Panorama Geral do Imposto Sobre Grandes Fortunas

27/10/2014 às 11:37
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O imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição Federal, porém, até o presente momento, não existe Lei Complementar que o regulamente, sendo o único, dentre os previstos na Carta Magna, que permanece nesta condição.

Introdução

O imposto sobre grandes fortunas está previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 153, inciso VII.

O aludido imposto é de competência da União, porém, até o presente momento, não existe Lei Complementar que o regulamente, sendo o único, dentre os previstos na Carta Magna, que permanece nesta condição.

Uma das grandes discussões que surge a respeito do imposto sobre grandes fortunas é qualificar a expressão “grandes fortunas”, tarefa árdua que será enfrentada nos projetos de lei complementar que tramitam pelo congresso nacional.

Outro ponto a ser questionado, acaso venha a ser criado o referido imposto, será a sua propensão ao insucesso, como ocorrido em alguns países, além da busca por um ponto de equilíbrio na já excessiva carga tributária brasileira, para que não ocorra um desestímulo aos investimentos.

Panorama Evolutivo dos Tributos no Brasil e no Mundo

 

É sabido que, a partir do momento em que o homem passou a viver em comunidade, surgiu a necessidade do trabalho para o bem-estar dele e de sua família, bem como o bem-estar de toda a coletividade. Foi o produto do trabalho humano, naquela época, a caça, a pesca, que deu origem, de forma primitiva e rudimentar, ao que temos hoje como tributo.

Ocorre que, o homem se organizou em sociedade, e surgiu um Estado e formas de governo para comandá-lo, de modo que passa a ser deste a obrigação de manter a organização e os recursos necessários para uma boa convivência das pessoas. Foi neste momento que o tributo surgiu, efetivamente, como mecanismo de que os Estados dispõem para angariar recursos que terão como destinação a manutenção da estrutura estatal, bem como a prestação dos serviços básicos a todos os cidadãos daquela sociedade.

O pagamento dos tributos torna-se, então, um grande motivo de insatisfação social, posto que, apesar de, em teoria, serem arrecadados em prol da sociedade, em muitos momentos da história, eles serviram apenas como forma de realização da tirania dos governantes, e de realização de suas necessidades/desejos pessoais.

Para entender o histórico do tributo em comento, o Imposto sobre Grandes Fortunas, necessário, porém, entender a origem dos tributos, bem como toda a sua evolução, até que estes se tornassem o que são hoje.

A origem dos Tributos:

Há grande dificuldade em se precisar, efetivamente, quando se iniciou o recolhimento dos tributos, porém afirma-se que isso ocorreu nos primórdios da humanidade, quando o homem passou a viver em coletividade, e a zelar por esta coletividade, colaborando para manter a harmonia e um convívio pacífico no grupo.

Sabe-se, também, que o motivo do homem passar a unir-se a outros homens, e instituir uma sociedade, foi a necessidade de garantir sua existência como espécie. Ocorre que, essas sociedades rudimentares passaram a crescer muito, e tornou-se indispensável a organização desta em um Estado, com uma estrutura legal e administrativa.

Com o nascimento do Estado, foi preciso criar uma estrutura para esta instituição, que possuía como finalidade administrar os indivíduos sobre a sua proteção, distribuir a justiça social, e prestar os serviços básicos à população, o que dependia de instalações e funcionários. Nota-se, portanto, que é uma estrutura extremamente cara, de modo que, para satisfazê-la, tornou-se necessário angariar recursos da população, o que se dava através da cobrança dos tributos.

           Importante destacar, no entanto, que não eram todos que pagavam estes tributos instituídos pelo Estado. Em muitas sociedades antigas, como Grécia e Roma, os poderosos e privilegiados, normalmente os detentores das grandes riquezas, não estavam obrigados a pagar tributos, e em razão disso, o ônus da atividade estatal recaía sobre a parcela menos favorecida da sociedade.

