4. O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho nasce como reação aos acontecimentos da Revolução Industrial, para fixar controles para o sistema econômico e conferir medidas de civilidade. É produto da reação da classe trabalhadora ocorrida no século XIX contra a utilização sem limites do trabalho humano78.
O direito comum com suas regras privadas de mercado não mais atendia aos anseios da classe trabalhadora, oprimida diante da explosão do mercado de trabalho ocorrido em virtude da descoberta da máquina a vapor, de tear, da luz e da conseqüente revolução industrial. E a prática de que contrato faz lei entre as partes colocava o trabalhador em posição inferior, que em face da necessidade, acabava por aceitar qualquer tipo de cláusula contratual, submetendo-se as condições desumanas e degradantes.
Daí a necessidade de um novo sistema legislativo protecionista, intervencionista, em que o Estado deixasse a sua apatia, sua inércia e tomasse um papel paternalista, intervencionista, com o intuito de impedir a exploração do homem pelo homem de forma vil.
Desta forma nasce o Direito do Trabalho com função tutelar, econômica, política, coordenadora e social. Tutelar, porque visa proteger o trabalhador e reger o contrato mínimo de trabalho. Econômico em face da sua necessidade de realizar valores, injetar capital no mercado e democratizar o acesso as riquezas. Coordenadora porque visa harmonizar os naturais conflitos entre capital e trabalho. Política, pois toda medida estatal coletiva atinge a toda população e tem interesse público. E Social, pois visa a melhoria da condição social do trabalhador79.
A história do Direito do Trabalho se divide em quatro períodos80: a Formação - que surgiu na Inglaterra, com a primeira lei tutelar, intitulada Ato da Moral e da Saúde, em que essa lei proibia o trabalho de menores à noite e por duração superior a 12 horas diárias. Em 1813 se proibiu na França o trabalho de menores nas minas; em 1839 na Alemanha, teve inicio a edição de normas sobre trabalho da mulher e do menor. E em 1824, na Inglaterra a coalizão deixa de ser crime.
No segundo período: a Intensificação (1848 a 1890) – os acontecimentos mais importantes foram o Manifesto Comunista de Marx e Engels e a implantação da primeira forma de seguro social na Alemanha, em 1883, no governo de Bismarck.
O terceiro período: a Consolidação (1890 - 1919) é marcada pela publicação da Encíclica Papal Rerum Novarum, de Leão XIII, preconizando o salário justo. E neste período em Berlim também houve uma conferência sobre o Direito do Trabalho.
E no quarto período: a Autonomia (de 1919 aos dias atuais) caracteriza-se pela criação da Organização Internacional do Trabalho, das Constituições do México (1919) e da Alemanha (1919)81. A ação internacional desenvolve um bom trabalho de universalização do Direito do Trabalho. O Tratado de Versailles (1919) desempenha papel importante: em seu artigo 427 não admite que o trabalho seja mercadoria, assegura jornada de 8 horas, igualdade de salário para trabalhadores de igual valor, repouso semanal, inspeção do trabalho, salário mínimo etc.
Já no Brasil, de 1500 até 1888, o quadro legislativo referente ao trabalho registra, em 1830, uma lei que regulou o contrato sobre prestação de serviços dirigida a brasileiros e estrangeiros. Em 1837, há uma normativa sobre contratos de prestação de serviços entre colonos dispondo sobre justas causas de ambas as partes. De 1850 é o Código Comercial, contendo preceitos referentes ao aviso prévio.
De 1888 à Revolução de 1930, os diplomas legislativos de maior relevância são: em 1903, a lei sobre sindicalização dos profissionais da agricultura; de 1907, lei sobre sindicalização dos trabalhadores urbanos; de 1919, temos uma lei sobre acidente de trabalho; de 1923 é a Lei Elói Chaves, disciplinando a estabilidade no emprego conferida aos ferroviários que constassem 10 ou mais anos de serviço junto ao mesmo empregador; em 1930 cria-se o Ministério do Trabalho82. Esse é o marco do aparecimento do Direito do Trabalho no Brasil apresentado pela doutrina, embora anteriormente já existisse um ambiente propício ao seu surgimento, em face da legislação que o antecedeu.
