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As inovações constitucionais no Direito de Família

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01/08/2002 às 00:00

Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 promoveu mudanças profundas no Direito de Família, reconhecendo a união estável entre homem e mulher como entidade familiar e garantindo proteção estatal a todas as famílias, independentemente de sua origem.

  • Estabeleceu-se a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal, eliminando a figura do homem como chefe da família e garantindo a ambos os cônjuges a administração conjunta da unidade familiar.

  • Eliminou-se qualquer forma de discriminação relativa à filiação, assegurando aos filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, os mesmos direitos e qualificações, sem distinções discriminatórias.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A ISONOMIA CONJUGAL

Reza nossa Constituição Federal de 1988, in verbis:

" Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição;

e

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher."

Um dos primeiros direitos garantidos em nossa Carta Magna de 1988 é o da igualdade.

Como descreve José Afonso da Silva [63], as constituições anteriores somente conheciam a igualdade jurídico-formal, isto é, perante a lei. Com a Constituição de 1988 o direito à igualdade se fortaleceu, em especial, a igualdade entre homens e mulheres, que trataremos neste segundo capítulo.

A igualdade prevista no caput do artigo 5º e no § 5º do artigo 226 provocou uma grande mudança no Direito de Família: o homem deixou de ser considerado o chefe da sociedade conjugal e os dispositivos legais que lhe garantiam tal prerrogativa foram revogados pela Lei Maior, extinguindo-se a primazia e sendo os direitos e deveres exercidos de igual forma, por ambos. Quebrou-se com a nova Carta Constitucional a hegemonia masculina e a desigualdade legal de homens e mulheres.

Segundo o ilustre Paulo Luiz Netto Lôbo, em seu texto "O Ensino do Direito de Família no Brasil" [64], os preceitos constitucionais são auto-executáveis e bastaram para revogar todo o sistema pretérito que distinguia os direitos e deveres dos cônjuges na sociedade conjugal, não se admitindo mais qualquer interpretação dos mesmos, contrária à Constituição. Acompanhando o mesmo raciocínio, Sérgio Gischkow Pereira declara:

"Não tenho dúvida sobre a imediata incidência do comando constitucional que impõe a igualdade no exercício de direitos e deveres durante a sociedade conjugal. A norma constitucional é claríssima e se apresenta de maneira que não deixa espaço para se sustentar a necessidade de regulamentação ou de leis modificativas do Código Civil e outros diplomas legais ( pode haver conveniência pelo surgimento de tais leis, o que é diferente de considerá-las imprescindíveis à aplicação da Carta magna)." [65]

Este princípio constitucional adentrou no mundo do Direito e tornou-se norma de Direito Positivo, revogando todas as disposições anteriores que consagravam a desigualdade entre o homem e a mulher. Para melhor compreendermos as alterações advindas com a ampliação do Princípio de Igualdade do homem e da mulher, dentro do Direito de Família, convém estudarmos a postura de cada um dentro do sistema revogado do Código Civil de 1916.

II. I.A SITUAÇÃO DOS CÔNJUGES NO DECORRER DA HISTÓRIA E A INFLUÊNCIA DOS DIREITOS ROMANO, GERMÂNICO E CANÔNICO

A História nos mostra que a mulher sempre foi inferiorizada.

No Código de Manu, se solteira, dependia exclusivamente de seu pai, se casada, passava a depender de seu cônjuge, e, quando viúva, submetia-se a autoridade dos filhos ou dos parentes de seu marido [66]. Na Grécia, berço do conhecimento, era privada de sua capacidade, ficando sempre a mercê da vontade paterna ou da vontade do marido; não hesitaram os grandes filósofos em dizer que era a mulher um ser imbecil e frágil, o que inspirou por longos e longos séculos o pensamento humano e as leis.

Em Roma, quando o instituto da família começou a evoluir, consubstanciando-se numa estrutura jurídica, econômica e religiosa, a partir da figura do pater, a mulher foi colocada em uma posição inferior, sendo considerada incapaz de reger sua própria vida, igualando-se aos filhos.

A mulher, diziam os romanos: precisava "ser casta e fiar lã". Ulpiano, referindo-se a ela, declarou-a como imbecillitatem, devido a "falta de senso e fraqueza moral", consideradas deficiências tipicamente femininas.

Da mesma forma que no Código de Manu, solteira, a mulher romana ficava sobre o potestas paterno, casada, sobre o potestas do pater familias, e, quando viúva, dependia dos filhos varões.

A mulher romana já nascia sob a estigma da dependência masculina; era educada no ensino das letras até completar doze anos de idade e depois era colocada a disposição dos pretendentes para que pudesse casar-se; restava a ela aprimorar-se nas artes e na cultura, apreendendo a tocar e dançar, quando autorizada pelo homem, ou viver sobre o domínio do pater, não lhe cabendo outro destino. [67]

Sempre colocada como propriedade do homem, a mulher foi literalmente usada para gerar filhos e suprir as necessidades biológicas masculinas, podendo para tanto ser capturada, raptada, comprada, trocada ou recebida como uma recompensa. Por muitos séculos foi tida como reles serva do homem.

Com o advento do Cristianismo, a mulher ainda mantida em posição inferior, começou a ser vista como uma criação condicionada à vontade do homem; Deus teria a retirado da costela de Adão para satisfaze-lo. Ainda era afetada por capitis deminutio, mas criava-se o vínculo de afeição e complementação inexistente no Direito Romano.

