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Considerações sobre as novas reformas do Código de Processo Civil.

Leis nº 10.352/01 e 10.358/01

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ART. 475:

O legislador preferiu manter a sujeição de algumas sentenças ao duplo grau de jurisdição obrigatório, o que certamente vai gerar críticas de por boa parte dos juristas.

A idéia também não me agrada, porque algema o processo, retarda a composição definitiva do litígio e coloca em xeque a eficiência dos procuradores da administração pública, ou seja, recorrendo ou não das sentenças adversas aos órgãos que patrocinam, os processos ascendem ao Tribunal.

Provavelmente, o maior cliente passivo do Judiciário seja o próprio Estado, isto é, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e suas respectivas autarquias.

Falo da participação direta do Estado nas ações judiciais, sem contar tudo o que provoca por atos de administração e de legislação, os quais interferem nas relações privadas, obrigando os particulares a buscar soluções judiciais para suas pendências. Planos econômicos mirabolantes, confiscos, solavancos do câmbio e leis de péssima qualidade são exemplos dessas turbulências.

Na verdade, o Estado, na feição judiciária, trabalha praticamente em razão do próprio Estado, no seu perfil executivo e legislativo.

Parece que algo está errado.

Pois bem, além de consumir grande parte da energia jurisdicional, esse mesmo Estado faz regras para postergar o acerto de suas relações jurídicas.

O reexame necessário está longe de tutelar a segurança jurídica. Visa, isto sim, dar mais fôlego para a Administração Pública resolver suas pendências, prejudicando em inúmeras oportunidades aqueles que, vilipendiados em seus direitos, só conseguem resolvê-los pela via judicial.

Já que temos que conviver com isso, vejamos o que há de novo:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

Como se percebe, a sentença que anular o casamento não estará mais sujeita ao Duplo de jurisdição. Aplausos ao legislador, pois a perspectiva de recurso de tal decisão ficará restrita às partes e ao Ministério Público.

A nova redação do inciso I estende o benefício do reexame necessário às autarquias e fundações de direito público, mas na verdade apenas insere no CPC algo que já estava albergado pelo artigo 10 da Lei 9469/97

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

Este inciso II, que é o anterior inciso III, fez correção técnica à redação antiga, que continha a expressão: "julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública".

É de conhecimento básico que na execução propriamente dita não há julgamento de procedência ou de improcedência do pedido, pois o direito já está, por presunção legal, previamente definido no título executivo, não havendo incerteza jurídica a suprir com a edição de uma sentença.

O que se dá, em termos processuais, é o julgamento de procedência ou improcedência dos embargos eventualmente opostos pelo devedor, já que estes embargos nada mais são que uma ação incidental com escopo de desconstituir a força do título executivo, total ou parcialmente.

Assim, quando os embargos contra a Fazenda forem julgados procedentes, no todo ou em parte, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

Do ponto de vista estritamente técnico, a reforma representou uma evolução.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

O parágrafo primeiro também se encarrega de fazer correções técnicas.

Substituiu-se a ociosa expressão "apelação voluntária da parte vencida", simplesmente por apelação, o que está certo.

Ora, só pode apelar quem de certa forma foi vencido (interesse de recorrer) e também é da essência da apelação a voluntariedade do seu manejo.

A regra anterior previa que o Presidente do Tribunal "poderia" avocar os autos, caso o juiz não os remetesse. A expressão "poderia" há muito tempo era compreendida como "deveria", mesmo porque a sentença não transitava em julgado antes de ser confirmada pelo juízo ad quem e o recurso ex officio era considerado interposto ex lege. Neste sentido a Súmula 423 do STF.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

O parágrafo 2º estabeleceu um valor mínimo para o reexame necessário, que hoje eqüivale a R$ 10.800,01.

Isso se dá nas ações de conhecimento onde o ente público for réu, como também nas hipóteses de execuções de dívida ativa do mesmo patamar econômico.

Pois bem, vencida a Fazenda Pública em ações cujo proveito econômico não exceda a R$ 10.800,00, descabe a remessa obrigatória, desde que a condenação ou o direito controvertido seja de valor certo.

É importante observar: que a condenação ou o direito controvertido seja de valor certo, isto é, quando não haja duvida concernente ao objeto e ao alcance da sentença. No âmbito das sentenças condenatórias é o que se convenciona chamar de liquidez.

