Axiomas econômicos x axiomas ambientais na propriedade agrária.

Teorema da função social da propriedade rural

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26/09/2014 às 08:38
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direito agrário - propriedade agrária - função social

Resumo: O Direito Agrário surge como ramo peculiar do Direito que vem disciplinar as relações próprias da função social da propriedade rural. A formação territorial brasileira resultou em um quadro de latifúndios no qual o uso da terra voltava-se ao mercado primário de exportação de matéria prima para o exterior. No avançar do desenvolvimento nacional e legislações especiais, a conscientização da função social da propriedade passou a ser disciplinada de forma a preservar os recursos do meio ambiente. O escopo deste trabalho é demonstrar o diálogo entre os fatores de preservação ambiental ao lado dos fundamentos econômicos da propriedade rural. Para substanciar a questão que se forma, aborda-se a relevância da disciplina do Direito Agrário, posteriormente, definindo os contornos da propriedade agrária lapidados pela formação territorial, para então discutir-se a preponderância dos valores fundamentais que dão diretrizes a função social da propriedade agrária.

Sumário: 1. Introdução; 2. A Disciplina do Direito Agrário; 3. Breve Abordagem Histórica da Propriedade Agrária; 4. Função Social da Propriedade Agrária; 4.1. Axioma do Desenvolvimento Sustentável Ambiental; 4.2. Axioma do Desenvolvimento Econômico; 5. Diálogo entre os Axiomas do Desenvolvimento Sustentável Ambiental e o Desenvolvimento Econômico; Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

A nítida preocupação da sociedade com o meio ambiente nos conduz ao pensamento de que o meio ambiente é um bem que inegavelmente deve ser preservado a qualquer custo, assim vem a expressão desenvolvimento sustentável ganhando conotação, seja na mídia ou nos ambientes acadêmicos, de função social da propriedade. Todavia, estas expressões - desenvolvimento sustentável do meio ambiente e função social da propriedade, não se confundem e devem ser consideradas sem o equivoco de considerar-se que a função social da propriedade é atingida pela preservação do meio ambiente.

Ao estudarmos as peculiariedades da disciplina do Direito Agrário, extraímos da sua principiologia que há atributos próprios para alcançarmos a função social inerente à propriedade agrária. A formação territorial brasileira nos leva a compreensão dos conflitos agrários que se formaram e de quanto é delicada a questão da função social da propriedade rural.

O compromisso social com a preservação do meio ambiente deve ser avaliado através da função social da propriedade agrária, suas peculiaridades, suas necessidades, ponderando-se as exigências econômicas diante o Estado Democrático de Direito, pautado pelos riscos da livre-iniciativa, baseando-se no princípio da preservação da produtividade rural que recaem nos bens da terra.

Ao analisarmos a formação territorial brasileira, passamos a substanciar elementos para compreendermos a política agrícola que incentiva o proprietário rural. Daí, através dos componentes da propriedade agrária, forma-se um diálogo dos fatores que vêm a compor a função social da propriedade agrária, sendo esta a plataforma para que pondere-se diretrizes de leis especiais a serem seguidas.

No presente trabalho não se busca aprofundar-se nos institutos jurídicos das leis especiais que compõe um sistema protetivo para a propriedade rural, assim, não há análise específica de ramos de contratos agrários, como exemplo, as formas de parceria rural, bem como, não há análise específica quanto as questões ambientais, como exemplo, a preservação do meio ambiente por meio da Reserva Legal.

Ora, no presente trabalho, apenas vem-se a ressaltar aspectos funcionais, para formar uma base para melhor delinear o que se depara como fonte para o aprofundamento de leis especiais, servindo-se dos fatores pelos quais atribui-se a função social da propriedade agrária, sendo esta resultado do equilíbrio dos seus atributos.


