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A inadequabilidade da atual sistemática para escolha de membros dos Tribunais de Contas do Brasil

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16/09/2014 às 15:22
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4.                considerações quanto ao caput do art. 73 sob a interpretação sistemática da constituição

A Constituição diz que o Tribunal de Contas é integrado por nove Conselheiros, em vez de empregar o verbo 'compor' (em diversas conjugações) como faz em todos os Tribunais Judiciários[7].

Como não há palavras inúteis nos textos legais e que sempre se deve ter em conta que o emprego de expressões distintas decorre da intenção do legislador, então há alguma razão para que isso tenha sido escrito e aprovado na forma em que consta do texto constitucional.

De Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, define o vocábulo "integração", na técnica jurídica, como algo que completa, que torna inteiro, que conclui a totalidade de alguma coisa. Veja-se, e. g., a técnica de integração da lei, em que o sentido do texto legal é conhecido pelo preenchimento de lacunas. Ora, o texto legal (o todo) não é composto somente pelas lacunas, estando evidentemente incluído naquele o texto que consta na publicação da lei.

Portanto, é possível afirmar que há diferença do verbo 'integrar' em relação ao verbo compor, já que este exprime a ideia de um todo formado por várias partes.

Aqui as partes formam o todo; lá apenas se diz que os objetos designados (os ministros, no caso do caput do art. 73) são parte do todo, mas este não é limitado por aqueles. Assim, ao ver do autor deste artigo, os auditores, aos quais foram conferidas as garantias e os impedimentos da magistratura, e, portanto, são tão magistrados quanto são os ministros, formam com estes o todo integrado por ministros (conselheiros) e auditores: o Tribunal de Contas.

O fato que corrobora essa interpretação é o estabelecimento, pelo próprio texto constitucional, de um número fixo de sete conselheiros estaduais, não importando se se trata de São Paulo ou Roraima, unidades federativas completamente díspares, tanto em população como em número de municípios além, é claro, das imensas diferenças em aspectos econômicos, geográficos, sociais, etc.

Também corroborante a possibilidade de haver dois tribunais de contas estaduais, ficando a sua existência a critério de cada unidade federativa.

Assim, a única possibilidade de harmonizar as diferenças entre os 26 Estados e o Distrito Federal é o número de auditores, cujo limite não foi fixado no texto constitucional. A participação dos auditores da composição das Cortes de Contas em pé de igualdade, ou mesmo de superioridade numérica, conferiria a esses órgãos a proeminência do caráter técnico imanente a suas tarefas.

Outro ponto de contato entre essa tese e o desejo do legislador é o estabelecimento de um número mínimo de Ministros no Superior Tribunal de Justiça. Está expressamente colocado no texto constitucional o vínculo dos Ministros do TCU com os do STJ. Pois considerar que o número de ministros e conselheiros é um número mínimo de membros das Cortes de Contas, embora seja um máximo para as indicações conforme o parágrafo primeiro do mesmo artigo constitucional, também é considerar que o número de auditores deve ser compatível com as tarefas a serem desempenhadas conforme as peculiaridades de cada unidade federativa.

Mas essa evolução não encontra resposta na legislação em vigor. Veja-se, e. g., o art. 62 da Lei Federal nº 8.443/92[8], Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União, que afirma que o órgão compõe-se de nove Ministros.


5.                considerações acerca dos parágrafos do art. 73 conforme interpretação sistemática da constituição

Quanto aos auditores, o desrespeito sistemático a suas prerrogativas já foi discutida em artigo do mesmo autor[9]. Além disso, chama a atenção da estipulação dos denominados "notórios conhecimentos".

Quando da discussão do Projeto "A", nas notas explicativas do volume 293, que cuidou das emendas a esse projeto e que resultaram no Projeto "B", consta que erros de grafia seriam corrigidos.

Na fl. 059 do volume 293 consta que o texto seria "notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros e de administração pública" (sem grifos no original). A redação que constou a partir do Projeto "B" contém um 'e' e um 'ou': (sem grifos no original)

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

Trata-se de diferença substancial!

Há dois conjuntos de notórios conhecimentos: o primeiro formado exclusivamente pelos conhecimentos em administração pública; o outro formado por conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros.

Portanto, o legislador constituinte originário fez sua opção por selecionar pretendentes ao cargo de ministros e conselheiros que atendam a mais de um campo do saber. Veja-se que o parágrafo seguinte faz menção ao exercício profissional em que sejam exigidos os conhecimentos (no plural) constantes do dispositivo anterior. E o fato de se exigir conhecimentos em vários campos do saber seja o fundamento para denominar tais conhecimentos como notórios, sem necessidade de serem notáveis, como o que acontece em relação aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, não é essa a forma de escolha que vem adotando as Casas Legislativas. Na esfera federal, por exemplo, ao arrepio do texto constitucional o Decreto Legislativo nº 6, de 22/04/1993, exige, quanto aos notórios conhecimentos, apenas um deles:

Art. 1º A escolha dos Ministros do Tribunal de Contas da União, a que se refere ao art. 73, § 2º, inciso II, da Constituição Federal, ocorrerá dentre os brasileiros que preencham os seguintes requisitos:

(...)