Em 1943, temos o diploma mais importante para a disciplina, que é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Há quem diga que essa legislação adveio da vontade do Estado, enquanto outros afirmam a existência de movimentos operários reivindicando a intervenção legislativa sobre a matéria. As agitações dos trabalhadores, em 1919, manifestadas por meio de greves nos grandes centros do país confirmam essa última posição83.
4.1. AS CAUSAS DO SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO E SUAS TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE
São as principais causas do surgimento do Direito do Trabalho no contexto mundial: os vícios e as consequências da liberdade econômica e do liberalismo político, o maquinismo, a concentração de massas humanas e de capitais, as lutas de classes com as consequentes rebeliões sociais com destaques para os ludistas ou cartistas na Inglaterra, as revoluções de 1848 e 1871, na França, e 1848, na Alemanha, livres acordos entre grupos econômicos e profissionais regulando as relações entre patrões e operários, mais tarde, reconhecidos pelo Estado como lei, a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, a guerra (1914 - 1918), cujo fim em 1919 conferiu ao Direito do Trabalho posição definitiva nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais84.
A Revolução Industrial acarretou mudanças no setor produtivo e deu origem à classe operária, transformando as relações sociais. As relações de trabalho guiadas pelas corporações de ofício foram substituídas por uma regulamentação autônoma. Surgiu assim, uma liberdade econômica sem limites, com opressão dos mais fracos.
O emprego generalizado de mulheres e menores suplantou o trabalho dos homens. Os mais fracos suportavam salários ínfimos, jornadas desumanas e condições de higiene degradantes, com graves riscos de acidente.
A lei de bronze considerava o trabalho uma mercadoria, cujo preço era determinado pela concorrência que tendia a fixá-lo no custo da produção e a estabilizá-lo a um nível próximo ao mínimo de subsistência. Analisando a referida lei, Marx desenvolveu uma doutrina que contribuiu para que o trabalhador tivesse uma consciência coletiva e tomasse conhecimento da sua força.
O Estado se portava como simples observador dos acontecimentos e, por isso, transformou-se em um instrumento de opressão contra os menos favorecidos, colaborando para a dissociação entre capital e trabalho. O conflito entre coletivo e individual ameaçava a estrutura da sociedade e sua estabilidade. Surge daí a necessidade de um ordenamento jurídico com um sentido mais justo de equilíbrio.
As relações de trabalho foram-se insurgindo contra os princípios liberais e reclamando modificações. O cunho humanitário da intervenção estatal refletiu-se no aparecimento do Direito do Trabalho de praticamente todos os povos. E foram os aprendizes, os menores e os acidentados que provocaram grande parte da legislação laboral, de caráter mais humanitário do que jurídico.
Com o surgimento do Direito do Trabalho a vida social e laboral do trabalhador mudou positivamente, pois este passou a possuir uma série de direitos garantidos constitucionalmente ou por leis especiais. O trabalho humano se transformou numa atividade prazerosa, digna, respeitada e desejada por todos, já que o Estado, por meio do Poder Judiciário, garante a regulamentação e o cumprimento dos direitos e deveres dos sujeitos envolvidos numa relação laboral, empregado x empregador.
De fato que atualmente, os trabalhadores possuem jornadas de trabalho compatíveis com suas funções, que atendem ao princípio da dignidade humana; descansos intra e interjornada; salários dignos; licenças; férias; décimo terceiro; aviso prévio etc.
O Direito do Trabalho surge no século XIX na Europa em um momento marcado pela desigualdade econômica e social, fenômeno que tornou necessária a intervenção do Estado por meio de uma legislação predominantemente imperativa, de força cogente, insuscetível de renúncia pelas partes85.
No Brasil, houve a ocorrência de influências internas e externas que contribuíram para o surgimento do Direito do Trabalho, quais foram internamente: o movimento operário de que participaram imigrantes com inspirações anarquistas, caracterizado por inúmeras greves em fins de 1800 e inicio de 1900; o surto industrial efeito da primeira Guerra Mundial, com a elevação do número de fábricas e de operário e a política trabalhista de Getúlio Vargas.