Foi em Roma que surgiu, pela primeira vez, a ideia de interpretação objetiva ao fato gerador do tributo, princípio amplamente difundido em âmbito nacional e internacional. No Brasil, ele encontra-se descrito no art. 118 do Código Tributário Nacional, com a seguinte redação:

“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”

A partir da leitura deste dispositivo, torna-se nítido o entendimento de que o Estado, para tornar legítima a cobrança de tributos, precisa respeitar a interpretação objetiva no que diz respeito ao fato gerador do tributo. Caso contrário, o tributo será somente um fator de insatisfação social, como foi durante toda a história da humanidade.

O imposto sobre grandes fortunas em Roma

Pode-se dizer, em termos gerais, que Egito, Grécia e Roma foram os primeiros povos a contemplar impostos sobre o patrimônio, sendo o imposto sobre grandes fortunas uma das espécies. Podemos mencionar, especialmente, o Direito Romano, que concedeu expressivo espaço a tributos como este.

Primeiramente podemos falar do imposto sobre grandes heranças, instituído pelo imperador Augusto, por meio da Lex Julia, e tinha como finalidade o custeamento do exército romano. Ele recaía sobre heranças, legados e doações e importava na vigésima parte do total dos bens, ou seja, era cobrado 5% sobre aquela base de cálculo.

Depois Gaio instituiu outro imposto sobre heranças, através do qual se confiscava todos os bens recebidos por herdeiros solteiros, e metade dos bens do herdeiro casado sem prole. Tal imposto foi mantido pelos sucessores do império Cláudio e Antonino, chegando ao fim com as Institutas de Justiniano.

Percebe-se que o referido tributo viajou no tempo, e alcançou a contemporaneidade, já que alguns países ainda o adotam em seus sistemas fiscais.

A insatisfação social ao longo da história gerada pelos tributos:

Do ponto de vista genérico, podemos trazer como primeiro marco histórico do tributo o ano de 1215, com a promulgação da Constituição Inglesa, e o acordo firmado entre o Conselho de Nobres (representantes do clero e da nobreza) e o Rei João Sem-Terra, resultando na conhecida Carta Magna, em que se definia, entre outras coisas, que não poderiam ser criados novos impostos pela Coroa sem que se houvesse consultado o Conselho. Haviam, claro, exceções, como no casamento da filha velha, ou quando o filho primogênito se tornasse cavalheiro.

Ainda na Inglaterra, no século XVI, ocorreu uma grande revolta burguesa em razão do Rei Carlos I ter sancionado uma antiga lei, conhecida como Ship Money, na qual se instituía a cobrança de um imposto para proteção das cidades portuárias contra ataques de piratas, porém, além das cidades litorâneas, ele estendeu a cobrança para cidades interioranas, as quais, dificilmente seriam alvo de ataques piratas, considerando que não possuíam mar.

Outro momento histórico de insatisfação social em decorrência da cobrança de impostos se deu nos Estados Unidos, em 1764, após a Guerra dos Sete Anos entre França e Inglaterra. Sendo os Estados Unidos colônia da Inglaterra, esta decidiu que os colonos deveriam arcar com parte dos gastos com a guerra, de modo que decidiu aumentar as taxas e os impostos cobrados pela Coroa sobre a colônia.  Primeiramente, foi instituído o Sugar Act, imposto que incidia sobre produtos que não tinham procedência britânica. No ano seguinte foi instituído o Stamp Act, imposto que exigia a selagem sobre muitos produtos. Poucos anos depois foi a vez do Tea Act, através do qual era concedido o monopólio do chá à Companhia das Índias Ocidentais. A criação deste último imposto foi o estopim para a população que, revoltada, se fantasiou de índio e jogou no mar todo o chá que havia nos navios das Índias Ocidentais, atracados no Porto de Boston.

Depois, podemos falar da França do Rei Luís XVI, que, após perder a Guerra dos Sete Anos para  a Inglaterra, encontrava-se em grave situação econômica, de modo que o Rei tentou criar novos impostos, e este foi um dos motivos, entre outros, que levaram à Revolução Francesa em 1789.

História dos tributos no Brasil:

A evolução dos tributos, como em todo o mundo, ocorreu também no Brasil, a partir do seu descobrimento em 1500 por Pedro Álvares Cabral. Neste primeiro momento, o Brasil era apenas colônia de exploração de Portugal, que a utilizava única e exclusivamente para a exploração de pau-brasil, através da qual se obtinha matéria-prima para tintura.

