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A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução

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01/08/2002 às 00:00
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III . O meio ambiente marinho.

O objetivo deste painel é estabelecer a situação "de fato" do meio ambiente marinho, em torno da qual se verificou toda uma mobilização internacional para o combate da poluição marinha.

Em 1990 um relatório do grupo de experts das Nações Unidas sobre aspectos científicos da poluição marinha informou que os mares abertos estavam relativamente limpos, mas a destruição do habitat costeiro, se não fosse controlado, levaria à deterioração global da qualidade e produtividade do meio ambiente marinho. Este relatório afirmava que a contaminação química de áreas costeiras era um problema de muitas áreas, mas que contaminação por esgotos era muito mais séria. Outras fontes indicavam, em relação aos mares fechados e semifechados, que estes se tratam de grandes reservatórios sem drenagem. Produziram-se, então, relatórios alarmantes sustentando que o Mar Negro poderia se tornar incapaz de sustentar a vida de seus recursos marinhos e que o Mediterrâneo, Báltico [17], apesar dos esforços para prevenção e combate da poluição, estavam muitíssimo estressados.

Numa análise econômica, o meio ambiente marinho deve ser considerado tanto em relação aos seus recursos vivos quanto aos não-vivos, alguns de grande importância, outros ainda à margem da produção econômica, inexplorados por carência de métodos científicos e materiais que os tornarão de interesse econômico humano. Em termos de direito internacional do meio ambiente, "meio ambiente marinho" deve ser considerado por completo, em toda a amplitude que permite identificar suas características biológicas. A melhor definição para "meio ambiente marinho" pode ser inferida a partir da definição de "área marítima" apresentada no artigo 1º da Convenção para Proteção do Meio Ambiente Marinho do Atlântico Nordeste, assinada em Paris em 1992 [18].

Segundo esta Convenção (que no Preâmbulo reconhece a vital importância tanto do meio ambiente marinho quanto da fauna e da flora para todas as nações), sua área de aplicação estende-se às águas internas e ao mar territorial dos Estados-partes, ao mar além e adjacente ao mar territorial sob jurisdição do Estado costeiro, conforme reconhecido pelo direito internacional, bem como ao alto-mar, inclusive o solo de todas as águas internas e seu subsolo. As águas internas são definidas como as águas que se estendem da linha base para o mar territorial até o limite de água fresca. Finalmente, o limite de água fresca é aferido no período da maré baixa, estabelecendo-se no local onde o curso d’água interno adquire salinidade devido à presença da água do mar [19]. Uma definição bastante completa e ampla. Meio ambiente marinho, neste contexto, compreende todos os seres vivos e não-vivos que se estabelecem sob as águas do mar, inclusive aqueles seres vivos cuja cadeia alimentar estão inexoravelmente ligadas à vida marinha (i.e. aves marinhas).

Desta observação tem-se que o principal recurso do meio ambiente marinho consiste nas formas vivas, especialmente os pescados, os minerais dissolvidos na água e os minerais de subsolo marinho, petróleo, gases, energia direta e água fresca. Ao lado destes elementos, além das navegações, nas costas desenvolvem-se um número cada vez mais significativo de indústrias, de cidades, provocando, por conseguinte, um aumento da população, tudo se refletindo no aumento de dejetos levados ao mar: a poluição marinha.

1. A poluição marinha e o relatório Brundtland.

Em linhas gerais, poluição é tudo que o homem, direta ou indiretamente, introduz no meio ambiente, seja na forma de substâncias ou de energia, que provocam, ou podem provocar danos à saúde humana ou à dos seres vivos. No direito internacional do meio ambiente, diversas convenções de proteção do meio ambiente marinho cuidaram de definir "poluição" como a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesmo provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e ao ecossistema marinho, perigo à saúde humana, entraves às atividades marítimas, incluindo entre estas a pesca e o uso legítimo do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio [20].

A preocupação com a poluição do meio ambiente marinho surgiu com a constatação da insustentável poluição do meio ambiente humano, que inevitavelmente abrange os mares.

