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Cabe recurso do pronunciamento judicial que ordena a citação e daquele que posterga para depois da resposta do réu a apreciação do pedido de liminar inaudita altera parte?

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3. “RESERVO-ME PARA APRECIAR O PEDIDO DE LIMINAR INAUDITA ALTERA PARTE SOMENTE APÓS A OITIVA DO RÉU”: É DESPACHO OU DECISÃO?

Outra hipótese merecedora de análise mais aprofundada, e que muito ocorre na prática forense, diz respeito à natureza do pronunciamento judicial e, consequentemente, ao tipo de recurso a ser utilizado pelo autor ao ver o seu pedido de liminar inaudita altera parte não conhecido, de plano, pelo juiz de primeiro grau, que posterga a apreciação para momento procedimental sucessivo ao oferecimento da resposta.

Para melhor fixação das ideias e ilustrar o problema examinado: o autor postula na sua petição inicial, por exemplo, seja-lhe concedido, liminarmente e antes mesmo da oitiva do réu, em ação declaratória de inexistência de débito, a suspensão dos efeitos da inscrição de seu nome em cadastros de proteção ao crédito, sob o fundamento de que nada deve e de que a mencionada inscrição indevida o está impedindo de realizar uma série de transações financeiras.

Imagine-se, noutro caso, que o autor, necessitando realizar um tratamento, tal como prescrito pelo médico que lhe assiste, ingressa com ação de obrigação de fazer, ocasião em que postula a concessão de uma liminar para realizar a cirurgia, antes mesmo da oitiva do plano de saúde, apontado como parte ré, o qual se recusou a realizar a intervenção, sob o fundamento de que o procedimento não estaria coberto pela apólice.

Nos dois casos – e os exemplos são dos mais variados – o magistrado a quo entende que, antes de analisar o pedido de liminar inaudita altera parte, deva, primeiramente, estabelecer o contraditório, postergando sua decisão para fase procedimental sucessiva à resposta do réu. Assim deixa consignado o magistrado: “Reservo-me para apreciar o pedido de liminar após a oitiva da parte ré”.

Essa prática, longe de ser algo surreal, prolifera-se no cotidiano forense sob o pálio da necessidade de obtenção de maiores elementos após a formação do contraditório. E tem mais. A importância do problema origina-se dos efeitos de ordem prática, já anunciados desde a introdução do presente texto, os quais podem ser sintetizados da seguinte forma: 1) qual a natureza jurídica desse ato judicial? 2) assim procedendo, o magistrado causa eventual prejuízo ao autor? 3) o ato judicial representa denegação provisória do pedido liminar? 4) existe algum recurso a ser utilizado contra esse ato de postergação?

Deve-se, de antemão, esclarecer o que há de se entender por liminar e, também, o significado da expressão inaudita altera parte, sobretudo porque um estudo que se propõe a ser científico deve ter o maior rigor na terminologia a ser utilizada.

A palavra liminar, deriva do latim liminaris, de limen, que significa porta, soleira, entrada. Indica, pois, tudo o que é realizado no começo (COSTA, 2011, p. 30). A expressão inaudita altera parte, a seu turno, traduz-se em “não ouvida a outra parte” ou “sem que seja ouvida a outra parte”.

Liminar, portanto, não é um simples adjetivo que qualifica o que se concede inaudita altera parte, mas um substantivo que designa a providência que se obtém antes ou após a citação do réu, desde que antes da sentença. (COSTA, 2011, p. 31)

Como sustenta Teori Albino Zavascki (1999, p. 162), “há liminares proferidas após a justificação ou após a citação do demandado e nem por isso, apesar de já ultrapassada a porta de entrada, deixam de ser consideradas liminares”.

No âmbito processual civil, trata-se de tutela jurisdicional concessível in limine, no princípio, com o despacho da petição inicial ou após a ouvida da parte contrária. Não há de ser ela necessariamente concedida inaudita altera parte, pois. Ou seja, não deixa de ser liminar o provimento que se concede em favor do autor logo após a manifestação do réu, mas antes da sentença. (COSTA, 2011, p. 30).

