4.
PARCELAS EXCLUÍDAS DOS LIMITES MÁXIMOS NO NOVO REGIME CONSTITUCIONALA rigidez do novo sistema não pode ser compreendida contra a própria administração pública e contra princípios que remarcam a inteligência do sistema jurídico. Na verdade, as parcelas percebidas pelos servidores públicos que não constituírem remuneração, ou subsídio, mas simples indenizações não poderão ser computadas para fins de cálculo do abate-teto.
As indenizações não poderão ser consideradas no limite constitucional de remuneração por razões singelas:
a) em razão do princípio da igualdade, pois se despesas adicionais e trabalho adicional não autorizarem ressarcimento ou compensações, haveria desequilíbrio de situações jurídicas (ex. direito de utilização de apartamento funcional e direito a ressarcimento de despesa com moradia se inexiste apartamento funcional disponível; despesas de diária, locomoção etc. );
b) pela razão de que as parcelas indenizatórias não integram, a todo rigor, a remuneração do agente público, constituindo valores pagos em caráter eventual (ex. diárias de viagem), não devendo integrar os limites constitucionais de remuneração.
O conceito de indenização não é elástico, vago ou fluído na medida do conceito das famosas "vantagens pessoais".
As indenizações são valores ou vantagens pecuniárias que apresentam as seguintes características definitórias:
a) são eventuais (não são necessárias, ou inerentes, ao exercício do cargo público, mas decorrentes de fatos ou acontecimentos especiais previstos na norma);
b) são isoladas, não se incorporando ou integrando aos vencimentos, subsídios ou proventos para qualquer fim;
c) são compensatórias, pois estão sempre relacionadas a acontecimentos, atividades ou despesas extraordinárias feitas pelo servidor ou agente pelo exercício da função;
d) são referenciadas a fatos e não à pessoa do servidor.
Exemplos de parcelas indenizatórias:
a) diárias;
b) ajuda de custo de mudança;
c) auxílio moradia, na forma de ressarcimento, quando inexiste apartamento funcional disponível;
d) remuneração do serviço extraordinário, que a própria Constituição obriga que seja superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
e) "gratificações eleitorais", na verdade, parcelas percebidas em caráter compensatório por agentes em função especial temporária, paralelamente ao exercício de função permanente, sem possibilidade de incorporação ao provento, vencimento ou subsídio.
A exclusão das parcelas indenizatórias da consideração do limite de remuneração não é uma construção artificial. Na verdade, a própria emenda 19 sugere a exclusão quando trata do pagamento da indenização do parlamentar que comparece à sessão legislativa extraordinária. Segundo o art. 57, §7º, da Constituição, com a redação que lhe deu a emenda:
"Art. 57.
"§7º Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, vedado o pagamento de parcela indenizatória em valor superior ao do subsídio mensal."
Ora, se o subsídio é uma espécie de retribuição pecuniária definida em termos tendencialmente completos, pois recusa qualquer outra vantagem, adicional, gratificação ou abono, ressalvadas as vantagens adicionais autorizadas pela própria Constituição (art. 39, §3º; c/c art. 7º., da CF); se, por essas qualidades de transparência e fixidez, foi eleito para referenciar o teto de retribuição (os subsídios dos Ministros do Supremo); quando a Constituição permite sua acumulação, no período da sessão legislativa extraordinária, com parcela compensatória dessa ocupação adicional ou serviço extraordinário, qualificando expressamente essa parcela como indenização, parece plausível inferir que as indenizações escapam ao conceito constitucional de remuneração e devem ser consideradas vantagens extraordinárias imunes ao teto.
Não fosse assim, o servidor próximo ao teto teria de arcar, por exemplo, com despesas eventuais e extraordinárias de viagem sem ressarcimento do Estado, criando situações de enriquecimento sem causa do erário público completamente sem sentido e manifestamente injustas.
5.
PREVISÃO DE LIMITES INFERIORES AO TETO CONSTITUCIONAL NACIONAL (SUBTETO)A emenda constitucional 19 retirou do texto constitucional a competência para fixação dos limites nominais máximos de remuneração mediante lei. Mas manteve a previsão de estabelecimento de uma relação entre a menor e maior remuneração, deslocando a matéria para o art. 39, §5º, com a seguinte redação:
"Art. 39. (......)
§5º. "Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI".
O dispositivo transcrito possui a finalidade do subteto móvel previsto na redação original da Constituição Federal, constante da parte inicial do art. 37, XI. Num e noutro preceito o que se pretende é evitar disparidades excessivas entre a menor e a maior remuneração dos servidores públicos, com o estabelecimento de limites. Estes limites, mínimos e máximos, ficam atrelados, o que termina por atribuir aos valores uma natureza "móvel" (ex. aumento do salário mínimo, aplicável também ao servidor público, aumenta o limite máximo de remuneração). Fixa é apenas a relação entre os limites mínimos e máximos de remuneração, não os valores nominais resultantes.
