5. O DIÁLOGO DOS AXIOMAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMBIENTAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Há na função-social da propriedade agrária um jogo de interesses, estes interesses são princípios inegáveis, verdadeiros axiomas que vêm a compor uma teoria. Estes são analisados na estruturação complexa, dependentes, não podendo impor-se isoladamente.
Para melhor compreensão, como exemplo, não é possível reduzir a quantidade de reserva florestal legal e não diminuir a área produtiva de uma propriedade. As porcentagens e mecanismos deste instituto não podem suprimir a produção da empresa rural, em sua complexidade não podem inviabilizar o desenvolvimento econômico, tão pouco suprimir o desenvolvimento ambiental.
Quando analisamos os axiomas que postulam a função-social da propriedade agrária, extraí-se que são funcionais. Assim define Roberto Wagner Marquesi12 a propriedade agrária como:
“Verifica-se a submissão do imóvel ao proprietário, mas, considerando que seu escopo é também o de produzir frutos, então se diz ter ele função econômica. E também diz que esse imóvel, por interferir no solo de recursos hídricos, tem igualmente função ambiental. E, por fim, tendo em conta que ele emprega funcionários, fala-se em função trabalhista e de bem-estar. Tais funções é que permitem o emprego da “propriedade agrária”, e não simplesmente “propriedade”. (MARQUESI, pg,55)
Na análise da propriedade agrária encontramos a sua função-social, o qual deve ser vista como intrínseca à propriedade. Não há como considerá-la como fator extrínseco, sendo que tais postulados são impostos coercitivamente pelo dirigismo estatal.
A estrutura da propriedade se soma a sua função, a ponto dela passar a fazer parte. Nos ensinamentos de Roberto Wagner Marquesi, temos a propriedade agrária regida por sua função, vejamos:
“ Ocorre que, ao contrário do paradigma clássico, a função, e não a estrutura, é que deve servir como critério para qualificar a propriedade. Esta deve ser definida, portanto, pelo interesse que nela contém, ainda que, morfologicamente, sempre compreenda um mecanismo de assenhoramento de sobre coisas. Assim, quando se cogita nas diferentes formas de propriedade, pensa-se nas diferentes formas de propriedade, pensa-se na submissão de uma coisa a uma pessoa e nos diversos interesses que lhe assegura. E, tais interesses são do proprietário e também do não proprietário” (MARQUESI, pg54)
Para Luiz Edson Fachin há na complexidade da propriedade uma relação direta com sua função pelo uso13:
“a função social relaciona-se com o uso da propriedade, alterando, por conseguinte, alguns aspectos pertinentes a essa relação externa que é o seu exercício”.
E por uso da propriedade, segundo Fachin, entende-se o modo com que são exercitadas as faculdades ou os poderes inerentes ao direito de propriedade. Aduz, também, que o grau de complexidade atualmente atingido pelo instituto da propriedade advém do grau de complexidade das relações sociais, e que somente o trabalho do homem sobre a terra, que não é condição sine qua non para adquirir a propriedade, é que a torna legítima.
Na formação da propriedade agrária devem ser considerados os direitos fundamentais na sua formação histórica, pois em torno destes é que se deu a lapidação do encaixe desta pedra de sustentação do ordenamento quanto ao direito à propriedade. Neste sentido cumpre ressaltar quanto aos direitos fundamentais, segundo Noberto Bobbio14:
“...os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.”
A Convenção Européia dos Direitos do Homem impõe diretrizes fundamentais a ponderação dos direitos do indivíduo à propriedade:
“a respeito dos seus bens próprios, toda pessoa física ou jurídica tem o direito à preservação dos bens próprios” (...)
“ninguém pode ser privado de sua propriedade”(...)
“ possa ser privado da propriedade por motivos de utilidade pública”
O avançar do direito de propriedade evolui no sentido de ter inserido a questão do compromisso social com a coletividade pela utilidade pública.
Há o fenômeno da consolidação do que o filósofo Leon Duguit já discorria na França, em 1911, vejamos15:
“ Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma função social, em razão direta do lugar que nela ocupa. Por conseguinte, o possuidor de riqueza, pelo fato de possuí-la, pode realizar certo trabalho que somente ele pode cumprir. Só ele pode aumentar a riqueza geral e assegurar a satisfação das necessidades gerais, ao fazer valer o capital que possui. Está, pois, obrigado socialmente a cumprir esta tarefa, e só no caso de que a cumpra, será socialmente protegido. A propriedade não é um direito subjetivo do proprietário. É a função do possuidor da riqueza.”