O presente texto, porém, como o seu próprio título está a indicar, concentrar-se-á na análise do pronunciamento do juiz que se abstém de decidir o pedido de liminar inaudita altera parte, ou seja, aquele que se pretende apreciação de pronto, antes mesmo da oitiva da parte adversa. Porém, o magistrado reserva sua apreciação para depois de instaurado o contraditório.

Não haveria dúvidas acerca da natureza do pronunciamento e, consequentemente, do recurso cabível para impugná-lo, acaso o magistrado se pronunciasse sobre o pleito formulado, asseverando, para tanto, ou que não avistava os pressupostos indispensáveis à concessão da medida postulada, razão por que estaria a indeferir o pedido formulado pelo autor, ou que, na hipótese contrária, concedia a providência requerida, diante da presença dos seus pressupostos ensejadores.

Inegavelmente, tanto num como noutro caso, tem-se nítida decisão de caráter interlocutório, já que proferida entre as falas do processo. Há, pois, nos dois casos, um conteúdo decisório, passível de impugnação pela via do agravo, nos termos do art. 522 do CPC.

A questão surge quando o juiz não se posiciona clara e categoricamente, configurando aquela ideia, no popular, do “nem lá nem cá”, como se estivesse “em cima do muro”.

Joel Dias Figueira Júnior (2007, p. 329), depois de sustentar que o magistrado, diferente da autoridade administrativa, não detém faculdade ou discricionariedade acerca da apreciação do pedido liminar, sendo poder-dever do Estado-juiz a sua concessão, desde que presentes os pressupostos, defende que a postergação da apreciação equipara-se ao indeferimento, do que se extrai que caberia o agravo para impugnar o dito pronunciamento.

Assim, em linha de princípio, ato judicial desta espécie não é despacho, mas decisão interlocutória, diante do manifesto conteúdo implícito de denegação provisória do pedido de tutela antecipada. Inquestionável que a postergação da análise do pedido emergencial representa nada menos do que a sua rejeição durante período indeterminado, tendo-se como certo que o cumprimento cabal da citação, somando-se ao prazo para oferecimento de resposta, distribuição, juntada e retorno dos autos ao gabinete do juiz, não se realiza, via de regra, em tempo inferior a 30 dias. É justamente dessa impiedosa incidência do tempo no processo, capaz de causar dano irreparável ou de difícil reparação ao autor, que escora o seu legítimo e manifesto interesse em impugnar o ato judicial, não se tratando de mero despacho. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2007, 349-350).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, maciçamente, em sentido oposto ao acima sustentado, tem entendido que a natureza do pronunciamento através do qual o magistrado posterga a apreciação da liminar inaudita altera parte para momento procedimental sucessivo ao oferecimento de resposta tem natureza jurídica de despacho, conforme se verifica dos seguintes precedentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSE. BENS MÓVEIS. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. PEDIDO DE LIMINAR. ANÁLISE POSTERGADA. O despacho que ordena a citação e posterga a análise de pedido de antecipação de tutela para depois de estabelecido o contraditório não tem caráter decisório e não é passível de recurso. Inteligência dos arts. 273 e 504 do CPC. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (TJRS, 2014a, sem grifos no original).