A qualidade do meio ambiente humano e a preocupação com a poluição teve sua primeira manifestação por parte da comunidade internacional em 1972, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, ao fim da qual foi apresentada uma Declaração de 27 princípios (Declaração de Estocolmo), com destaque ao Princípio 21, específico à proteção do meio ambiente, transcrito, referido e recordado em diversas convenções sobre proteção do meio ambiente, entre as quais se inclui a Declaração do Rio de 1992, que o retoma no enunciado de seu Princípio 02 [21].

Estas preocupações levaram a Assembléia Geral das Nações Unidas a criar, em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ("World Commission on Environmental and Development"), uma organização vinculada a governos e ao sistema da ONU, mas não sujeita ao seu controle. À Comissão então criada foram atribuídas três grandes funções: a) reexaminar as questões críticas relativas ao meio ambiente e desenvolvimento, e formular propostas realísticas para abordá-las; b) propor novas formas de cooperação internacional neste campo, de modo a orientar políticas e ações no sentido das mudanças necessárias e; c) dar aos indivíduos, organizações voluntárias, empresas, institutos e governos uma compreensão maior destes problemas, incentivando-os a uma atuação mais firme.

A Comissão constatou em audiências públicas realizadas em cinco continentes que muitas destas tendências de desenvolvimento resultavam em um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem danos ao meio ambiente. A Comissão se reuniu pela primeira vez em outubro de 1984 e publicou em abril de 1987 o chamando Relatório Brundtland, oficialmente denominado "Nosso Futuro Comum".

De acordo com o Relatório Brundtland (1987), até recentemente o planeta era uma grande comunidade de Estados isolados, divididos em setores e com amplas áreas de interesse que nem sempre de alinhavam. Estes compartimentos, recentemente, começaram a se diluir. Isto se explica nas várias crises globais e da internacionalização dos modos de produção. Alterações drásticas na economia dos Estados criaram vínculos entre as economias globais e a ecologia global: um problema deixou de ser atacado de forma isolada por que passou a influir nas relações econômicas de forma direta. As crises passaram a se interligar: o desflorestamento das terras altas provoca inundações nas terras baixas, a poluição local à montante prejudica a pesca à jusante; a deterioração das terras e a desertificação provocam os movimentos de imigração de povos de um Estado a outro e com o povo vão os problemas e a deterioração de outros sistemas ecológicos. Ainda segundo o Relatório, no limite da crise econômica, a crise ambiental torna-se uma questão de segurança nacional. O progresso humano deve atender às necessidades humanas e realizar as ambições do Homem de modo sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável defendido no Relatório e repetido anos mais tarde no princípio 27 da Declaração do Rio 1992 [22], significa a garantia ao homem sobre a capacidade de atendimento de suas necessidades e, principalmente, a garantia de que as gerações futuras atenderão também às suas, um conceito que encontra limites na tecnologia e na organização social, bem como na capacidade da própria biosfera em absorver os efeitos da atividade humana.

O relatório Brundtland indicava tendências ambientais que ameaçavam (e continuam a ameaçar) modificar radicalmente o planeta, especialmente ameaçando a vida de muitas espécies, inclusive a humana. Segundo o relatório, a cada ano, 6 milhões de hectares de terras produtivas se transformam em desertos, o que em 30 anos, representará uma área igual à da Arábia Saudita. Anualmente são destruídos 11 milhões de hectares em florestas que se transformam em terras agrícolas de baixa qualidade, incapaz de prover o sustento dos que nela se fixam. Na Europa as chuvas ácidas matam florestas e lagos, e danificam o patrimônio arquitetônico; a queima de combustíveis tóxicos espalha na atmosfera o dióxido de carbono que está provocando o aquecimento gradual da atmosfera do planeta; certos gases industriais ameaçam comprometer a camada de ozônio, a indústria e a agricultura despejam toneladas de substâncias tóxicas que poluem a cadeia alimentar humana, os rios e as águas subterrâneas. Um quadro caótico que, pelo expressivo número de convenções (principalmente de qualidade das convenções) após 1987, ano de sua publicação, nitidamente provocou nos governos e nas instituições multilaterais a consciência de que era impossível separar a questão do desenvolvimento econômico à do meio ambiente, pois muitas formas de desenvolvimento desgastavam o meio ambiente, quando dele não necessitavam de forma direta para a própria cadeia de produção. A pobreza, afirma o Relatório, continua sendo uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais do mundo. Portanto é inútil abordar estes problemas de forma específica; deve ser tratado de forma mais ampla que englobe todos os fatores que compõem o problema [23].