Alguns anos depois, a Coroa portuguesa viu a necessidade de explorar as terras, porém em decorrência do tamanho das terras e da falta de recursos da Coroa, estabeleceu-se o regime das sesmarias, através do qual a Coroa oferecia a alguns cidadãos portugueses uma faixa de terra do país, chamadas capitanias hereditárias, a qual eles teriam o direito de explorar, porém tinham alguns deveres para com a Coroa, que incluíam colonizar as terras, demarcar os limites desta, e pagar os tributos instituídos pela Carta Real.

No período de exploração da mineração de ouro e pedras preciosas em Minas Gerais, muitos eram os tributos cobrados decorrentes desta atividade. Primeiramente, foi instituído o quinto, ou seja, o pagamento de 20% (vinte por cento) de todo o arrecadado ao rei. Ocorre que, devido à grande quantidade de sonegação deste imposto, foi criada uma nova forma de pagamento do tributo sobre a mineração, calculada através da quantidade de escravos que cada minerador possuía trabalhando para si. Como tal medida não foi suficiente para elidir a sonegação, foi criada como última medida a derrama.

A derrama era uma cobrança anual sobre a tributação. Caso não fosse satisfeito o valor fixado, todos os cidadãos, mineradores ou não, eram obrigados a pagar o valor faltante até a cota anual estabelecida pela Coroa.

Com esta cobrança abusiva, surgiram revoltas populares, que culminaram na Inconfidência Mineira, com o líder Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes. Este teve uma morte brutal, para servir de exemplo aos demais que se rebelassem contra a Coroa: foi morto, esquartejado, e tiveram as partes do corpo distribuídas pelas províncias.

Em 1808, em razão da invasão promovida pelo exército de Napoleão Bonaparte a Portugal, a família real foi obrigada a vir para o Brasil, e com ela a corte portuguesa. Assim, houve uma inversão de papéis e o Brasil passou a tornar-se sede do reino, e Portugal uma espécie de colônia. Tal situação alterou substancialmente a vida dos brasileiros no que diz respeito ao pagamento de tributos.

Foi necessária uma completa restruturação no país para abrigar a família real, o que exigiu muito dos cofres públicos. Ademais, a manutenção da corte era extremamente cara, de modo que para custear tudo isso foi necessária a instituição de novos tributos e o aumento daqueles já existentes.

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Vários eram os fatos sobre os quais incidia tributação nesta época, e a cobrança indiscriminada destes tributos perdurou por um longo período. O governo se beneficiava com o poder arbitrário que possuía de tributar, onerando excessivamente a população. Fala-se, inclusive, que, com alguns produtos, ocorriam várias incidências de tributos parecidos. Toma-se como exemplo o açúcar, que era tributado cinco vezes, o tabaco seis, e a aguardente chegava a ser tributada oito vezes.

Algumas revoltas surgiram no Brasil para se manifestar contra tal arbítrio. Podemos citar, por exemplo, a Revolução Farroupilha que, além de ideais políticos, lutava contra a alta tributação do charque rio-grandense, quando o Estado conferia isenção ao mesmo produto vindo da Argentina e Uruguai. Outro exemplo importante foi a Guerra de Canudos, onde além da perspectiva sócio-religiosa, Antônio Conselheiro estimulava os cidadãos ao não pagamento dos tributos instituídos pelo Estado Republicano.

A principal característica dos tributos neste momento histórico é que eles não possuíam qualquer critério, e existiam apenas para sustentar os custos estatais, não se preocupando em nenhum momento com a justiça fiscal ou social, e principalmente, não trazendo qualquer tipo de bem-estar à população.

A partir da Revolução Francesa, no entanto, surgiu o Estado Moderno, e como consequência, institutos importantes como a declaração dos direitos humanos, e os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Desta forma, surge também uma nova forma de se tributar. O Estado passa, a partir deste momento, a promover a arrecadação com a finalidade de gerir suas atividades, atuar no campo econômico e garantir a justiça social e o bem-estar da população.