Já no início do século XX, no Brasil, quando o projeto do Código Civil tramitava no Congresso Nacional, os núcleos familiares eram constituídos da seguinte forma: um pai trabalhador e mantenedor do lar, exercendo sobre a mulher e sobre os filhos, bem como sobre todos sob sua proteção, direitos quase que absolutos; uma mulher dedicada aos afazeres domésticos e à educação dos filhos; e filhos que, mesmo depois de alcançado a maioridade, ainda deviam respeito e obediência ao patriarca. Era uma família romana menos severa, graças as influências do Cristianismo.

A chefia masculina foi mantida em quase todos os povos civilizados por muitos séculos. Napoleão, autor de um Código considerado moderno, declarou que "A natureza fez de nossas mulheres nossas escravas. O marido tem direito de dizer à esposa: senhora, não saireis de casa, não ireis ao teatro, não vereis tal pessoa, isto é, senhora, vós me pertenceis de corpo e alma."

Sá Pereira advertiu em sua obra que se a lei não tivesse definido a chefia masculina na sociedade conjugal, a natureza o teria feito, já que fez o homem forte, dando-lhe "músculos de ferro e nervos de aço, para abater o lobo na floresta e enfrentar seu semelhante na sociedade." [68]

Nas Instituições I, § 230, líamos o seguinte:

"Ao marido, como chefe da sociedade conjugal, compete o direito de exigir da mulher respeito e obediência em tudo o que for lícito e honesto; donde resulta de parte desta:

1º) a obrigação de o acompanhar;

2º) a de lhe prestar os serviços e trabalhos domésticos, conforme suas forças e estado." [69]

Nosso Código Civil de 1916, expressou em seu artigo 233, abrandado posteriormente com o Estatuto da Mulher Casada ( Lei no. 4. 121/62 ), in verbis:

"O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos ( arts.240, 247 e 251)."

Evoluímos do primeiro momento em que a mulher devia ao homem obediência, mas nos mantivemos no patriarcalismo autoritário, semelhante ao disposto no Direito Romano e nas Ordenações Filipinas, bem como nas normas de Direito Canônico. O homem era o chefe da sociedade conjugal, ou como descrito na Bíblia: "cabeça do casal", enquanto a mulher, relativamente incapaz, necessitava de seu amparo e de sua autorização para a prática de atos da vida civil.

O papel da mulher, dentro da família e da sociedade como um todo, ficou relegado a auxiliar doméstica do homem, única atividade que acreditava-se ser a mesma capaz de realizar. Em um estudo do século XIX, citado por Clóvis Beviláqua, Clemence Royer diz-nos, sem qualquer pudor, que a mulher é inferior intelectualmente, se comparada ao homem, graças a uma combinação de adaptação e hereditariedade; como seu cérebro foi pouco usado por não ser necessário, atrofiou-se. (9) Este tipo de pensamento, considerado científico a seu tempo, minou de preconceitos o próprio Direito Positivo.

Por longos e longos anos os direitos femininos foram menores que os do homem, inclusive os relacionados a satisfação sexual. Jefferson Daibert, na obra ‘Direito de Família’, tecendo comentários sobre o adultério, apresenta a opinião de doutrinadores que vêem na infidelidade masculina um ato menos grave, considerado um mero capricho viril, que em nada ameaça o amor conjugal; diferentemente, quando praticado pela mulher, destruindo a afeição marital. A justificativa encontrada para o adultério masculino era a da bigamia inata nos homens. [70]

Como descreve Francisco José Ferreira Muniz, em seu texto "A Família na evolução do Direito Brasileiro" [71], se analisarmos as normas do título "Dos Efeitos Jurídicos do Casamento" de nosso Código, antes das alterações constitucionais, notaremos que o marido é o chefe da sociedade conjugal ( art. 233 ); seu representante legal ( art. 233, I ); administrador dos bens da família e dos bens particulares da mulher ( art. 233, II ); devendo promover o sustento e a manutenção da família ( art. 233, IV ); bem como o sustento da mulher ( art. 234); podendo fixar o domicílio conjugal ( art. 233, III ); é o detentor do pátrio poder sobre os filhos( art. 380 ); restando a mulher a mera função de auxiliar do marido na educação dos filhos e na direção do lar ( art. 240 ).

II. II.A MULHER E A ÁRDUA CONQUISTA PELA IGUALDADE

As duas grandes Guerras Mundiais retiraram o homem do centro da família e o levaram para os campos de batalha, obrigando a mulher a assumir os papéis a ele destinados. Ela não só lidava com as tarefas domésticas, como também administrava as fábricas e indústrias, exercendo tarefas que o homem, na guerra, não podia exercer. Manteve o exército e a família, provando que era bem mais capaz do que se podia imaginar. Começava o árduo processo de emancipação feminina.

A batalha pelo reconhecimento da mulher brasileira começou na Constituição do Império, datada de 1824, que declarava que todos os cidadãos podiam ser admitidos em cargos públicos, civis ou militares, sem qualquer distinção, salvo a de "talentos e virtudes"; muito embora somente com o Decreto 21.076 de 1932 tenha sido reconhecido o direito de disputa aos cargos públicos pelas mulheres.

Somente no ano de 1871 a mulher teve acesso aos estudos, sendo permitida apenas a formação em magistério com um currículo que incluía corte e costura e bordado.

