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Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro

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07/05/2015 às 15:40
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Capítulo III – Legislação penal e processual penalbrasileira e o Direito Penal do Inimigo

É evidente que nos dias de hoje, cada vez mais a legislação penal esta sendo invadida por normas influenciadas pelo Direito Penal do Inimigo, tanto no Brasil quanto no resto do mundo.

Jakobs (2010, p.42) critica a introdução de fragmentos do Direito Penal do Inimigo no Direito Penal geral, pois segundo ele, quando isso acontece abre-se margem para que o cidadão possa acabar sendo tratado como um inimigo, ou seja, tais leis estariam atingindo não só indivíduos de alta periculosidade (os inimigos), mas também todos que praticassem o ato previsto na norma influenciada pelo Direito Penal do Inimigo. O autor disserta que (JAKOBS, 2008, p.17-8):

[...] nem todo criminoso é um adversário por princípio do ordenamento jurídico. Por essa razão a introdução, no Direito Penal geral, de uma quantidade que vem se tornando praticamente incalculável de variantes e partículas de Direito Penal do Inimigo é um mau ponto de vista do Estado de Direito.

Todavia, esse é um fenômeno em expansão tendo em vista que os Estados buscam meios de enfrentar crimes como o terrorismo, o tráfico internacional de drogas e a criminalidade organizada.

Quanto a tipificação de crimes, não só o Código Penal Brasileiro traz dispositivos influenciados pelo Direito Penal do Inimigo, mas também diversas leis infraconstitucionais que tratam de temas específicos, como é o caso da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), dentre outras.

3.1. Código Penal

O exemplo mais evidente do Direito Penal do Inimigo no Código Penal Brasileiro é o tipificado no artigo 288 desse diploma legal segundo o qual:

Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de um a três anos.

Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Como se pode observar o legislador quis se antecipar a formação de organizações criminosas, punindo o que pode ser considerado um mero ato preparatório.

Para a consumação do delito de quadrilha ou bando não é necessário que as pessoas associadas tenham efetivamente praticado algum delito, bastando que eles se juntem com o fim de cometer crimes. O que se pune assim é o fato de pessoas se organizarem para futuramente praticarem algum ato ilícito

Trata-se de crime de concurso necessário (plurissubjetivo) e de perigo abstrato que visa proteger a paz pública, ou seja, “o sentimento de tranquilidade e segurança imprescindível à convivência social” (JUNIOR, 2010, p.99).

Associar-se significa unir esforços, aliar-se, de forma estável e permanente. Sendo que tal associação deve ser constituída por, no mínimo, quatro pessoas, mesmo que nem todas sejam imputáveis, desde que todos tenham consciência do que fazem. Sobre o assunto Nucci (2008, p.985) ensina que:

[...]o tipo penal não exige que todas elas sejam imputáveis, de modo que se admite, para a composição do crime, a formação de quadrilha entre maiores e menores de 18 anos (...) é o que se denomina “concurso impróprio”. Natural ainda, argumentar que depende muito da idade dos menores, uma vez que não tem cabimento quando eles não têm a menor noção do que estão fazendo, incluí-los na associação.

Deve haver também dolo, além do especial fim de agir, qual seja a finalidade de cometer crimes. Todavia, se a união de esforços de 4 pessoas ou mais se der para o cometimento de um único crime, não há que se falar em quadrilha ou bando, mas sim em concurso de agentes. Assim, a união deve ocorrer com o fim de se praticar mais de um delito determinado.

Quanto à consumação, o crime de formação de quadrilha aperfeiçoa-se com o momento associativo pouco importando se a quadrilha efetivamente praticou algum outro crime. O praticando, cada integrante da quadrilha responderá pelo crime do artigo 288 em concurso com os crimes que tenha praticado.

Alexandre Rocha Almeida de Moraes (2008, p.187), citando sábias palavras de Hungria a respeito da criminalização de tal delito, declara que:

[...] a delinquência associada ou de grupofez-se, na atualidade, um alarmante fenômeno de hostilidade contra a ordem jurídico-social. Certos indivíduos que, por circunstâncias múltiplas, notadamente por influência de um ambiente criminógeno, a agravar-lhes a inconformação com a própria incapacidade de êxito pelos meios honestos, coligam-se como militantes inimigos da sociedade, formando entre si estáveis associações para o crime e entregando-se, pelo encorajamento e auxílio recíprocos, a todas as audácias e a todos os riscos. É o banditismo organizado. Seus componentes, chefes ou gregários, íncubos ou súcubos, são, via de regra, homens sem fé nem lei que não conhecem outra moral além dos aberrantes “pontos de honra” com que requintam a solidariedade para o malefício. Pela mútua sugestão e pelo fermento de imoralidade no seio do “bando” ou “quadrilha”, fazem do crime o seu meio de luta pela vida, caracterizando-se por singular impiedade, afrontoso desplante, menosprezo a todos os preconceitos ou extrema insensibilidade ética.

