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Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro

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07/05/2015 às 15:40
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Capítulo II – Princípios Constitucionais correlatos

A Constituição, lei de maior hierarquia em nosso Ordenamento Jurídico e fonte de validade de todas as normas, é a responsável por trazer um sistema aberto de princípios e regras que irão guiar toda a atuação do Sistema Jurídico. Nossa Carta Magna é preponderantemente principiológica trazendo diversos princípios expressos em seu texto, como também de forma implícita, presumidos diante da interpretação de seus artigos.

Os princípios podem ser conceituados como as premissas do Sistema Jurídico e são a origem da interpretação necessária para a aplicação das leis dentro do Ordenamento Jurídico.

Na obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição, o ilustre doutrinador Canotilho (1993, p.171) traz a seguinte concepção de princípios fundamentais:

São aqueles historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.

No Brasil, é Celso Antônio Bandeira de Melo (2004, p.841) quem explica de forma clara e completa o significado de um princípio jurídico:

Principio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico.

Além de serem os princípios constitucionais a base do ordenamento jurídico, eles também servem para a interpretação do conteúdo das normas, buscando assim, uma melhor aplicação e compreensão das regras jurídicas.

Diante disso, dentre os vários princípios previstos em nossa Lei maior, é importante tratar especificamente de alguns deles para que se possa fazer uma análise crítica das leis brasileiras afetadas pelo Direito Penal do Inimigo, principalmente no que tange a sua aplicação como os princípios da Dignidade da Pessoa Humana,da Isonomia, da Proporcionalidade, da Proibição do Excesso e da Proibição da Proteção Deficiente.

2.1. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana é um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer condição ou requisito. É um dos princípios fundamentais que regem a República Federativa do Brasil, e está previsto no artigo 1º, III, da nossa Lei Maior:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Para sua efetivação, a Constituição prevê diversos direitos e garantias além de vários outros princípios. Assim, a dignidade da pessoa humana sempre deve guiar as relações entre Estado e o indivíduo, principalmente em um Estado Democrático de Direito onde cada homem deve ser tratado com respeito e dignidade.

É Ingo Wolfgang Sarlet(2001, p.60) quem traz uma concepção jurídica de dignidade da pessoa humana. Segundo ele:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano como venham a lhe garantir as condições de existência mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Como se pôde observar através das sábias palavras do ilustre jurista, o Princípio da dignidade da pessoa humana traz em sua essência que todos devem respeitar a si próprios e aos demais seres humanos a fim de que todos possam ter uma vida digna. Ademais, tal premissa deve guiar a criação e interpretação das leis para que toda e qualquer pessoaseja protegida dos abusos contra ela praticados.

Assim, defender a dignidade da pessoa humana não significa prever que o indivíduo possa fazer o que quiser e nunca ter seus direitos e benefícios relativizados. Muito ao contrário, deve respeitar a dignidade do outro para poder reclamar a sua. Deve-se, como disse Sarlet, respeitar para ser merecedor de respeito e consideração por parte dos outros e do Estado.

2.2. Princípio da Isonomia

O princípio da isonomia ou igualdade está previsto expressamente na Constituição Federal, mais precisamente no caput do artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade(...)” (g.n.).

Nos termos desse princípio, todas as pessoas devem ser tratadas iguais, não só em relação ao Direito, mas também em relação à vida. Entretanto, não há como falar que a sociedade moderna é igualitária nem que todos são iguais, efetivamente.Por isso busca-se, com a previsão de tal princípio diminuir as desigualdades e oferecer um tratamento igual a todos. José Afonso da Silva (2007, p.195) dizia que “porque existem desigualdades é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais”.

Essa igualdade prevista na Constituição deve ser compreendida sob dois aspectos: a igualdade formal e a igualdade material.

A igualdade formal está relacionada à lei. Assim, preconiza que a lei deve estabelecer direitos e deveres igualitários para toda a sociedade. Isso também reflete na atuação do legislador que não pode conceder benefícios sem justificativa.

Já a igualdade material tem relação com a vida do cidadão. Segundo ela e todos devem ser oferecidas oportunidades iguais, buscando ela equiparar as pessoas sob todos os aspectos.Todavia, esse ideal de igualdade jamais se realizou principalmente no Brasil, onde há uma enorme distância entre uma parte e outra da população.