Conclui o Relatório que o mundo está cada vez mais poluído e com recursos cada vez mais escassos. O crescimento econômico deve apoiar-se em práticas que conservem e expandam a base dos recursos ambientais; um crescimento que possibilitará a mitigação da pobreza que vem se intensificando na maior parte do mundo em desenvolvimento. Tudo isto somente poderá se dar com uma ação política que vise diretamente administrar o meio ambiente com o intuito de assegurar o progresso continuado e garantir a sobrevivência da humanidade.

2. As formas de poluição do meio ambiente e dos recursos marinhos.

Compulsando mais de uma dezena de convenções sobre meio ambiente marinho, com especial atenção para a Convenção sobre Direito do Mar, pudemos verificar, através de um método muito simples, quais as formas de poluição do meio ambiente marinho que mereceram especial atenção do legislador internacional [24]:

a) poluição de origem terrestre: proveniente de fontes terrestres, inclusive rios, lençóis freáticos, estuários, dutos e instalações de descarga;

b) poluição proveniente de atividades relativas aos fundos oceânicos e ilhas artificiais e instalações sob jurisdição nacional, com especial atenção às atividades de extração de petróleo e gás natural;

c) poluição proveniente de atividades no leito do mar, nos fundos marinhos e em seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional;

d) poluição por alijamento: lançamento deliberado no mar de dejetos e outras matérias a partir de embarcações, aeronaves, plataformas ou outras construções, inclusive afundamento deliberado destes no mar;

e) poluição proveniente de embarcações: derramamento involuntário de substâncias tóxicas, nocivas, bio-acumulativas ou persistentes no meio ambiente, entre as quais se incluem os óleos e hidrocarbonetos derivados do petróleo, inclusive poluição radioativa proveniente de embarcações propulsionadas por este tipo de energia;

f) poluição proveniente da atmosfera ou através dela: aeronaves e utilização do espaço aéreo, bem como transportadas na atmosfera e depositadas no mar, provenientes de descargas poluentes;

g) poluição originária das atividades de dumping,

h) poluição proveniente de atividades e testes nucleares.

Foi em torno destas formas consideradas de poluição que se estabeleceram quase a totalidade de convenções de proteção ao meio ambiente marinho.


IV. As principais Convenções de proteção ao meio ambiente marinho.

1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho.

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2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982.

3. A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração do Rio de 1992 e a Agenda 21.

1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho [25].

Já sabemos que a poluição do Mar, do meio ambiente marinho, provocou mudanças no comportamento econômico do Homem. Em 1974, apenas dois anos após a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, as Nações Unidas lançavam o Programa dos Mares Regionais para coordenar a implementação de uma série de planos e suportes legais para estabelecimento de acordos regionais obrigatórios entre Estados, com o fim de preservação do meio ambiente marinho.

O tema suscitava tamanha importância que mais de 120 Estados participaram da ação. Foram estabelecidos 09 planos de ação abrangendo o Mar Mediterrâneo (1975), o Mar Vermelho e Golfo de Aden (1976), o Golfo Pérsico e Arábico (1978), o Largo Caribe (1981), os Mares do Leste Asiático (1981), o Pacífico Sudoeste (1981), o Africano Oeste e Central (1981), o Pacífico Sul (1982) e o África Oriental (1985).