Embora o artigo 288 puna uma conduta considerada como preparatória para a prática de outro delito, a pena cominada neste dispositivo legal – reclusão de uma três anos – é a mesma imposta, por exemplo, a uma mulher que provoca em si um aborto ou consinta para que outro o pratique[8], ou aquele que sequestra e mantém em cárcere privado uma pessoa[9].

Observa-se, aqui, uma das características do Direito Penal do Inimigo, qual seja a ausência de proporcionalidade entre a conduta e a sanção, já que se pune um ato preparatório sem que haja diminuição da pena.

Quando questionado acerca de ser a formação de quadrilha um assunto privado relacionado apenas à consciência dos indivíduos, Jakobs (MORAES apud JAKOBS, 2008, p.172) disserta que:

Na medida em que se insinue com essa pergunta que a persecução de fins antijurídicos não poderia ser uma questão privada por ela se vir afetada não somente a formação de quadrilha, como também a concepção em seu conjunto. Toda a preparação de um delito pode ser definida como uma conduta que é não-privada, mas então já não se tem nenhum motivo para se deter ante a incriminação de pensamentos. Por essa via, todo o direito penal se converte um direito penal de inimigos.

A punição de atos preparatórios também se verifica em outros artigos do Código Penal como no delito do artigo 291 segundo o qual será punido com pena de reclusão de dois a seis anos aquele que “Fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à falsificação de moeda”. E também no artigo 294 com punição de reclusão de uma três anos e multa àquele que possuir apetrechos para a falsificação de papéis públicos[10].

Ambos os delitos são tipos mistos alternativos, onde a prática de uma ou mais condutas caracterizará sempre um crime único. Deverá ser praticado com dolo, não sendo necessário nenhum especial fim de agir.

Os aparelhos, instrumentos ou objetos, embora possam servir para outras coisas, devem ter por finalidade principal a falsificação de moeda ou a construção de imitações dos papéis referidos no artigo 293.

Em ambos os casos, por se tratarem de condutas preparatórias para a prática de outros delitos, se o agente estiver com o aparelho destinado a falsificação e efetivamente falsificar moeda ou papel público responderá pelos crimes fins (289 e 293, do Código Penal), pois este absorve o crime meio.

Aqui também se observa que o legislador não abrandou a punição de tais atos preparatórios já que a pena de quem viola o artigo 291 do Código Penal é a mesma, por exemplo, de quem falsifica um documento público[11] e maior do que a daquele que pratica o crime de falsidade ideológica[12] ou contrabando e descaminho[13].

Outro exemplo da punição de atos preparatórios esta materializado no artigo 253 do Código Penal:

Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Gás tóxico pode ser entendido como o fluído compressível capaz de causar envenenamento, já o gás asfixiante é o produto químico que provoca sufocação. Quantoa expressão “material destinado a sua fabricação”, não é necessário que a substância tenha a única finalidade de fabricar esses gases, desde que em determinado contexto fático, ela possa ser usada para tal fim (NUCCI, 2008, p.944-5).

Trata-se de delito comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, não exigindo, para sua consumação nenhum efeito naturalístico, devendo o agente agir com dolo de perigo.

O Código Penal, preocupado com a extensão dos danos que podem ser causados pelo uso de gás tóxico ou asfixiante, antecipou-se novamente e criminalizou, com pena de detenção de seis meses a um ano, o simples transporte, sem licença da autoridade, de gás tóxico ou asfixiante ou qualquer material destinado a sua fabricação.

Ressalta-se que a parte do artigo 253 referentea fabricação, fornecimento e transporte de substância ou engenho explosivo foi derrogado pelo Estatuto do Desarmamento, já que essa lei passou a prever como crime tais condutas -  sendo, portanto aplicado o princípio da especialidade.

3.2. Lei de Drogas

A Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 (Lei de Drogas ou Lei de Tóxicos) também traz em seu texto ramificações do Direito Penal do Inimigo.