Com isso, outro principal objetivo do princípio da isonomia é buscar diminuir certas desigualdades buscando a tão sonhada igualdade material, tratando de maneira desigual àqueles que são diferentes na medida de suas desigualdades. Trata-se de uma discriminação positiva.

Em poucas palavras, a igualdade formal é a de direito enquanto a igualdade material é a de fato. A primeira demonstra o esperado no plano normativo, já a segunda a que acontece no plano real. Contudo, não são conceitos separados, pelo contrário, se completam de forma que “o princípio deigualdade formal arriscar-se-ia de fato, a permanecer (ao menos em parte) uma puraafirmação teórica se não fosse integrado pelo de igualdade substancial.”Martines, 2005,p. 527).

Assim, não são erradas ou inconstitucionais certas determinações legais que trazem disposições diferentes para um e outro cidadão. Todavia, tal tratamento deve ser pautado em uma relação lógica entre a norma discriminadora e o fim que ela almeja.

Esclarece Alexandre de Morais que:

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos de valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionais protegidos.

Nesses termos, observa-se que é dever do Estado utilizar o Direito não só para assegurar a igualdade, mas também para oferecer um tratamento diferenciado com o fim de promover tal igualdade.

O que vai determinar se esse tratamento desigual esta ou não dentro dos limites estabelecidos no Ordenamento Jurídico é uma análise fática da situação atual da sociedade bem como se há equilíbrio entre os direitos mitigados e o fim almejado.

2.3. Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade, embora não previsto expressamente na Constituição, é considerado de suma importância no Ordenamento Jurídico e tem ligação direta com os demais princípios como o da isonomia, da razoabilidade e da legalidade.

Pedro Lenza (2009, p.97), citando Coelho esclarece que:

[...] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; e, ainda, enquanto princípio geral de direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.

Sua utilização repousa na necessidade de se aplicar uma norma positivada da forma mais coerente possível, tentando sempre harmonizar os vários interesses contrários presentes em uma relação jurídica.

Na prática, o princípio da proporcionalidade objetiva fazer uma ponderação entre os direitos fundamentais de acordo com o peso a eles atribuídos. Com isso, “destina-se a estabelecer limites concreto-individuais à violação de um direito fundamental – a dignidade humana – cujo núcleo é inviolável” (ÁVILA, 1999, p.151).

Nas sábias palavras de Paulo Bonavides (2008, p.426):

Com efeito, o critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso concreto ou particular, se aparenta consideravelmente com a equidade e é um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem o caso a reflexões prós e contras (abwagung), a fim de averiguar se na relação entre meios e fins não houve excesso (Übermassverbot), concretizam assim a necessidade do ato decisório de correção.

Tal princípio acabou sendo dividido em três subprincípios, quais sejam: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Entende-se pelo subprincípio da necessidade que para a utilização da proporcionalidade na resolução de conflitos que acarretem o detrimento de um direito fundamental em benefício de outrem, é mister que tal conflito seja real e que realmente não haja como estabelecer uma convivência simultânea entre os dois direitos em choque.

Em relação à adequação, deve haver equilíbrio entre a eficácia do meio escolhido e o fim almejado. Assim, “os fins devem justificar os meios”. Na ponderação entre dois direitos fundamentais deve-se analisar se o meio escolhido para a restrição desse direito será eficaz para alcançar os objetivos buscados.

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Pela proporcionalidade em sentido estrito, deve ser avaliado o conteúdo dos direitos em conflito, pois o conteúdo valorativo do direito protegido tem que ser superior ao do direito restringido. Assim, deve ser feita uma ponderação entre os interesses em conflito para que a medida escolhida traga mais benefícios do que prejuízos.

Nesses termos, ele representa a exata medida em que deve agir o Estado, não com excesso, mas também não de modo insuficiente na realização de suas metas. Sergio Gilberto Porto (2003, p.6) esclarece que:

Nesta medida, o princípio da proporcionalidade [...] tem por escopo – como sua designação deixa antever – a vontade de evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes, ou seja, o reconhecimento e a aplicação do princípio permite vislumbrar a circunstância de que o propósito constitucional de proteger determinados valores fundamentais deve ceder quando a observância intransigente de tal orientação importar na violação de outro direito fundamental ainda mais valorado.

