Prevê o artigo 71 do Código Penal: "Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições do tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticos, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços".
Realmente quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, com condições de tempo, lugar, maneira de execução semelhante, cria-se uma suposição de que os subsequentes são uma continuação do primeiro, de forma a se ter um crime continuado.
Distancia-se o crime continuado do concurso formal, que é previsto no artigo 70 do Código Penal, onde há existência de uma só conduta (ação ou omissão) embora ela possa se desdobrar em vários atos. Quando com uma única ação se infringe várias vezes a mesma disposição ou várias disposições legais, ocorre o concurso formal. Havendo duas ou mais ações distintas, ainda que em sequência, inexistirá o concurso formal, podendo-se falar, consoante a hipótese, em progressão criminosa (com antefato ou pós-fato não punivel), concurso material, crime continuado etc. Lembre-se que, o concurso material ocorre quando mais de uma conduta corresponde a mais de um crime, pouco importando existência ou não, da identidade entre eles, sendo cominada individualmente cada uma das penas, que deverão ser somadas, em cumulação de sanções (artigo 69 do Código Penal).
No concurso formal homogêneo, aplica-se a pena de um dos delitos aumentada de um sexto até a metade. O concurso formal será tido por homogêneo conforme os delitos resultantes da unidade de conduta sejam iguais (dois homicídios, por exemplo), pois, se forem diferentes (homicídio e uma lesão corporal), será heterogêneo.
Prevê, aliás, o artigo 70 do Código Penal, o concurso formal impróprio (ou imperfeito), referindo-se a uma só conduta dolosa em que o agente causa dois ou mais resultados com delitos autônomos, ou seja, desejando vários resultados. Por sua vez, no concurso formal próprio ou perfeito, a unidade da conduta e multiplicidade de resultados, implica, em regra, na aplicação da pena mais grave, dentre as cabíveis, ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até a metade (artigo 70, caput, primeira parte, Código Penal).
A teoria do crime continuado teve sua origem entre os anos de 1500 e 1600, em teoria elaborada pelos práticos italianos. Naquela época impunha-se a pena de morte quando houvesse a prática do terceiro furto pelo agente. Era, sem dúvida, um tratamento cruel em época de fome e desolação na Europa.
Ensinou Miguel Reale Júnior (Instituições de Direito Penal, volume II, 1ª edição, 2003, pág. 114) que “a origem do instituto e o fato de ser estudado pela doutrina, acolhido pela jurisprudência malgrado várias legislações não o contemplem, como a alemã, indicam que se trata antes de tudo de medida de política criminal, de equidade que, todavia, se compadece com o direito penal da culpa, uma vez que os elementos objetivos que o caracterizam indicam uma culpabilidade diminuída”.
No estudo da matéria formaram-se duas teorias: a da unidade real, que considera serem as várias violações componentes de um único crime; a da ficção jurídica, em que se afirma derivar a unidade de uma criação legal para a imposição da pena quando, na realidade, existem vários delitos; e a teoria mista, pela qual não se cogita de unidade ou pluralidade de delitos, mas de um terceiro crime, que é o próprio concurso.
O sistema jurídico brasileiro adotou a teoria da ficção jurídica determinando o sistema da exasperação da pena ao crime continuado, que existe, formalmente, na reunião de vários delitos praticados nas mesmas condições. Heleno Cláudio Fragoso, Manuel Pedro Pimentel, Carrara, Manzini, dentre outros, adotam essa tese.
Discute-se a questão da unidade de desígnio. Para solucionar essa questão há três teorias: subjetiva, que exige apenas a unidade de desígnio para demonstrar a existência do crime continuado. Para essa teoria, seguida pela jurisprudência suíça, o delito continuado somente existiria caso o agente conseguisse demonstrar que agiu com unidade de desígnio, ou seja, desde o início de sua atividade criminosa tinha um único propósito.
Por sua vez, a teoria objetiva não exige a prova da unidade de desígnio, mas única e tão-somente a demonstração de requisitos objetivos, tais como a prática de crimes da mesma espécie, cometidos em semelhantes condições de lugar, tempo, modo de execução, dentre outras. Sustentaram essa corrente, no exterior, dentre outros, Jiménez de Assua, e, no Brasil, Heleno Fragoso, Nelson Hungria, Celso Delmanto, Paulo José da Costa Jr., Costa e Silva, Manoel Pedro Pimentel, dentre outros. Após discorrer sobre a teoria subjetivista, Aníbal Bruno (Direito Penal, tomo II, 1967, pág. 208) disse: Os objetivistas opuseram a essa corrente uma série de objeções. Uma delas é a grave dificuldade prática de apurar a unidade de desígnio do agente. Razão de ordem processual, mera questão de prova, que não pode alegar-se contra a estruturação técnica do instituto. Além disso, se, eliminando a consideração do elemento subjetivo, liberta-se a teoria de tais dificuldades, outras não menos graves terá a resolver na interpretação das circunstâncias do fato, então os únicos índices reveladores da continuidade do crime. Ao final, conclui, ao dizer: “Outra objeção é a de que, se incluirmos no conceito a exigência da unidade de resolução ou de desígnios, seremos conduzidos à consequência intolerável de conceder o benefício do tratamento do crime continuado a indivíduos arrojados e persistentes no caminho do crime, de notável periculosidade, portanto, e a negá-lo a outros, de vontade débil, que, sem deliberação anterior, cedem a tentação das oportunidades sucessivas”. Sendo assim a teoria objetiva pura suprime a consideração do elemento psíquico. Para conceituar o crime continuado, bastam-lhe as características externas da conexão entre as várias ações, expressa pela homogeneidade da execução e por circunstâncias de fato que estabeleçam entre as ações sucessivas um vinculo de continuação. Anote-se, que, na Alemanha, no passado, a maior parte da doutrina defendia a teoria objetiva pura, porém, após, passou a defender a orientação do Reichsgericht, adotando a teoria mista.
Por outro lado, do que se lê da Exposição de Motivos da Lei 7.209, adotou-se a teoria objetiva pura (ou realístico-objetiva), onde se vê o crime continuado dentro de uma realidade apurável objetivamente, através da apreciação de elementos constitutivos exteriores, independente da unidade de designio. Afasta-se, pois, o modelo jurídico pátrio da teoria objetivo-subjetivo, que exige, além dos requisitos de caráter real, uma unidade de desígnios, ou seja: "um programa inicial, antecedente de que cada delito se coloca como realização sucessiva", como se entende do ensinamento de Valdir Sznic (Elemento subjetivo no delito continuado e no delito habitual, Justitia 117/193).
Adotada a teoria objetiva pura, da leitura do artigo 71 do Código Penal, não se exigindo a unidade de desígnios para a concretização do delito continuado, é admissível a continuidade delitiva no conceito de crimes culposos, onde não há resultado desejado pelo agente. Não foi esse o caminho escolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, a favor da teoria objetivo-subjetiva, do que se vê do julgamento, dentre vários, do Recurso Especial 59.820 – SP, Relator Ministro Anselmo Santiago, 09.09.96: “Firme a jurisprudência do STJ, no sentido de que a continuidade delitiva configura-se quando presente a unidade de desígnio, representada pelo envolvimento entrelaçado dos atos criminosos”. Ainda cita-se o julgamento do Superior Tribunal de Justiça, no HC 35.861 – MS, Relator Félix Fischer, DJ de 3 de novembro de 2004. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já acolheu a teoria objetiva pura, do que se vê do julgamento do HC 68.661 – SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, 27 de agosto de 1991, e ainda no julgamento HC 77. 786 – RJ, 2ª Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 2.2.2001.
O crime continuado exige que o sujeito pratique duas ou mais condutas, pois existindo apenas uma ação ainda que desdobrada em vários atos, haverá hipótese de concurso formal.
A teoria objetivo-subjetiva exige para a prova do crime continuado, não somente a demonstração dos requisitos objetivos, mas ainda a prova da unidade de desígnio. Defendam-na: Welzel, Sauer, Weber, Maurach, Bettiol, Antolisei, Manzini, Florian, Zaffaroni e, no Brasil, Roberto Lyra, Magalhães Noronha, Basileu Garcia, Silva Franco, Damásio de Jesus. Na Itália, exige-se a unidade de desígnio (artigo 81, CP) para a caracterização do crime continuado. Sendo assim, por aquele entendimento, é fundamental que ó agente, ao dar início às infrações penais, tenha o objetivo de atingir todas elas.
O crime continuado exige uma pluralidade de resultados, ou seja, crimes da mesma espécie.
Discute-se a questão do que se deve entender por crimes da mesma espécie: Entende-se que são delitos da mesma espécie os que estiverem previstos no mesmo tipo penal, tanto faz que sejam figuras simples ou qualificadas, dolosas ou culposas, tentadas ou consumadas. Para tanto, assim ensinaram Nelson Hungria e Frederico Marques, com a ressalva de que não precisam estar no mesmo artigo. Para a conceituação do que venha a ser crime da mesma espécie, para fins de incidência do artigo 71 do Código Penal, não basta que os crimes atinjam um mesmo bem jurídico, pois além disso deve haver necessariamente semelhança entre os elementos subjetivos e objetivos das condutas delituosas. Já se entendeu que são delitos da mesma espécie, o roubo e o furto, uma vez que, em ambos, há proteção ao patrimônio. Por sua vez, há uma posição majoritária no sentido de negar a possibilidade de continuidade delitiva, nas hipóteses de crimes de roubo e latrocínio. Aliás, havendo, primeiro, um crime de roubo e depois roubo seguido de morte da vitima, tem-se meios de execução diversos, tornando inviável o crime continuado. Mas já concluiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação 995.612 -3/SP, 28 de março de 2007, de que podem ser entendidos como delitos da mesma espécie. Assim, já se decidiu que não pode haver continuidade entre roubo e furto (RT 709/412), mas se entendeu que pode:RTJ 96/219. Já se entendeu que não pode haver crime continuado entre latrocínio e roubo (RTJ 121/222) ou que pode haver (RT 656/288). Entende-se que não há continuidade entre o crime de peculato e falsidade de documento.
Têm-se, em síntese, dois entendimentos sobre crimes da mesma espécie:
a) crimes da mesma espécie são delitos constantes do mesmo tipo legal incriminador, pouco importando se na forma simples, qualificada, privilegiada, tentada ou consumada.
É nesta linha a histórica jurisprudência dos julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. É o que se lê:
- "Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de estelionato, receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, pois são infrações penais de espécies diferentes, que não estão previstas no mesmo tipo fundamental. Precedentes do STF e do STJ" (STJ, REsp 738.337/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 19 de dezembro de 2005).
- "Não se admite a continuidade delitiva entre os crimes de furto qualificado e roubo majorado, uma vez que, apesar de estarem inseridos no rol dos crimes contra o patrimônio, são de espécies diferentes, o que afasta a aplicação do art. 71, caput, do Código Penal (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso)" (REsp 704.941/RS, Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 30 de maio de 2005).
- "Ocorre concurso material de delitos quando o agente pratica na mesma oportunidade fática, mediante ações imediatamente subseqüentes, os crimes de extorsão mediante seqüestro e de roubo; estes crimes são da mesma natureza, mas não são da mesma espécie: têm definição autônoma e assim devem ser punidos" (HC 74.258/SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 13 de dezembro de 1996).
Também neste sentido: HC n.º 69.810/SC, julgado pela Primeira Turma, DJ de 18 de junho de 1993.
b) contrariamente ao asseverado supra, alguns estudiosos sustentam que crimes da mesma espécie não são somente os delitos previstos no mesmo tipo incriminador, pois isto são "crimes idênticos", e não da "mesma espécie". Nesta linha, são crimes da mesma espécie os que atentam contra bens jurídicos semelhantes e mediante condutas similares, pouco importando se necessariamente na mesma estrutura típica (HC 69.810/SC, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18 de junho de 1993).
Filiando-se a esta corrente, Paulo Queiroz admitiu, por exemplo, o reconhecimento de continuidade delitiva entre furto, roubo e extorsão (crimes contra o patrimônio), bem como entre estupro e atentado violento ao pudor (crimes contra a liberdade sexual), em razão da semelhança entre eles (Direito Penal, parte geral, 3ª edição, 2006, pág. 337).
Para a configuração do crime continuado há de existir uma certa continuidade no tempo, uma determinada periodicidade. Tem-se da jurisprudência que o limite tolerado para o reconhecimento da continuidade, em consonância com a jurisprudência, é de não ser superior a trinta dias, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal , no HC 73.219-4/SP, DJ de 26 de abril de 1996. Mas o STF, no julgamento do HC 89.573 - PE, 13 de fevereiro de 2007, já entendeu pelo seu reconhecimento, porque foi observado um ritmo preciso entre todos, admitindo-se um prazo de três meses entre os delitos. A esse respeito, em hipótese concreta, o Supremo Tribunal Federal decidiu o que segue, no HC 93.824/RS, Relator Ministro Eros Grau, DJe de 14 de agosto de 2008: “no caso dos autos, os modos de execução são distintos e os delitos estão separados por espaço temporal igual a seis meses. Não se cuida, portanto, de crime continuado, mas de reiteração criminosa. Incide o concurso material”. Na reiteração criminosa ou habitualidade criminosa, onde, muito embora haja pluralidade de delitos, ainda que da mesma espécie, ficam ausentes as similitudes, ou ainda verificadas tais similitudes, não são suficientes para indicar a continuidade.
A esse respeito, tem-se:
"As características reveladas pelo modo de ação do paciente na perpetração dos cinco crimes de estelionato revelam que houve mera reiteração no crime, e não continuidade delitiva, convergindo para a condução de que o paciente adotou o crime como meio de vida. Firmou-se a jurisprudência do STF no sentido da descaracterização do crime continuado 'quando, independentemente da homogeneidade das circunstâncias objetivas, a natureza dos fatos e os antecedentes do agente identificam reiteração criminosa indicadora de delinqüência habitual ou profissional' (STF - Primeira Turma - HC 70.891/SP - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ de 01.07.94, p. 17498)".
Ainda exige-se o requisito do lugar, admitindo-se o reconhecimento em cidades diversas, desde que integrantes da mesma região sociogeográfica e com facilidades de acesso. Mas exige-se um mesmo modus operandi, de forma a existir uma homogeneidade de circunstâncias objetivas para o seu aperfeiçoamento.
Outras circunstâncias objetivas semelhantes podem ser exigidas. Deve-se, aliás, aferir a continuidade pelo conjunto delas, pois nenhuma delas, isoladamente, é decisiva.
Quanto aos chamados bens personalíssimos, aplica-se o parágrafo único, artigo 71 quando se disse: "Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 do Código". É o que se chama de crime continuado específico. Consagrou-se, pois, a continuidade delitiva, em crimes que atingem bens personalíssimos, em posição antagônica àquela já existente no Supremo Tribunal Federal, no passado, quando não se reconheceu a hipótese de crimes continuados, nos casos de estupros, editando-se a Súmula 605, quando se disse que não se reconhecia a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Com a redação que foi dada à Parte Geral do Código Penal, mediante a edição da Lei 7.209/84, a continuidade delitiva pode ser reconhecida em roubos e até em homicídios (RT 617/410).
Guilherme de Souza Nucci (Código Penal comentado, 8ª edição, pág. 446) ensina que não se aplica o crime continuado ao criminoso habitual, pois somente esse instituto é voltado para o criminoso eventual. É o que se lê do HC 71.940/SP, Relator Ministro Mauricio Corrêa, RTJ 160/583. Bem situam Celso Delmanto e outros (Código Penal comentado, 6ª edição, pág. 145), que a habitualidade é incompatível com a continuidade delitiva.
Um problema que pode ocorrer é quando, durante os vários delitos que constituem o delito continuado, o agente torna-se inimputável ou, ao contrário, iniciar a cadeia de delitos inimputável e curar-se, impõe-se duas soluções: deve ser aplicável pena e medida de segurança: pena para quando estiver imputável e medida de segurança para quando estiver inimputável; pena ou medida de segurança: se o último delito for praticado quando imputável, aplica-se a pena; se o último for praticado quando for inimputável, aplica-se a medida de segurança.
Há nítida diferença entre o crime continuado e o delito habitual: neste último, cada um dos episódios agrupados não é punível em si mesmo, pois pertencem a uma pluralidade de atos requeridos no tipo para configurar um ato punível. No delito continuado, cada uma das condutas agrupadas reúne, por si mesma, todas as características do fato punível.
Discute-se a questão da sanção no crime continuado.
Aplica-se a pena de um só dos crimes, se idênticos (crime continuado homogêneo) ou a do mais grave, se da mesma espécie, mas diversos (crime continuado heterogêneo), sempre aumentada de um sexto a dois terços. Leva-se em conta, para a dosimetria, o número de infrações praticadas pelo agente. Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal, volume I, 21ª edição, pág. 320), lembra que deve ser recomendado como parâmetro: aumento de um sexto para duas infrações; de um quinto para três; de um quarto para quatro; de um terço para cinco; de metade, para seis; de dois terços para sete ou mais ilícitos.
Nos casos de crimes dolosos contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplica--se a pena até o triplo.
De outra parte, deve o aumento incidir não sobre a pena base, mas sobre o resultado da pena base aumentada ou diminuída pelas circunstâncias agravantes e atenuantes.
O aumento deve incidir sobre a pena mais severa dos crimes componentes, excluído o aumento decorrente do concurso formal.
Quanto aos crimes continuados, que em verdade são vários crimes (concurso material de crimes), mas tratados como se fosse crime único (tratamento próprio do concurso formal), atendendo a conveniência político-criminal (CP, art. 71), o Supremo Tribunal Federal, acompanhando a doutrina majoritária, editou a súmula 711, com o seguinte teor: “a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”, razão pela qual passaram a ter tratamento idêntico ao dos crimes permanentes. Assim, se o agente comete crime continuado durante meses seguidos, a continuação delitiva será regida, no caso de sucessão de normas, não pela lei que vigora à época do primeiro crime, mas do último, isto é, da cessação da continuidade, ainda que seja a mais gravosa. Porém, data vênia, no crime continuado, que se considera uma ficção jurídica, em que vários crimes são praticados e os subsequentes tidos como continuação do primeiro, entende-se que a Súmula 711 não deve prevalecer. Ora, se o Código Penal considera praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado (artigo 4º), tem-se que, se no momento da prática do primeiro crime, que servirá de base para a caracterização da continuidade delitiva, a lei é mais benéfica do que a dos crimes subsequentes, por certo, a lei mais gravosa, ainda que atingido os crimes posteriores, não poderá ser aplicada, sob pena de violação ao princípio da irretroatividade da lei mais grave, corolário do princípio da legalidade.
Última discussão que se traz diz respeito ao crime continuado e a suspensão condicional do processo.
Tem-se o artigo 89 da Lei 9.099/95 onde se diz que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidos ou não por aquela Lei, o Parquet, ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crimes, presentes os demais requisitos que autorizem a suspensão condicional da pena (artigo 77 do CP).
A esse respeito, tem-se a Súmula 723 do STF que acentua que “não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 for superior a um ano”.