Estes planos de ação tinham 03 componentes básicos que seguiam a orientação adotada para ação ambiental na Conferência de Estocolmo de 1972: a) avaliação ambiental (valoração, revisão, pesquisa, monitoramento e troca de informações); b) gerenciamento ambiental (planejamento de metas, consultoria internacional e acordos) e; c) medidas de suporte (educação, treinamento, informação pública, cooperação técnica, organização e financiamento).

O compromisso dos governos em participar destes planos de ação deu origem às primeiras convenções internacionais sobre proteção do meio ambiente marinho, ainda que em caráter regional, mas que serviram para fixar os primeiros pontos comuns em direito internacional do meio ambiente. Até o presente momento 08 convenções regionais foram adotadas no âmbito do plano idealizado pelo Programa dos Mares Regionais: Convenção sobre Proteção do Mar Mediterrâneo contra Poluição (Barcelona, 1976); Convenção Regional do Kwait para Cooperação sobre Proteção do Meio Ambiente Marinho da Poluição (Kwait 1978); Convenção para Cooperação sobre Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Região Oeste e Central Africana (Abidjan 1981); Convenção sobre Proteção do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Área do Sudeste do Pacífico (Lima 1981); Convenção Regional sobre Proteção do Meio Ambiente do Mar Vermelho e Golfo de Aden (Jeddah 1982); Convenção sobre Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho da Região do Largo Caribe (Cartagena 1983); Convenção para Proteção, Gerenciamento e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Região Oriental da África (Nairobi 1985); e Convenção de Proteção de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Região do Pacífico Sul (Noumea 1986).

Todas estas Convenções, à exceção de Nairobi, estão em vigor entre mais de 120 Estados, podendo todas ser classificadas como "convenções quadro", pois podem ser suplementadas por protocolos contendo provisões para a concreta realização das medidas e objetivos colimados pelas partes contratantes.

Como convenções regionais, cada qual define uma área específica de aplicação a qual, com algumas exceções, se limitam às 200 milhas da zona econômica exclusiva e exclui as águas interiores dos Estados.

Como obrigações genéricas, estão estabelecidas obrigações de prevenir, reduzir, combater e controlar a poluição na área da convenção, podendo se identificar entre estas obrigações pelo menos oito obrigações comuns a todas elas:

a) controle da poluição causada por dumping;

b) poluição por descargas de navios;

c) oriundas da exploração e utilização da plataforma continental, solo e subsolo marinhos;

d) poluição originária de fontes terrestres;

e) cooperação em casos de emergências em poluição;

f) desenvolvimento de cooperação científica e técnica, inclusive de monitoramento de programas de pesquisa, troca de dados e informações e assistência técnica;

g) formulação e adoção de procedimentos de determinação de responsabilidade e compensação por danos causados da poluição derivada da violação da convenção,

h) dever de relatar as medidas adotadas na implementação da convenção e de seus protocolos.

Cada convenção é suplementada por um protocolo que corresponde à negociação de assuntos sobre um tema específico tratado na Convenção, de sorte que nenhum Estado pode ingressar na Convenção sem tornar-se parte de pelo menos um protocolo. O protocolo de cooperação em caso de emergências por poluição é comum em todos as oito convenções regionais.

2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 [26].

"Os estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio ambiente marinho (art. 192)."

A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982, sem a menor dúvida, é um marco do direito internacional. Num único instrumento, bem compartimentado, de muitos artigos e de caráter inegavelmente universal, consolidaram-se muitas regras consuetudinárias de direito do mar e marítimo, bem como se estabeleceram regras de direito internacional para definir juridicamente todos os elementos físicos que compõe o Mar, sem descuidar de regras de preservação do meio ambiente marinho, objeto deste estudo.