2. A DISCIPLINA DO DIREITO AGRÁRIO

Na virtude de alcançar a Justiça Social como um bem da vida, proporcionando a dignidade humana, os jus-agraristas voltam-se aos conflitos sociais ocasionados pelas questões agrárias. A realidade social, sob o prisma histórico, vem delinear as constantes dificuldades ocasionadas pela distribuição e adequado aproveitamento da terra, ora marcada por constantes disputas latifundiárias, carências de recursos para produtividade da terra, bem como, a degradação ambiental .

Assegurando-se a ponderação de valores fundamentais ao indivíduo, busca-se então promover a disciplina que vem assegurar soluções a estas questões agrárias, adicionando-se pontos antes não atendidos satisfatoriamente pelo Direito Civil, passando agora a regrar-se pelo Direito Agrário, sendo este ramo específico a crescer pelas peculiariedades da agrariedade.

O Direito Agrário vem se constituindo pelo compromisso social em diversas situações agrárias, dentre estas, o compromisso com a estrutura fundiária brasileira. Ora, as constantes disputas por terras na formação territorial brasileira, seus mecanismos de exploração, levaram a diversos quadros que vem carentes de uma política agrícola disciplinando este compromisso social.

A definição do ramo de Direito Agrário ganhou força com o advento do Estatuto da Terra, Lei 4.504 de 1964. Já em 1943 solicitava-se ao Congresso Nacional a criação da cátedra de Direito Rural nas universidades brasileiras. Em 1972, com a Resolução n. 3. do antigo Conselho Federal de Educação, o Direito Agrário foi incluído definitivamente nos currículos das faculdades de direito, como matéria obrigatória ou opcional.

A valorização desta disciplina e suas peculiariedades foi de inegável contribuição ao Direito. Com a finalidade de ter as injustiças sociais devidamente combatidas, surgiram Juízes de Direito especializados no ramo através das Varas Agrárias, não deixando o julgamento destas questões para juízes sem aprofundamento na matéria.

Na principiologia do Direito Agrário VARELA (1997, p. 263)1, após expor as características principais do Direito Agrário sistematizadas pelo argentino Vivanco, expõe um rol de princípios que podem ser aqui citados:

  • a) a realização da justiça social;

  • b) a função social da propriedade rural;

  • c) a preservação da biodiversidade;

  • d) o crescimento contínuo da produção e da produtividade, com o fortalecimento da economia nacional;

  • e) o bem-estar econômico e social do homem do campo;

  • f) a fixação à terra dos que a tornarem produtiva com o seu trabalho e de sua família;

  • g) a liberdade e a igualdade do acesso à terra;

  • h) a penalização dos que a possuem sem cumprir sua função social;

  • i) a destinação produtiva das terras públicas, preferencialmente para promover o acesso à igualdade social;

  • j) a proibição do arrendamento das terras públicas;

  • l) a eliminação de todas as formas antieconômicas e anti-sociais do uso da terra agricultável, como o minifúndio e o latifúndio;

  • m) a proteção aos que cultivam a terra, ainda que arrendatários ou parceiros agrícolas;

  • n) o fortalecimento do espírito comunitário;

  • o) combate aos mercenários da terra;

  • p) a imposição constante de novos paradigmas para a ciência jurídica;

  • q) ação coordenada da atividade e da legislação agrária com a ordenação do território

Podemos concluir que a autonomia do Direito Agrário ganhou força por sua principiologia permear situações inerentes aos direitos e garantias fundamentais ao indivíduo diante os conflitos agrários.

Na seara do Direito Agrário se extraem suas peculiariedades ora denominadas de agrariedade, momento em que as questões migram para o campo dos impasses gerados para os bens da terra.

Os jus-agraristas são compromissados com a Justiça Social, fazendo atender as peculiaridades deste ramo que se forma, abordando diversos aspectos que gravitam em torno da função social da propriedade rural.


3. BREVE ABORDAGEM DA HISTÓRIA DA PROPRIEDADE AGRÁRIA

.Historicamente, o homem sempre buscou se valer da terra, sendo o meio ambiente fonte de recursos, procurava habitar em solos férteis, climas favoráveis, proporcionando melhores colheitas e a prosperidade de sua família. A individualização da propriedade se perdeu no período da Idade Média em razão da alteração da base econômica, pois na economia feudal a propriedade se exteriorizava através de posses, voltando-se a exploração da posse para subsistência.