E externamente o que contribuiu foram às influências vindas de outros países e que exerceram alguma pressão no sentido de levar o Brasil a elaborar leis trabalhistas, em especial as transformações que ocorriam na Europa e a crescente elaboração legislativa de proteção ao trabalhador em muitos países. Também pesou o compromisso internacional assumido pelo Brasil ao ingressar na Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versailles, propondo-se a observar normas trabalhistas86.
A Constituição de 1891 garantiu o livre exercício de qualquer profissão e assegurou a liberdade de associação. Em 1934 houve a primeira Constituição Federal que elevou os direitos trabalhistas ao status constitucional dos artigos 120 e 121. Em 1936 houve a instituição do salário mínimo87.
Em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é compilada. Em 2004 houve a Emenda Constitucional nº 45 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para envolver também aí as relações de trabalho. E desde então o Direito do Trabalho vem sofrendo modificações, e regendo os direitos e deveres envolvidos numa relação de trabalho.
4.2. AS ALTERAÇÕES DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E A FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO
Os fenômenos da globalização, inovações tecnológicas e competitividade provocaram as indispensáveis mudanças nas relações de trabalho. O avanço da tecnologia, por exemplo, exigiu uma maior qualificação profissional, além dos altos custos oriundos dos direitos e garantias trabalhistas, que regem a relação de emprego88 e agravaram a redução dos postos de trabalho em diversos segmentos econômicos, chegando causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho.
Além disso, a criação de diversos e variados grupos econômicos força a privatização das estatais, e refletem na criação do infinito mercado terceirizado e informatizado, provocando o desemprego ou subemprego89. Não existe dúvida de que a precariedade da condição de trabalho tende a gerar desequilíbrio e desestruturação do sistema produtivo, comprometendo o desenvolvimento econômico e social.
Nessa linha de raciocínio, o processo de globalização deve ser analisado sob a ótica positiva e negativa. Positiva, pois a tendência é ocorrer ampliação do mercado de trabalho, com crescimento econômico e geração de novos empregos, refletindo, inclusive, na privatização de estatais. Negativa, pois as estatísticas revelam que as multinacionais pouco geram empregos formais, haja vista o grande investimento em tecnologia de ponta, cujo planejamento abrange corte da mão de obra para diminuir o custo, robotizando para aumentar a produção e lucro em curto prazo.
Tratava-se da chamada crise do ramo juslaborativo que acentuou a desregulação, informalização e desorganização do mercado de trabalho90, provocada pela revolução da informática, telemática, nanotecnologia, a robotização, quebras de barreiras alfandegárias com a mundialização da economia, avanço nos meios de comunicação, a divisão mundial do comércio e a crise imobiliária e econômica americana91.
E a partir deste momento buscava-se um ideal modelo de Direito do Trabalho, com regras reflexíveis, aberto a mudanças, adaptável à nova situação econômica mundial e de cada empresa.
A transmutação da economia mundial e o consequente enfraquecimento da política interna de cada país, dos altos índices de desemprego mundial e de subempregos, fez-se necessário a adoção de medidas que harmonizassem os interesses empresariais com as necessidades profissionais, justificando a flexibilização de determinados preceitos rígidos ou de criação de regras alternativas para justificar a manutenção da saúde da empresa e da fonte de emprego92.
Segundo Rosita Nassar93, a flexibilização das normas trabalhistas faz parte integrante de um processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente em um conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito do Trabalho de novos mecanismos capazes de compatibilizá-los com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa. Isso quer dizer que a flexibilização compreende estratégias politicas, econômicas, sociais e jurídicas.
Para a doutrinadora Vólia Cassar94, a flexibilização é um direito do patrão, mas deve ser utilizada com cautela e apenas em caso de real e comprovada necessidade de recuperação da empresa. Daí porque os princípios da lealdade, razoabilidade, transparência, necessidade, devem vigorar em todo o processo, sob a supervisão sindical, com base na Lei nº 11.101/00, artigo 50, III.
A maioria da população trabalha na informalidade ou em relações empregatícias mascaradas pelo serviço autônomo, estagiário, profissional representado por pessoa jurídica, para tentar o empresariado sobreviver ao alto custo dos descontos feitos na folha de salários.
Esse desrespeito do mínimo existencial garantido ao trabalhador aumenta a necessidade de ponderação entre a flexibilização da legislação, que traduz a redução de direitos absolutos e universais. Sendo, portanto, inegável que nos dias atuais ainda persiste a crise nas relações de trabalho.
