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A Emenda Constitucional nº 66/2010 e seus reflexos processuais

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito sempre acompanhou as mudanças na sociedade, buscando regulamentar e normatizar as relações humanas. Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro sempre evoluiu, na medida em que assim fez a sociedade brasileira.

Na antiguidade, a Igreja controlava as relações matrimoniais no mundo inteiro, tendo o casamento como algo divino e indissolúvel. Nesta época ainda nem se falava em casamento civil. Com o decorrer dos séculos, e o surgimento do Estado Democrático de Direito, a Igreja se afastou da regulamentação das relações humanas e do casamento, tarefa que passou a se incumbir o Estado, o qual criou o casamento civil e seus dispositivos jurídicos.

Diante do estudo apresentado nota-se que a nova redação do texto constitucional proporcionou divergência entre os doutrinadores, principalmente no que diz respeito a permanência do instituto da separação no ordenamento jurídico pátrio.

Com o surgimento do divórcio na legislação brasileira inúmeras foram as alterações feitas neste instituto até o advento do texto constitucional em vigor. Foi na Constituição Federal de 1988 que houve definitivamente a inserção da extinção do vínculo matrimonial na Carta Magna passando a ser permitida desde que respeitados os requisitos de separação prévia e o lapso temporal.

Com o advento da Emenda Constitucional número 66/2010 os requisitos acima citados foram retirados da Constituição Federal facilitando todos o procedimento e atendendo os anseios da sociedade. Já havia a possibilidade de rompimento conjugal por escritura pública, lei 11.441/07, que já tornava mais célere o procedimento para casos sem litígio.

Como já dito houve grande divergência sobre as consequência desta Emenda Constitucional. Parte da doutrina defende a extinção do instituto da separação tendo em vista que a Constituição Federal passou a admitir o divórcio sem o requisito da separação prévia, abolindo o sistema dualista do ordenamento jurídico do Brasil.

Em entendimento oposto há doutrinadores que defendem a tese de que o instituto da separação não fora abolido do ordenamento jurídico pátrio, uma vez que não fora expressamente revogada pela emenda constitucional atualmente em vigor. Neste sentido a interpretação decorrente desta linha de raciocínio deduz que apenas não constar na Constituição Federal não torna o instituto inconstitucional, mantendo vigentes as disposições contidas no Código Civil.

Com a eficácia imediata do novo texto legal a problemática que se impõe se refere às ações de separação em andamento à época da reforma constitucional. De acordo com alguns autores as partes deverão ter a oportunidade de manifestar o seu interesse na conversão da ação em divórcio, sendo dessa forma intimadas para adequar o pedido.

Por outro lado, alguns doutrinadores defendem a idéia de que o processo de separação deve ser julgado extinto sem o julgamento do mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido, na hipótese de o instituto ter sido abolido do sistema.

Existe porém uma terceira corrente, encabeçada pela renomada autora e desembargadora Maria Berenice Dias, defendendo que o divórcio nestes casos deverá ser decretado de ofício, e somente no caso de resistência por qualquer uma das partes é que o processo deverá ser julgado extinto.

Inúmeras críticas foram feitas a essas alterações no ordenamento jurídico pátrio, alegando-se que seria o fim da família e a ruína do casamento. Malgrado terem sido esses os argumentos há mais de 30 anos atrás com o surgimento do divórcio, o fim da separação judicial reflete um desejo da sociedade brasileira, que como já dito anteriormente, está caminhando a passos largos rumo à total desvinculação do Estado das relações familiares. Ao invés de banalizar o casamento, a facilitação do divórcio faz com que o número de matrimônios aumente, tendo em vista a quantidade de pessoas separadas judicialmente que vivem em união estável por não poderem se casar.

A discussão da culpa pela separação há muito tempo estava sendo afastada pela jurisprudência e pela doutrina. Essa postura punitiva contava com um dado de ordem psicológica: a enorme dificuldade de qualquer pessoa de romper vínculo que foi estabelecido para ser eterno.

Da mesma maneira que a nossa constituição consagra um direito fundamental ao casamento, ela institui claramente um direito a não permanecer casado, um direito à dignidade e à felicidade pessoal por meio da dissolução do vínculo matrimonial, a dissolução de um projeto afetivo comum que, de certa forma, fracassou.

Como visto, toda e qualquer discussão acerca do lapso temporal para o divórcio restou não recepcionada pela nova disposição constitucional. Enfim, qualquer pessoa casada poderá ingressar com pedido de divórcio consensual ou litigioso independentemente do tempo de separação judicial ou de fato. Além do mais, as pessoas que já se separaram podem ingressar, imediatamente, com o pedido de divórcio.