A formação territorial brasileira foi reflexo do sistema adotado pela Coroa Portuguesa em sua colonização. Portugal, em razão da dificuldade de se produzir nos núcleos metropolitanos alimentos, adotou como solução o sistema das Sesmarias. Neste doavam-se terras da Coroa no campo, mantendo-se a titulariedade desta, sem permitir a hereditariedade, apenas conferindo poderes para realizar o cultivo da terra em matéria-prima. Assim, os bens produzidos nas lavouras alimentavam a cidade, carente destes recursos.

O Brasil tem uma história de lutas e de violência pela terra, marcas constantes do processo de ocupação do país, formada pelos indígenas, escravos e sociedade capitalista européia. Muitos foram seus movimentos marcados por derramamento de sangue: Canudos, Contestado, Trombas e Formoso fazem parte desta história. As etnias que vem a compor o povo brasileiro se devem ao modelo que Portugal projetou para exploração da terra brasileira, sendo que os europeus recebiam doações de terra e os negros eram trazidos nos navios negreiros para mão-de-obra. Produzia-se matéria-prima e sustentava-se a metrópole de Portugal.

No avançar do processo da independência do Brasil de Portugal, as ordenações filipinas passavam por forte influência dos ideais da Revolução Francesa e crescimento da classe da burguesia, sendo o Código Napoleônico tido pela afirmação máxima do direito de propriedade, contemplando a propriedade como absoluta, favorecendo o livre comércio.

O apogeu do patrimonialismo surgia no âmbito das relações civis, valorizava-se o “ter” acima do “ser”, não havendo, portanto, uma dimensão social do Direito. Afim de despertar o bem-estar da coletividade, em contraposição, filósofos como Leon Duguit buscaram despertar o senso coletivo, trazendo ideais sociais, assim afirmava-se:

“ ...de que os direitos só se justificam pela missão social para a qual devem contribuir e, portanto, que o proprietário deve comportar-se e ser considerado, quanto à gestão dos seus bens, como um funcionário”. (GONÇALVES, 2011, p. 244).

Todavia, o fogo da circulação de riquezas se alastrava irremediavelmente. A necessidade de ter a propriedade extremada para torná-la um bem de comércio e capital levou a edição da “Lei de Terras”, Lei 801 de 1850, introduzindo a compra e venda como meio de transmissão da propriedade imóvel. O avanço legislativo foi possibilitar que os então sesmeiros donatários passassem a ser proprietários das terras, passando agora a titularizar o bem como proprietários.

As disputas sobre a posse ocorriam violentamente, iniciava-se uma forma de cadastramento e regularização fundiária. O registro do vigário, introduzido na Lei de Terras, não era seguro, pois eram apresentados títulos falsos, ocorrendo o que se conhecia como “grilagem de terras”. Nomenclatura atribuída por serem os documentos envelhecidos através de conservação em caixas com grilos, dando aparência de originais, uma vez que a defecação do grilo produzia um amarelado, corroendo e envelhecendo o papel como se fosse antigo o documento.

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O direito à propriedade avançou no modelo de aquisição através do Código Civil de 1916, saindo da contratação privada, passando para o sistema de registro de direitos. Leis esparsas disciplinando a continuidade e especialidade na cadeia dominial deram plataforma para a atual Lei 6.015 de 1973, denominada de Lei de Registros Públicos. A segurança jurídica nos direitos reais foi aprimorada pelo sistema de fólio real, deixando o antigo sistema de transcrições do direito pessoal, passando a valer-se da matrícula como a raiz da bem.

Paralelamente, enquanto a tecnicidade patrimonialista dos Registros Públicos se aprimorava, as questões econômicas estavam longes de serem resolvidas. Em destaque no século XX temos pontos que merecem serem abordados para ter-se uma valorização da dimensão agrária, especificamente no tocante as disputas de propriedade.