Não pretendemos aqui apresentar um tratado sobre a Convenção, mas destacar alguns de seus pontos atinentes à proteção e preservação do meio ambiente marinho, tema para o qual o legislador reservou a Parte XII, subdividida em outras 11 seções, assim dispostas: 1. Provisões gerais (art.192/196); 2. Cooperação global e regional (art.197/201); 3. Assistência técnica (art.202/203); 4. Monitoramento e avaliação ambiental (art.204/206); 5. Regras internacionais e legislação nacional para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho (art.207/212); 6. Execução (art.213/222); 7. Garantias (art.223/233); 8. Áreas cobertas de gelo (art.234); 9. Responsabilidade (art.235); 10. Imunidade soberana (art.236); e 11. Obrigações contraídas em virtude de outras convenções sobre proteção e preservação do meio ambiente marinho (art.237).

Para não nos alongarmos por demais, decidimos destacar as disposições gerais da convenção, onde se consagraram muitos dos princípios norteadores das convenções regionais que antecederam esta Convenção. Neste sentido, reafirmou-se a obrigação de todos os Estados, inclusive os Estados não costeiros, em proteger o meio ambiente marinho. Também é garantido aos Estados a exploração de seus recursos marinhos de acordo com sua política interna em matéria de meio ambiente e com as regras de direito internacional que regulam sua exploração.

Também é reafirmado na Convenção o dever de todos os Estados em tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho, independentemente de sua fonte, utilizando-se, para tanto, dos meios mais viáveis de que disponham e em conformidade com suas possibilidades; devem os Estados se esforçar para harmonizar suas políticas ambientais. Ainda, devem controlar todas as atividades sob sua jurisdição ou controle, de sorte a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e seu meio ambiente, bem como não medir esforços para que a poluição causada por acidentes ou atividades sob sua jurisdição e controle não se estendam além da área onde exerçam direito de soberania. Ao tomar tais medidas, os Estados devem agir de forma a não transferir, direta ou indiretamente, os danos e riscos de uma zona para outra nem transformar um tipo de poluição em outro.

Na prevenção, redução e controle da poluição é muito importante, prevê a Convenção, que um Estado utilize sua tecnologia atentando para não introduzir de forma acidental ou deliberada espécies estranhas ou novas que produzam alterações relevantes e prejudiciais ao meio ambiente [27].

3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992: a Declaração do Rio e a Agenda 21.

O Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown, EDITH BROWN WEISS, consultora da American Journal of International Law [28], ao tecer comentários sobre a Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1992 por 170 Estados, destacou que desde 1972 os Estados estavam discutindo a proteção e o desenvolvimento econômico como elementos consistentes e antagônicos. Após a Convenção de Estocolmo praticamente todos os Estados adotaram ou aperfeiçoaram uma ou mais espécies de legislação ambiental; no âmbito do direito internacional contam-se, até 1992, mais de 870 instrumentos legais concernentes à questão do meio ambiente. Aquela Convenção teve origem na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual se produziram outras duas Convenções: a Convenção-quadro sobre Mudança Climática (Nova York, 09.05.92) [29] e a Convenção sobre Biodiversidade (Rio, 05.06.92) [30]. No que se refere especificamente à Convenção sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), destacam-se dois documentos: a Agenda 21 e a Declaração do Rio.

3.1. A Declaração do Rio de 1992.

A Declaração do Rio de 1992 encerrou 27 princípios a serem observados pelos Estados em questões relativas ao meio ambiente e desenvolvimento. Entre estes princípios destaca-se o de número 2, quer retoma a redação do famoso princípio 21 da Declaração de Estocolmo de 1972, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente Humano. [31]