Regra Matriz de Incidência

A ordem constitucional impositiva para efeito deste imposto que grava a titularidade as grandes fortunas, deferida ao ente federativo União (ART. 153,VII, CF/88), construiu o arquétipo para que a sua incidência fosse a mais genérica possível (como todo imposto pretende ou deve ser), a fim de alcançar o maior número de contribuintes/obrigados.

Com base na ordem constitucional, primordialmente, e nos demais parâmetros estabelecidos pela Lei 5.172/66-CTN, bem como no Projeto de Lei Complementar 277/2008, pode-se então construir, in generum, a regra matriz de incidência do imposto sobre as grandes fortunas.

A norma jurídica tributária do imposto supra, assim se desenha:

HIPÓTESE:

1) CRITÉRIO MATERIAL: Ser titular de fortuna em valor superior a R$ 2.000.000, expresso em moeda de poder aquisitivo.

2) CRITÉRIO ESPACIAL: Imposto de competência da União incidente sobre todo o território federal para aqueles com domicilio no Brasil, ou sobre o patrimônio ou espólio no país.

3) CRITÉRIO TEMPORAL: o imposto é computado de forma ânua, conforme as regras de lançamento para tributação no Brasil.

Assim, no uso das ficções que o Direito possibilita, o ente competente, tributante e sujeito ativo da relação instituída, pode estipular qualquer data para verificação da incidência do gravame. A data prevista no projeto de lei será o primeiro dia do ano civil, quando a partir de então, já tendo considerado a existência do fato jurídico econômico passível de tributação, procede-se o lançamento para posterior exação.

CONSEQÜÊNCIA:

1) CRITÉRIO PESSOAL:

SUJEITO ATIVO: União Federal.

SUJEITO PASSIVO: Pessoas físicas, domiciliadas no país, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no país.

2) CRITÉRIO QUANTITATIVO:

BASE DE CÁLCULO: Valor do conjunto dos bens que compõe a fortuna diminuído das obrigações pecuniárias do contribuinte exceto as contraídas para a aquisição dos bens excluídos.

ALÍQUOTA: progressiva e variável em razão do valor patrimonial

Esta é a descrição da regra matriz de incidência do imposto sobre grandes fortunas no Brasil com base no PLP 277/2008.

Direito Comparado

 A imposição de imposto sobre o patrimônio com finalidade essencialmente extrafiscal foi objeto de inúmeras análises, estudos e discussões, sendo duas características apontadas como principais:

a)Muitos países estudaram este imposto mas poucos efetivamente o adotaram, e parte dos que o introduziram voltaram atrás e o retiraram de seu ordenamento jurídico, já que os efeitos positivos acabaram sendo muito aquém do pretendido, e os efeitos negativos muito além do esperado.

b)Tal imposto tem caráter eleitoral e ideológico, restando prejudicada qualquer análise efetivamente técnica sobre ele.

Podemos, porém, trazer inúmeros exemplos de países que o adotaram, e eventualmente já o retiraram.

Inicialmente, podemos falar da França, que é um país onde a discussão desta tributação está altamente em voga. Ele surgiu com o nome de Impôt sur les Grandes Fortunes (IGF), passando posteriormente para Impôt de Solidarité sur la Fortune (ISF). Há muito se discutia a viabilidade deste recurso, considerando que ele não alcançou seu objetivo social. No país há distinção entre os bens patrimoniais e os profissionais, estes últimos sendo isentos de tributação. Na verdade, verificou-se que é imposto que incide sobre um pequeno grupo de contribuintes, composto essencialmente por pessoas idosas e aposentadas, sem dependentes, e vivendo em uma região privilegiada do país. É, portanto, um imposto elitista.

Foi aprovada na França, em dezembro de 2012, um aumento especial de 75% sobre os altos rendimentos, que será aplicado durante dois anos para os rendimentos superiores a um milhão de euros por ano e por contribuinte. O Governo afirma tratar-se de uma contribuição de caráter legítimo, e não confiscatório, considerando que cada francês deve contribuir de acordo com os seus meios. O estabelecimento do período de dois anos se deu em razão da expectativa de ser esse o tempo necessário para recuperação da economia francesa.