O texto aprovado deixa claro no art. 39, §5º, que as leis que estabelecerem a "relação entre a maior e a menor remuneração" devem obedecer, em qualquer caso, o disposto no art. 37, XI (teto). Ora, se a relação entre a menor e a maior remuneração tivesse necessariamente de produzir o mesmo efeito da aplicação do teto previsto no art. 37, XI, a disposição sobre os limites mínimos e máximos seria ociosa, redundante, descritiva e não prescritiva. Não se pode postular, entretanto, que a Constituição estabeleça normas inúteis. A relação entre a menor e a maior remuneração, por isso, pode estabelecer limites máximos inferiores ou iguais ao teto constitucional estabelecido, bastando que a relação definida conduza a este resultado nominal. Mas o alcance do subteto móvel, no novo sistema, é inferior ao da redação original do art. 37, XI.
Com a emenda constitucional n. 19, o sistema constitucional de fixação do teto passa a ser analítico. Na nova redação do art. 37, XI, não se menciona mais a "servidores públicos", em sentido genérico, mas a "servidores públicos", "agentes políticos" e a "membros de poder", muitas vezes de forma redundante. Não se aponta apenas a existência de limites, mas quais são eles (faz-se a inclusão das vantagens pessoais, das acumulações constitucionais e das parcelas de qualquer natureza). Essa nova postura do legislador não pode ser desconsiderada na interpretação da nova redação do dispositivo sobre fixação da relação entre a menor e a maior remuneração. Nesta regra, de forma intencional ("teoria do silêncio eloqüente"), o legislador não incluiu as acumulações constitucionais nem fez referência às vantagens pessoais, restringindo-se a mencionar apenas os servidores públicos. Na nova regra, portanto, diante do contexto sistemático em que ela se move, não estão incluídas as vantagens pessoais, nem as acumulações, nem mencionados os agentes políticos e membros de poder, mas apenas os servidores públicos. Tudo isso lhe diminuirá o impacto e a importância.
6
. DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE O NOVO SISTEMA E O PREVISTO ORIGINALMENTE PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988Essas considerações permitem identificar diferenças e semelhanças entre os tetos de remuneração na redação original e na redação da emenda constitucional n º 19.
No texto original, existem três limites máximos de remuneração na União, no Distrito Federal e nos Estados e um nos Municípios. No texto reformado, há um único teto constitucional nacional: o valor definido para subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A redação do texto original permitiu ainda a que se falasse em princípio da paridade ou equivalência dos tetos constitucionais, mecanismo de iludir o princípio que exigia aumento por lei específica, o que termina com a nova redação.
No texto original, embora fossem afirmados limites máximos capazes de conter os valores percebidos como remuneração, a qualquer título, deixava-se escapar, por interpretação conjugada do art. 37, XI, com o art. 39, §1º, as vantagens pessoais (individuais) e as relativas à natureza ou ao local de trabalho. No novo sistema estão incluídas expressamente na consideração do teto de remuneração as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza.
No regime original, a aplicação do teto era feita para cada cargo isolado ou provento, desconsiderando-se eventuais situações de acumulação. No novo texto, as acumulações constitucionais, de qualquer natureza, inclusive de proventos, de pensões e vencimentos, são somadas para se obter um valor total que é contido nos limites do teto.
No texto original, como no texto reformado, são apresentadas disposições transitórias que afastam a invocação de direito adquirido quanto à aplicação do teto constitucional. No texto reformado, passa a constar expressamente também referência às pensões, não mencionadas explicitamente no art. 17 do ADCT, embora considerada implícita pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
No texto original, era permitido à lei ordinária, da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios a fixação de subtetos nominais, ou limites inferiores ao teto constitucional máximo de forma abrangente, alcançando todos os agentes públicos (segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal). Além disso, era autorizada a fixação de subtetos móveis, mediante a fixação de uma relação a ser respeitada entre a menor e maior remuneração. No novo texto, não é mais permitida a fixação de subteto nominal, o que diminui a flexibilidade do sistema na Federação. Permite-se apenas a fixação de subteto móvel, mas em termos mais limitados, alcançando apenas os servidores públicos e sem a consideração das vantagens pessoais e das acumulações constitucionais.