Os princípios declarados dão uma excelente noção da complexidade do tratamento da questão ambiental em relação ao desenvolvimento econômico, abrangendo as seguintes áreas: 1. O papel central da humanidade; 2. Soberania sobre recursos e responsabilidade de prevenir atividades territoriais que causem danos extraterritoriais; 3. Direito de desenvolvimento; 4. Proteção ambiental; 5. Erradicação da pobreza; 6. Países em desenvolvimento; 7. Países desenvolvidos; 8. Padrões insustentáveis de produção e consumo; 9. Cooperação científica e tecnológica; 10. Acesso a informação, alargamento da participação no processos de tomada de decisões; 11. Legislação interna de meio ambiente; 12. Comércio internacional; 13. Responsabilidade e compensação pela poluição e danos ao meio ambiente; 14. Transferência internacional de atividades perigosas e substâncias; 15. Proteção preventiva ao meio ambiente; 16. Aplicação do princípio do "poluidor-pagador"; 17. Avaliação de impacto ambiental; 18. Notificação a outros Estados sobre emergências ambientais; 19. Notificação e consulta sobre atividades que possam produzir efeitos transfronteiriços; 20. Papel da mulher; 21. O papel da juventude; 22. O papel dos povos indígenas; 23. O meio ambiente e os recursos dos povos sobre opressão, dominação e ocupação; 24. Conflitos armados; 25. Paz; 26. Solução de controvérsias e, 27. Cooperação de boa fé para o desenvolvimento sustentável.

3.2. O Capítulo 17 da Agenda 21.

As negociações para a Conferência do Rio 92 tiveram início em Nairobi, Quênia, em agosto de 1990, exigindo de seus negociadores reuniões mensais até a realização da Conferência e final redação do conteúdo da Agenda 21. O cuidado com a qualidade do resultado dos trabalhos traduziu-se num extenso documento que, como o próprio nome indica, encerra 21 programas de ação de proteção ambiental e desenvolvimento.

À proteção do meio ambiente marinho reservou-se o Capítulo 17, intitulado "Proteção dos Oceanos, de Todos os tipos de Mares - inclusive Mares Fechados e Semifechados - e das Zonas Costeiras, e Proteção, Uso Racional e Desenvolvimento de seus recursos vivos." Na introdução ao Capítulo, destaca-se que "o meio ambiente marinho- inclusive os oceanos e todos os mares, bem como as zonas costeiras adjacentes - formam um todo integrado que é um componente essencial do sistema que possibilita a existência de vida sobre a Terra, além de ser uma riqueza que oferece possibilidades de um desenvolvimento sustentável. O direito internacional, tal como este refletido na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar mencionadas no presente Capítulo da Agenda 21, estabelece os direitos e as obrigações dos Estados e oferece a base internacional sobre a qual devem apoiar-se as atividades voltadas para a proteção e o desenvolvimento sustentável do meio ambiente marinho e costeiro, bem como seus recursos." Para que isto se realize, prossegue, exige-se "novas abordagens de gerenciamento de desenvolvimento marinho e costeiro nos planos nacional, sub-regional, regional e mundial - abordagens integradas do ponto de vista do conteúdo e que ao mesmo tempo de caracterizem pela precaução e pela antecipação."

Para proteção e preservação ambiental e do desenvolvimento dos Oceanos e Mares, a Agenda propõe a efetivação de 07 áreas de programas: a) gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive zonas econômicas exclusivas; b) proteção ao meio ambiente marinho; c) uso sustentável e conservação dos recursos marinhos vivos de alto-mar; d) uso sustentável e conservação de recursos marinhos vivos sob jurisdição nacional; e) análise das incertezas críticas para o manejo do meio ambiente marinho e a mudança do clima; f) fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional, inclusive regional e, g) desenvolvimento sustentável das pequenas ilhas.

Destaca também a Agenda que a implementação destes programas pelos países em desenvolvimento deve se compatibilizar às respectivas capacidades tecnológicas e financeiras, bem como se adequar às suas prioridades de alocação de recursos para atender às suas exigências de desenvolvimento, dependendo, em última análise, dos recursos tecnológicos e financeiros que vierem lhe oferecer.

De modo geral, cada um dos programas responde a 04 tópicos: a) base para a ação; b) objetivos; c) atividades e ; d) meios de implementação. Vejamos como estes tópicos são respondidos no programa de proteção ao meio ambiente marinho.

