Com a vigência do novo Código de Trânsito Brasileiro e da Resolução n. 80/98 do CONTRAN, tornaram-se requisitos obrigatórios para os mencio-nados credenciamentos a experiência profissional mínima de dois anos e a conclusão do curso de capacitação para Médico-Perito-Examinador do Trânsito, conforme estabelecido no Art. 11:
"O credenciamento de novos médicos SERÁ FEITO pelos Órgãos Executivos de Trânsito das Unidades da Federação e do Distrito Federal, de acordo com os critérios aqui estabelecidos.
11.1 - Médicos com dois anos de formado, no mínimo e regularmente inscritos em seus respectivos conselhos;
11.2 - Ter título de especialista em Medicina do Tráfego de acordo com as normas da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina ou ter concluído e sido aprovado no "Curso de Capacitação para Médico - Perito Examinador responsável pelo exame de aptidão física e mental para condutores de veículos automotores". (g. nossos)
Contudo, não obstante preencherem os requisitos legais para o seu credenciamento, muitos profissionais competentes tem sido preteridos indevidamente pelas autarquias estaduais que, em sua maioria, alegam aguardar processo licitatório sem previsão para curto ou médio prazo. Só que esta situação já perdura há mais de três anos, no mínimo, o que além de ilegal afasta a livre concorrência entre a classe médica. A falta da licitação regular perpetua um esquema milionário de renúncia irregular de receita, lesivo aos cofres públicos, e que prejudica o consumidor ou candidato, diante das poucas opções de atendimento.
Eis o cerne da questão. Como a Resolução n. 80/98 emprega em seu art. 11 a palavra SERÁ, e não a poderá, as r.autarquias devem credenciar todos os profissionais que preencham tais requisitos legais e assim o requeiram mediante pagamento ou não da taxa específica, com base no princípio da igualdade, previsto no Art. 5 da Constituição Federal de 1988.
Em outras palavras, a ninguém que preencha tais requisitos deve ser negado o credenciamento, sob pena de se tornarem obrigatórios e imediatos a licitação ou o concurso público. Da mesma forma, o direito líquido e certo dos profissionais encontra-se embasado no mesmo princípio da igualdade e perdurará enquanto durar a precariedade da situação e dos outros credenciamentos atualmente em funcionamento.
Em que pese a douta opinião de alguns Diretores Gerais, a receita proveniente de tais exames é destinada as Autarquias por Lei e só pode ser renun-ciada com autorização expressa do Chefe do Executivo ou do Legislativo de cada estado. Por outro lado, "deixar ao juízo de oportunidade e conveniência, quando e de que forma será esse credenciamento" é criar um vasto campo fértil para práticas administrativas abusivas e protecionistas, haja vista que há mais de três anos prometem a referida licitação sem nenhum progresso efetivo. Por quanto tempo mais os outros médicos deverão aguar-dar? A demora excessiva gera desatualização profissional e prejuízos para muitas carreiras.
A interpretação mais correta, ou seja, que atenderia a finali-dade da norma, seria o credenciamento precário de todos aqueles que preenchessem os requisitos da r.Resolução 80/98 até que a autoridade estadual estabelecesse os critérios da futura contratação em estrita obediência ao princípio da igualdade, previsto na Carta Maior. Injusto é ter que aguardar anos por um processo licitatório que sequer possui data marcada. Injustificável é obrigar a população a enfrentar filas para ser atendida em poucos locais, ou dias para fazer um exame simples de poucos minutos. Ilegal é ferir o princípio constitucional da igualdade, permitindo e criando um protecionismo desneces-sário e ilógico, em prejuízo inequívoco para a população.
No dia 28 de fevereiro de 2002, foi publicado no DIÁRIO OFICIAL DO EXECUTIVO deste estado, caderno I, pagina 19, a resolução n. 6.568, que estabelece a disciplina jurídica para execução de exames de aptidão física e mental e a avaliação psicológica para a habilitação de motoristas, via processo licitatório. Tal resolu-ção infelizmente não cumpriu seu papel, na forma adiante comentada.
A própria resolução admite a carência de mais locais de atendimento para o estado de Minas Gerais
, mas não soluciona a questão estabelecendo a forma ou modalidade em que será feita a licitação, nem tampouco a data em que ocorrerá a publicação do edital, o que deixa a todos inseguros e sem condições de planejamento. Tal resolução é inconstitucional, discriminatória e objetiva eliminar a concorrência pública, visto que, ao não permitir que novos pedidos de credenciamento sejam aceitos ou deferidos, protege-se os antigos contemplados, que passarão a usufruir sozinhos a receita dos exames, cerceando o direito e a oportunidade dos demais pretendentes.A Constituição Federal prevê em seu Art. 5 que:
"Art. 5 - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:"
(...) XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;(...)
Sobre a resolução objeto publicada cabe destacar o quanto se apresenta como discriminatória, inconstitucional, omissa, protecionista, antiética e contraditória, posto que
a)discriminatória, por discriminar profissionais liberais de empresas ou entidades privadas no momento da contratação (Art. 2),
b)inconstitucional, por violar o principio da igualdade entre os credenciados antigos e novos,
c)omissa, por não especificar a forma (por preço ou região) e a data (edital) da licitação prometida (Art. 5),
d)protecionista, por conferir mais dois anos aos credenciados atuais para sua adaptação, o que e excessivo se considerado que a resolução 080 do Contran e de 1998 (art. 17),
e)antiética, por obrigar os credenciados a receber diretamente dos candidatos e depois repassar a S. Segurança 3% do faturamento (Art. 20),
f)contraditória, por estabelecer dois critérios de contratação, quais sejam de clinicas ou entidades privadas e profissionais liberais a serem selecionados pela divisão de seleção (Art. 2 e 20).
No estado de São Paulo, por exemplo, somente os profis-sionais liberais foram credenciados, a passo que, em Minas Gerais e no Espírito Santo a preferência é pelas empresas. Note-se que, segundo a r.resolução mineira, os credencia-mentos possuem um prazo de dez anos (Art. 3, par. 5), o que, mesmo para a administração pública é incomum e longo demais. Por outro lado, a fixação do valor da tarifa pelos respectivos conselhos (Art.19) deixa a população desprotegida e insegura quanto aos au-mentos que advirão.
O custo do exame médico em Minas Gerais é de R$25,54 (vinte e cinco reais e cinqüenta e quatro centavos), feitos com intermináveis filas e espera desnecessária, o que dificulta a vida do candidato e gera uma questão ética relevante para os profissionais. Na maioria dos estados do Sudeste, eles recebem diretamente as taxas do candidato e depois repassam as autarquias um percentual por mês, o que praticamente representa uma inaceitável comissão pelo agenciamento de clientela. É pública e notória a insatisfação popular com esse serviço prestado, que provoca, inclusive, o movimento de candidatos para outros estados em busca de maior rapidez e menos burocracia na obtenção e/ou renovação de suas CNHs, contrariando o Art. 140 do novo Código.
É preciso destacar, ainda, que, do ponto de vista jurídico, a negativa da concessão do credenciamento poderá ser atacada via mandado de segurança no prazo de cento e vinte dias, ou através de ação de obrigação de fazer cumulada com perdas e danos, se considerado que a distribuição das fichas de atendimento deve ser igualitária e imparcial e que a existência da planilha de exames é obrigatória nos termos legais. O dano material aos profissionais não está somente no que efetivamente gastam ou perdem, com aluguéis e pagamento de funcionários e impostos, mas também no que razoavelmente dei-xam de arrecadar, se considerado que o número de fichas deve ser igualmente dividido e a data em que lhe foi deferido o Alvará definitivo.
Em sentido comum, dano representa mal que se faz a alguém; prejuízo; destruição; inutilização parcial ou total de bens ou, ainda, resultado de ação ou omissão de agente causador que produz lesões à interesses alheios juridicamente prote-gidos. Nesse sentido, os danos dividem-se em puramente materiais, morais e mistos. Nos primeiros, principalmente, estão os que se efetivamente perdem e os que razoavelmente se deixam de ganhar, conforme disposto no art. 1.059 de C. Civil, como bem resumido por Fabrício Mattielo, em "Dano Moral, Dano Material e Reparação", Sagra Lezzatto, 1998, 4ª. Edição, Págs.13-16.
Para solucionar a questão e corrigir as injustiças e ilegalida-des, torna-se imprescindível o deferimento de liminar para os mandados de segurança e de tutela antecipada com fulcro nos Art. 461 do CPC, para as ações de obrigação de fazer. Note-se que a tutela requerida pode ser, a qualquer tempo, reversível ou modificada pelos magistrados, não havendo receios para sua concessão de imediato. O contrário, sim, seria irreversível e ineficaz. Que risco pode causar à ordem pública o credenciamento de um médico? Onde mais os médicos poderão exercer o seu específico ofício? Como reverter os prejuízos se uma eventual condenação será objeto de precatório? Como obter celeridade em um processo imprevisível? O passar do tempo sem o deferimento ou cumprimento da tutela requerida irá gerar perdas e danos irreparáveis como defasagem profissional e distribuição desigual de fichas incorrigível, como explicado.
O dano é pressuposto da responsabilidade civil e, no caso em tela, todos foram demonstrados irrefutavelmente. Encontram-se presentes e caracterizados a culpa do agente, o dolo, a responsabilidade, o nexo causal, a gravidade e/ou extensão dos danos ocorridos. O resto depende do bom senso e do livre arbítrio dos honrados julga-dores.