Tal princípio não esta relacionado apenas com a limitação do Estado em sua atuação frente ao indivíduo, mas também com a proteção da pessoa. Com isso não pode o Poder Público, em ambos os casos e diante de um conflito entre dois valores, priorizar um a partir do sacrifício demasiado do outro.

2.4. Princípios da Proibição do Excesso e da proibição de proteção deficiente

Na aplicação da proporcionalidade no tocante ao Direito Penal deve ser observado, por um lado, o princípio da proibição do excesso que visa impedir que o Estado atue de modo desproporcional e, por outro, o princípio da proibição da proteção deficiente onde o Poder Público deve dar uma resposta eficiente para as necessidades de segurança a todos os direitos. Assim, temos o garantismo negativo (proibição do excesso) e o garantismo positivo (proibição da proteção deficiente).

O princípio da proibição do excesso ou da menor restrição possível liga-se ao da proporcionalidade na medida em que as restrições aplicadas a um direito fundamental na solução de um conflito jamais podem ir além do mínimo indispensável para que haja a harmonização pretendida.

Pela proibição da proteção deficiente o Estado deve recorrer a todos os meios repressivos e preventivos que se mostrem indispensáveis na tutela dos direitos e liberdades das pessoas e da sociedade como um todo. Deve proteger a comunidade não só dos seus abusos, mas também dela própria, principalmente dos abusos cometidos por alguns indivíduos.

No tema também leciona Ingo Wolfgang Sarlet (2005), segundo qual:

[...] a noção de proporcionalidade não se esgota na categoria de proibição de excesso, já que vinculada igualmente, como ainda será desenvolvido, a um dever de proteção por parte do Estado, inclusive quanto à agressão contra direitos fundamentais provenientes de terceiros, de tal sorte que se esta diante de dimensões que reclamam maior densificação, notadamente no que diz com os desdobramentos da assim chamada proibição de insuficiência no campo jurídico-penal e, por conseguinte, na esfera da política criminal[...].

Segundo o Procurador de Justiça Lenio Luiz Streck[7], “estes são os dois componentes do direito penal: o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual, e o correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo”

Como em matéria penal prevalece o princípio da legalidade, onde não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal, para o agente responder pelos atos ilícitos praticados, se faz necessário que o Estado criminalize certas condutas para proteger alguns bens jurídicos que estariam, em certas situações, desamparados.

Diante da existência de bens jurídicos relevantes desamparados ou insuficientemente protegidos, o Estado tem o dever de tutelá-los, mesmo que para isso acabe agravando alguns tratamentos a certos tipos de crimes e criminosos, desde que exista necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Caso contrário, estar-se-ia violando o direito fundamental de proteção.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência do princípio da proibição da proteção deficiente. É o que se extrai das palavras ditas pelo Ministro Gilmar Mendes no voto proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 418.376/MS, onde era discutida a equiparação da União Estável ao casamento para a aplicação do previsto no já revogado artigo 107, VII e VIII, ou seja, extinção da punibilidade do crime de estupro no caso de a vítima ser casada com o autor do delito ou até mesmo com terceiro. Disse o Ministro:

A união estável, que se equipara a casamento por força do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, é uma relação de convivência e afetividade em que homem e mulher adulta, de forma livre e consciente, mantém com o intuito de constituírem família. Não se pode equiparar a situação dos autos a uma união estável, nem muito menos, a partir dela, reconhecer, na hipótese, um casamento, para fins de incidência do art. 107, VII, do Código Penal.De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de norma penal mais benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade,caracterizando-se típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico.Quanto à proibição de proteção insuficiente, a doutrina vem apontando parauma espécie de garantismo positivo, ao contrário do garantismo negativo(que se consubstancia na proteção contra os excessos do Estado) já consagrado pelo princípio da proporcionalidade. A proibição de proteção insuficiente adquire importância na aplicação dos direitos fundamentais de proteção, que se consubstancia naqueles casos em que o Estado não pode abrir mão da proteção do direito penal para garantir a proteção de um direito fundamental […].

Portanto, o Estado, ao se utilizar da lei, não deve apenas evitar abusos estatais, mas também defender todos os direitos e liberdades de todo e qualquer poder social de fato.Com a utilização desses dois princípios o Estado busca uma política criminal que proteja de forma integral os direitos dos indivíduos.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMES, Flávia Maria. Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4327, 7 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32886. Acesso em: 21 nov. 2024.

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Feito como trabalho de conclusão do Curso de Direito.

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