Na formação territorial brasileira, procurava-se regularizar o quadro latifundiário e o aproveitamento de terras. Neste sentido, foram surgindo leis especiais e institutos protetores, como exemplo, a promulgação do Estatuto da Terra em novembro de 1964, bem como, a formação do Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA.

Nos anos 50 e 60 do século XX as ligas camponesas sacudiram o campo nordestino e ganharam projeção nacional. Travando uma história de lutas e violência, destacavam-se diante a legitimação das posse lideranças por grupos, as quais, em seus conflitos agrários, foram brutalmente assassinadas.

Os movimentos dos posseiros entre 1964 e 1971 gerou grande número de mortes nos campos, relata Ariovaldo Umbelino de Oliveira2:

“... os empresários para terem acesso aos incentivos fiscais, tinham de implantar seus projetos de agropecuária na região, que estava ocupada pelos indígenas, e em determinadas áreas pelos posseiros. Os povos indígenas foram submetidos ou ao genocídio ou ao etnocídio. Aos posseiros não restou melhor sorte: ou eram empurrados para novas áreas da fronteira que se expandia, ou eram expulsos de sua posses e migravam para as cidades que nasciam na região” (OLIVEIRA, pg. 191)

Jader Barbalho, então governador do Pará – estado que teve o maior número de assassinatos – no início dos anos 80, reformulou os principais órgãos relacionados a reforma agrária, o MIRAD e o INTER, recriando o INCRA.

O movimento dos sem terra – MST, recebe incentivos para assentamentos rurais no governo de Fernando Henrique Cardoso, como exemplos das estratégias legais criou-se o Projeto Cédula da Terra e o Banco da Terra visando implantar uma autêntica reforma agrária de mercado.

Para evitar a pressão social por assentamentos, está a estratégia de estímulo a movimentos que não tenha a ocupação como estratégia de luta, neste sentido foi criado o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (NEAD) para alimentar estudos voltados a agricultura familiar.

Destaca-se no contexto dos movimentos migratórios que estes estão relacionados à dificuldade de manter-se no campo, o que faz refletir na necessidade de preservar-se a propriedade agrária de forma que haja estímulo para o desenvolvimento de sua economia de produção.

Valorizaram-se fatores sociais diante a propriedade agrária, ora devendo-se olvidar pelos anseios do homem do campo e sua preservação diante os movimentos da globalização e industrialização, preservando-se a empresa rural.

Em ordem de dar proteção a degradação ambiental, sendo que o desmatamento era constante no avançar das técnicas de produção agrícola, foram editadas leis, como exemplo ,o Código Florestal em 1965 , contribuindo para malha filtrante das leis especiais que incidiam na propriedade agrária, procurava-se neste momento a preservação da biodversidade na formação do quadro fundiário e a produtividade da terra.

Observa-se no tocante a dimensão agrária que está vai além do patrimonilismo da propriedade civil, pois na medida de leis especiais formam uma principiologia regrante, não há como se manter em uma linha de acontecimentos legislativos para assegurar a mera tecnicidade dos Registros Públicos da propriedade privada. Há quanto à propriedade rural características próprias para assim definir o afunilamento legislativo que permeia o direito à propriedade lapidada pelos axiomas que vertem a uma função social, voltada aos bens da terra, intrínseca à propriedade, conforme a seguir passaremos a expor.


4. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE AGRÁRIA

Ao lidarmos com a dimensão da agrariedade dos bens da terra, estamos ramificando uma disciplina advinda do Direito Civil para o Direito Agrário. Logo, a propriedade agrária é uma ramificação do direito de propriedade, tornado-se uma espécie do qual aquela é gênero. Exemplificando, ao lado da propriedade agrária podemos estabelecer a propriedade urbana, diferenciando-se pela formação territorial brasileira, seja em seus traços históricos, localização ou destinação do uso da terra.

Quando nos voltamos a função social da propriedade agrária é preciso, primeiramente, estabelecer uma função social para propriedade como gênero, daí tratarmos da função da propriedade agrária como espécie. Na composição da função social da propriedade agrária podemos encontrar axiomas próprios.

