Doutrina da Proteção Integral e o Princípio do Melhor Interesse do Menor (MIM) aplicados ao menor infrator.

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27/10/2014 às 15:15
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Este tema foi escolhido pela polêmica que causa na sociedade, o objetivo é esclarecer e fazer com que os leitores compreendam como funcionam os institutos da proteção integral e o principio do melhor interesse do menor, a importância desses institutos e sua relevância para a sociedade.

RESUMO: Este tema foi escolhido pela polêmica que causa na sociedade. O objetivo é esclarecer e fazer com que os leitores compreendam como funcionam os institutos da proteção integral e o principio do melhor interesse do menor, a importância desses institutos e sua relevância para a sociedade.

SUMÁRIO: 1- Introdução. 2 – Desenvolvimento. 2.1 – A abordagem constitucional. 2.1.1 – Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 2.1.2 – Princípio da Isonomia. – 2.1.3 – Princípio da Máxima Efetividade. 2.2 – A doutrina da proteção integral. 2.3 – Princípio do melhor interesse do menor (MIM). 2.4 - A dificuldade de aceitação pela sociedade da doutrina da proteção integral e do princípio do melhor interesse do menor quando se trata de menor infrator. 2.5 – A relevância parta a sociedade que o menor infrator seja beneficiado desses institutos. 3 – Considerações finais. Referências.


1 – INTRODUÇÃO

O artigo se propõe a esclarecer a Doutrina da Proteção Integral e o Princípio do Melhor Interesse do Menor (MIM), aplicados ao menor infrator. A proposta deste artigo é demonstrar que o menor infrator, seja ele adolescente ou criança, não fica impune de seus atos e que a doutrina adotada é a maneira eficiente de ajudá-lo e de devolvê-lo a sociedade com a possibilidade de uma vida diferente. A sociedade tem dificuldade de aceitar esses institutos quando se trata de menor infrator, por não compreender sua essência, ainda os encarando como marginais e delinqüentes, simplesmente ignorando os princípios contidos na Carta Magna. O artigo ressalta ainda a relevância destes institutos para a sociedade e a conseqüência de sua efetiva aplicação visando à compreensão dos leitores.

A respeito dos direitos da criança e do adolescente, já foram firmados vários documentos internacionais, dentre os quais a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, promovida pela extinta Liga das Nações; a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959; e a Convenção dos Direitos da Criança, firmada na ONU em 1979, e subscrita pelo Brasil em 26.01.1990, aprovada pelo Gongresso Nacional por meio do decreto 28/29 e promulgada pelo Decreto Executivo nº 99.710/90.

Foi sob a influência desta Convenção que o legislador constituinte , em 1988, adotou no art. 227 a Doutrina da Proteção Integral, em substituição à Doutrina da Situação Irregular, regulamentada pelo antigo Código de Menores.

Tal fato representa um grande marco na nossa legislação, uma vez que a doutrina da situação irregular era restritiva e limitava-se a tratar daqueles que se enquadravam no modelo pré-definido do art. 2º do Código de Menores, as situações que não se enquadrassem deveriam ser discutidas na Vara de Família e regidas pelo Código Civil.

O que com a adoção da Doutrina da Proteção Integral mudou radicalmente, já que esta ao contrário da anterior é expansiva, atende a todas as crianças e adolescentes independentes de encontrarem-se em situação de risco ou não, garantindo-lhes um direito amplo, e qualquer situação que envolva criança e adolescente é regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ( lei 8.069/90), e processada e julgada por órgão especializado (Vara ou Juizado da Infância e da Juventude).

Por fim, este artigo se desenvolve através de pesquisa bibliográfica, buscando a compreensão do leitor dos institutos mencionados e com ela a mudança do modo de vislumbrar o menor infrator.


2-      DESENVOLVIMENTO 

2.1 - A ABORDAGEM CONSTITUCIONAL 

2.1.1 - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 

Não se pode falar em Direito sem mencionar o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III da Carta Magma, que é o princípio fundamental e norteador de qualquer ramo do direito. Tal princípio conceitua-se segundo Manoel Jorge e Silva Neto, como “o fim supremo de todo o direito; logo, expande os seus efeitos nos mais distintos domínios para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro”[1], não sendo, portanto, esquecido ou ignorado no presente artigo.

Ressalte-se que, “(...) a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua iminência, transforma-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito”.[2]  Portanto, trata-se um valor supremo, ao qual deve-se empregar o direito sempre bob a sua ótica.