As críticas contra a nova tributação foram imediatas. Alega-se que o aumento na tributação não vai adianta em nada e que só vai provocar a fuga das pessoas que ganham esse montante. Dizem ainda que o valor de 75% é uma taxa punitiva, e que há um paradoxo em razão da tributação em excesso de uma categoria muito pequena. Para eles, tal imposto vai arrecadar pouco e com certeza afugentar alguns.

Depois, podemos falar da Alemanha, cuja tributação teve origem no Estado da Prússia, na forma de imposto suplementar sobre a renda. Tal implementação, no entanto, foi muito complexa, já que para tal foi necessário criar uma lei específica com a finalidade de avaliar o patrimônio tributável do indivíduo.

O Tribunal Constitucional Alemão, em 1995, considerou o imposto inconstitucional por ter natureza confiscatória, atentando, portanto, contra o princípio da igualdade. Determinou-se que para a cobrança do referido tributo era necessário que fossem estatuídas novas regras até o final de 1996, o que não ocorreu. Até o presente momento não há novidade quanto ao novo regramento jurídico.

Foram citados por Ricardo Lobo{C}[1] quatro argumentos sobre o motivo da inconstitucionalidade do imposto: “a) a dificuldade de avaliação dos bens, especialmente as obras de arte e o patrimônio imobiliário; b) a impossibilidade de a incidência global dos impostos, acrescidos do Vermögensteuer, se situar na faixa inferior a 50% do patrimônio do contribuinte, como exige o Tribunal Constitucional; c) estímulo à fuga de capitais; d) ofensa à justiça fiscal.”

No caso dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália, foram realizados estudos profundos sobre a viabilidade na implantação de imposto sobre o patrimônio, chegando à conclusão de que não valia a pena inserir um imposto como esse em seus sistemas fiscais, e preferindo buscar soluções alternativas e de maior eficiência, como por exemplo, aperfeiçoar a cobrança o imposto de renda.

Já a Itália, Irlanda e Japão chegaram a instituir a tributação sobre o patrimônio, mas acabaram por abandoná-la em razão do custo-benefício. Isso porque era absolutamente baixo o volume arrecadado, se comparado aos custos para cobrar e administrar tal imposto.

Há, porém, países que se utilizam deste tributo de forma efetiva, com alíquotas, no entanto, bastante reduzidas. É o caso da Suíça, por exemplo, onde este imposto é o mais antigo do país, e possui alíquotas baixíssimas, que não passam de 1%, e não representam grande impacto na carga fiscal.

Ademais, podemos destacar outros países europeus que cobram tal tributo, sendo importante notar que todos eles têm alíquotas baixíssimas: Finlândia – 0,9%, Islândia – 0,6%, Luxemburgo – 0,5%, Noruega – 0,9 a 1,1%, e Suécia – 1,5%.

O IGF na PEC nº 233/2008 e nas leis regulamentadoras

 

Atualmente, está em trâmite a PEC nº 233/2008, a qual recebeu proposta de emenda por parte do Partido dos Trabalhadores, no que diz respeito ao imposto sobre grandes fortunas.

Por ela, acrescentar-se-ia ao rol das contribuições sociais de custeio uma nova fonte de custeio da seguridade social. Tal contribuição se chamaria “contribuição” sobre grandes fortunas, substituindo o imposto previsto na Constituição Federal.

O objetivo desta emenda proposta pelo PT era, na verdade, contribuir para uma melhor distribuição de renda entre os brasileiros, além de criar uma fonte adicional de financiamento da seguridade social, a qual tem políticas extremamente importantes para a redução da desigualdade do país.

Na verdade, há quem afirme que a grande dificuldade de criação deste imposto diz respeito à impossibilidade de fazê-lo incidir sobre as bases de cálculo próprias de outros impostos previstos na Constituição. Assim, se este se desse em forma de contribuição, seria possível que sua tributação incidisse sobre a mesma base de cálculo dos impostos já instituídos, sem que isso significasse uma espécie de bitributação.

