Princípio da dignidade da pessoa humana

20/09/2014 às 14:50
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INTRODUÇÃO

Em 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, inserido no texto constitucional estavam os Princípios Fundamentais, no Título I, harmonizando e servindo de coerência e consistência ao complexo normativo da Lei Maior, além de estabelecer as bases e os fundamentos da nova ordem constitucional.

Indiscutível é a importância desses princípios constitucionais na função ordenadora do Estado, por expressarem o conjunto de valores que inspirou o Constituinte na elaboração da Constituição, orientando ainda as suas decisões políticas fundamentais.           

São ainda os princípios constitucionais que orientam a ação dos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), estabelecendo seus limites (condicionam e determinam o processo legislativo) e sua atuação (aplicação da lei). Sua função hermenêutica representa um limite protetivo contra a arbitrariedade, como também vem para dirimir dúvidas interpretativas no sentido de determinada disposição de norma ou ainda integrativa ou supletiva, preenchendo lacunas deixadas pelas normas constitucionais.

O presente estudo traz a análise específica de apenas um dos princípios fundamentais positivados na Constituição Federal de 1988 (arts. 1º usque 4º), o PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e tem como cerne levantar questões relevantes acerca desse princípio, bem como buscar sua definição atual e influência na seara jurídica.

Inicialmente convém ressaltar a sua trajetória de desenvolvimento até se consagrar um princípio constitucional fundamental de valor supremo moral e ético, que leva consigo a síntese de todos os direitos fundamentais inerentes ao homem.

Nas últimas décadas o respeito à pessoa era ignorado e prevalecia a todo tempo a vontade dos chefes de Estado ou até mesmo daqueles que detinham mais “poderes” (influência financeira) e com isso atrocidades eram cometidas impunemente a fim de satisfazer esses indivíduos.

Com o surgimento da idéia de Estado Democrático de Direito os princípios foram se consolidando e ganhando força, especialmente o da dignidade humana, ao passo que ao serem inseridos na Constituição Federal Brasileira, ganharam densidade jurídica e passaram a se constituir de fato e de direito.

Ademais Estado de Direito só é de Direito se for democrático. Quando a Constituição se intitula pela expressão Estado Democrático de Direito pretende afirmar que sua estrutura será conforme o direito, ou seja, respeitando as regras e formas, excluindo o arbítrio e a prepotência, possibilitando a garantia da efetivação dos direitos fundamentais do homem, com sua autonomia perante os poderes públicos. 

1. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

           

            Pela legislação brasileira pode-se afirmar que a juridicidade dos princípios, que guiam e fundamentam as demais normas jurídicas, atravessou três fases distintas: 1ª) a jusnaturalista – os princípios numa esfera abstrata, com a normatividade considerada nula ou abstrata; 2ª) a positivista – os princípios ingressam nos códigos, e atuam como fonte normativa subsidiária; 3ª) a pós-positivista (corresponde às duas últimas décadas do século XX) – os princípios se convertem no fundamento de toda a ordem jurídica como princípios constitucionais.

Assim, superando o passado e visando compreender o presente busca-se uma classificação para esses princípios. Para o ilustre mestre constitucionalista José Afonso da Silva os Princípios Constitucionais se classificam como: princípios jurídico-constitucionais e princípios político-constitucionais. princípios político-constitucionais e princípios jurídico-constitucionais.

Os princípios político-constitucionais são o que Carl Schimitt denominou de“decisões políticas fundamentais”, normas-princípios – normas fundamentais de que derivamlogicamente as demais normas particulares –, determinam a particular forma política de uma nação,são os princípios constitucionais fundamentais. No direito brasileiro tais princípios se encontramenumerados do artigo 1º ao 4º da Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, os princípios jurídico-constitucionais são os princípios geraisencontrados em uma ordem jurídica, a exemplo do princípio de liberdade, de supremacia daConstituição, entre outros, sendo objeto de estudo da Teoria Geral do Direito Constitucional.

Sinteticamente, pode-se definir os princípios constitucionais fundamentaiscomo princípios que visam dar a definição e características ao Estado e à sociedade política,enumerando os principais órgãos político-constitucionais, sendo, portanto, a síntese de todas asdemais normas constitucionais. Na constituição brasileira de 1988 tais princípios se sintetizam,segundo o professor José Afonso, da seguinte forma:

“princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado (...)princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes (...)princípios relativos à organização da sociedade (...) princípios relativos aoregime político (...) princípios relativos à prestação positiva do Estado (...)princípios relativos à comunidade internacional” (Silva, 2008, p. 94)

 

Tem-se por princípios jurídico-constitucionais os princípios gerais encontrados na ordem jurídica, dispostos, por exemplo, no Título II da Carta Constitucional tratando Dos Direitos e Garantias Fundamentais com o objetivo de determinar a ordem jurídica nacional.

Por outro lado os princípios político-constitucionais são os Princípios Constitucionais Fundamentais, oriundos das decisões políticas que determinam a forma política de uma nação. Na Constituição Federal Brasileira tais princípios constituem a matéria dos arts. 1º ao 4º, dentre eles a Dignidade da pessoa humana está inserida, e se sintetizam segundo Canotilho

como: princípios definidores da forma de Estado, dos princípios definidores da estrutura do Estado, dos princípios estruturantes do regime político e dos princípios caracterizadores da forma de governo e da organização política em geral.  

Os princípios constitucionais foram transformados em fundamento normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico do sistema constitucional, provocando mudança na forma de interpretar as leis.

Os princípios, como já ressaltava o constitucionalista português Canotilho, “constituem a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais”, servindo de guia ao legislador, na hora de elaborar as leis e aos magistrados quando da aplicação delas.

