáculos públicos, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e artístico nacional, à saúde e tantas outras; (grifos do original) (DI PIETRO, 2011, p. 110)

Com o mesmo entendimento, Germana de Oliveira Moraes (2005, p.59) salienta que a ampliação dos fins do Estado trouxe uma inegável dilação da esfera de agir da Polícia Administrativa. “Todavia, o aparecimento dessas dimensões contemporâneas do Poder de Polícia não afetaram sua substância, consistente no condicionamento do exercício dos direitos individuais”.

Neste passo, vale lembrar que o já mencionado artigo 78 do nosso Código Tributário Nacional, expressamente divide o interesse público em várias partes. Dessa forma, infere-se que o Estado brasileiro utiliza seu poder de polícia em diferentes campos de atuação, logo, não restrito apenas à ordem pública. Novamente transcrevendo seu caput:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (grifo nosso)

Di Pietro (2011, p. 111), esclarece que “pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

Resume-se, então, o que aqui se pretendeu concluir por meio de um breve apanhado histórico: a finalidade de manter a ordem pública é resquício do Estado Liberal absenteísta. Modernamente, no Estado de Direito Democrático, a finalidade do poder de polícia não é outra senão a proteção do interesse público, nos múltiplos setores em que este esteja presente, demandando a disciplina normativa.

2.4. AS FUNÇÕES DA POLÍCIA MILITAR

A partir da análise ao artigo 144, § 5º da Constituição Federal, pode-se compreender como cabendo à polícia militar, a responsabilidade em relação à manutenção da ordem pública e ao policiamento ostensivo.

Este artigo disciplina que:

Art. 144 [...]

§5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

No mesmo sentido, a Constituição do Estado da Bahia, dispõe expressamente, em seu artigo 148, atribuindo a polícia militar, a preservação da ordem pública, por meio da competência de polícia ostensiva.

Art. 148 — À Polícia Militar, força pública estadual, instituição permanente, organizada com base na hierarquia e disciplinamilitares, competem, entre outras, as seguintes atividades:

I — polícia ostensiva de segurança de trânsito urbano e rodoviário, de florestas e mananciais e a relacionada com a prevenção criminal, preservação, restauração da ordem pública e defesa civil;

II — a prevenção e combate a incêndio, busca e salvamento a cargo do Corpo de Bombeiros Militar;

III — a instrução e orientação das guardas municipais, onde houver;

IV — a polícia judiciária militar, na forma da lei federal;

V — a garantia ao exercício do poder de polícia dos órgãos públicos, especialmente os da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e do patrimônio cultural.

Desta forma, cabe à polícia militar preservar a ordem pública, por meio do policiamento ostensivo, com a finalidade de assegurar aos cidadãos o exercício de seus direitos e garantias fundamentais.

Para que se possa compreender melhor o papel que foi consagrado pelas Constituição Federal e Estadual em relação à polícia militar, é necessário se explanar sobre a ordem pública e a polícia ostensiva.

O regulamento para as polícias militares e corpos de bombeiro militares (R-200), o Decreto nº 88.777/83, dispõe em seu artigo 2º, conceitos considerados como fundamentais para a compreensão acerca da missão policial militar, dispondo que:

Art. 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:

[...]

19) Manutenção da Ordem Pública - É o exercício dinâmico do poder de polícia, no campo da segurança pública, manifestado por atuações predominantemente ostensivas, visando a prevenir, dissuadir, coibir ou reprimir eventos que violem a ordem pública;

[...]

21) Ordem Pública - Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.

[...]

27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.

Pode-se afirmar que, preservação da ordem pública é feita por meio de ações de policiamento ostensivo, e a preservação da incolumidade das pessoas e dos seus patrimônios.

Acerca desta temática, dispõe Moreira Neto (1992, p. 143), que:

O nível policial de segurança pública se cinge à preservação da ordem pública, tal como em doutrina se conceitua, acrescentando, todavia, o art. 144, caput, da Constituição, a “incolumidade das pessoas e do patrimônio”. São, portanto, extensões coerentes do conceito e que até o reforçam, na medida em que assimilam as violações à incolumidade pessoal e patrimonial na ruptura de convivência pacífica e harmoniosa.

O Estado Democrático de Direito conferiu aos cidadãos uma vasta gama de direitos e garantias individuais e coletivas, que foram previstas no artigo 5º da Constituição Federal, dentre eles o direito à segurança.

Assegura-se o direito à segurança, por meio da preservação da ordem pública realizada através da polícia militar, de caráter essencial à existência da sociedade e para que se realizem os seus objetivos, mantendo-se a tranquilidade, ausentes as perturbações e o combate e controle da criminalidade.

Náufel (1989, p. 102), afirma como ordem pública:

É o conjunto de instituições e de regras destinadas a manter em um país, o bom funcionamento dos serviços públicos, a segurança e a moralidade das relações entre particulares e cuja aplicação estes não podem, em princípio, excluir em suas convenções.

Diante deste conceito, pode-se afirmar que a ordem pública constitui-se no estado mínimo de convivência entre as pessoas pacificamente, garantindo-se a segurança, tranquilidade e salubridade.

Cretella Júnior apud Lazzarini (1999, p. 133), sustenta que:

A ordem pública é constituída por um mínimo de condições essenciais a uma vida social conveniente, formando-lhe o fundamento à segurança dos bens e das pessoas, à salubridade e à tranqüilidade, revestindo, finalmente, aspectos econômicos e, ainda, estéticos (proteção de lugares e monumentos).

Para que se preserve e mantenha a ordem, é indispensável a ação de policiais militares, que, em sendo necessário, poderão utilizar-se da força, sem, contudo, utilizar-se da arbitrariedade e do abuso. Policiais militares, no exercício de suas funções, encontram-se legitimados a fazer o necessário para a manutenção do equilíbrio da sociedade, que deve confiar esta função à polícia militar, que possui a missão constitucional de preservação da ordem pública e atuação no interesse da coletividade.

De acordo com Rosa (2004), forma-se a ordem pública por três elementos essenciais, que são: segurança, tranquilidade e salubridade.

Pode-se compreender a segurança pública, de acordo com Amaral (2003, p. 45), como sendo:

O afastamento, por meio de organizações próprias, de todo o perigo, ou de toda mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de sociedade do cidadão. A segurança pública, assim, limita as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada cidadão, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a.

Para Moreira Neto, os aspectos de segurança pública podem ser resumidos da seguinte forma:

Na segurança pública:

a) o que se garante é o inefável valor da convivência pacífica e harmoniosa que exclui a violência nas relações sociais, que se contém no conceito de ordem pública;

b) quem garante é o Estado, já que tomou a si o monopólio do uso da força na sociedade e é, pois, o responsável pela ordem pública;

c) garante-se a ordem pública contra a ação de seus perturbadores;

d) garante-se a ordem pública através de exercício, pela administração, do poder de polícia.

Assim, pode-se concluir tratar-se a segurança pública, como um dos aspectos de ordem pública, constituída por meio de ações voltadas para assegurar o exercício e o gozo dos direitos e das garantias individuais dos cidadãos.

A tranquilidade se constitui no segundo aspecto da ordem pública conceituada pelo Manual Básico de Policiamento Ostensivo que foi reproduzido pela Polícia Militar de Minas Gerais (2008, p. 12), como sendo: “O estágio em que a comunidade se encontra num clima de convivência harmoniosa e pacífica, representando assim uma situação de bem estar social”.

Da mesma forma, dispõe Plácido e Silva (2000, p. 541):

É o sossego das ruas, ou a ausência de ruídos, ou de perturbações que possam afetar a tranqüilidade das pessoas, ou o repouso delas.

A tranqüilidade pública deve ser imposta, especialmente, durante anoite, quando os habitantes, ou moradores de um lugar, se entregam, como justo repouso, ao sono reparador das fainas diurnas.

A manutenção da tranqüilidade pública é objeto da polícia administrativa.

Assim, compreende-se a tranquilidade pública como sendo o sossego e quietude, assegurado mediante ações da polícia militar, com a finalidade de resguardar o bem estar social, impedindo a ocorrência de perturbações que causem a desordem.

Por fim, o último elemento no qual se constitui a ordem pública é a salubridade pública, conceituada por Plácido e Silva (2000, p. 502), da seguinte forma:

Refere-se ao estado sanitário de um lugar, ou as requisitos indispensáveis a sanidade pública.

Assim, embora se referindo às condições sanitárias de ordem pública, ou coletiva, não deixa a expressão de aludir ao estado higiênico ou de sanidade de um lugar, em virtude do qual se mostram favoráveis às condições de vida de quantos o habitam.

Pode-se notar, mediante a conceituação acima apresentada, que a salubridade pública relaciona-se de maneira direta com as condições sanitárias de um local determinado, condições que são necessárias para que se tenha desenvolvimento saudável de uma sociedade, sem a ocorrência de calamidades públicas e moléstias graves.

Desta maneira, é dever da polícia militar a preservação da tranqüilidade pública, preservando a segurança pública, para que se garanta aos cidadãos o uso e o gozo de seus direitos fundamentais, preservando a sociedade em salubridade pública, para que haja a evolução saudável da sociedade. Mantendo-se todos esses requisitos, cumprirá a polícia militar o seu papel constitucional em preservar a ordem pública, por meio da polícia ostensiva, contribuindo para que se tenha uma convivência harmoniosa entre os cidadãos.

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Monografia apresentada ao Curso de Direito, do Instituto de Educação Superior Unyahna de Barreiras-IESUB, Curso de graduação em Direito, como pré-requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientadora: Profª. Magnólia Aleixo

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