6. Conclusões
O processo de construção da democracia no Brasil avança nos últimos anos, mas encontrou na decisão do Tribunal Superior Eleitoral, objeto de exame no presente artigo. um considerável obstáculo.
A modificação das regras jurídicas norteadoras do processo eleitoral, em prazo inferior a um ano da realização do pleito de outubro de 2002 (eleições gerais), abalou a segurança jurídica preconizada pela Constituição Federal em seu artigo 5º, enquanto direito fundamental inviolável dos brasileiros e estrangeiros residentes no país e no artigo 16, aproximando-se dos casuísmos próprios do regime militar já superado e violando o exercício da soberania popular no processo de escolha de seus representantes parlamentares e executivos (artigo 1º, parágrafo único e artigo 14 – o voto como manifestação da soberania popular).
Pior, a determinação da proibição de partidos políticos que sejam adversários nas eleições presidenciais serem aliados nas eleições estaduais viola profundamente o princípio federativo estatuído como fundamental para a organização política da sociedade brasileira - que leva em conta as diversidades sócio-econômicas e culturais das diversas regiões do país, conferindo autonomia aos diversos entes federativos – e que se projeta sobre a organização político-partidária, evidenciando que as eleições federais e estaduais são diversas juridicamente, e, portanto, não se lhe devem estabelecer vínculos jurídicos que ofendam a capacidade autômoma de cada ente produzir as coligações partidárias de acordo com as realidades locais.
Mais ainda: a determinação de uma "verticalização" das coligações partidárias – que não se fez por completo, pois o TSE permitiu em outra decisão, igualmente polêmica, que os partidos políticos que não possuam candidatos à eleição presidencial ficam livres para estabelecer quaisquer tipos de coligações nos estados, inclusive as mais diversas – não produziu, ao contrário do que pregava o TSE, uma maior "coerência" ideológica às coligações partidárias, sendo do conhecimento da nação a formação de diversas coligações "brancas" entre partidos políticos nas eleições estaduais que são adversários nas eleições nacionais.
Assim, se alguém há de exigir coerência ideológica nas coligações político-partidárias que se formam para as eleições gerais, mesmo considerando as diversidades políticas e jurídicas das esferas dessas coligações, esse alguém é o povo, a quem compete, no exercício de sua soberania, através do voto, derrotar aquilo que considere nefasto aos interesses nacionais. Não se pode querer, porém, que essa "coerência" seja imposta por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, mas sim que seja construída pelo povo no cotidiano das atividades políticas, respeitadas as diferenças regionais que caracterizam o regime federativo.
7. Bibliografia
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 11ª edição, São Paulo: Malheiros, 2001.
_________________. A Constituição Aberta, 2ª edição, São Paulo: Malheiros, 1996.
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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, 17ª edição, São Paulo: Malheiros, 2001.
Notas
1. É que a resposta dada pela justiça eleitoral em sede de consulta não a vincula quando do julgamento de um caso concreto, de modo que poderiam os partidos políticos efetuar coligações em desacordo com a resolução mencionada, e aguardar o julgamento dos possíveis pedidos de impugnação.
2. Resolução nº 21.049, de 26 de março de 2002.
3. Importante considerar que o Ministro Relator da Consulta formulada pelo Diretório Nacional do PT, Fernando Naves, deixou claro o seu próprio desconforto diante da situação gerada pela nova decisão: "Confesso, Sr. Presidente, que a possibilidade de um determinado partido celebrar coligação em um estado com um partido que esteja disputando a eleição presidencial e em outro estado com outro partido que também esteja disputando a eleição presidencial pode e deve causar grande espanto no espírito do eleitor. Como será possível que uma agremiação partidária apóie um programa em um estado e outro, antagônico, em outro estado? Isso não contribui para o fortalecimento dos partidos, nem da democracia".
É também importante assinalar que o Ministro Sepúlveda Pertence, no novo julgamento, abdicando de sua posição pessoal contrária à "verticalização" das coligações partidárias, em face da decisão do colegiado, entendeu que, para ser coerente com a decisão anterior, o TSE deveria responder à consulta de modo a determinar a necessária reprodução das coligações para as eleições federais nos estados, vedando-se a possibilidade de partido político que não participe da eleição federal ficar livre para coligar-se nos estados.
4. Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, p. 314.
5. Paulo Bonavides, "O artigo 45 da Constituição Federal e a inconstitucionalidade de normas constitucionais", in "A Constituição Aberta", p. 237.