Artigo Destaque dos editores

Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos:

uma crônica de mutações e emendas constitucionais

Exibindo página 4 de 4
01/02/2001 às 00:00
Leia nesta página:

NOTAS

1. Cf. Na União Federal, Lei n. 8112/90, Art. 42.

2. Cf. Na União Federal, Art. 2º. da Lei 8.852, de 04/02/1994 , e Art. 10 da Lei 9.624, de 8/04/1998. Cf., também, Art. 3º. e 5º. da Lei 8.4448, de 21/07/1992.

3. Prescreve o referido art. 10 da Lei 9.624, em vigor: "Art 10. O maior valor de vencimentos a que se refere o art. 2º da Lei n.º 8.852, de 4 de fevereiro de 1994, passa a corresponder a, no máximo, oitenta por cento da remuneração devida a Ministro de Estado".

4. A Lei n. 8.448, de 21/07/1992, conhecida também como Lei da Isonomia, poderia sugerir entendimento diverso, pois previa em seu art. 3º, de forma expressa, limite de remuneração para todos os servidores civis da administração pública direta, autárquica e fundacional dos Poderes da União e aplicável também ao pessoal militar. No entanto, não produziu qualquer efeito prático, pois contemplava paradoxalmente norma que resguardava os servidores que ultrapassassem os limites estabelecidos de qualquer redução de remuneração. Com efeito, no seu art. 5º. enunciava: "Art. 5° A parcela de remuneração que, na data da promulgação desta lei, exceder o limite fixado no inciso II do art. 3º, será mantida como diferença individual, em valor fixo e irreajustável." É discutível a constitucionalidade dessa ressalva da lei ante os termos abrangentes do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. É discutível também a constitucionalidade da fixação de subteto para os servidores do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público por lei de iniciativa do Presidente da República, diante do princípio da separação dos Poderes e das competências privativas previstas nos artigos 51, IV; 52, XIII; 96, II, b; 127, §2º).

5. Essa modalidade foi a mais utilizada durante toda a vigência do texto original do art. 37, XI, da Constituição, conhecendo diversas aplicações também nos Estados e Municípios, sendo muitas vezes confundida com o próprio conceito de subteto, de que era apenas espécie. Na União, como referido, foi adotada pela Lei 8.852, de 04/02/1994 (art. 2º.) e pela Lei 9.624, de 8/04/1998 (art. 10).

6. Essa via foi adotada pela Lei 8.448, de 21/07/1992, art. 3º, verbis: "Art. 3° A relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos referidos no artigo anterior é fixada da forma seguinte: I - o valor do maior vencimento básico ou soldo não poderá ser superior a vinte vezes o menor vencimento básico ou soldo; II - a soma das vantagens percebidas pelo servidor não poderá exceder a duas vezes o valor do maior vencimento básico ou soldo permitido como teto dos termos do inciso anterior, excluídos: a) salário-família; b) diárias; c) ajuda-de-custo em razão de mudança de sede; d) indenização de transporte; e) adicional ou gratificação de tempo de serviço; f) gratificação ou adicional natalinos; g) abono pecuniário, auxílio ou adicional de natalidade e de funeral; h) adicional de férias; i) auxílio-fardamento; j) adicional pela prestação de serviço extraordinário; l) adicional noturno; m) gratificação de compensação orgânica; n) gratificação de habilitação militar; o) gratificação prevista no art. 62 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990; p) vantagens incorporáveis das parcelas de quintos". Vale observar, ainda, a utilização que a Lei 8.112/90 fez dessa abertura dada pela lei fundamental: sem fixar um subteto fixo ou móvel, vale dizer, um valor de remuneração inferior ao máximo admitido, a lei instituiu um piso de remuneração relacionado ao teto máximo, prescrevendo que "a menor remuneração atribuída aos cargos de carreira não será inferior a 1/40 (um quarenta avos) do teto de remuneração fixado no artigo anterior" (art. 43).