No campo jurídico, no ano de 1903 quebrou-se uma grande barreira, uma mulher foi admitida como membro do Instituto dos Advogados, no estado de São Paulo, a Dra. Myrtes Gomes de Campos; e posteriormente, deu-se o acesso à magistratura, no ano de 1951, com a Dra. Iete Bomilcar Passarella, no Distrito Federal.

Em matéria eleitoral as mulheres somente conquistaram o direito ao voto no ano de 1932 [72].

Podemos dizer que o primeiro grande movimento em favor da mulher brasileira foi a Lei no. 4.121, de 27 de agosto de 1962, que disciplinou a situação jurídica da mulher casada, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. Com esta lei a mulher deixou de ser considerada incapaz e passou a colaborar com o homem, exercendo poder sobre seus filhos e tornando-se a própria administradora de seus bens, que antes ficavam a cargo do marido, podendo inclusive reservá-los na sociedade conjugal.

Muito embora tenha sido um texto inovador para sua época, não conseguiu eliminar com os preconceitos do velho direito, mantendo-se o homem como chefe da sociedade conjugal e atribuindo à mulher um "governo doméstico".

Como a grande maioria das leis brasileiras, fracassou na técnica jurídica e foi amplamente criticada. Com a Lei 4.121/62, os bens adquiridos individualmente após o casamento, passaram a ser excluídos do regime de bens, que na época deste diploma era exclusivamente de comunhão universal, salvo estipulação contrária, sendo incluídos na comunhão parcial, um disparate legislativo.

A primeira Constituição que expressou a vedação à discriminação da mulher foi a de 1934, repetindo-se nas de 1937 e 1946. Voltou a ser tema da Constituição de 1969, e por fim, de forma bem mais abrangente, na atual Carta Magna de 1988.

O movimento feminista não fez apenas fogueiras em praças públicas, mas despertou nas mulheres um sentimento de auto-estima que havia sido ignorado e abafado pelo patriarcalismo e influenciado o mundo e as legislações.

A partir da década de 70, os papéis dentro da unidade familiar tomaram novos rumos: o homem perdeu a posição de chefe da sociedade conjugal e de mantenedor único e exclusivo do lar e a mulher passou a exercer uma profissão remunerada contribuindo cada vez mais com a renda familiar. Muitos homens, atualmente, seja porque encontram-se desempregados e sem nova colação no mercado de trabalho, seja por opção, tem se dedicado a tarefa de educar os filhos e cuidar da casa, antes atividades da mulher, enquanto estas trabalham fora. Hoje, calcula-se que nos Estados Unidos, mais de cinco milhões de pais estejam dentro de casa, cuidando dos filhos, enquanto as mulheres saem para trabalhar. No Brasil, muito embora ainda não se tenha um número certo, sabe-se que muitos trocaram os antigos papéis familiares e cresce cada vez mais esta nova forma de família onde o homem cuida da casa e educa os filhos e a mulher paga as contas no final do mês. [73]

II. III.A PROBLEMÁTICA DA IGUALDADE DOS CÔNJUGES

Todas estas mudanças substanciais ocorridas a partir da Carta de 1988 ocasionaram sérios questionamentos no mundo jurídico. Muitos estudiosos discutem estas mudanças e a afetação das mesmas na ordem social, pois para alguns, a igualdade dos cônjuges serviu apenas para abalar a já frágil estrutura do grupo familiar.

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Um grande grupo de juristas acatou sem qualquer restrição a igualdade prevista na Carta de 1988. Podemos citar entre eles: Eduardo de Oliveira Leite, Arnoldo Wald, Antônio Chaves, Pedro Sampaio, Carlos Alberto Bittar, Paulo Luiz Netto Lôbo e Humberto Theodoro Júnior. Existe porém um pequeno grupo que contra-argumenta alegando que a família brasileira é patriarcal e necessita de uma autoridade diretiva para sobreviver em harmonia, significando a isonomia conjugal constitucional apenas um tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, cabendo assim a prevalência das normas que fazem esta distinção.

Defendendo a posição majoritária, acreditamos que a isonomia entre o homem e a mulher não pode ser considerada uma ameaça à organização familiar. Também não aceitamos a alegação de que nosso Direito de Família baseia-se num sistema patriarcal como regra suficiente para que nos mantenhamos num sistema falido onde a autoridade máxima é do homem, relembrando assim aquele direito arcaico que se baseava na imbecilidade da mulher apregoada pelos filósofos gregos e difundida no Direito Romano.

Aceitamos contudo a preocupação do advogado especializado em Direito de Família, da OAB Mineira, Segismundo Gontijo [74], para quem o que o constituinte fez " foi temerário e precipitado na igualitária dos direitos e deveres do marido e da mulher na sociedade conjugal, ao revolucionar complexa tradição com texto simplista e auto-aplicável." A preocupação deste estudioso do Direito de Família é justamente o caos que a norma constitucional gerou ao confrontar-se com a tradição dos direitos e deveres dispostos no Código Civil. Para Segismundo Gontijo, a desigualdade dos cônjuges deveria ter sido modificada por Lei Ordinária e não pela Constituição Federal, evitando-se um "trauma social decorrente do vazio legislativo". Podemos concordar com este jurista, principalmente com relação à administração dos bens do casal, mas não concordamos com a necessidade de uma lei ordinária para disciplinar a matéria, sendo a norma constitucional auto-executável como dispomos anteriormente.