A idéia de um axioma advém dos sistemas axiomáticos que têm papel de destaque nas ciências exatas, nomeadamente na Matemática e na Física, sendo os resultados demonstrados nas múltiplas teorias dessas ciências usualmente designados por teoremas ou leis. Entre as diversas axiomáticas da Matemática e da Física ganharam notoriedade os Princípios de Euclides na Geometria Clássica, os Axiomas de Peano na Aritmética, as Leis de Newton na Mecânica Clássica e os Postulados de Einstein na Teoria da Relatividade.

Em aplicação das ciências humanas, como a ciência do Direito, podemos traçar princípios evidentes para compor uma teoria, daí falar-se em axiomas. Para compreensão de uma teoria axiomática podemos definir axiomas3:

“Na lógica tradicional, um axioma ou postulado é uma sentença ou proposição que não é provada ou demonstrada e é considerada como óbvia ou como um consenso inicial necessário para a construção ou aceitação de uma teoria. Por essa razão, é aceito como verdade e serve como ponto inicial para dedução e inferências de outras verdades (dependentes de teoria).”

A função social da propriedade agrária é um sistema axiomático, pois se compõe de fatores próprios que ligam os bens da terra. Há na composição de seus axiomas uma teoria inter-dependente: a função social da propriadedade agrária.

Há na função social da propriedade agrária uma dependência dos axiomas:

  • a) desenvolvimento sustentável do meio ambiente;

  • b) produção e circulação de riquezas;

  • c) respeito as relações de trabalho.

Tratam-se de três postulados inegáveis que, em harmonia, temos a função social da propriedade agrária atendida; em desarmonia não há o cumprimento da função social da propriedade agrária. São interligados, dependentes, a gestão de um necessariamente implica na do outro.

O Código Civil de 1916 avançava no sentido individualista do uso da propriedade, esta sendo utilizada como capital, era inviolável, dando o direito de dispor como lhe conviesse, como exemplo, a colocação de Orlando Gomes4:

“a propriedade foi um dos direitos de cunho individualista mais pronunciado. Considerando um dos direitos naturais do homem, consistia no poder de gozar, fruir e dispor da coisa de maneira absoluta”

A Constituição Federal Brasileira de 1934, inspirada na Constituição alemã de Weimar, de 1919, inseriu na esfera constitucional a restrição do direito de propriedade pelo interesse social da coletividade.

As constituições que se seguiram consolidaram a função social da propriedade, sendo definitivamente implantada com a Lei do Estatuto da Terra, em 1964, no seu artigo 2º, estabelece:

“A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a ) favorece o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela trabalham, assim como de suas famílias;

b ) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c ) assegura a conservação dos recursos naturais;

d ) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e cultivam”

No avançar da transição para valores coletivos, em atendimento a função social da propriedade, as legislações passaram a incorporar valores coletivos. Em razão desta transição para leis voltadas a bens coltetivos a doutrina aponta comentários como o posicionamento de Luiz Edson Fachin5:

“a idéia de um direito de propriedade absoluto e ilimitado, fruto das concepções político-econômicas do liberalismo, tem vindo a descaracterizar-se pela acentuação do fim social daquele direito, em paralelo com a evolução dos sistemas político-econômicos para formas mais solidárias de participação dos cidadões e das instituições”.

A Constituição Federal de 1988 inseriu como direito fundamental o uso da propriedade condicionado ao bem-estar social;

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII- é garantido o direito de propriedade.

XXIII- a propriedade atenderá sua função social

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II- propriedade privada;

I II- função social da propriedade

V I- defesa do meio ambiente

Art. 186- A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

III-observância das disposições que regulam as relações de trabalho

IV- exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e trabalhadores

Artigo 225- todos tem direito ao meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade, impondo-se ao poder público e coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as futuras e presentes gerações [...]