Ao estabelecer os crimes relacionados com a repressão não autorizada e o tráfico ilícito de drogas (Título IV, Capítulo II), criminalizou no artigo 33, §1º, I a conduta de importar, exportar, remeter, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, fornecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo ou guardar matéria prima, insumo ou algum produto químico destinado à preparação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Matéria prima, nas palavras de Alexandre de Moraes e Gianpaolo Poggio Smanio (2008, p.116)pode ser considera como “a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica, independentemente de terem os efeitos farmacológicos das substâncias a serem produzidas”.

Assim, será matéria prima toda substância que puder ser utilizada na produção de drogas, tanto aquelas destinada exclusivamente a esse fim quanto as que, eventualmente, se prestem a tal finalidade. Nesse último caso, se faz necessário verificar no caso concreto qual destino teria o produto.

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Podem ser citados com exemplos de matérias-primas o éter, a benzocaína, a lidocaína, o clorofórmio, a acetona (necessária para que a folha de coca tenha propriedades entorpecentes), o permanganato de potássio e o éter etílico.

Insumo será todo elemento necessário par a produção da droga. Já o produto químico é o resultante de uma preparação química.

O mesmo ocorre no inciso II deste parágrafo, que pune aquele que “semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas”.

Semear é por a semente na terra para que germine. Cultivar significa trabalhar a terra. Por fim, quem faz a colheita é o indivíduo que apanha os frutos da produção.

Vale lembrar que, se o agente for encontrado na posse de sementes de plantas consideradas como substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica, é necessário avaliar se estas possuem o princípio ativo da substância entorpecente.

Nesse caso, se não for encontrado nenhum princípio ativo, a conduta será atípica. Caso contrário, restará configurado o delito previsto no inciso I, nas modalidades guardar ou trazer consigo e não o do inciso II, pois o agente ainda não iniciou o plantio.

Se houver o efetivo plantio ou cultivo da semente sem princípio ativo, caracterizaria o delito do inciso II, pois a semente da planta, literalmente, constitui matéria prima de drogas ou entorpecentes. Todavia, se apreendidas antes disso, não há que se falar em tentativa, mas sim em ato preparatório, já que a intenção de semear não é inequívoca da conduta de importar, guardar, transportar, ter consigo, ou adquirir, por exemplo.

Os crimes previstos na Lei nº 11.343/06, exceto o previsto no artigo 38, na conduta prescrever, são comuns, podendo ser praticados por qualquer pessoa. Já o sujeito passivo é a sociedade como um todo, ou seja, a coletividade, e não aquele para quem se vendeu a droga ou o usuário, posto que o bem jurídico protegido é a saúde pública.

Os delitos previstos no artigo 33 permitem participação ou co-autoria, respondendo pelo crime aquele que, de qualquer forma, contribuiu para o fato, ainda que não tenha praticado a conduta descrita no tipo.

O tipo subjetivo é o dolo, não sendo necessário nenhum fim especial de agir, como o intuito de venda. Não pode também o agente alegar que desconhecia as propriedades toxicológicas das matérias-primas, por exemplo, já que o desconhecimento da lei é inescusável (JUNIOR, 2010, p.660).

Tais delitos, previstos no artigo 33 §1º I e II da já mencionada lei são punidos com a mesma pena prevista para o tráfico internacional de drogas tipificado no caput[14]do mesmo dispositivo, qual seja, reclusão de cinco a quinze anos e multa, além do pagamento de quinhentos a mil e quinhentos dias-multa.Aqui também ocorre a punição com elevadas penas de atos preparatórios a fabricação de entorpecentes.

3.3. Lei dos Crimes Ambientais

Também encontramos na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a criminalização de condutas que, em si, poderiam ser consideradas como atos preparatórios para a consumação de outro delito.

O artigo 52[15] de tal lei pune, com pena de detenção de seis meses a um ano, simples ação de entrar em uma unidade de conservação em posse de instrumentos para caça ou para exploração de produtos florestais sem a devida licença.

Unidade de Conservação, nos termos do inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.985/00, é o “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público com o objetivo de conservação e limites definidos(...)”.

Ela é dividida em Unidade de proteção integral e Unidades de Uso Sustentável, sendo que os artigos 8º e 14 da Lei são quem definem a composição de cada grupo:

Art. 8º. O grupo das Unidades de Proteção integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação:

I – Estação Ecológica;

II – Reserva Biológica;

III – Parque Nacional;

IV –Monumento Natural;

V – Refúgio da Vida Silvestre.

Art. 14. Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias de unidade de conservação.