PROCESSUAL CIVIL. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. POSTERGAÇÃO PARA MOMENTO SUBSEQUENTE. RAZOABILIDADE. Afigura-se perfeitamente razoável decisão que, sem indeferir o pleito antecipatório, posterga sua apreciação para momento posterior à manifestação da parte ré, de modo a obter maiores de elementos de prova, visando à formação de convicção quanto à existência de verossimilhança da alegação. A antecipação da tutela apresenta-se como exceção, até em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, mais ainda quando dela decorrer esgotamento do objeto disputado no processo. Por certo, a vedação do § 2º do artigo 273, CPC, não se apresenta com caráter absoluto, mas há de ceder em hipóteses que justifiquem sua relativização, o que não é o caso dos autos, notadamente em se considerando o aspecto temporal, bem podendo o pleito ser examinado após a resposta da contraparte. (TJRS, 2014b, sem grifos no original).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ATO QUE RELEGA O EXAME DO PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA PARA APÓS A CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CARÁTER DECISÓRIO. MERO DESPACHO. O ato judicial que relega o exame da tutela antecipada para após a contestação constitui-se como mero despacho. Ausência de caráter decisório a impedir a interposição de agravo de instrumento. Aplicação do previsto no art. 504 do CPC. NEGADO SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC, EM RAZÃO DA MANIFESTA INADMISSIBILIDADE. (TJRS, 2011, sem grifos no original).

Também assim tem entendido o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme julgados a seguir transcritos:

AGRAVO INTERNO. QUESTÃO DE ORDEM. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA DECISÃO INDEFERITÓRIA DA LIMINAR PROFERIDA EM MOMENTO POSTERIOR. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR. APRECIAÇÃO DO PEDIDO POSTERGADA PARA APÓS A MANIFESTAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO DECISÓRIO. ANÁLISE PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Impossível a análise, nesta via, da decisão de primeiro grau proferida em momento posterior à interposição do agravo de instrumento. Questão de ordem rejeitada. 2. Manifestação do juízo que apenas posterga a apreciação do pedido liminar para depois da citação e realização do estudo psicossocial é despacho de mero expediente, contra o qual não cabe recurso. 3. A análise, por este Tribunal de Justiça, da liminar pleiteada, e ainda não analisada pelo juízo a quo, importaria em supressão de instância, o que fere o princípio do duplo grau de jurisdição (TJMG, 2014a, sem grifos no original).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR. APRECIAÇÃO DO PEDIDO POSTERGADA PARA APÓS A CONTESTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO DECISÓRIO. ANÁLISE PELO TRIBUNAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO (ART. 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). - Manifestação do juízo a quo que apenas posterga a apreciação do pedido liminar após a contestação é despacho de mero expediente, contra o qual não cabe recurso. - A análise, por este Tribunal de Justiça, da liminar pleiteada, e ainda não analisada pelo juízo a quo, importaria em supressão de instância, o que fere o princípio do duplo grau de jurisdição (TJMG, 2014b, sem grifos no original).

Malgrado os argumentos lançados nos precedentes acima citados, não parece haver duvida de que contra o ato judicial que posterga a apreciação da liminar inaudita altera parte para momento procedimental sucessivo ao oferecimento de resposta causa, em tese, gravame ao autor, e, por isso, deve ser suscetível de impugnação.

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A postergação da apreciação para depois da resposta é circunstância que, inegavelmente, causa prejuízo ao autor, que formulou pedido de liminar inaudita altera parte, justamente, por entender ser necessário um provimento de emergência para não perecer o direito postulado.

Nesse passo, tendo-se como certo que o cumprimento da citação, somado ao prazo para oferecimento de resposta, distribuição, juntada e retorno dos autos para apreciação do magistrado, não se realiza de pronto, tem-se que o pronunciamento deve ser suscetível de impugnação.


4. A ALEGAÇÃO DO PREJUÍZO COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO

Seja despacho que, em tese, causa prejuízo ao autor, seja decisão interlocutória, o fato é que a irresignação contra o pronunciamento do juiz que posterga para depois do prazo de resposta a apreciação da liminar inaudita altera parte deve ser formalizado através do agravo. Não tem aplicação, nesses casos, o disposto no art. 504 do CPC.

O elemento intrínseco e essencial é o prejuízo evidenciado pela demora na prestação e efetivação da tutela jurisdicional perseguida, em caráter de urgência, pelo autor. É justamente em virtude do mal que o tempo causa no processo, que o autor apóia o seu legítimo e manifesto interesse recursal em impugnar o ato judicial.