Outra vantagem alegada por estas mesmas pessoas é de que a contribuição poderia ser inserida no rol de contribuições destinadas à seguridade social, sendo possível destinar seu recolhimento a projetos de inclusão social e de melhoria na distribuição de renda no Brasil.

Um aspecto importante a ser observado é que, se aprovada a referida PEC, a “contribuição” sobre grandes fortunas poderá ser criada por lei ordinária, diferente do procedimento para criar um imposto, que depende de lei complementar.

Neste sentido há de se mencionar os projetos de lei que estão em tramitação perante o Congresso. O mais famoso deles é a PLP nº 277/2008, porém este rol conta ainda com o PLP nºs 202/1989, de autoria do então Senador Fernando Henrique Cardoso, e ao qual se encontram apensadas os PLPs nº 108/1989, 218/1990 e 268/1990.

Extremamente parecido com os modelos anteriores, o PLP nº 277/2008 prevê como fato gerador do imposto sobre grandes fortunas a titularidade de patrimônio que exceda determinado valor. No caso deste PLP, tal valor é fixado em seu art. 1º:

“Art. 1°: O imposto sobre grandes fortunas tem por fato gerador a titularidade, em 1° de janeiro de cada ano, de fortuna em valor superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), expressos em moeda de poder aquisitivo de 1° de janeiro de 2009.”

Depreende-se da leitura do artigo que o fato gerador do imposto é possuir, em 1º de janeiro de cada ano, fortuna com valor superior a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Em seu art. 3º, o PLP nos dá o conceito de fortuna, a qual é considerada o conjunto de todos os bens e direitos, situados dentro ou fora do país, que integram o patrimônio do contribuinte, havendo, porém, alguns itens a serem excluídos deste montante. São eles: a) instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades de que decorram rendimentos do trabalho, até o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais); b) os objetos de antiguidade, arte ou coleção, nas condições e percentagens fixadas em lei; e c) outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei de alta relevância social, econômica ou ecológica.

De acordo com o Projeto, em seu art. 2º, são contribuintes deste imposto pessoas físicas domiciliadas no País, o espólio, e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao patrimônio que tenha no País.

O art. 4º nos traz a base de cálculo do imposto, a qual é o valor dos bens que compõe a fortuna, diminuído das obrigações pecuniárias do contribuinte, exceto as contraídas para a aquisição dos bens excluídos.

As alíquotas de incidência encontram-se no art. 5º, da seguinte forma:

Classe de valor de patrimônio (em R$)

Alíquota

Até 2.000.000,00

Isento

de 2.000.000,01 a 5.000.000,00

1%

de 5.000.000,01 a 10.000.000,00

2%

de 10.000.000,01 a 20.000.000,00

3%

de 20.000.000,01 a 50.000.000,00

4%

Mais de 50.000.000,00

5%

Em termos gerais, é esta a proposta do PLP, apresentada pela Deputada Luciana Genro, do PSOL, que explica na justificação da PLP que para que o IGF pudesse ser implementado, seria necessário a aprovação de Lei Complementar que o regulamentasse. Trata dos três PLPs em tramitação, e passa a apontar as deficiências presentes neles:

“Ao nosso ver, o projeto necessitaria ser alterado, pois possui deficiências. Na proposta aprovada no Senado, é permitido deduzir do Imposto de Renda o valor pago a título de IGF. Isto é descabido, uma vez que o objetivo é exatamente aumentar a tributação sobre as camadas mais ricas da população, e que possuem capacidade contributiva. As alíquotas e faixas de tributação também teriam de ser revistos, uma vez que os valores estão desatualizados, e as alíquotas propostas não possuem progressividade suficiente, considerando que o Brasil é um país de grande concentração de riqueza. Segundo o Atlas da Exclusão Social (organizado pelo economista Márcio Pochmann), as 5 mil famílias mais ricas do Brasil (0,001%) têm patrimônio correspondente a 42% do PIB, dispondo cada uma, em média, de R$ 138 milhões. Cabe ressaltar também que, para que o IGF seja implementado corretamente, deveria haver melhorias na fiscalização tributária. Caso contrário, dificilmente os dispositivos deste PLP serão cumpridos.”[2]

Importante ressaltar que o IGF não reduz a desigualdade social ou gera redistribuição de renda, posto que, ao contrário do que se pretende, este tipo de tributação é de difícil fiscalização e arrecadação, é responsável por uma queda nos investimentos, promove a fuga de capitais e desestimula a poupança.