I – Área de Proteção Ambiental;

II – Área de Relevante Interesse Ecológico;

III – Floresta Nacional;

IV – Reserva Extrativista;

V – Reserva de Fauna

VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e

VII – Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Para a configuração do delito em tela é necessário que o agente entre, invada uma unidade de conservação, trazendo consigo:

a) substâncias ou instrumentos próprios para caça como armas de fogo, armadilhas, gaiola e qualquer artifício usado para apanhar animais; ou

b) substâncias ou instrumentos próprios para a exploração de produtos florestais como machados, serras, motosserras ou até mesmo facões (DELMANTO; et all, 2006, 501).

Trata-se, pois, de um crime de perigo, não sendo necessária a ocorrência de nenhum dano efetivo ao meio ambiente para sua caracterização.

Sua consumação se dá com o ingresso do agente na Unidade de Conservação portando algum dos objetos acima citados (crime formal).

Ressalta-se que não haverá crime se o agente possuir autorização para praticar tal conduta.Entretanto, se mesmo, tendo a autorização, exceder ao determinado, também estará configurado o delito.

A ausência de licença da autoridade competente é elemento normativo do tipo.

Qualquer pessoa física pode praticar esse delito e, nos termos do artigo 3º da Lei nº 9.605/98, as pessoas jurídicas também, sendo necessária a presença de dolo. Sujeito passivo será o Estado, juntamente com o possuidor ou proprietário da área afetada.

Na hipótese de o agente adentrar na Unidade de Conservação portando arma de fogo sem autorização da autoridade ambiental e sem licença de porte de arma, haverá concurso formal entre o crime previsto no artigo 52 da Lei nº 9.605/95 e os delitos do artigo 14 ou 16 da Lei nº 10.826/03, a depender se a arma é, respectivamente, de uso permitido ou restrito.

O comércio de motosserra sem licença ou registro de autoridade competente também é considerado crime nos termos do artigo 51desta lei: “Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente:Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”.

Qualquer sujeito pode praticar a conduta, devendo agir com vontade livre e consciente de comercializar motosserra.

Tal artigo também pune o uso de motosserra em florestas ou demais formas de vegetação sem a devida autorização.

Ressalta-se que se o uso da motosserra ocorrer em Unidade de Conservação, estará caracterizado o delito acima explanado (art. 52) e não o do artigo 51.

O fato de vender motosserra sem licença ou registro poderia ser considerado como mera irregularidade administrativa, mas, como tal instrumento é utilizado para o desmatamento de matas e florestas, quem praticar essa conduta pode ter a si aplicada uma pena de três meses a um ano de detenção.

Por fim, outro exemplo da influência do Direito Penal do Inimigo na Lei dos Crimes Ambientais é a encontrada no seu artigo 42 que pune a fabricação, venda, transporte e soltura de balões. Vejamos o texto legal:

Art. 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:

Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Esse dispositivo legal visa proteger não só o meio ambiente, mas também a incolumidade pública.Como se pode desprender do texto legal, a preocupação do legislador foi evitar a ocorrência de incêndios, mesmo que de forma culposa, decorrentes da queda de balões. Por isso, está sujeito a detenção de um a três anos aquele que soltar balões ou tão somente os fabricar, vender ou transportar.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p.384), o objeto material do tipo balão pode ser entendido como “artefato frequentemente de papel fino ou de seda, de formato variado, que, inflado pela força expansiva do ar, aquecido pelo fogo de buchas acesas em uma ou mais bocas de arame, sobe aos ares (comum especialmente no período de festas juninas)”.

Trata-se de crime de perigo, sendo necessária a capacidade da conduta de provocar incêndios, pois “a inexistência de possibilidade de provocar incêndio torna a conduta atípica (lembramos, por exemplo, a existência de balões inflados exclusivamente com gases provenientes de escapamentos de veículos automotores, sem fogo)” (DELMANTO, et all, 2006, p.481).

3.4. Reincidência, maus antecedentes e personalidadedo agente

Ao condenar uma pessoa pela prática de uma infração penal deve o juiz, na sentença, determinar à quantidade de pena que o réu deverá cumprir, observadas as regras previstas na lei. Nesse contexto, prevê o artigo 61 do Código Penal que a reincidência é uma circunstância que sempre agravará a pena.

Pelo disposto no artigo 63 do mesmo diploma legal, haverá reincidência quando o agente cometer um novo crime depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado.