Esses princípios constitucionais, considerados leis das leis, não servem apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional. Não guardam mais a antiga concepção de força supletiva e sim de força normativa, visando à aproximação do ideal de justiça. Pode-se afirmar que adquiriram eficácia imediata, aderiram ao sistema positivo e abandonaram o estado de virtualidade que recebiam em um passado não muito distante.

Consequentemente as normas jurídicas mostraram-se limitadas, acanhadas para atender a autoridade constitucional. A título de exemplo cabe citar o princípio da interpretação conforme a Constituição, em que a lei deve ser interpretada, sempre, vinculada aos preceitos da lei maior.

Assim, conforme afirmou sabiamente Maria Berenice Dias em seu Manual de Direito Das Famílias: “os princípios constitucionais tornaram-se a base de todo o sistema legal de modo a viabilizar o alcance da dignidade humana em todas as relações jurídicas.”

 

 

 

2. A DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO

A Dignidade da Pessoa Humana foi construída pela história e inserida na Constituição Brasileira de 1988, no art. 1º, inciso III, como princípio fundamental.

A doutrina diverge quanto a Dignidade da Pessoa Humana ser um princípio, defendendo a idéia de que seria uma meta a ser alcançada no estado democrático de direito (Guilherme Nucci).

Por necessário, convém expor a definição de Princípio. O Dicionário Aurélio o define como “Regras fundamentais admitidas como base de uma ciência” e o dicionário Michaelis afirma ser Lei, doutrina ou acepção fundamental em que outras são baseadas ou de que outras são derivadas: Os princípios de uma ciência e por fim, o dicionário jurídico online do STF estabelece que se trata de um pressuposto lógico imprescindível da norma legislativa e constitui o espírito da legislação, mesmo quando não expressos em seu corpo.

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Tem-se assim que além de ser um princípio foi consagrada como fundamento do Estado Democrático de Direito, bem como o vetor, alicerce, a base de onde se emanam todos os demais princípios.

O princípio abarca não apenas os direitos individuais, como também os de natureza social, econômica e cultural, uma vez que no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas negativa, entendida como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, consistente na remoção de impedimentos (sociais, econômicos e políticos) capaz de embaraçar a plena realização da personalidade humana.

           

3. O NÚCLEO AXIOLÓGICO DA CONSTITUIÇÃO

A consagração da Dignidade da Pessoa Humana e sua elevação à categoria de núcleo essencial do ordenamento jurídico são alguns traços oriundos do constitucionalismo pós-segunda guerra mundial diante do impacto que causou a banalização do mal que ocorrera nessa época.

Interessante citar duas grandes correntes de pensamento das quais a dignidade da pessoa humana retira sua riqueza de conteúdo. A primeira seriam as palavras do líder religioso cristão Papa João XXIII em que a dignidade do ser humano “consiste no conjunto de todas as condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana” e a segunda corrente advêm da filosofia kantiana, a qual desenvolveu a idéia de que todos os seres humanos são igualmente dignos de respeito, não podendo haver a sua utilização como meio para alcançar um objetivo, e sim como um fim em si mesmo, ou seja, o indivíduo não pode ser instrumentalizado, não pode ser transformado em coisa.

Deste modo, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana se projetou no respeito e proteção da integridade física e psíquica da pessoa, o que levou o Constituinte originário estabelecer espécies de punições penais inaplicáveis no direito brasileiro (art. 5º, XLVII – CF/88), quais sejam:

{C}a)      Pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

{C}b)      Pena de caráter perpétuo;

{C}c)      Pena de trabalhos forçados;

{C}d)       Pena de banimento (só admitindo a expulsão de estrangeiros nas hipóteses previstas na Lei 6.815/80);

{C}e)      Penas cruéis – concretiza a vedação da prática de tortura e o tratamento desumano e degradante.

A DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA, princípio constitucional explícito, consagrou-se como um valor que visa proteger todo e qualquer ser humano contra tudo que lhe possa levar ao desrespeito, sendo-lhe inerente e independente de qualquer requisito ou condição, tais como raça, cor, religião ou sexo.

Dignidade representa uma qualidade intrínseca da pessoa humana, é IRRENUNCIÁVEL e INALIENÁVEL, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado.

CONCLUSÃO

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana exerce, como se verificou, uma função ordenadora, confere unidade e consistência ao ordenamento jurídico brasileiro. Tornou-se o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, de maneira que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem ser interpretados.

A despeito de se cogitar uma eventual relativização do direito à dignidade em termos de sua normatização, a DIGNIDADE representa o valor absoluto de cada ser humano.

E, para se tornar viável a dignidade humana, cabe ao Estado o dever de respeito (não pode violar os direitos), proteção (não pode permitir que direitos sejam violados) e promoção (proporcionar condições básicas) para o pleno exercício dos direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

{C}·                    Bonavides, Paulo, Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999;

{C}·                    Câmara, Alexandre Freitas, Lições de Direito Processual Civil – Vol. 01.  21ª ed. Lúmen Júris, 2011;

{C}·                    Carvalho, Kildare Gonçalves, Direito Constitucional. 17ª ed. Del Rey, 2011;

{C}·                    Dias, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. RT, 2006;

{C}·                    Dicionário Aurélio;

{C}·                    Dicionário Michaelis;

{C}·                    Dicionário On Line do Supremo Tribunal Federal;

{C}·                    Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed.2008. São Paulo: Editora Atlas.

{C}·                    Nucci, Guilherme de Souza, Código Penal Comentado, 10ª Ed. Atualizada e Ampliada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2010

{C}·                    Nunes, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002.

{C}·                    Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 6, n. 4, p. 17-22, out./dez. 1994.

{C}·                    SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editora, 30ª ed., 2008.

{C}·                    Tartuce, Flávio. Direito Civil, Vol. 01. 7ª ed. Método, 2011.

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