Outro assunto que merece ser destacado é o fato de a separação e o divórcio serem atos jurídicos propriamente ditos potestativos não-condicionados, ou seja, a separação ou o divórcio são meras opções, uma vez que nem a separação judicial, nem a separação de fato são pressupostos para o divórcio.

Pode ocorrer, entretanto, que uma parte se interesse pela separação e a outra pelo divórcio. Neste caso, deve prevalecer a pretensão ao divórcio, primeiro porque a causa de pedir remota para a separação e para o divórcio são iguais; segundo, porque a desvinculação do divórcio com a separação (judicial ou de fato) fez surgir o direito fundamental do indivíduo em ver constituído, de forma definitiva, o seu estado civil na aferição familiar, ou seja, seria um atentado aos direitos da personalidade impor à pessoa o estado civil de separado se a Lei Maior apenas exige o estado de casado para poder estar divorciado.


4. REFERÊNCIAIS

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VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família, 8. Ed., São Paulo: Atlas, 2008.


Notas

[1] VENOSA, Sílvio de Salvo, Direito Civil: Direito de Família, 8. Ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 151.

[2] RIBEIRO, Simone Clós Cesar. As inovações constitucionais no Direito de Família . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3192>. Acesso em: 28 set. 2012

[3] VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit., p. 152

[4] IDEM, p. 152.

[5] IDEM, p. 152

[6] IDEM, p. 156

[7] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Novo Curso de Direito Civil – Direito de Família – As famílias em perspectiva constitucional. 2. Ed.. São Paulo: Saraiva, 2012.

[8] MADALENO, Rolf. A infidelidade e o mito causal da separação. In Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese-IBDFAM, out-nov-dez, n°11, 2011 p. 350.

[9] RABELO, César Leandro de Almeida. Separação e a Emenda Constitucional n. 66/2010: Incompatibilidade legislativa. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Separação%20EC%2066_2010.pdf> Acesso em: 25 set. 2011.

[10] ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lunen Júris, 2010. 2ª ed. p. 359

[11] RABELO, César Leandro de Almeida. Op. Cit.

[12] ASSIS, Arnoldo Camanho de. EC n. 66/10: A Emenda Constitucional do Casamento. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=644> Acesso em: 01 out. 2011

[13] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito de Família. São Paulo. Revista dos  Tribunais, 2011;

[14] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, ob. cit., p. 56.

[15] VELOSO, Zeno. O novo divórcio e o que restou do passado. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=661>. Acesso em: 25 Set.2012.

[16] Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/70008/A-Emenda-Constitucional-no-66-de-2010-e-seus-efeitos

[17] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Revista CEJ, Brasília, n. 34, p. 15-21, jul./set. 2006; Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2012.

[18] CARVALHO, Dimas Messias de. Divórcio judicial e administrativo: de acordo com a Emenda Constitucional 66/2010 e a Lei 11.698/2008, 1 ed. Belo Horizontes: Del Rey, 2010.

[19] RODRIGUES, Décio Luiz José. O novo divórcio: conforme a recente Emenda Constitucional 66/2010, 1 ed. São Paulo: Imperium, 2011.

[20] MARQUES, Nemércio Rodrigues. A Emenda Constitucional nº 66 e a separação judicial. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2625, 8 set. 2010 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17350>. Acesso em: 10 nov. 2012;

[21] DONIZETTI, Elpidio. A Emenda do Divórcio não fez o réquiem da separação de direito. In Jornal Estado de Direito nº 28, Ano V, 2010;

[22] FERREIRA, Natasha do Nascimento. Aspectos processuais da Emenda Constitucional nº 66/2010. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 88, maio 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9497&revista_caderno=14>. Acesso em jan 2013.

[23] DIAS, Maria Berenice. Divórcio Já!: comentários à emenda constitucional 66, de 13 de julho de 2010. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 77.

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Sobre o autor
Ricardo Celso de Magalhães Loureiro Carrez Gonçalves

Advogado; Foi advogado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado do Rio de Janeiro - CRECI-RJ 1ª Região durante o triênio 2013-2015, onde também exerceu a função de Coordenador de Comissão de Ética e Fiscalização Profissional (triênio 2015-2018); Pós-graduado em Direito Civil Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá (UNESA); Cursou Extensão Universitária em Direito Imobiliário na Universidade Cândido Mendes (UCAM) e em Direito Constitucional na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ); Técnico em Transações Imobiliárias pelo Sindicato de Corretores de Imóveis do Município do Rio de Janeiros (Sindimóveis-Rio);

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Ricardo Celso Magalhães Loureiro Carrez. A Emenda Constitucional nº 66/2010 e seus reflexos processuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4278, 19 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31950. Acesso em: 28 mar. 2024.

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