Com a Constituição de 1988, os bens da sociedade conjugal que antes eram administrados pelo homem, o representante legal da família, passaram a ser administrados pelo casal, perdendo o homem aquela posição privilegiada de chefe e de administrador exclusivo do grupo familiar e de seus bens. O que parece ser simples em uma primeira leitura torna-se complexo ao ponto de confundir juristas como Washington de Barros Monteiro, que em determinado trecho de sua obra sobre o Direito de Família, defende a chefia masculina da sociedade conjugal com base na fragilidade feminina, e por ser o homem mais apto em função de sexo e profissão, concluindo em dizer, em um outro trecho da mesma obra, que com a Constituição de 1988 os direitos e deveres devem ser exercidos de forma igual por ambos. [75]

Com relação a administração dos bens do casal e a representação legal da família, existem pelo menos três correntes que devem ser analisadas.

Uma primeira corrente estuda a igualdade dos cônjuges e a influência da mesma sobre a família, defendendo a prevalência da chefia masculina na sociedade conjugal, mesmo após o advento da Constituição de 1988. Esta tese é defendida por autores como Washington de Barros Medeiros, Caio Mário da Silva Pereira, Maria Helena Diniz e Áurea Pimentel Pereira

Para a advogada e mestre, Maria Helena Diniz, é a própria situação conjugal que confere certos poderes ao homem, em função da necessidade de direção do grupo familiar [76]. Já para a Desembargadora Áurea Pimentel Pereira, as bases da sociedade brasileira são patriarcais e para garantir a sobrevivência do núcleo familiar, deve ser conservada a chefia masculina, sem contudo ferir-se o princípio da igualdade dos cônjuges, como já ocorre em países como França, Itália e Suíça [77]. Para Washington de Barros, tentando evitar-se a discórdia ocasionada pela "dualidade de orientações", mantém-se o homem como chefe da família, unificando-a e dirigindo-a em seus "assuntos domésticos", mesmo após a Carta de 1988, devendo ele administrar o patrimônio comum e os bens dotais da mulher; segundo este autor, sempre que houver uma desavença, prevalece a vontade do homem. [78] Finalmente, para o jurista Caio Mário da Silva Pereira, prevalece a equiparação em direitos e deveres, mas cabe ao homem representar a família, "por motivos de ordem prática", exceto com relação a mulher; devendo também administrar os bens comuns; fixar o domicílio conjugal, "e aí deve seguí-lo a mulher"; e, cuidar da manutenção da família, havendo aqui neste caso específico a colaboração da mulher. [79]

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, este entendimento é ultrapassado e se reduz a uma minoria inexpressiva.

Uma segunda corrente entende que a administração dos bens do casal e a representação legal da família é realizada de forma conjunta ou bipartida, também chamada de co-gestão. Um dos grandes defensores desta teoria é o jurista Carlos Alberto Bittar, para quem o homem e a mulher devem possuir os mesmos direitos e respeitar os mesmos deveres, podendo ambos, inclusive, administrarem os bens da sociedade conjugal.

Com esta teoria surge uma dúvida: os cônjuges podem exercer a administração apenas de forma conjunta ou também podem exercê-la em separado? Se admitirmos que cada um pode se obrigar de forma individual pelos bens da sociedade conjugal, permitiremos que um assuma dívidas, mesmo sem o consentimento do outro, o que traria sérios prejuízos à família e afetaria os terceiros envolvidos nas transações, aumentando significativamente as lides. Para evitarem-se os conflitos, Humberto Theodoro Júnior, Jorge Franklin Alves e Pedro Sampaio, entre outros que defendem esta tese, pugnam pela exigência da anuência entre os cônjuges para negociarem os bens da família, não podendo haver contrato sem a devida vênia de ambos. Isto não implica obrigatoriamente em uma concordância expressa, mas que se subentenda nos atos daquele que os realiza em nome da sociedade conjugal, exceto quando a lei exige tal manifestação ou a natureza do assunto torna obrigatória a manifestação do casal.

Embora esta segunda teoria seja a mais adequada à realidade social, ainda hoje insiste em prevalecer a chefia masculina na administração conjugal, contrariando o preceito constitucional do artigo 226. O homem ainda é o titular das ações dos clubes; os imóveis, ainda são, em sua maioria, registrados em seu nome, da mesma forma que os automóveis da família; nos planos de saúde, quase sempre é ele que figura como o titular, tendo a mulher e os filhos a situação de dependentes. Esta situação deve-se ao costume de longos anos e não será modificada por simples dispositivo constitucional, embora quisesse assim o legislador de 1988. Implantar este sistema de igualdade social exigirá tempo e esforço conjunto do Estado e da nova família.

Por fim, temos uma terceira corrente defendida por Sílvio Rodrigues, Humberto Theodoro Júnior e Pedro Sampaio, onde a igualdade dos cônjuges refere-se aos direitos e deveres que não mais são exercidos de forma exclusiva por um ou por outro, mas por ambos [80].