Nítido fica pela constitucionalização de valores a formação de axiomas que compõe uma dimensão agrária da propriedade. Todavia, em ordem de conciliar-los temos, primeiramente, um conceito geral indeterminado para sua composição: a função-social da propriedade.

Estamos agora diante a semântica de uma cláusula geral aberta, a função social da propriedade, que precisa ser teorizada para o seu bom desempenho.

Neste sentido, o Novo Código Civil, Lei 10.409/02 consolida no ordenamento civil aos fins sociais e econômicos da propriedade abrindo cláusula geral extensiva para aplicação de toda a legislação especial, vejamos:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

A nova codificação, por meio de conceitos indeterminados, refere-se a proteção fins sociais e econômico, possibilitando ao aplicador da lei valer-se de todas as leis referentes a função-social da propriedade. Trata-se de verdadeira porta de entrada para o microssistema que forma a malha filtrante dos direitos e garantias individuais asseguradas.

Como exemplos de avanços da nova codificação civil podemos citar: aquisição da propriedade por posse trabalho, baseada nas políticas urbanas e de reforma agrária; o abuso de direito de propriedade, estabelecendo sanções; modificações dos prazos de usucapião; direitos de vizinhança voltados ao sossego e segurança; possibilidade de compra do terreno alheio em caso de plantações na posse de boa-fé; restrições quanto à alienação do bem de família. Enfim, uma série de direitos que demonstram que a propriedade não pode mais ser exercida de cunho individualista.

Tomando por base a propriedade civil como gênero, avançamos na dimensão da propriedade agrária, em suas peculiariedades. Para tanto, requer-se estabelecer um diálogo entre os axiomas ambientais e econômicos, assim, passamos adiante, explorá-los separadamente, visando substanciar o conteúdo dos seus postulados, para depois, ao final deste artigo jurídico, concluir com o diálogo.

4.1. O AXIOMA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMBIENTAL NA PROPRIEDADE AGRÁRIA

Ao passo da globalização econômica, surge o forte movimento de conscientização quanto à necessidade de ser o meio ambiente objeto carecedor de regulamentação. Temos assim, a elevação do meio ambiente como objeto de direito. Nesse sentido, o Direito, como instrumento de controle e legitimidade política, deve ser aprimorado para resguardar, precaver, prevenir e consolidar a missão preservacionista do meio ambiente.

No contexto internacional, o direito ambiental tem sido alvo de inúmeras conferências. O fato de ser o meio ambiente objeto necessário à qualidade de vida saudável, fez deste indispensável para um desenvolvimento sustentável.

Acordos internacionais, como exemplo, o Protocolo de Kyoto, Agenda 21, Convenção sobre a Diversidade Biológica, dentre outros6. A preocupação com as presentes e futuras gerações tornou-se uma obrigação de todos e não só do Poder Público. Seus princípios e fundamentos podem ser encontrados nas principais constituições mundiais e tratados internacionais.

A geração de riquezas na integridade do meio ambiente vem, cada vez mais ameaçada. Quanto à preservação florestal relata Paulo Afonso Machado Leme7:

“O desmatamento irracional vem transformando o país num verdadeiro deserto, com a destruição das florestas, dos cerrados e da vegetação em geral. As queimadas, como forma de limpeza do mato ou como modo fraudulento de apossamento da terra ou, ainda, como meio enganoso de exploração da terra, para evitar a reforma agrária, constituem modos de destruição da flora que já se praticam há sécu­los.”

Os efeitos do desequilíbrio ambiental estão, a cada dia, mais presentes aos olhos de todos. São gritantes as inúmeras notícias de catástrofes, previsões de insuficiências de recursos ambientais, projetos de recuperação, etc. Clama-se pela necessidade de cooperativismo para fins de atingirmos o bem comum.

O sistema jurídico protetivo, deve mostrar-se de acordo com o desenvolvimento sustentado a ser perquirido. A ação predatória do meio ambiente, seja por força da natureza ou por atividades nocivas do homem, deve receber a devida tutela jurídica.