O novo teto produziu problemas graves, especialmente por contabilizar as acumulações constitucionais. Além de desestímulo profissional para pessoas qualificadas, próximas ao teto, a restrição, se não for objeto de imediata modificação ou temperamento jurisprudencial, importará uma contradição clara entre normas constitucionais. Ademais, criou-se a extravagância de uma lei de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente do Supremo Tribunal Federal e dos Presidentes da Câmara e do Senado Federal para definição do valor do teto constitucional nacional, correspondente ao subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
7. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A EFICÁCIA DAS NOVAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE TETO DE RETRIBUIÇÃO
No dia 24 de junho de 1998, o Supremo Tribunal Federal, em sessão administrativa, ao ser indagado pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal sobre o maior valor remuneratório dos seus membros, para aplicação do teto constitucional (art. 37, XI), respondeu o seguinte:
"O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, reunido em sessão administrativa, deliberou por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Veloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que não é auto-aplicável a norma constante do art. 24 da Emenda Constitucional n. 19/98, por entender que essa regra depende, para efeito de sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição de lei, pelo Congresso nacional, lei essa que deverá resultar de projeto de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal nessa mesma sessão administrativa, entendeu que, até que se edite a lei definitiva do subsídio mensal a ser pago a Ministro do Supremo Tribunal Federal, prevalecerão os três (3) tetos estabelecidos para os três poderes da República, no art. 37,. XI, da Constituição, na redação anterior à que lhe foi dada pela EC 19/98, vale dizer: no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração paga a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União, o teto corresponderá à remuneração paga aos membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá à remuneração paga atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal na Sessão administrativa hoje realizada declarou que não dispõe de competência, para, mediante ato declaratório próprio, definir o valor do subsídio mensal. Essa é matéria expressamente sujeita à reserva constitucional de lei em sentido formal."
As razões motivadoras da indagação feita pelos Presidentes da Câmara e do Senado Federal eram conhecidas:
a) incerteza quanto ao valor do novo teto, pois discutia-se se o valor era o fixado para a remuneração dos Ministros do Supremo, incluídas todas as vantagens do cargo (R$ 10.800) ou esse valor deveria ser acrescido da gratificação eleitoral percebida, em caráter temporário, por três ministros do Supremo Tribunal Federal em exercício no Tribunal Superior Eleitoral (totalizando R$ 12.720);
b) incerteza quanto a eficácia imediata do novo valor do teto, tendo em vista as limitações que o novo valor trazia, somando as acumulações constitucionais e os proventos de aposentadoria para fins do abate-teto, bem como a exigência de lei formal conjunta para definição dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e a ausência de norma transitória específica sobre a matéria.
Sobre esse tópico, no entanto, desde a promulgação da emenda, tenho sustentado entendimento radicalmente distinto do adotado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal.
Os argumentos podem ser resumidos nos seguintes:
a) a norma do art. 37, XI, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19 é auto-aplicável, no plano federal, estadual e municipal e no Distrito Federal, porque dotada de suficiente densidade normativa, independentemente da promulgação da lei a que seu texto alude, à semelhança do que entendera o Supremo Tribunal Federal em relação ao art. 37, XI, na redação primitiva da Constituição (STF, ADIMC-1590/SP. Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 15-08-97, PP. 37034, julgado em 19/06/1997 Tribunal Pleno);
b) a maior remuneração paga a Ministro do Supremo Tribunal Federal, por ocasião da promulgação da emenda constitucional n. 19 deve ser tida como paradigma, para fins de aplicação do novo teto de remuneração;
c) as "gratificações eleitorais" pagas a três ministros do Supremo Tribunal Federal, em caráter temporário, pelo exercício de funções no Tribunal Superior Eleitoral não integram a remuneração do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, constituindo vantagem indenizatória pelo exercício concomitante de função diversa, com acréscimo de tarefas, não sendo de incorporar ao subsídio devido pelo cargo efetivo de Ministro do STF, nem ter o seu pagamento suspenso pela definição do referido subsídio ou teto;
d) a consideração das acumulações de vencimentos ou de vencimentos e proventos para fins de abate-teto deve ser objeto de temperamentos interpretativos ou de rápida supressão, por via de emenda constitucional, tendo em vista a necessidade de conferir sentido útil às normas que autorizam a "acumulação remunerada" na Constituição, inclusive para os Ministros do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 95, I);
e) viola o princípio da separação dos Poderes, impedindo o exercício de uma das prerrogativas inerentes à autonomia do Poder Judiciário, a exigência de iniciativa conjunta dos Presidentes da República, do Supremo, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para deflagração do processo legislativo de definição dos subsídios devidos aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O último argumento merece uma consideração isolada, uma vez que tenta explicar porque, passados mais de dois anos da promulgação da emenda 19, não foi dada qualquer aplicação ao teto constitucional e há autêntico impasse na definição do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.