Planejamento Tributário aplicado ao IGF

 

O planejamento tributário mostra-se muito efetivo e utilizado, pois trata-se de um meio legal para que o recolhimento de impostos seja menor.

Quanto ao IGF existem já algumas possibilidades de se realizar o planejamento, seja para que não haja a incidência, seja para que ela seja pela menor alíquota, tendo em vista a alíquota variável imposta na legislação.

A primeira opção seria fazer a diluição do patrimônio com familiares, passando bens móveis e imóveis para seus nomes. Os gastos que se teriam com as doações seriam ínfimos perto dos valores que seriam recolhidos ao “fisco”.

Outra opção seria a distribuição do patrimônio entre empresas. Com a criação da EIRELI torna-se ainda mais fácil essa opção, pois não haverá a necessidade de depender de outras pessoas para a distribuição do patrimônio. Os gastos com a manutenção das empresas seria também muito inferior, além de trazer ganhos com isso, haja vista um planejamento bem estruturado, em que rendas seriam obtidas pelas empresas, com imóveis alugados entre si para descontos do IR e outras tantas opções que nosso sistema jurídico permite.

Por fim, a última opção que se observa seria a remessa de parte dos investimentos contidos no pais para o exterior, buscando paraísos fiscais ou países que não possuam a tributação sobre o patrimônio.

Assim, vê-se que existem meios legais para “fugir” do IGF e evitar a tributação, sendo apenas questionável a aspecto social de tal atitude, visto a finalidade de tal imposto.

Aspectos Sociais do Imposto sobre Grandes Fortunas

 

Ao que se pode apreender sobre o IGF, referente ao seu aspecto criativo, é patente que sua criação se baseia o conceito conhecido como “justiça distributiva”.

Para melhor entender este tema, tomaremos por base o conceito de justiça de John Finnis, que entende que justiça é constituída por três elementos: interpessoalidade; igualdade; e aplicação prática – para evitar uma forma indevida de arbitramento de conflito ou distribuição de ônus.

Com este conceito, deve-se observar que a justiça é intrinsecamente relacionada ao “bem comum”, que nada mais é do que uma série de condições que possibilitam membros de uma comunidade obter para sí mesmos objetivos razoáveis visando o bem dos demais componentes, havendo uma colaboração entre todos.

Em síntese, justiça seria um desejo prático de obter o bem comum em uma sociedade. Porém, para a realização do bem comum surgem dois problemas: questão da distribuição dos recursos e questões de bem-estar individual.

Para a finalidade deste trabalho, a justiça distributiva é a que mais interessa.

Assim, o concreto conceito de justiça (tratar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade) não é funcional a finalidade da distribuição de recursos e indiretamente ao IGF, pois a busca não é a igualdade em sí, mas o bem estar geral.

Essa visão coincide com o posicionamento de John Rawls, para quem, em sua teoria da justiça, entende que a sociedade, sob o véu da ignorância – o que impossibilitaria as pessoas de saberem quem seriam no mundo, escolheriam dois princípios para regê-las: liberdade geral, que se sobrepõe ao bem estar geral e a utilidade social; e a equidade social e econômica, que mesmo a priori não parecendo, o que Rawls entende é que a desigualdade beneficie os membros menos favorecidos.

Assim, verifica-se que a justiça distributiva não se baseia no simples conceito de igualdade, mas na busca pelo bem estar, em um ambiente que se torne confortável para todos.

Com este panorama, voltemos à análise do IGF que, de forma resumida, visa a oneração daqueles que possuem riqueza acumulada, que pode ter como objetivo angariar fundos para o suprimento das necessidades básicas da população menos abastada.

A imposição do imposto seria a aplicação prática da teoria da justiça distributiva, buscando o bem estar da sociedade, angariando fundos para o investimento nas áreas básicas sem adentrar ao problema de minar o acumulo de bens obtidos pelos vários motivos por uma seleta gama de contribuintes.