Sobre este tema da flexibilização, o professor Francisco Meton defende em sua obra “Elementos de direito do trabalho e processo trabalhista” que:
As propostas de reforma trabalhista tendem a enxugar a CLT, mantendo um regulamento mínimo, porém preservando os direitos históricos. No direito coletivo, propõe-se o fim da unicidade sindical, do imposto sindical, a inclusão das centrais sindicais no sistema sindical e, no processo, a sua simplificação.95
O professor também conceitua a flexibilização no direito do trabalho como sendo:
... uma das consequências mais acentuadas da globalização nas relações de trabalho, cuja dinâmica é cada vez mais diversificada, em virtude do avanço da tecnológica em todos os quadrantes, que vem triturando os postos de trabalho e exigindo mais qualificação profissional96.
Com isso surgem os discursos de flexibilização das leis trabalhistas, sob tendências menos radical, que é a de adaptação da legislação às crescentes necessidades da economia. No entanto, cresce em dimensão a categoria dos direitos fundamentais do trabalho.
A flexibilização se manifesta de duas maneiras: a adaptação, que é a versão moderada, e desregulamentação, a forma mais radical. Consiste no afastamento de certos empecilhos para permitir modalidades contratuais adequadas ao mercado, bem como a inserção de cláusulas dinâmicas nos contratos. No Brasil está em uso a adaptação97.
Trata-se de precarização do trabalho, levada a efeito pelo Neoliberalismo, sob o argumento de compatibilizar a preservar a sobrevivência das empresas com o mínimo de garantias dos trabalhadores.
A doutrinadora Alice Monteiro98 trata a flexibilização como sinônimo de desregulamentação normativa, e a divide em normativa e de novo tipo. A normativa equivale à flexibilização heterônoma imposta unilateralmente pelo Estado. Já a de novo tipo é equivalente a flexibilização autônoma, a qual pressupõe a substituição das garantias legais pelas garantias convencionais, com primazia da negociação coletiva.
Para Vólia Cassar99, o Brasil adotou a flexibilização legal e a sindical ou negociada sindicalmente. Sendo a legal quando a própria lei prever as exceções ou autorizar redução de direitos. E a sindical quando as normas coletivas autorizarem a diminuição de direitos.
A flexibilização se manifestou na França sob a forma de redução do grau de sindicalização; na Itália, na forma de crescimento do trabalho por conta própria; nos EUA, na forma de trabalho doméstico. Na Espanha e na Argentina, a precarização do trabalho chegou ao extremo.
Daí o Ministro Orlando Teixeira haver prenunciado as seguintes conseqüências maléficas: aumentos e diminuições acelerados na procura de mão de obra; redução de número de empregados com garantia de emprego; desníveis acentuados de remuneração e de qualificação; decadência dos sindicatos tradicionais e encolhimento do poder político da classe trabalhadora100.
A Constituição Federal de 1988 abriu vários precedentes de flexibilização, ao permitir, por negociação coletiva ou acordo coletivo, a compensação de horários e a redução da jornada (artigo 7º, XIII); a redução de salários (artigo 7º, VI); e jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva (artigo 7º, XIV)101.
Entretanto, a lei tem autorizado outras hipóteses de flexibilização, seja mediante opção do empregado, apenas com a chancela sindical, como ocorre no contrato por tempo parcial (artigo 58-A, § 2º, da CLT) e a suspensão do contrato para realização de curso (artigo 476-A da CLT), seja pela redução ou revogação de benesses, como ocorreu com a natureza salarial de algumas utilidades (artigo 458, § 2º, da CLT); a redução do FGTS para os aprendizes (artigo 15, §7º, da Lei nº 8.036/90); e ainda, a possibilidade de descontos no salário em virtude de empréstimo bancário (Lei nº 10.820/03)102.
Já desregulamentação, que é a forma mais radical da flexibilização, consiste na abolição da legislação protetora do trabalho, permitindo a livre manifestação de vontade para regular a relação de trabalho por meio da negociação coletiva de trabalho – Contrato Coletivo, Convenção e Acordos Coletivos de Trabalho e pelo Contrato Individual de Trabalho. Com isso, restaria resgatada a autonomia da vontade das partes103.