A alegação do prejuízo desponta, nesse caso, como requisito de admissibilidade para o agravo. A existência do prejuízo é que possibilitará o julgamento de mérito do recurso, na medida em que se relaciona com o requisito de admissibilidade concernente ao interesse de recorrer (JORGE, 2007, p. 49).

Como sabido, os recursos devem observar algumas condições sem as quais não se poderá verificar se o recorrente tem ou não razão, quando pede a reforma da decisão recorrida.

A atividade através da qual o tribunal verifica se estão – ou não – presentes os requisitos é denominada de juízo de admissibilidade dos recursos. Presentes tais requisitos, o órgão competente poderá, então, examinar a pretensão recursal, dando ou negando provimento ao recurso. Ao fazê-lo, realiza o juízo de mérito do recurso interposto.

Enquanto no juízo de admissibilidade o julgador trata de perquirir se é possível dar atenção ao que o recorrente pleiteia, seja para acolher, seja para rejeitar a impugnação feita à decisão contra a qual se recorre; em sede meritória cuida aquele observador de averiguar se tal impugnação merece ser acolhida, porque o recorrente tem razão; ou rejeitada, porque não a tem (MOREIRA, 1996, p. 131).

É intuitivo perceber, pois, que só se passa à segunda etapa, ou seja, só se aprecia o mérito da irresignação, se e depois que, na primeira, se concluiu ser admissível o recurso. Sendo positivo o juízo de admissibilidade, o órgão ad quem adentrará ao exame do mérito do recurso.

Não existe dúvida quanto à existência de um juízo de admissibilidade e um juízo de mérito nos recursos. A própria prática forense reconhece a distinção, tanto assim que, para diferenciar as duas “fases” de apreciação, consagrou as expressões conhecer ou não conhecer e dar provimento ou negar provimento, as quais correspondem, respectivamente, ao juízo de admissibilidade e ao juízo de mérito do recurso.

Desse modo, interposto o agravo em face de qualquer um dos pronunciamentos tratados no presente texto – isto porque se entende que é cabível dito recurso! –, para que o mesmo seja conhecido, basta que a parte alegue o prejuízo ocasionado. Se efetivamente há o prejuízo, aí a questão já passa a ser de mérito.

Em outras palavras, o prejuízo desponta, nesse caso, como requisito de admissibilidade para o agravo. É comum, contudo, em casos da espécie, haver decisões de tribunais que não conhecem do agravo, em razão da ausência de prejuízo. Nessa hipótese, há sobreposição do juízo de mérito frente ao de admissibilidade. De fato, para que seja conhecido o agravo de instrumento, basta que se alegue o prejuízo ocasionado pelo despacho. Se efetivamente há o prejuízo, aí a questão já passa a ser de mérito. Então, alegado o prejuízo, deve o recurso ser conhecido. Se há ou não o prejuízo, tal circunstância será decisiva para, respectivamente, o provimento ou não do agravo. Nesse caso, deve o despacho, então, ser considerado como uma decisão interlocutória, transmudando de natureza e passando a ser recorrível. (CUNHA, DIDIER JR., 2014, p. 30; CUNHA, 2006, p. 294)

Então, exarado qualquer um dos pronunciamentos, e interposto o recurso, com a alegação do prejuízo, deve o mesmo ser admitido, ou seja, conhecido. Se há ou não o prejuízo, se o juiz errou – ou não –, tal circunstância será decisiva para, respectivamente, o provimento ou não do agravo, atinente ao seu mérito.

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Sobre a autora
Rosalina Freitas Martins de Sousa

Doutoranda em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Direito Privado pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco. Graduada em Direito e em Administração de Empresas. Assessora Técnica Judiciária de Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Professora de Direito Processual Civil no Estado de Pernambuco, em cursos de graduação e pós graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Rosalina Freitas Martins. Cabe recurso do pronunciamento judicial que ordena a citação e daquele que posterga para depois da resposta do réu a apreciação do pedido de liminar inaudita altera parte?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4268, 9 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31940. Acesso em: 26 abr. 2024.

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