Parece claro também que a regra não se aplica apenas às ações de carga condenatória, mas também às declaratórias, constitutivas, mandamentais e executivas lato sensu, porque o dispositivo é abrangente e trata não só da condenação, mas do direito controvertido.

Prestigia-se, de igual modo, a boa técnica quanto à formulação do pedido, que na medida do possível deve ser certo e determinado, na forma do art. 286 do CPC.

Os advogados deverão estar atentos para definir, antes do ingresso em juízo, a exata dimensão econômica do direito que irão patrocinar, individuando o seu objeto.

Com idêntica inspiração, também cabe aos juizes evitar as tão comuns e muitas vezes indesejadas liquidações de sentença.

Sentenças de conteúdo incerto não se submeterão à regra.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."(NR)

Trata-se de um avanço, que na verdade ainda é tímido. Pelo novo texto, se o juiz aderir à Jurisprudência do plenário do STF ou às Súmulas deste Tribunal ou do tribunal superior competente, não haverá remessa obrigatória.

A medida é boa, na proporção em que reduz a incidência do reexame necessário, mas é conservadora porque ainda permite o manejo do recurso voluntário, reapresentando ao Tribunal matéria que já está Sumulada ou que já foi apreciada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Penso que o recurso voluntário para questão sumulada deve sofrer restrições, não através de precedentes vinculantes, mas das sentenças impeditivas de recursos. A Súmula vinculante, na fórmula que tem sido proposta, representa um engessamento vertical da jurisprudência, o que é desaconsalhável, por toda a sorte de riscos que traz à democracia. Não se deve obrigar o Juiz a decidir de acordo com a Súmula, mas quando o Magistrado se convencer do acerto da posição sumulada de um Tribunal Superior e quiser aderir aquele entendimento de forma livre e consciente, o processo deve terminar por ali, na sentença. Isso se chama "sentença sumulada impeditiva de recurso", que evita a reprodução de julgados nos Tribunais, sempre com o mesmo resultado.

É certo que hoje já se conta com a redação poderosa do art. 557, do CPC, mas aquela decisão monocrática desafia o "agravinho" e nova carga de trabalho se projeta contra o 2º Grau.

Obrigar os Tribunais Superiores à produção de escala afasta a razão de sua existência. Enquanto o STF brasileiro vem julgando em média 100.000 processos por ano, a Suprema Corte Americana decide apenas 90 feitos.

Os números falam por si.

Algo precisa ser feito para reverter esse quadro e a "sentença sumulada impeditiva de recurso" seria uma providência muito interessante, idéia, aliás, que é sustentada pela AMB na Reforma do Judiciário.


ART. 515:

Mudança importante aconteceu no artigo 515, que recebeu um parágrafo 3º e fez revolução na chamada profundidade do efeito devolutivo da apelação:

Diz o § 3º :

"Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."

Apesar da falta de estilo da redação, o dispositivo é avançado.

Pela sistemática anterior, a Jurisprudência dominante indicava que se o Tribunal reconhecesse o equívoco da extinção terminativa do processo (casos do art. 267 do CPC), teria que determinar ao juiz a edição de nova sentença, sobre o mérito da causa, mesmo que fosse desnecessária a produção de qualquer outra prova.

Agora a situação é diversa, pois a lei autoriza expressamente o Tribunal a julgar desde logo a lide. Espero que a expressão "pode" seja interpretada como sempre foi, ou seja, "deve", porque não se trata de mera faculdade do órgão julgador. Presentes os requisitos objetivos para o julgamento imediato, o Tribunal não pode desconsiderá-los.

Na regra antiga prestigiava-se o princípio do duplo grau de jurisdição, cuja existência no plano constitucional hoje é discutida.

A doutrina diverge em considerar o duplo grau de jurisdição como um princípio de processo inserido na Constituição Federal, já que não tem previsão expressa. Dentre os autores que não o admitem, pode-se mencionar Manoel Antônio Teixeira Filho, Arruda Alvim, Tucci e Cruz, dentre outros. Humberto Theodoro Júnior e Nelson Nery Júnior são divergentes.

Hoje se indaga, inclusive, quais valores devam preponderar para a realização da Justiça. Será que a idéia do duplo grau prevalece sobre a da efetividade do processo?

No caso do § 3º do art. 515, o legislador abriu espaço para a efetividade e a instrumentalidade, o que é moderno, porque apresenta resultados e não compromete a segurança jurídica.