De acordo com esta tese, os capítulos do Código Civil que tratavam dos direitos e deveres do marido e da mulher, perderam seu sentido frente a possibilidade de ambos exercê-los; as disposições que constituíam restrições a um dos cônjuges foram revogadas com a norma constitucional. Hoje, já não cabe mais ao homem a direção da família, não tendo mais o poder de decisão que tinha antes da atual Carta de 1988; também não se admite mais que seja ele o administrador exclusivo dos bens do casal, cabendo a ambos, ele e a mulher, decidir sobre os mesmos; o direito de fixação do domicilio não mais encontra guarida em nossa legislação. Com relação aos demais direitos e deveres, encontra-se derrogado o artigo 186 que estabelecia a prevalência da vontade paterna na autorização do casamento do filho menor de 21 ( vinte e um ) anos; também não mais abrigado pela norma constitucional o artigo 380 que proclama em seu parágrafo único que nos casos de divergência, prevalece a vontade paterna. Continuam valendo apenas as disposições dos artigos 235 e 242 do Código Civil.

Bem sabemos que o homem sempre foi considerado o mais apto para a direção do grupo familiar, mas reconhecemos que esta aptidão foi conquistada graças a condição de subordinação, ocasionada pela imposição masculina, em que a mulher se encontrava. A experiência hoje nos mostra que a mulher é tão capaz quanto o homem e isto somente tornou-se possível com a permissão para a prática de atos antes tipicamente exercitados apenas por aquele.

A isonomia constitucional erigida pela Carta de 1988, permitiu-nos pleitos nunca imaginados, como o ocorrido em São Paulo, no ano de 1993, quando um militar reclamou judicialmente a utilização dos apelidos da família da futura esposa, baseando-se na isonomia constitucional e alcançando êxito com o julgado no. do TJSP; ou no caso de separação, o pedido de pensão o que antes era direito apenas concedido à mulher.

Embora exista uma igualdade legal, subsiste uma desigualdade real que se revela no cotidiano e que somente será modificada com a perfeita compreensão e obediência à lei. Ainda hoje os homens são criados para chefiar e as mulheres para obedecer; dos homens se espera a força e a subsistência e das mulheres a fragilidade e a dependência. Não será uma norma constitucional que irá modificar uma realidade existente a séculos. A igualdade plena será alcançada assim que entendermos que homens e mulheres são seres diversos, mas com capacidades semelhantes; a única diferenciação que se permite fazer é a biológica.

A igualdade que a Constituição Federal de 1988 preconiza é baseada na dignidade humana, pois homens e mulheres são iguais em valores humanos e sociais. É uma norma de aplicação imediata que elimina de uma vez por todas com as discriminações em função do sexo presentes em diversas normas de nosso ordenamento jurídico, inclusive as que garantiam privilégios à mulher como uma forma de compensá-la pela situação hierárquica inferior a do homem, segundo alguns juristas.

II. IV.AS DISCRIMINAÇÕES CONSTITUCIONAIS BENÉFICAS À MULHER E OS BENS RESERVADOS

O legislador constituinte introduziu em nossa Lei Maior normas que podem ser vistas como inconstitucionais por garantirem à mulher certas prerrogativas.

As disposições do artigo 5º, L, que assegura as presidiárias a permanência com os filhos lactentes no período da amamentação; e do artigo 7º, XVIII, que garante a gestante, licença de cento e vinte dias, não encontram resistência doutrinária ou jurisprudencial, pois a proteção nestes casos e à maternidade e não a mulher em si.

Quando, porém, a matéria constituinte discrimina a idade para o requerimento da aposentadoria, estabelecendo uma diferença que beneficia a mulher, como podemos observar no artigo 202, incisos I, II, III - aos sessenta e cinco anos para o homem e aos sessenta anos de idade para a mulher, ou após trinta e cinco anos de serviço para o homem e trinta para a mulher, ou ainda após trinta anos, se exercido cargo de professor, para o homem e vinte e cinco para a mulher – os juristas discutem a constitucionalidade das mesmas diante do princípio da igualdade.

O Ministro Cunha Peixoto, do STF, proferiu o seguinte voto: "Não cabe invocar o princípio da isonomia onde a Constituição, implícita ou explicitamente, admitiu a desigualdade." [81]

Segundo Carlos Roberto de Siqueira Castro, em sua obra "O Princípio da Isonomia e a Igualdade da Mulher no Direito Constitucional" [82], não há nestas normas qualquer inconstitucionalidade, consistindo apenas em uma diferenciação de tratamento, justificadas pela dupla jornada de trabalho realizada pela grande maioria das mulheres. Da mesma forma entende Francisco José Ferreira Muniz [83], declarando que muitas exceções constitucionais ou infraconstitucionais, como é o caso do artigo 100 do Código de Processo Civil, partem do pressuposto de que a mulher ainda é a parte mais fraca da relação.

Segismundo Gontijo e Áurea Pimentel Pereira não acompanham este pensamento. O advogado mineiro, comentando a validade do artigo 100 do Código de Processo civil frente à Constituição Federal de 1988, defende a tese de que o mesmo não subsiste por ferir a isonomia apregoada em sede constitucional; já a desembargadora carioca entende que os mesmos são "privilégios injustificados" (10). Também acompanhamos este raciocínio, não havendo diante da isonomia constitucional razão para o privilégio de foro, salvo a declaração de hipossuficiencia da mulher, pleiteando além da separação ou do divórcio, alimentos necessários ao seu sustento, pois devemos reconhecer que cada caso é um caso e deve ser analisado individualmente pelo julgador; ainda hoje, muitas famílias não aceitam a igualdade dos cônjuges, e muitas mulheres não se encontram em patamar de igualdade por não terem iguais oportunidades de educação, profissionalização e liberdade; muitas mulheres são subjugadas dentro de seus lares e encontram-se em situações muito semelhantes as da mulher do início do século, devendo ser observadas estas peculiaridades para então se admitir ou não o privilégio de foro.

