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O atendimento jurídico da família

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6- A importância de um atendimento interdisciplinar

Ao cuidarmos do estudo sobre o atendimento de uma família que vive um conflito, percebemos claramente que, pela complexidade natural desse tipo de conflito, é necessário que diversas abordagens sejam realizadas, de modo que possamos alcançar mais eficientemente as raízes do problema, e dessa forma apontar soluções eficazes.

E a necessidade de se fazer diferentes abordagens exigirá do profissional que cuida de um conflito familiar conhecimentos, ao menos básicos, sobre diversas ciências. Como já dissemos anteriormente, existe muita coisa escondida atrás de um conflito familiar, pois este acontece entre sujeitos ligados predominantemente por razões subjetivas. E é essa subjetividade que acaba por impossibilitar que o tratamento da família se restrinja a uma determinada área do conhecimento.

Todos viemos de uma família, e de alguma forma convivemos durante toda a nossa vida com diversos tipos de famílias. Não obstante essa experiência particular de cada profissional com a instituição da família, é indispensável que se reconheça a incapacidade de uma disciplina isolada compreender essa instituição complexa. Um trabalho interdisciplinar possibilita o olhar por vários ângulos, e dessa forma aumenta as chances de um resultado satisfatório para todos os envolvidos. Em conformidade com esse posicionamento está Giselle Câmara Groeninga:

A busca de um conhecimento interdisciplinar vem reconhecer esta necessidade de outro olhar que nos leva a um fortalecimento da identidade e a um redimensionar de cada disciplina, rumo a um novo horizonte epistemológico – o de ampliar os princípios mesmos que regem os conhecimentos de cada área do saber.[33]

Um psicólogo, em meio a uma terapia familiar, precisa ter noções básicas de direito, por exemplo, para que possa compreender as relações jurídicas existentes entre seus clientes, e dessa forma conduzir o tratamento de modo mais completo. Da mesma forma, não será nada interessante para uma família em crise que um advogado se restrinja aos aspectos frios da letra da lei, não dando atenção a questões subjetivas como sentimentos, laços de afeto, etc.

E no que diz respeito mais especificamente à área do direito, acreditamos que sua principal função é auxiliar o cidadão a resolver um problema que sozinho não foi capaz, fazendo com o mesmo viva uma justiça concreta. Ocorre que o conceito de justiça é algo extremamente subjetivo, que varia de pessoa para pessoa. Cada um, ao formular seu conceito próprio de justiça, será influenciado pelos mais diversos fatores, como a situação sócio-econômica em que vive, nível de educação, religião, entre outros.

E o jurista, para tornar o direito eficaz, precisa estar atento a isso. Por certo que a atividade judiciária possui limites impostos pela legislação, mas é preciso estar atento à subjetividade do sujeito para que essa lei seja a ele melhor aplicada.

De outro lado, a complexidade das matérias sobre as quais irá o Direito se pronunciar obriga o jurista a ter conhecimento especializado de outras ciências sem as quais não lhe seria possível estabelecer um discurso jurídico verdadeiro, adequado à realidade. O jurista deverá ser, por este motivo, o mais eclético dos cientistas.[34]

Como dito anteriormente, é preciso que as faculdades, ao tratar da temática da família, se atentem a essa necessidade de uma compreensão interdisciplinar por parte do profissional, e ensine isso aos graduandos. Dessa forma, o profissional se formará capaz de enxergar o que outras ciências podem oferecer, aumentando o seu âmbito de visão e atividade.


7- CONCLUSÃO

Diante dos fatos aqui articulados e dos elementos trazidos pelo presente estudo, é possível perceber que a dinâmica de um conflito familiar deve ser vista e trabalhada de uma forma diferenciada pelo profissional que a assiste.

Os membros de uma família, diferentemente das partes de uma outra relação jurídica existente no sistema do direito, de alguma forma sempre estarão vinculados uns aos outros, o que torna a relação familiar uma relação de trato continuado. Portanto, ao intervir num conflito entre esses membros, o profissional deve estar atento a esse caráter especial, oferecendo à família em crise um atendimento coerente com a preocupação de se manter o relacionamento entre os membros do conflito, após a resolução do mesmo.

Acreditamos que seguindo por esse caminho, as famílias em conflito serão muito melhor atendidas, seja em qual área for, tendo, dessa forma, seus conflitos resolvidos de maneira bem mais satisfatória.


8- BIBLIOGRAFIA

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VAINER, Ricardo. Anatomia de um divórcio interminável: o litígio como forma de vínculo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.


Notas

[2] Jacques e Claire Poujol acrescentam à essa idéia o seguinte ensinamento sobre as consequecências dos desentendimentos a princípio normais do dia-a-dia de uma família: “ O dia-a-dia gera muitos atritos, não obrigatoriamente violentos, devido aos direitos, medos ou desejos de cada cônjuge. Esses atritos chegam a bom termo; mas, quando eles se acumulam e se repetem sem ser aceitos nem resolvidos, nesse momento é que a situação se torna verdadeiramente conflituosa “ (POUJOL, Jacques e Claire. O potencial criativo do conflito no casamento: Como entender e administrar os conflitos do dia-a-dia na vida conjugal. Tradução de Adriana de Oliveira e Frank de Oliveira. São Paulo: Vida, 2004, p. 13).

[3] SOUZA, Carlos Aurélio Mota. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas. In: ZIMERMAN, David, COLTRO, Antônio Carlos Mathias (Org.). Aspectos Psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2002, p.7

[4] ESTROUGO, Mônica Guazzelli. Direito de Família: Quando a família vai ao Tribunal. In: ZIMERMAN e COLTRO, 2002, p.205.