Na composição de uma legislação protecionista ao meio ambiente, fizeram-se presentes inúmeras leis, trazendo um sistema fragmentado, tido por muitos como uma legislação parca e conflituosa. Dentre elas são de destaque:

  • 1964 - Estatuto da Terra

  • 1965 - Lei 4.771, o Código Florestal –

  • 1981 - Lei nº 6938 - Política Nacional do Meio Ambiente

  • 1986 - Resolução CONAMA - nº 001 - Avaliação de Impacto Ambiental

  • 1988 - Constituição Federal

  • 1989 - Lei 7.083 – Alterações do Código Florestal

  • 1997 - Resolução CONAMA – nº 237 – Licenciamento Ambiental

  • 1998 - Lei 9.605- Lei de Crimes Ambientais Conservação

  • 2000 - Lei 9.985 - Sistema Nacional de Unidades de

  • 2002 - Lei 10.049 - Código Civil

  • 2012 – Lei 12.615 – Novo Código Florestal

A questão agrária de preservação ambiental no Brasil é considerada pelos ambientalistas como de difícil controle, pois, levando-se em consideração a formação territorial brasileira e exploração dos latifúndios e as irregulariedades devido aos fatores econômicos na vasta extensão de terras, são ineficazes os mecanismos de combate.

A produtividade da terra, voltada ao fator econômico de produção, vem prejudicada pelas limitações administrativas impostas na preservação do meio ambiente, o que leva aos agricultores a não respeitarem as imposições legais.

A tutela do meio ambiente ao produtor rural que faz uso degradante do solo, causa a poluição de águas, o desmatamento ilícito, ora feita por intermédio de ações civis públicas, ações populares ou multas administrativas, não tem nestas penalidades impostas o condão dos efeitos preventivos e restaurativos almejados pelo legislador.

Calcula-se que o país perde uma grande quantidade de terras férteis, como exemplo, a produção agrícola que pressiona a ameaça da reserva das áreas naturais, reduzindo-se a reserva florestal. Relata Vladimir Gonçalves Magalhães8 que a produtividade nacional indica esgotamento do solo utilizado:

“As formas de uso do solo e de produção agrícola acabaram por causar grandes danos aos ecossistemas brasileiros. A ocupação no campo, privilegiando a monocultura e grandes propriedades, provocou o desmatamento e a perda da estabilidade e da fertilidade do solo”.

A destruição do solo em nosso país esta ligada a utilização de agriculturas desenvolvidas em países de clima temperado. Deve-se considerar o regime e chuvas próprios do solo, no contrário, pode levar a perda da matéria orgânica, eliminando microrganismos de lixiviação dos nutrientes.

A modernização do setor agrícola e o aumento da produtividade rural foi responsável pela devastação de grandes áreas da vegetação nativa. A utilização de agrotóxicos, fertilizantes, levando a perda da identidade genética, são causas de aumento na erosão do solo.

O produtor rural deveria fazer uso da agricultura sustentável, entendida esta como o conjunto de práticas agrícolas harmonizadas com a máxima preservação ambiental, trazendo ao agricultor tecnologia aliada ao modelo de desenvolvimento sustentável.

4.2. O AXIOMA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA PROPRIEDADE AGRÁRIA

Há na propriedade agrária a valorização como capital, seja na questão de produção de bens da terra, tornando a terra valiosa pela capacidade produtiva, ou seja, pelos produtos produzidos nesta, voltando-se ao nível de produção de alimentos que sustentam setores alimentícios. Logo, há na terra lucro para o produtor rural pela qualidade e a quantidade produzida, e, há na terra o valor como capital para venda e compra para novos produtores produzirem, ambos os fatores gerando lucro e crescimento econômico.

O fator de produção se faz imprescindível, sendo exigido por lei, pois por meio deste assegura-se a alimentação da nação. Há para o empresário rural um dever de produzir, devendo exercer a posse de acordo com esta finalidade social, sob pena de sujeitar-se a penalidades como a de ser expropriada a terra por desapropriação na supremacia do interesse público primário do Estado, a coletividade. Logo temos intrínseca a propriedade agrária o caráter coletivo.