Com relação aos bem reservado, o jurista Arnoldo Wald defende a posição da jurisprudência dominante que reconhece que diante do novo texto constitucional há uma sociedade sobre estes bens [84]. Já o Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Sérgio Gischkow Pereira [85], entende consistir numa violação da igualdade patrimonial dos cônjuges a sobrevivência do instituto, mas reforça a idéia de que, devido a superioridade sócio-econômica do homem, o instituto que visava proteger a mulher, não pode agora ser exercido também pelo homem, pois se assim ocorre, em pouco tempo todo o patrimônio familiar estará nas mãos dos homens que trabalham e garantem o sustento do lar na maioria das famílias brasileiras.

Acreditamos que hoje, somente em duas hipóteses admitir-se-ia o bem reservado: se adquirido antes da Constituição de 1988, ou nos casos em que o marido concorda previamente com a reserva legal [86].

No mais, lembramos que a igualdade constitucional deve levar em conta as diferenças naturais que existem entre os seres, não se admitindo um tratamento único para todos, mas um tratamento que considere a função e a capacidade de cada um. O que a Constituição proíbe terminantemente é o tratamento diferenciado a pessoas em situação idêntica.

II.V-OS DISPOSITIVOS LEGAIS ALTERADOS CONSTITUCIONALMENTE

Com a isonomia prevista no artigo 5º, inciso I e no artigo 226, § 5º, da Constituição Federal, muitas normas do Código Civil, referentes ao Direito de Família, Direitos das Obrigações e Direito das Sucessões, bem como outros textos legais, foram modificados.

O homem, que antes agia como o chefe da sociedade conjugal, representando-a legalmente e administrando-a, passou a exercer tais funções conjuntamente com a mulher. Diante desta inovação, ficam assim entendidos os seguintes artigos de nosso Ordenamento Jurídico [87]:

1) ab-rogado encontra-se o artigo 9, § 1º, I, do Código Civil, frente o artigo 5º, I, da Constituição Federal de 1988, combinado com o artigo 226, § 5º, do mesmo diploma legal, que prevê a isonomia entre homens e mulheres. Diante deste princípio, ambos os genitores, casados ou não, devem emancipar o filho menor;

2) da mesma forma, o artigo 36, parágrafo único e o artigo 233, III, do Código Civil encontram-se ab-rogados, não existindo mais a prevalência da vontade marital na escolha e na fixação do domicílio conjugal, devendo ambos elegerem-no;

3) o artigo 178, I, combinado com o artigo 219, IV, do Código Civil, que previam a anulação do casamento nos casos em que a mulher já houvesse sido ‘deflorada’ não encontram abrigo no novo ordenamento jurídico erigido com a Carta de 1988; a norma fere o princípio de igualdade previsto constitucionalmente;

4) ab-rogado está o artigo 178, § 4º, II, do Código Civil, que previa ao predomínio paterno na anulação de casamento do filho, sendo hoje uma ação deferida aos genitores conjuntamente;

5) não prevalece a norma do artigo 186, do Código Civil, onde a vontade paterna é considerada superior à materna, com relação ao consentimento para o casamento do filho menor;

6) os artigos 9º, I, "a", "b" e "e"; 178, §§ 7º, VII; e, 252, do Código Civil, devem ser interpretados, a luz da Constituição Federal de 1988, como um direito exeqüível sempre que um dos consortes praticar um ato em que a lei exige a concorrência de ambos;

7) o artigo 178, § 9º, III, do Código Civil, deve ser entendido como um direito de qualquer um dos cônjuges, dentro da sociedade conjugal, cabendo também ao marido a ação para reivindicar ou para desobrigar os bens dotais;

8) o artigo 183, X, do Código Civil, deve designar apenas a pessoa raptada e a pessoa raptora e não mais as expressões raptor e raptada, condicionadas ao antigo sistema discriminador onde apenas a mulher poderia ser alvo deste tipo de crime sexual;

9) a idade para o casamento não pode mais ser diferenciada em função do sexo, como fazia o artigo 183, XII, e 213, do Código Civil. Hoje, tanto o homem, com a mulher, ao completarem a idade de dezesseis anos, encontram-se aptos para contraírem núpcias, segundo a maioria dos doutrinadores, mas ainda existe a dependência de uma lei específica que determine a idade núbil, sem ferir o princípio de igualdade;

10) o artigo 224, do Código Civil, apresenta nova leitura que beneficia também o homem no requerimento de alimentos provisionais;

11) os artigos que se referem aos direitos específicos de cada um dos consortes encontram-se alterados pela nova Carta Magna. Sendo assim, o artigo 251 e os incisos I, II e III, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Civil, passam a ser exercidos por ambos os cônjuges;

12) a obrigação do marido de sustentar a esposa e os filhos, diante da igualdade constitucional, passa a ser um dever também da mulher, o que altera o artigo 234, do Código Civil;

13) o artigo 236 que prevê o dote e a doação paterna, também passam a ser conferidos à genitora;