III - notórios conhecimentos em uma das seguintes áreas:

a) jurídica;

b) contábil;

c) econômica;

d) financeira; ou

e) de administração pública;


6.                conclusão

Sob a perspectiva da interpretação sistemática da Constituição, as normas constantes do art. 73 da Constituição Federal ganham força com a adoção da interpretação proposta. Os requisitos exigidos para ocupar o cargo de ministro/conselheiro já são preenchidos pelos auditores e fica maximizada a referência aos tribunais judiciários constante do caput do artigo.

E oferece a oportunidade de haver consonância com as garantias (em sentido lato) deferidas constitucionalmente aos membros dos tribunais de contas, uma vez que entre elas está o direito de participarem de um órgão colegiado composto conforme os mandamentos e o espírito do texto constitucional.

E sem que haja necessidade de modificações no texto constitucional.


REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988.

BRASIL, Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Documentos da Assembleia Nacional Constituinte. Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/pesquisa_constituicao.asp>, consultas realizadas entre 03/03/2009 e 30/12/2013.

CANHA, Cláudio Augusto. "A evolução (?) do papel dos auditores dos tribunais de contas do Brasil". Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24751>. Acesso em: 30 jun. 2013.

CONGRESSO NACIONAL. BRASIL. Decreto Legislativo nº 6, de 22 de abril de 1993.

SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico/ Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.


Notas

[1] § 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros, maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, e terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Tribunal Federal de Recursos.

[2] As referências deste título (páginas e volumes) são dos anais da Assembleia Constituinte, disponível em www.camara.gov.br (consultas entre 03/03/2009 e 30/12/2013).

[3] Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.

[4] § 1º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

§ 2º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão escolhidos:

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I - um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento;

II - dois terços pelo Congresso Nacional.

§ 3º - Os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e somente poderão aposentar-se com as vantagens do cargo quando o tiverem exercido efetivamente por mais de cinco anos.

§ 4º - O auditor, quando em substituição a Ministro, terá as mesmas garantias e impedimentos do titular e, quando no exercício das demais atribuições da judicatura, as de juiz de Tribunal Regional Federal.

[5] § 2º. Os seus Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros, maiores de 35 anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública, e terão as mesmas garantias, prerrogativas, vencimentos e impedimentos dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

[6] A emenda 2P01280-9 (fl. 120 do vol. 255) inclui o limite de idade de 65 anos. A emenda 2P01712-6 (fl. 272 do vol. 255) inclui os dez anos de atividade profissional, com o intuito de profissionalizar as cortes de contas. A emenda 2P00898-4 (fl. 331 do vol. 254) inclui "vencimentos" entre prerrogativas e impedimentos, já que a ausência de garantia quanto a vencimentos afetaria a independência do órgão. A emenda 2P001095-4 (fl. 55 do vol. 255) traz em sua redação o texto "os auditores do Tribunal de Contas da União, quando não substituindo ministros, tem as mesmas garantias impedimentos e vencimentos dos juízes dos Tribunais Regionais Federais", com a justificativa de assegurar aos auditores as garantias da magistratura. A emenda do “Centrão” (2040) se refere à redução de onze para nove Ministros no TCU.

[7] Art. 107. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

(...)

Art. 110. O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros.

(...)

Art. 113. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:

(...)

§ 1º O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pelo Senado Federal, sendo:

Art. 125. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros:

(...)

Art. 129. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

[8] Art. 62. O Tribunal de Contas da União tem sede no Distrito Federal e compõe-se de nove ministros.

[9] CANHA, Cláudio Augusto. "A evolução (?) do papel dos auditores dos tribunais de contas do Brasil". Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3641, 20 jun. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24751>. Acesso em: 30 jun. 2013.

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Sobre o autor
Cláudio Augusto Kania

Auditor do Tribunal de Contas do Paraná. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Planalto do Distrito Federal (UNIPLAN). Especialização em Auditoria Governamental pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC) do Tribunal de Contas da União (ISC) e especialização em Logística e Administração de Material pelo Centro de instrução Almirante Wandenkolk (CIAW) da Marinha do Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CANHA, Cláudio Augusto Kania. A inadequabilidade da atual sistemática para escolha de membros dos Tribunais de Contas do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4094, 16 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31946. Acesso em: 4 mai. 2024.

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