O postulado do valor econômico então insere-se neste contexto de circulação de riquezas. Há, inegalvelmente, uma função econômica que soma-se a propriedade agrária, constitucionalmente inserida na sua função-social. Esta vertente axiomática é a de maior valor na soma que nos leva a propriedade agrária a cumprir com sua finalidade.

Quando o tema é empresa rural observa-se uma nítida preocupação pelo legislador em utilizar-se de recursos para fomento do crédito, possibilitando meios de financiamento com juros mais baixos.

A empresa rural, como toda empresa, deve vir assegurada pelo princípio da preservação da empresa, devendo haver meios para que esta subsista diante a livre iniciativa e a concorrência das relações do comércio na sociedade. A responsabilidade social é alcançada quando se atinge a balança da preservação da empresa diante o Estado Democrático.

No contexto internacional, para melhor atingirmos a função social da propriedade rural, temos a política agrária desenvolvida pelo Banco Mundial, a qual, segundo João Marcio Mendes Pereira9, consiste em quatro linhas de ação:

a) estímulo à relações de arrendamento

b) estímulo a compra e venda de terras;

c) privatização e individualização de direitos de propriedade em fazendas coletivas estatais;

d) privatização de terras públicas e comunais

Cumpre observar os fundamentos da livre transação mercantil, fundamental ao capital privado, conforme segue o autor:

“ Para estimulá-las o Banco Mundial vem estimulando a liberação de empréstimos para os governos nacionais, para favorecer a montagem de um novo aparato gerencial, de modo a criar as condições legais e administrativas para a livre transação mercantil da terra e atração de capital privado para o campo.” (PEREIRA, pg. 376)

Há por traz do proprietário rural um empresário, logo a qualidade de empresário e proprietário se confundem uma vez estabelecidas exigências de produção, pois este toma a cargo uma atividade econômica organizada, devendo extrair riquezas. Logo, o exame do axioma de valor econômico na produção de riquezas requer atenção a peculiariedade da figura do empresário10.

Ressalta-se a questão da análise econômica do contrato, pois, como se sabe as transações imobiliárias no Brasil sobre propriedade agrária fogem do controle por seguirem a devida formalidade. Diante o vasto quadro latifundiário são comuns as “cessões de posse” para fins de transação imobiliária. Em ordem de obter novas terras produtivas não se opera a regulariedade da compra e venda, contratos de parcerias agrículas ou contratos de dirieito de superfície.

A análise econômica nos contratos nos diz que há na balança contratual índole de poupar com tratativas, o que leva a “contratos incompletos”. Ensina Eric Posner, no livro de ”Análise Econômica do Direito Contratual, Sucesso ou Fracasso - após três dedadas de fracasso”, que extraí-se na teoria dos contratos incompletos as seguintes premissas11:

“Primeiro, permite-se analisar se a falha descritiva do direito é resultado da metodologia aplicada em geral ou da próprio abordagem em particular. Segundo, trazer à tona as dificuldades metodológicas escondidas na transação.”

Logo, podemos dizer com segurança que as transações irregulares são resultados dos fracassos por traz das dificuldades de transação para o contrato completo. Assim, prefere-se a confiança entre as partes, do que a clausulamento contratual das multas compensatórias, como são os casos dos contratos de cessão da posse.

A produtividade da terra está na análise como objeto a ser cuidado com o devido compromisso social de atender as políticas internacionais de fomento ao investimento na produção, no contrário estamos indo contra o desenvolvimento econômico do contrato, diminuindo o número de transações.

A responsabilidade social pelo desenvolvimento econômico dos contratos está ligada a preservação da empresa rural diante o Estado Democrático de Direito, assegurando os riscos da livre-iniciativa.

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Monografia desenvolvida como trabalho de conclusão de disciplina no Mestrado de Direito Civil, disciplina de Direito Agrário, corpo docente Eneas De Oliveira Matos , Fernando Scaff e Gilberto Bercovicci - aluno aprovado com proficiência A.

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