14) no artigo 237, do Código Civil, deverá ser substituída a expressão mulher por cônjuge, referindo-se assim a qualquer um dos consortes, sem discriminação. Da mesma forma deverá ser feito em relação ao artigo 238, do Código e ao artigo 239; e ainda com relação ao artigo 245, I, II e parágrafo único;

15) o artigo 240 encontra-se ab-rogado, devendo ser concedidos iguais direitos, tanto ao homem, quanto a mulher;

16) o artigo 241 deve ser interpretado de forma a garantir ao homem e também a mulher a possibilidade de cobrarem as despesas feitas pelo outro;

17) tanto o artigo 235, como o artigo 240, do Código Civil, devem abranger ambos os cônjuges, vedando a Constituição qualquer distinção entre eles;

18) os artigos 243 e 244 encontram-se ab-rogados, sendo ambos os cônjuges legitimados para intentar ao suprimento judicial para a prática de ato sem a anuência do outro, quando a lei assim o exige;

19) o bem reservado, previsto no artigo 246, do Código Civil, frente a nova Constituição, encontra-se ab-rogado por privilegiar apenas um dos cônjuges, ferindo o princípio da igualdade;

20) não mais subsiste a norma do artigo 247, I, II, III, parágrafo único, do Código Civil, que estabelece a presunção da autorização para a prática de certos atos civis por parte da mulher, bem como o artigo 254 do mesmo texto;

21) o artigo 248, I, II, III, IV, parágrafo único, V, VI, VII e VIII, do Código Civil, encontra-se ab-rogado;

22) os direitos do artigo 249 e 250, do Código Civil, devem ser estendidos ao homem;

23) as disposições do artigo 251 e seus incisos I, II, III, parágrafo único, I, II, III e IV, do Código Civil, permitiam que a mulher assumisse a administração do lar nas hipóteses em que o homem ficasse impossibilitado. Atualmente este dispositivo deve ser estendido também ao homem, ou seja, não mais deve existir a especificação ‘mulher’, mas sim cônjuge;

24) também deverá ser aplicado novo entendimento ao artigo 253, do Código Civil, devendo os atos de interesse da família ser praticados pelos cônjuges, em conjunto, e obrigando todos os bens comuns conforme o regime pré-estabelecido pelos mesmos;

25) o artigo 258, inciso II, do Código Civil, traz em seu texto a mesma inconstitucionalidade observada no artigo 183, XII, motivo pelo qual também encontra-se alterado, sendo a idade limite para ambos a de cinqüenta anos;

26) no artigo 260, do Código Civil, a expressão ‘marido’ deverá ser substituída pela palavra cônjuge, não prevalecendo então a discriminação pretérita já abolida com a nova Constituição;

27) o artigo 263, X, do Código Civil, também fazia distinção entre os cônjuges, estabelecendo a fiança como um direito apenas exercido pelo homem, considerado até então o chefe da sociedade conjugal. Diante da isonomia constitucional, também poderá a mulher prestar esta fiança, o que implica em uma modificação no texto do artigo do diploma civil, devendo ser suprimida a expressão ‘outorga uxória’;

28) o artigo 266, parágrafo único, do Código Civil, deverá ser entendido da seguinte forma: tanto a posse, como a administração dos bens comuns do casal, são por ambos exercidas, salvo as exceções previstas na lei;

29) o artigo 274, do Código Civil, analisado à luz da Constituição Federal de 1988, deverá ser assim interpretado: ambos os cônjuges administram os bens do casal, sendo resolvidas as controvérsias perante o Poder Judiciário; as dívidas assumidas em benefício da sociedade conjugal, serão extraídas do patrimônio comum, inexistindo o mesmo, com os bens particulares dos consortes a medida que se aproveitarem das mesmas;

30) o artigo 275, do Código Civil, encontra-se derrogado pela nova Carta de 1988, permanecendo em vigor apenas o dispositivo que se refere às dívidas assumidas de individualmente por um dos cônjuges;

31) no artigo 277, do Código Civil, a palavra ‘mulher’ deverá ser substituída por cônjuge, sendo ambos responsáveis pela contribuição para as despesas comuns do casal, salvo quando estipularem em contrato nupcial o contrário;

32) o artigo 356, do Código Civil, confere apenas à mulher a impugnação de maternidade, sendo assim inconstitucional, devendo ser estendido também ao homem a impugnação de paternidade;

33) o pátrio-poder será exercido por ambos os cônjuges, passando assim o artigo 380, parágrafo único, do Código Civil, a ter novo entendimento;

34) também será entendido à luz da Constituição Federal de 1988, o artigo 382 do Código Civil, que estabelece o exercício do pátrio-poder após a dissolução do casamento. Sendo a união dissolvida, será exercitado pelo cônjuge sobrevivo;

35) os bens dos filhos passam a ser administrados por ambos os pais, tendo assim uma nova interpretação o artigo 385 do Código Civil, bem como o artigo 390, I e o artigo 391, I, no que se referem ao usufruto destes bens ;

36) o artigo 393 do Código Civil passa a viger assim: qualquer um dos genitores que convolar novas núpcias, manterá o pátrio-poder sobre os filhos do casamento anterior, fazendo-o até mesmo de forma exclusiva;

37) não existe mais na ordem de nomeação prevista no artigo 407 e demais referentes a matéria, do Código Civil, a distinção entre o pai e a mãe e entre o avô paterno e o avô materno;