[5] Nesse mesmo sentido, ensina Carlos Aurélio Mota: “A responsabilidade do advogado nasce, pois, da compreensão do problema do outro, do equacionamento jurídico (racional, maduro, consciente) da questão, dando-lhe a devida solução (amigável ou processual), e acompanhando a causa até o final” (SOUZA, Carlos Aurélio Mota. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas. In: ZIMERMAN e COLTRO, 2002, p. 19).

[6] Carnelutti, ao falar sobre Processo, o assemelha a uma representação teatral: “Dentre outros, um traço comum à representação e ao processo é que cada um dele tem suas leis próprias; mas se o público que assiste tanto a um quanto a outro não as conhecer, não compreenderá nada. Agora, se as regras não forem justas, também os resultados da representação ou do processo correm o risco de não serem justos.”(CARNELUTTI, Francisco. Como se faz um processo. Belo Horizonte: Líder Cultura Jurídica, 2001, p. 15)

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[7] SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p.305.

[8] ADEODATO, João Maurício. Advogado em construção.In: Ensino Jurídico OAB: 170 anos de cursos jurídicos no Brasil, Brasília: OAB/Conselho Federal, 1997, p.147.

[9] BERIZONCE, Roberto Omar. El acceso a la justicia a traves de los tribunales y el proceso de famila. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, nº 113, p. 363-380, jan-fev. 2004, p.365.

[10] ESTROUGO, Mônica Guazzelli. Direito de Família: Quando a família vai ao Tribunal. In: ZIMERMAN e COLTRO, 2002, p.204.

[11] Disponível em < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0146.pdf>. Acesso em:  11 de janeiro de 2010.

[12] SOUZA, Carlos Aurélio Mota. As tendências contemporâneas da ideologia e práticas jurídicas. In: ZIMERMAN e COLTRO, 2002, p.61

[13] PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Ensino jurídico na graduação: ainda como nossos pais? Modelo, conformismo e repetição na metodologia do ensino jurídico. In: FACHIN, 2000, p. 213.

[14] FARIA, José Eduardo. A Reforma do ensino jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1987, p. 15

[15] PINHEIRO, Rosalice Fidalgo. Ensino jurídico na graduação: ainda como nossos pais? Modelo, conformismo e repetição na metodologia do ensino jurídico. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). (…), cit., p.240.

[16] CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, p.9.

[17] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

[18] Disponível em: <http://www.defensoria.es.gov.br/default.asp>. Acesso em 30 de setembro de 2005.

[19] Art. 133 O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[20] LEITE, Eduardo de Oliveira. A Psicanálise e o Advogado (Familiarista). In: ZIMERMAN E COLTRO, 2002, p.322.

[21] LEITE, Eduardo de Oliveira. A Psicanálise e o Advogado (Familiarista). In: ZIMERMAN E COLTRO, 2002, p.327.

[22] VAINER, Ricardo. Anatomia de um divórcio interminável: o litígio como forma de vínculo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999, p.37

[23] ESTROUGO, Mônica Guazzelli. Direito de Família: Quando a família vai ao Tribunal. In: ZIMERMAN e COLTRO, 2002, p. 205.

[24] VAINER, 1999, p.38.

[25] VAINER, 1999, p. 42.

[26] Nas palavras de Denise Damo Comel “A diferença entre a arbitragem e a mediação reside justamente no resultado da intervenção. Na mediação, o mediador não toma nenhuma decisão, (…), ao passo que na arbitragem, é o árbitro (ou tribunal) quem vai decidir, e de forma vinculante para as partes (…)” (COMEL, Denise Damo. Do Poder Familiar. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p.227.)

[27] BARBOSA, Águida Arruda. Mediação Familiar: Instrumento para a reforma do judiciário. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2004, p.32.

[28] LAGO, Andréa Menezes Rios Valladares de, LAGO, Cristiano Álvares Valladares do. Mediação no Direito de Família. Revista de Direito Privado, São Paulo, ano 3, n. 11, p.84-120, jul-set 2002, p.90

[29] LAGO e LAGO, 2002, p. 93

[30] Nesse sentido, ver a matéria: FANTINI, Flamínio, NUNES, Angela. Duelo na Separação Conjugal. Revista VEJA, São Paulo, ano 34, edição 1.704, n.23, p.122-129, 13 de junho de 2001.

[31] A tramitação do referido Projeto de lei pode ser acompanhada através do endereço eletrônico http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=53367

[32] LAGO e LAGO, 2002, p. 114

[33] GROENINGA, Giselle Câmara. Direito e Psicanálise – Um novo horizonte epsitemológico. In: PEREIRA, 2004, p.250.

[34] MULHOLLAND, Caitlin Sampaio. A interdisciplinariedade no ensino jurídico: a experiência do Direito Civil. In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira (Org.). Diálogos sobre Direito Civil: construindo uma racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.470.

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Sobre a autora
Hosana Leandro de Souza Dall’Orto

Mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Portugal), Especialista em Família pela FDV (Vitória, ES), Graduada em Direito pela FDV (Vitória, ES). Professora de Direito Civil da Faculdade São Geraldo (Cariacica, ES) e advogada familiarista. Associada ao IBDFAM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALL’ORTO, Hosana Leandro Souza. O atendimento jurídico da família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4284, 25 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32320. Acesso em: 26 abr. 2024.

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