A lei poderia ter sido mais técnica e repetido as mesmas expressões utilizadas para o julgamento antecipado da lide: "quando a questão for unicamente de direito, ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência." Penso, todavia, que não haverá dificuldade para a interpretação da norma e sua extensão ficará devidamente compreendida.

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ART. 520:

O art. 520, que para casos excepcionais prevê o recebimento da apelação no efeito meramente devolutivo, teve a adição de mais um inciso, ou seja, será recebida só no efeito devolutivo a apelação de sentença que:

VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela;

A antecipacão da tutela foi introduzida no procedimento comum ordinário para combater os males do tempo no processo e pode inclusive ser executada provisoriamente, aplicando-se, no que couber, as regras do art. 588, incisos II e III do CPC.

Doutrina e jurisprudência têm entendido, com acerto, que na antecipação dos efeitos tutela não se abrevia apenas a sentença de mérito, mas a sua própria implementação/execução.

Ora, se a decisão interlocutória que defere a antecipação da tutela pode ser executada provisoriamente e se ela desafia recurso de agravo, cujo efeito originário de recepção é meramente devolutivo, com idêntica carga deve ser recebida a apelação da sentença que confirma a antecipação, sob pena de se conferir mais efetividade à interlocutória do que à própria sentença.

É intuitivo, porém, que na maioria dessas apelações os recorrentes pedirão ao Relator a concessão do efeito suspensivo, na forma do art. 558, § único do CPC.

Vejamos, por fim, os embargos infringentes, que apesar das duras críticas quanto à sua manutenção, foi prestigiado pela reforma.

Se foi equivocada sua sobrevida, pelo menos restringiram sua abrangência.


Art. 530

" Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência."(NR)

Apenas a reforma da sentença de mérito, por maioria, é que permitirá estes embargos. Sentença de mérito confirmada por maioria não desafiará os infringentes. Igual destino terá qualquer sentença que não tenha analisado o mérito, seja ela mantida ou reformada por maioria de votos.

Também só caberão os infringentes na hipótese de procedência do pedido da ação rescisória. Antes, para dar ensejo aos Embargos Infringentes, bastava a maioria de votos no julgamento de apelação e de rescisória.


Art. 531

Interpostos os embargos, abrir-se-á vista ao recorrido para contra-razões; após, o relator do acórdão embargado apreciará a admissibilidade do recurso."(NR)

Logo após a interposição será aberta vista para as contra-razões e somente depois delas dar-se-á o juízo de admissibilidade, o que é mais correto, porque na resposta o recorrido poderá suscitar preliminares que inviabilizem o processamento dos embargos, o que facilita o trabalho do julgador na fase de admissão do recurso.

No sistema anterior, se dava o inverso (antiga redação do 531 e do 534).


Art. 533

"Admitidos os embargos, serão processados e julgados conforme dispuser o regimento do tribunal."

O art. 533 remete o processo e julgamento para o Regimento Interno dos Tribunais, o que é correto.

A propósito, comentou o Des. Silveira Lenzi, do TJSC:

" Admitidos os embargos – diz o novo texto – serão processados e julgados conforme dispuser o Regimento Interno do Tribunal. O parágrafo único que trata da escolha do relator, entende-se que foi revogado, uma vez que a matéria foi transferida para o dispositivo seguinte" (Novas alterações do Código de Processo Civil, www.tj.sc.gov.br – Informativos e Dicas)


ART. 534

"Caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, esta recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior."(NR)

Ainda nos socorrendo das observações do Des. Silveira Lenzi:

" O novo art. 534, complementa o anterior com a reformulação da redação: caso a norma regimental determine a escolha de novo relator, este recairá, se possível, em juiz que não haja participado do julgamento anterior. Revogado, igualmente, o parágrafo único do dispositivo atual.

" A modificação nos textos comentados, remetendo o procedimento para o Regimento Interno dos Tribunais é mais correta, uma vez que cada uma destas Cortes – dentro do princípio da autonomia constitucional (arts. 24 e 125) –, cria suas leis de organização judiciária e regimentos internos, de acordo com as peculiaridades do Poder Judiciário de cada Estado."

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Sobre o autor
Paulo Henrique Moritz Martins da Silva

juiz corregedor do Tribunal do Justiça de Santa Catarina, professor de Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Paulo Henrique Moritz Martins. Considerações sobre as novas reformas do Código de Processo Civil.: Leis nº 10.352/01 e 10.358/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3284. Acesso em: 18 nov. 2024.

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