Além de agravar a pena a ser aplicada ao condenado, a reincidência causa outros efeitos prejudiciais ao réu, dentre eles (CAPEZ, 2008, p.475):

[...]

b) constitui circunstância preponderante no concurso de agravantes (art. 67 do CP);

c) impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando houver reincidência em crime doloso (art. 44, II, do CP);

d) impede a substituição da pena privativa de liberdade por pena de multa (art. 60, §2º, do CP);

e) impede a concessão de sursis quando por crime doloso (art. 77, I, do CP);

f) aumenta o prazo de cumprimento de pena para obtenção do livramento condicional (art. 83, II, do CP);

g) impede o livramento condicional nos crimes previstos na Lei de Crimes Hediondos, quando se tratar de reincidência específica (art. 5º da Lei n. 8.072/90);

h) interrompe a prescrição da pretensão executória (art. 117, VI, do CP);

i) aumenta o prazo da prescrição da pretensão executória (art. 110 do CP);

j) revoga o sursis, obrigatoriamente, em caso de condenação em crime doloso (art. 81, I, do CP), e facultativamente, no caso de condenação, por crime culposo ou contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos (art. 81, §1º, do CP);

k) revoga o livramento condicional, obrigatoriamente, em caso de condenação a pena privativa de liberdade (art. 86 do CP) e, facultativamente, no caso de condenação por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade (art. 87 do CP);

l) revoga a reabilitação quando o agente for condenado a pena que não seja de multa (art. 95 do CP);

m) impede a incidência de algumas causas de diminuição de pena (arts. 155, §2º, e 171, §1º, todos do CP);

n) obriga o agente a iniciar o cumprimento da pena de reclusão em regime fechado (art. 33, §2º, b e c, do CP);

o) obriga o agente a iniciar o cumprimento de pena de detenção em regime semi-aberto (art. 33, 2ª parte, §2º, c)

[...]

Nos termos do Código Penal, ao fixar a pena base, o juiz deve levar em consideração não só anteriores condenações do réu, mas também se ele tem maus antecedentes, bem como sua personalidade. É o que determina o artigo 59 desse diploma legal.

É evidente aqui a influência do Direito Penal do Inimigo, onde haverá “um incremento de pena de acordo com a pessoa do réu, que indicará sua periculosidade e consequentemente a probabilidade do cometimento de ilícitos futuros” (CALLEGARI; ANDRADE, 2007, p.2). Com isso, aquele que pratica reiteradamente ilícito será tratado de forma mais severa.

3.5. Prisão Preventiva

A prisão preventiva é uma espécie de prisão processual cautelar destinada a vigorar, unicamente, quando for necessário e até o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Em poucas palavras, pode ser conceituada como (NUCCI, 2011, p.641) “uma espécie de prisão cautelar com o objetivo de assegurar a aplicação da lei penal, a conveniência da instrução criminal, garantir a ordem pública ou a ordem econômica, desde que provada a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria”.

Nos termos do artigo 311 do Código de Processo Penal, essa espécie de prisão cautelar poderá ser decretada de ofício pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou ainda por representação da autoridade policial, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal.

Não há um prazo máximo para sua duração, devendo este ser analisado em cada caso concreto levando-se em consideração o bom senso e a necessidade efetiva de sua implementação, sob pena de se caracterizar constrangimento ilegal.

Sobre o assunto, sábias são as palavras de Guilherme de Souza Nucci (2011, p.605):

A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo esta se prolongar indefinidamente, por culpa do juiz ou por atos procrastinatórios do órgão acusatório. Se assim acontecer, configura constrangimento ilegal. Por outro lado, dentro da razoabilidade, havendo necessidade, não se deve estipular um prazo fixo para o término da instrução, como ocorria no passado, mencionando-se como parâmetro o cômputo de 81 dias, que era a simples somatória dos prazos previstos no Código de Processo Penal para que a colheita de prova se encerrasse (...).

Na realidade, os prazos estabelecidos para a conclusão dos atos de instrução são impróprios, vale dizer, não há sanção alguma se forem descumpridos. Porém, isso não significa que ultrapassá-los, sem motivo razoável, possa manter o acusado preso indefinidamente.

Em outros termos, deve-se determinar, em nível ideal, a instrução nos prazos fixados em lei. Porém, havendo fundamento para que tal não se dê, admite-se a prorrogação e, existindo prisão cautelar, adota-se o princípio da razoabilidade. Cada caso concreto deve ser isoladamente analisado. Não se pode ter uma padronização.