7. Tratava-se de sistema flexível, marcado pela consideração do princípio da separação dos Poderes e pelo princípio federativo, pois entregava ao legislador ordinário, mediante iniciativas específicas, a definição de "limites máximos" e da "relação entre a maior e a menor remuneração" dos agentes públicos, sem embargo da definição de limites rígidos de matriz constitucional distintos entre os Poderes e entre as unidades da Federação. Essa flexibilidade explica porque, disciplinando as situações em curso, entendeu o constituinte de fixar no art. 17 do Ato das Disposições Transitórias que os "limites decorrentes da Constituição" ( e não apenas os nela previstos) estariam imunes à incidência da garantia do direito adquirido, recusando a percepção de excesso "a qualquer título". Trata-se da única exceção aberta pelo constituinte originário à tutela de direito adquiridos contra a incidência imediata de norma gravosa aprovada pelo legislativo ordinário. Sem ela, a delegação feita ao legislador ordinário para fixar "limites máximos" seria inócua. Sobre a questão, conferir artigo que escrevi sob o título "Reforma Administrativa e Direito Adquirido", publicado Revista Trimestral de Direito Público (RTDP), n. 18, 1997, p. 165-178; Revista de Direito Administrativo (RDA), Vol. 211, jan/mar, 1998; Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Curitiba, Ed. Juruá, n.º 1, ano 1, 1999, pp. 23-48. A flexibilidade legislativa, porém, além dessa maior insegurança jurídica, contemplava outros aspectos negativos: deixava sem "limite constitucional" os Prefeitos Municipais, os Deputados e Senadores da República, os Ministros de Estado, os Secretários de Estado e os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Todos esses agentes eram "paradigmas máximos", faltando um referencial nacional unitário. Essa lacuna deu ocasião a diversos abusos, especialmente na esfera estadual e municipal, tendo motivado a promulgação da Emenda Constitucional n. 1, de 31 de março de 1992, ocupada na fixação de subtetos específicos para deputados estaduais e vereadores.

8. O trecho diz respeito ao "primeiro paradoxo" referido na exposição que fiz no Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, realizado na cidade de Curitiba, em painel de 09.09.1996, intitulada: "A Reforma Administrativa e seus Três Paradoxos". Tratava-se de uma afirmação provocativa, cujo propósito era claro: romper com a unilateralidade dos discursos a favor e contra a proposta de emenda constitucional. Sempre identifiquei méritos e defeitos graves no texto dos projetos relativos à reforma administrativa em curso no Congresso Nacional e, antes disso, no Poder Executivo. A síntese final de uma proposta de emenda constitucional é sempre uma síntese política. Lamentava, de público, no entanto, que a unilateralidade de posições ocultasse do debate público questões técnicas sérias, como os limites de atuação dos Relatores dos Projetos de Emenda Constitucional no Congresso Nacional. Entendia, como ainda entendo, que os relatores excedem em muito os seus limites de atuação, modificando e sugerindo modificações nos projetos de emenda constitucional em curso com grande desenvoltura, sem amparo constitucional. Deveriam comportar-se como simples relatores, consolidando propostas feitas por um terço dos deputados ou senadores, pelo Presidente da República ou pela maioria das Assembléias Legislativas, os únicos agentes legitimados pela Constituição para deflagrarem o processo de emenda constitucional (CF, art. 60). Na verdade, comportam-se como se fossem legitimados a inovar individualmente no processo, a qualquer tempo, antes da votação final na comissão competente. Esse fato, desconsiderado ainda hoje, passados tantos anos, importa também numa conseqüência de ordem política: menor transparência nos processos de aprovação de emendas constitucionais e maior insegurança jurídica.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

9. Em sentido contrário, JESSE TORRES PEREIRA JUNIOR propõe uma "exegese conciliatória" diversa: restringe a proibição da percepção cumulativa ao âmbito de cada carreira, admitindo que quando a acumulação ocorra entre cargos de carreira distintas podem superar o valor fixado para o teto. (Da Reforma Administrativa Constitucional, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 120). A solução não convence: atenderia as hipóteses de acumulação dos magistrados e membros do ministério público, mas não resolveria a questão para os que estão autorizados a acumular (a) dois cargos de professor; (b) dois cargos privativos de médico; (c) dois cargos ou empregos privativos de médico militar que estivessem sendo exercidos na data da promulgação da Constituição; (d) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estivessem sendo exercidos na data da promulgação da Constituição. Essa solução interpretativa importa também em "lacuna axiológica", pois trata as acumulações de modo desigual, conforme sejam exercidas ou não na mesma carreira.

10. Recentemente, a tese que sustentamos foi adotada pelo PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL, que apresentou ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal sobre este específico ponto da Emenda Constitucional 19. Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Med. Liminar) 2159 - 1, a ser relatada pelo Min. NÉRI DA SILVEIRA. Não houve ainda pronunciamento sobre o pedido de medida liminar ou o julgamento do mérito da ação.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Paulo Modesto

membro do Ministério Público da Bahia, professor de Direito Administrativo da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Salvador (UNIFACS), professor e coordenador do curso de especialização em Direito Público da UNIFACS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MODESTO, Paulo. Teto constitucional de remuneração dos agentes públicos:: uma crônica de mutações e emendas constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/328. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

Texto base da exposição realizada no XXVI Encontro Nacional de Procuradores Municipais, realizado em Vitória, Estado do Espírito Santo, em 3 de agosto de 2000, bem como da exposição feita no III Congresso Brasiliense de Direito Constitucional, realizado em Brasília, Distrito Federal, em 27 de outubro de 2000. Esta é uma versão corrigida de texto anteriormente publicado na coletânea Novos Rumos da Autonomia Municipal, São Paulo, Max Limonad, 2000

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos