Tício, querendo matar Mévio, disparou três tiros. Mévio, alvejado mortalmente, caiu e ficou imóvel, fingindo-se de morto. Tício ainda colocou o revólver na cabeça de Mévio, mas, por achar que a vítima já estava morta, não disparou o restante dos tiros e foi embora. Aponte a solução jurídica, considerando que:
Aponte a solução jurídica, considerando que:
a) Mévio não morreu;
b) o Promotor de Justiça denunciou Tício por tentativa de homicídio;
c) o advogado, no plenário do Júri, alegou que o crime foi de lesão corporal, pois seu cliente desistiu voluntariamente, já que podia ter continuado a matar Mévio, e nenhuma circunstância alheia o impediu. Se não existiu circunstância alheia inibidora da vontade do agente ativo, inexiste tentativa.
Solução jurídica:
A tentativa é a realização incompleta do tipo. Trata-se de um caso de defeito de congruência: o tipo subjetivo aparece completo, mas o tipo objetivo aparece incompleto, inacabado.1
Para haver delito tentado, exige, o art. 14. do Código Penal, que o agente inicie a execução do delito, com intenção de consumá-lo, e que a consumação não ocorra por razões alheias à vontade do agente.
Por ser evidente, se iniciada a execução, e a consumação deixar de ocorrer porque o agente não quis que ocorresse, tem-se desistência voluntária ou arrependimento eficaz, casos em que o agente só responde pelos atos anteriores.
O artigo 15 do Código Penal é bem claro:
“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.
Na desistência voluntária, o agente “suspende o curso do processo executório”, podendo livremente continuá-lo, desistindo da consumação delitiva;
Exemplo I. O agente que cogita e se prepara para envenenar a vítima, mas, no momento em que esta vai, desavisadamente, ingerir a substância letal, impede que o fato ocorra (desistência voluntária).
Segundo a fórmula de Frank, existirá a desistência voluntária sempre que o agente pode prosseguir, mas não quer; se ele quer, mas não pode, há tentativa.
Configura-se o arrependimento eficaz, quando o agente, “tendo praticado todos os atos suficientes para a consumação do tipo penal”, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a ocorrência do resultado proibido pela lei repressiva.
Exemplo II. Pode ocorrer, todavia, que a vítima sorva o veneno e o agente, imediatamente, por ato voluntário, ministre-lhe um antídoto, impedindo o resultado morte (arrependimento eficaz). Em ambos os casos, o agente só é responsável pelos atos já praticados.
Nos dois casos supracitados, não poderá haver tentativa, pois o agente ativo iniciou a execução, mas “não houve uma circunstância alheia que inibiu a vontade do autor”.
Mas, há algo que a doutrina não explica, há duas espécies de circunstância a alheia.
DIVISÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ALHEIA
Muñoz Conde leciona que a voluntariedade de uma conduta, no sentido de livre e espontânea, supõe que o autor tenha a possibilidade de seguir atuando. Se essa possibilidade falta por razões psíquicas, físicas ou técnicas, a questão da voluntariedade sequer se coloca.1
A circunstância alheia pode ser:
a) externa (física ou técnica);
b) interna (psíquica).
A circunstância alheia externa é um fator real que inibe a vontade do agente, fazendo com que o autor, sem querer, deixe de consumar o delito.
A circunstância alheia interna é um fator tácito ou imaginário que também inibe a vontade do agente, fazendo com que ele, sem querer, deixe de consumar o delito.
A circunstância alheia externa, por ser um fator real, faz com que o agente ativo pense: “Eu quero consumar, mas não posso.” Exemplo: o agente ativo iniciou a execução de um crime, mas a polícia chegou atirando.
A circunstância alheia interna, por ser um fator imaginário, faz com que o agente pense que está diante de duas hipóteses:
1ª hipótese: ele supõe que existe uma circunstância alheia real, “ele quer consumar, mas acha que não pode”. Exemplo: um ladrão entrou na casa de Petrus e começou colocar objetos em um saco. De repente, a janela abriu-se e o agente ativo, pensando que alguém estava entrando na casa, saiu correndo. Note que o agente ativo não desistiu voluntariamente, e sim achou que existia uma circunstância alheia real.
2ª hipótese: Ele supõe que o delito já esteja consumado. “O agente ativo quer consumar, mas acha que não é mais necessário, por entender que o delito já está consumado.”
O exemplo é o caso que estamos comentando: veja que “Tício ainda colocou o revólver na cabeça de Mévio, mas, por achar que a vítima já estava morta, não disparou o restante dos tiros e foi embora”. Perceba que o agente ativo não desistiu voluntariamente, e sim achou que o delito já estava consumado; portanto, não era mais necessário continuar a execução.
Conclusão didática. No caso em comento, Tício responde por tentativa de homicídio.
Houve uma circunstância alheia interna que inibiu a vontade do agente, fazendo com que ele, sem querer, deixasse Mévio vivo. Observe que só existe desistência voluntária ou arrependimento eficaz quando o agente ativo pode afirmar:
“Posso continuar, mas não quero mais consumar o delito.”
NOTAS
1 Nesse sentido, MACHADO. Direito Criminal, p. 155.
2 No mesmo sentido: Muñoz Conde, Francisco. El Desistimiento Voluntario de Consumar el Delito. Bosch, Barcelona: Casa Editorial, p. 75-76.