38) o artigo 414, inciso I, do Código Civil, frente a atual Constituição passa a ser considerado inconstitucional por privilegiar a mulher com a escusa do cargo de tutora;

39) o direito de ingressar em juízo no processo de interdição, previsto no artigo 447, I, do Código Civil, deve ser exercido pelo pai e pela mãe da mesma forma, sem a distinção pretérita;

40) da mesma forma, no artigo 454, § 1º, do Código Civil, a ordem deferida primeiramente ao pai, posteriormente a mãe, deixa de existir com base na igualdade constitucional;

41) não pode prevalecer o disposto no artigo 455, §§ 1º e 2º, do Código Civil, sendo o homem e a mulher iguais em direitos e obrigações;

42) a curadoria não mais será exercida obedecendo o preceito de que "os varões preferem às mulheres". Diante da isonomia constitucional, não prevalece a distinção que atribui primeiro ao homem e somente, de forma secundária, a curadoria à mulher;

Ficam ainda alteradas, todas as demais disposições do Código Civil e do nosso Ordenamento Jurídico que ainda fazem distinções em função do sexo, colocando o homem em posição de superior quando comparado à mulher;

43) o artigo 827, inciso I, do Código Civil, que prescrevia a instituição de hipoteca legal em favor da mulher casada civilmente, fica ab-rogado pela nova Constituição, não podendo prevalecer;

44) encontra-se em desacordo com a Constituição de 1988 o artigo 839, § 1º e o artigo 840, inciso I, do Código Civil, por instituírem a preferência do genitor sobre a mãe nos casos de inscrição de hipoteca;

45) a transmissão da herança prevista no artigo 1.579, § 1º, do Código Civil, que exigia da mulher a comprovação da convivência com o marido no tempo do óbito ou a inexistência desta convivência sem concorrência de sua culpa, encontra-se ab-rogado;

46) no artigo 1.723 do Código Civil, a expressão ‘mulher herdeira’ deverá ser substituída por herdeiro, para não ferir a igualdade prevista constitucionalmente;

47) não prevalece o disposto no texto do artigo 1.744, III, do Código Civil, primeiramente por discriminar apenas a filha desonesta e por fim, por referir-se à casa paterna;

48) o artigo 1.763 e o artigo 1.778 do Código Civil ainda fazem referência ao cabeça-de-casal, figura que extinguiu-se com a Constituição de 1988;

49) da mesma forma, o artigo 1.776 do Código Civil, defere ao pai o direito de partilhar os bens, o que deverá ser estendido também a mãe;

50) no Código de Processo Civil, nova leitura deve ser dada ao artigo 11, parágrafo único, que prevendo a possibilidade do homem e também da mulher de exigirem na Justiça o suprimento de autorização marital e uxória;

51) o artigo 100, I, do Código de Processo Civil, segundo o jurista Pedro Sampaio, encontra-se ab-rogado;

52) também deve ser entendido de forma mais abrangente o artigo 650, I, do Código de Processo Civil, estendendo-se ao homem o mesmo benefício conferido à mulher;

53) no artigo 699, §1º, do Código de Processo Civil, a expressão ‘mulher do devedor’ deve ser substituída por ‘cônjuge do devedor’; e o § 2º do mesmo artigo fica ab-rogado devido a impossibilidade de subsistirem os bens reservados frente à isonomia constitucional;

54) no artigo 1.121, IV, do Código de Processo Civil, a palavra mulher deve ser substituída por cônjuge, garantindo assim a todos os separados necessitados o direito à pensão alimentícia;

55) quanto a ordem do artigo 1.177, I, do Código de Processo Civil, não prevalece a preferência ao genitor, podendo qualquer um dos pais promover a curatela;

56) muito embora seja posterior à Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente ( lei no. 8.069/90 ), desrespeita a isonomia constitucional o artigo 10, inciso II, que estabelece que a mãe deve ser identificada com a tomada de impressão digital, em nada citando o pai. Hoje, devemos entender que as maternidades devem recolher tanto a impressão digital da genitora, como do genitor, quando identificado;

57) a guarda dos filhos menores, nos casos de separação judicial, será deferida a ambos os cônjuges, não prevalecendo o disposto no artigo 10, § 1º, da Lei do Divórcio ( lei no. 6.515/77), ficando os mesmos em poder daquele que pode suprir o sustento, a guarda e a educação ou conforme ajustado entre ambos;

58) os artigos da lei do Divórcio ( lei no. 6.515/77 ) que se referem ao uso do patronímico do marido devem respeitar a isonomia constitucional, cabendo sua aplicação apenas aos casos anteriores à Constituição Federal de 1988, sendo o mesmo atualmente um direito deferido a ambos os cônjuges e não só a mulher;

59) o artigo 52, §§ 1º e 2º, da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) não poderá ser aplicado segundo a ordem de preferência estabelecida para o registro dos filhos, podendo tanto o pai, como a mãe o fazerem;

60) também encontra-se ab-rogado o artigo 79, §§ 1º e 2º da Lei de Registros Públicos ( lei no. 6.015/73 ) que estabelece uma ordem para a declaração de óbito, considerando o homem o ‘chefe de família’;

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Sobre a autora
Simone Clós Cesar Ribeiro

acadêmica de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3192. Acesso em: 22 dez. 2024.

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