Na função do direito à propriedade é que podemos realizar uma morada a dignidade humana. O direito de propriedade alcança sua finalidade com a dignidade humana.
Quando nos voltamos para a função temos que avaliar o objeto, no caso a propriedade agrária. Neste sentido, ensina Giselda Hironaka quanto ao capitalismo e produção nos contratos agrários16:
“podemos considerá-los como instrumentos idôneos, capazes de assegurar à terra o atendimento a função social, se também eles estiverem voltados a realização desta função. Então, mesmo sendo a propriedade objeto do contrato agrário, poderá ela, através dele, desempenhar e atender á função social que, em si, está contida”
Mister o axioma do desenvolvimento econômico ser resguardado, prevalecendo este na vertente final de um teorema. Neste sentido sustenta Leonardo Brandeli17:
“Diante da função econômica a ser exercida pelo direito de propriedade, tem-se que o direito de propriedade bem-definido e seguro gerará em si a alocação de recursos, gerando o bem-estar social.”
Quanto a função econômica, segue o autor a na alocação de recursos como finalidade precípua:
“O crescimento econômico é gerado basicamente por um sistema econômico organizado, aliado a um sistema eficaz de garantir a propriedade, de modo a atrair para esta valores em empreendimentos de atividades socialmente produtivas. O conteúdo e a proteção dispensada ao direito de propriedade afetam enormente aos agentes econômicos.
O desenvolvimento econômico deve prevalescer, sob conseqüências cada vez mais danosas a coletividade, neste sentido destaca o autor18:
“A incerteza e insegurança sobre o direito de propriedade ou impedirá os negócios imobiliários de garantia, ou não impedindo, submeterá o proprietário à cobrança de juros exorbitantes por parte do credor, em virtude do risco assumido”.
Os incentivos transacionais devem vir fulcrados em política de juros mais baixos, proporcionando ao proprietário rural, em sua empresa rural, valer-se dos financiamentos dos investidores de capital, gerando a devida produção de riquezas no setor agrícola e pecuário, necessários a alimentação da nação.
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Notas
1 VARELA , Marcelo Dias, Introdução ao Direito e Reforma Agrária: O Direito face aos novos conflitos sociais, 1997, p. 263. LED
2 OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino, artigo “A longa marcha do campesionato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária
3 Axiomas- Wikipedia – aenciclopédia livre - https://pt.wikipedia.org/wiki/Axioma
4 GOMES, Orlando – Direitos Reais
5 FACHIN, Luiz Edson.Comentários ao Código Civil, Ed. Método, 2002
7 MACHADO, Paulo Afonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, p. 738, 2005, Malheiros
8 MAGALHÂES, Vladimir Garcia, “ A Reserva Legal na Propriedade Agrária”, tese de mestrado na Universidade Largo São Francisco de São Paulo - USP, em 05 de março de 2001.
9PEREIRA, João Márcio Mendes- A política agrária do Banco Mundial em questão , Pg.376 – Artigo ministrado no Mestrado da USP, Direito Civil, curso de Direito Agrário.
10 SCAFF, Fernado Campos. A Função Social dos Imóveis Agrários. Revista dos Tribunais, V.845, São Paulo, outubro de 2005, p.7
11 SALAMA, B. M.; POSNER, Eric, Análise Econômica dos Contratos, Sucesso ou Fracasso – após três décadas de fracasso, p,48. Artigo ministrado no Mestrado da USP em Direito Civil – disciplina de Direito Agrário em 2014.
12 MARQUESI, Roberto Wagner, teses de doutoramento do Universidade Largo São Francisco “ Reforma Agrária e a iesapropriação de imóveis produtivos não funcionais” , defendida em 2011.
13 FACHIN, Luiz Edson. Função social da Posse na Propriedade Contemporânea . Sergio Fabris , 1998, p.19.
14 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5
15 TANAJURA, Virgínia Ribeiro de Magalhães. Função social da propriedade rural. São Paulo . LTR, 2000. P.13
16 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Belo horizonte, Del Rey, 2000,p.147
17 BRANDELLI. A função econômica e registral do Registro de Imóveis diante o fenômeno da despatrimonialização. Registro Civil e Registro de Imóveis. Ed. Método. 2007, p.203
18 BRANDELLI. A função econômica e registral do Registro de Imóveis diante o fenômeno da despatrimonialização. Registro Civil e Registro de Imóveis. Ed. Método. 2007, p.205