Neste ponto entraríamos em conflito com outra teoria, a do utilitarismo, que, apenas para explanação, seria recompensar os merecedores delas de maneira individual.

Ou seja, os afortunados são por possuírem qualidades para isso, batalharam e chegaram onde estão, ou acabaram nascendo em uma família abastada.

Não é a finalidade deste trabalho adentrar mais afundo das teorias, não cabendo aqui discorrer sobre as vantagens que algumas pessoas possuem em relação as outras e que são almejadas pela sociedade, nem nenhuma discussão sobre igualdade, como, por exemplo, pessoas inteligentes serem beneficiadas por terem nascido inteligentes e etc.

Assim, para a finalidade social e o crescimento da sociedade como um todo, o IGF é um grande colaborador.

Os resultados práticos somente poderão ser analisados após a instituição do tributo. Contudo, de uma perspectiva teórica, a criação do imposto geraria resultados sociais justos.

Evasão Fiscal

 

Um dos argumentos para a não criação do IGF é a fuga de capitais do país. Argumento este que é estritamente utilitarista e de base empírica. Porém, o mérito não se demonstra pela simples enunciação.

Essa ideia assume que ter mais dinheiro concentrado é melhor do que ter capital distribuído, e que o capital objeto da tributação seria o acumulado e não o produtivo, relativizando ainda mais que o dinheiro concentrado é melhor para a sociedade.

Porém, como já salientado, a efetivação desta ideia é puramente empírica, só podendo ser verificada com a imposição do tributo, além de considerar o interesse daqueles que possuem grandes fortunas em distribuir seus recursos, minimizando o grande benefício de possuir riqueza acumulada: disponibilidade imediata de bens.

  

Bitributação

 

Alguns doutrinadores questionam se haveria bitributação no caso do projeto de Lei ser aprovado, tornando o IGF aplicável.

O imposto sobre grandes fortunas, como já salientado, é um imposto que incide sobre o valor da “fortuna” de um indivíduo no território brasileiro.

Desse modo, sua incidência recai sobre o total de bens que o contribuinte possui, salvo algumas exceções como objetos artísticos, rendas oriundas de trabalho – limitadas a R$300.000,00, e outros bens de grade relevância.

Porém, nenhum outro tributo do sistema tributário nacional possui como fato gerador a obtenção de “fortuna”. O imposto que poderia se aproximar – e é utilizado como base para esta alegação, de alguma maneira para com o IGF seria o Imposto de Renda, mas como o próprio nome já diz, o mesmo incide sobre a renda obtida pela contribuinte no exercício, e não sobre a totalidade dos bens.

Com a imposição do IGF a renda seria tributada duas vezes. Esse ponto é de relevante importância, visto que não há menção nos Projetos de Lei sobre a exceção a renda.

Desse modo, fica o alerta para o possível conflito, devendo ser analisada tal questão a fim de buscar uma resolução para o problema.

Bibliografia

 

Dicionário Jurídico Tributário – Eduardo Marcial Ferreira Jardim – 6ª edição

O imposto sobre grandes fortunas no direito comparado. In: MARTINS, Ives Grandra da Silva (Coord.). Pesquisas tributárias – Nova Série – n. 9

Direito tributário e reforma do sistema. São Paulo: Centro de Extensão Universitária-CEU / Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.

Revista tributária e de Finanças Públicas – Ano 17-88-setembro-outubro de 2009, Coord: Edivaldo Pereira de Brito, p:137

http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=365A17CCBACA969E78C0F28F6843CD47.node2?codteor=547712&filename=PLP+277/200

O imposto sobre grandes fortunas no direito comparado. In: MARTINS, Ives Grandra da Silva (Coord.). Pesquisas tributárias – Nova Série – n. 9 – Direito tributário e reforma do sistema. São Paulo: Centro de Extensão Universitária – CEU / Revista dos Tribunais, 2003, p. 104.

GENRO, Luciana. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=365A17CCBACA969E78C0F28F6843CD47.node2?codteor=547712&filename=PLP+277/2008

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Sobre o autor
Roberto Henne Filho

Estudante de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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