A prisão preventiva só poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime, ou seja, certeza de que ocorreu uma infração penal e indícios suficientes de autoria, que se caracteriza pela fundada suspeita de que o indiciado ou réu é o autor do crime. Ademais, é necessário que a prisão seja decretada para garantir a ordem pública ou econômica, por conveniência da instrução criminal ou ainda para assegurar a aplicação da lei penal.

No caso do agente praticar um delito grave, que causa grande repercussão e sentimento de impunidade em grande parte da sociedade, além de ser considerado “perigoso”, justificar-se-ia a decretação da prisão preventiva desse infrator para garantir a ordem social. Assim, “a garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo trinômio gravidade da infração + repercussão social + periculosidade do agente” (NUCCI, 2011, p.607).

Também se usa esse trinômio para justificar a prisão preventiva para garantia da ordem econômica. Seria o caso de crimes do “colarinho branco”, onde a prisão preventiva visa “impedir que o agente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área” (NUCCI, 2011, p.608).

Quanto ao terceiro requisito para a decretação da prisão preventiva, é fato que o acusado de um delito pode vir a cometer atos que atrapalhem e até inviabilizem a instrução criminal, como ameaçar testemunhas ou agentes da lei e até do Judiciário, desaparecer com evidencias, dentre outras. Assim, existindo indícios de que o possível autor do crime poderá atrapalhar o andamento das investigações, há a possibilidade de lhe ser decretada a prisão preventiva por conveniência da instrução criminal.

Por fim, essa espécie de prisão cautelar também tem por situação legitimadora a garantia de aplicação da lei penal, qual seja a aplicação da sanção devida àquele que for considerado o autor de um delito. O exemplo mais claro de ato praticado pelo réu que visa frustrar o direito de punir do Estado é quando ele foge do local em que esta sendo processado, do Estado ou até mesmo do país, demonstrando seu desinteresse em cooperar com a aplicação da lei.

Além desses requisitos, a prisão preventiva só será decretada quando o crime for praticado de forma dolosa e a pena privativa de liberdade máxima a ele aplicada for superior a quatro anos, ou quando o suposto autor do delito já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de outro crime doloso, exceto no caso de se configurar o disposto no inciso I do caput do artigo 64 do Código Penal ou então se o ilícito praticado envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, com a finalidade de garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

Por fim, caberá a prisão preventiva se houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa, ou quando ela não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la[16]. Como é possível observar, o inciso II do artigo 313 se preocupa com a periculosidade do agente ao determinar que a reincidência autoriza a decretação da prisão preventiva.

No caso dessa prisão ser decretada com fundamento no inciso I (crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos), quem praticasse um furto ou se associasse em quadrilha ou bando poderia não ter sua prisão preventiva decretada, já que a pena máxima para esses delitos não é superior a quatro anos. Entretanto, se uma pessoa já tiver sido condenada por sentença transitada em julgado por qualquer crime doloso e vier a praticar qualquer delito pode ter sua prisão decretada, pouco importando a pena máxima desse novo delito.

Assim, se um réu primário vier a praticar um crime de receptação não terá sua prisão preventiva decretada, já que a pena máxima desse delito é de quatro anos. Mas, se um reincidente praticar uma simples lesão corporal (artigo 129, caput, do Código Penal), cuja pena máxima é de um ano ou praticar um dano contra um patrimônio da União, Estado ou Município (artigo 163, III, do Código Penal), que é punido com detenção de seis meses a três anos e multa, poderá ser preso provisoriamente simplesmente por ser reincidente, com base no inciso II do artigo 313, do Código de Processo Penal.

Sobre a prisão preventiva, embora falando especificamente sobre o Código de Processo Penal alemão, Jakobs entende que (2008, p.48):

[...] ela reconhece o culpado não como pessoa, mas esgota-se em relação a ele na coação física. Isso não acontece porque o culpado precisa assistir ao processo – uma pessoa acusada também participa do processo, para dele tomar conhecimento -, mas sim porque ele é obrigado a isso pelo encarceramento. Essa coação não se dirige contra o sujeito de direitos – este não se esconde, nem foge -, mas sim contra o indivíduo que, com seus instintos e medos, torna-se perigoso para os trâmites jurídicos regulares, conduzindo-se, nessa medida, como inimigo.

A prisão preventiva pode ser considerada uma sanção que leva em consideração, na maioria das vezes, aspectos pessoais do acusado como um sujeito processual que pode vir a prejudicar o andamento e a finalidade do processo.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMES, Flávia Maria. Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4327, 7 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32886. Acesso em: 24 abr. 2024.

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