Na base da ação para a proteção do meio ambiente marinho a Agenda destaca detalhes da situação de degradação do meio ambiente marinho e as primeiras diretrizes (princípios) para impedi-la. Segundo a Agenda, muitas são as fontes de poluição do meio ambiente marinho, entre as quais se destacam: fontes terrestres (responsável por 70% do total da poluição), fontes oriundas de atividades de transporte marítimos e de descargas no mar (respondendo cada uma por 10 % do total da poluição do mar). Destaca também a Agenda uma gama de poluentes que, dependendo as condições da região, da quantidade e de suas características (toxidade, persistência e bioacumulação na cadeia alimentar), são muito perigosas para o meio ambiente marinho: os esgotos, nutrientes, compostos orgânicos sintéticos, sedimentos, lixo e plásticos, metais, radionuclídeos, petróleo/hidrocarbonetos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

A poluição marinha de origem terrestre pode ter origem em muitas atividades (a ocupação humana das costas, a descarga de substâncias tóxicas em rios que deságuam no mar, o uso da terra, a construção de infraestrutura costeira, a agricultura, a silvicultura, o desenvolvimento urbano, o turismo e a indústria podem afetar o meio ambiente marinho). Preocupam os especialistas, entre as fontes terrestres, a erosão e a presença de silte nas zonas costeiras. Respondendo por 70% do total da poluição marinha, o mais grave indicador da Agenda é que até aquela altura, em 1992, ainda não se tinha notícia de qualquer plano de caráter mundial voltado aos problemas da poluição marinha de origem terrestre.

Outra forma de poluição destacada na Agenda é a poluição marinha provocada por atividades de transporte e pelas atividades marítimas. Segundo o documento, cerca de 600 mil toneladas de petróleo são despejadas no mar anualmente em decorrência de operações normas de transporte marítimo, acidentes e descargas ilegais. Excetuam-se destas atividades aquelas de exploração e produção de petróleo em alto-mar, muito bem reguladas por normas internacionais relativas às descargas próximas às maquinarias (a conferência examinou seis convenções regionais para a fiscalização de descargas nas plataformas), e que representam, portanto, uma fração muito pequena da poluição total do mar.

Em linhas gerais de proteção ao meio ambiente marinho, destaca a base de ação a necessidade de se "adotar uma abordagem de precaução e antecipação, mais do que de reação". Isto significa que não se deve mais aguardar pelo efeito prejudicial ao meio ambiente, ou pela certeza científica de que ele irá ocorrer, para que se tomem medidas efetivas de proteção ao meio ambiente. De acordo com a Agenda, para que isto se realize "é necessário, inter alia, adotar medidas de precaução, avaliações dos impactos ambientais, tecnologias limpas, reciclagem, controle e redução de esgotos, construção e ou melhoria das centrais de tratamento de esgotos, critérios qualitativos de gerenciamento para o manejo adequado de substâncias perigosas e uma abordagem abrangente dos impactos nocivos procedentes do ar, da terra e da água. Seja qual for a estrutura de gerenciamento adotada, ela deverá incluir a melhoria dos estabelecimentos humanos costeiros e o gerenciamento e desenvolvimento integrados das zonas costeiras."

Determinada a base de ação, cuidou a Agenda de traçar os objetivos para que se realize a efetiva proteção ao meio ambiente marinho, recorrendo à expressa menção e reafirmação dos princípios gerais da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Parte XII) relativas à proteção do meio ambiente marinho. Sob o compromisso de "impedir, reduzir e controlar a degradação do meio ambiente marinho, de forma a manter sua capacidade de sustentar e produzir recursos vivos", definiram-se os seguintes objetivos:

a) definir critérios preventivos, de precaução e de antecipação, de modo a evitar a degradação do meio ambiente marinho e reduzir o risco de haver efeitos a longo prazo ou irreversíveis sobre o mesmo;

b) assegurar a realização de avaliações prévias de atividades que possam apresentar impactos negativos significativos sobre o meio ambiente marinho;

c) Integrar a proteção do meio ambiente às políticas gerais pertinentes às esferas ambiental, social e de desenvolvimento econômico;

d) Desenvolver incentivos econômicos, conforme apropriado, para a aplicação de tecnologias limpas e outros meios compatíveis com a internacionalização dos custos ambientais, por exemplo o princípio do "poluidor- pagador", com o objetivo de evitar a degradação do meio ambiente marinho;

e) melhorar o nível de vida das populações costeiras, especialmente nos países em desenvolvimento, de modo a contribuir para a redução da degradação do meio ambiente costeiro e marinho.

Para a consecução destes objetivos, os Estados concordam em cooperar por meio de mecanismos internacionais que proporcionem recursos financeiros e apoio técnico para que se tenha acesso a tecnologias limpas e pesquisas pertinentes.

Aquelas fontes de poluição inicialmente destacadas pelo Programa da Agenda sobre Proteção ao Meio Ambiente oriundas de fontes terrestres, de atividades marítimas e de descargas no mar, são tratadas de forma sistemática no "desenvolvimento das atividades relacionadas a gerenciamento da prevenção, redução e controle da degradação do meio ambiente marinho". A necessidade de atualizar, fortalecer e ampliar as Diretrizes de Montreal são colocadas lado a lado com a necessidade de viabilização de acordos internacionais que permitam, em termos financeiros e tecnológicos, uma maior eficácia na identificação das substâncias que mais degradam o meio ambiente e na implementação das ações antecipatórias de proteção.

Merecem destaque no documento, dada a sua grande importância como fonte poluidora do meio ambiente marinho, os esgotos, que são tratados sob a forma de medidas prioritárias para que os Estados revejam seus planos de desenvolvimento costeiro e estabelecimentos humanos. Entre as medidas de controle de esgotos são destacadas: a criação de centrais de tratamento de esgotos para proteção de criadouros de mariscos e de áreas de banho humanas; a necessidade de tratamento de efluentes domésticos e industriais para se tornarem compatíveis com os sistemas; o tratamento primário de esgotos municipais descarregados em rios, estuários e no mar. Também são consideradas as emissões de outros poluentes que não esgotos: compostos orgânicos halogenados e sintéticos, descargas antrópicas de nitrogênio e fósforo (problemas de eutrofização), uso de pesticidas e fertilizantes nocivos ao meio ambiente. Ainda, são previstas ações de controle da destruição física das costas: controle e prevenção da erosão e do silte na costa, resultante de fatores antrópicos relacionados, inter alia, às técnicas e prática de uso da terra e de construção.

Para formas de degradação relacionadas às atividades marítimas, são ditadas medidas adicionais para fazer frente à degradação por atividades de navegação e de alijamento, entre as quais se assinalam: o cumprimento das regras da MARPOL sobre descargas ilegais (Parte II da Convenção do Mar) e o apoio à ratificação, ampliação e participação mais ampla nas convenções pertinentes sobre alijamento no mar, inclusive com a pronta conclusão de uma estratégia futura para a Convenção de Londres, no qual deverão as partes tomar medidas adequadas para por fim ao alijamento nos oceanos e à incineração de substâncias perigosas.

Finalmente, nas disposições sobre os meios de implementação do programa de proteção ao meio ambiente marinho, é dado ênfase a 04 planos de desenvolvimento: a) financiamento e estimativa de custos (calculado pelo Secretariado da Conferência em US$200 milhões anuais, entre 1993 e 2000, para implementação do programa); b) meios científicos e tecnológicos (estudo sobre uso e produção de novas substâncias, transferência de tecnologias para identificação de métodos limpos e econômicos de combate à poluição); c) desenvolvimento de recursos humanos (treinamento de pessoal de países em desenvolvimento sobre prevenção, redução e eliminação da degradação do meio ambiente) e ; d) fortalecimento institucional (a partir da criação de instituições de pesquisa em países em desenvolvimento, com a criação de um mecanismo internacional de financiamento para a aplicação de tecnologias adequadas ao tratamento dos esgotos).

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3194. Acesso em: 22 nov. 2024.

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