2.1.2 - Princípio da Isonomia           

Como o artigo se dedica ao instituto da Doutrina da Proteção Integral e o Princípio do Melhor Interesse do Menor voltados ao menor infrator, resta imprescindível mencionar o princípio constitucional da Isonomia, que consiste segundo Aristóteles,[3]em tratar com igualdade os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. A criança e o adolescente por serem indivíduos em formação encontram-se em situação desigual as demais, o que justifica a Doutrina da Proteção Integral consagrada pelo artigo 227 da Constituição da República. Não podendo, portanto o menor infrator ser tratado e considerado  como um criminoso, uma vez que estes por sua condição especial só cometem atos infracionais, porque não têm total discernimento de seus atos, razão pela qual são considerados inimputáveis pela legislação penal e absolutamente ou relativamente incapazes pela legislação civil.

Tratar um menor como um adulto, seria macular o princípio da isonomia e desrespeitar a situação especial do menor, impedindo que sua formação ocorra de forma natural.           

2.1.3 – Princípio da Máxima Efetividade 

E por fim, o Princípio da Máxima Efetividade, que segundo Manoel Jorge  e Silva Neto,[4]“representa a escolha de uma solução conferidora do máximo de operatividade quando em dúvida o interprete a respeito de adotar o caminho da plena aplicabilidade ou da limitada eficácia da norma constitucional”. Ou seja, na dúvida, deve-se adotar a norma que mais opera a vontade do legislador constituinte. Este princípio deve ser adotado em todos os ramos do direito, principalmente no Direito da Criança e do Adolescente, devendo a norma reguladora do direito ser aplicada com máxima efetividade para que se tenha a garantia da satisfação do direito.  

2.2 – A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. 

Doutrina, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira[5]é “o conjunto de princípios que servem de base a um sistema filosófico, científico, etc.”. Ou seja, é um conjunto de valores, que juntos delimitam regras a serem seguidas pelo ordenamento jurídico e por seus intérpretes.

A Doutrina da Proteção Integral teve sua origem em vários documentos Internacionais, pois cada um deles colaborou para a sua formação, dentre eles estão a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924, promovida pela extinta Liga das Nações; a Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU em 1959; e finalmente a Convenção dos Direitos da Criança, firmada pela ONU em 1979, que consolidou a Doutrina da Proteção Integral.

Andréa Rodrigues Amin{C}[6]entende que a Doutrina da Proteção Integral é fundada em três pilares: 1ª) Reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; 2ª) Crianças e jovens têm direito à convivência familiar; 3ª) As Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade.

O reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial, significa dizer que, a criança e o jovem[7]não têm o seu discernimento formado, não têm na verdade conhecimento da consequência de seus atos, e são facilmente manipulados e influenciados pelas pessoas e o meio onde vivem.

Esta influenciabilidade é facilmente notada nas crianças e adolescentes que moram em favelas dominadas pelo tráfico, esses indivíduos acabam tendo o próprio traficante como referência, pois eles são quem detêm o poder, possuem bens matérias e de certa forma são “respeitados” naquele núcleo social.  Então para estas crianças e adolescentes os criminosos são um exemplo a ser seguido.

“Assim, nem todas as regras que se aplicam as crianças, se aplicam aos adolescentes e nem todas as regras que se aplicam a estes devem ser aplicadas aos adultos”[8], por estarem em diferentes fases do processo de desenvolvimento, e, portanto as crianças e jovens são titulares da proteção especial.

O direito à convivência familiar, é o direito a não ser retirado de seu âmbito familiar sem um justo motivo que afete em sua formação, pode ser entendido também, como o direito a adoção, a ser colocado em uma família substituta, já que a biológica por algum motivo não pode proporcionar  esta convivência.

A família com o advento do novo Código Civil, ganhou outros aspectos, como a união estável e a família monoparental reconhecidas constitucionalmente. A convivência familiar aqui, não se limita a pai e mãe, mas qualquer parente que se tenha proximidade e afeto.

A obrigação das Nações subscritoras a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade, demonstra a necessidade de urgência na modificação do tratamento dado as crianças e adolescentes do mundo.

O legislador constituinte brasileiro, em 1988, adotou, no artigo 227, a Doutrina da Proteção Integral em detrimento à Doutrina da Situação Irregular, vigente pelo antigo Código de Menores, de 1979. A Constituição em um só artigo garantiu todos os direitos que as crianças e adolescentes passaram a ter com a Convenção dos Direitos da Criança, prevendo ainda a criação de uma lei regulamentadora[9].

Segundo Andréa Rodrigues Amin{C}[10],“trata-se em verdade, não de uma simples substituição terminológica ou de princípios, mas sim de uma mudança de paradigma”. Tal afirmação vislumbra bem a mudança significativa ocasionada pela substituição de uma doutrina por outra.

A Doutrina da Situação Irregular, era restritiva, se limitava a um grupo de crianças e adolescentes em situações previamente estipuladas pelo artigo 2º do Código de Menores[11].

Somente nessas situações podiam atuar os Juizes de Menores, como o código chama os magistrados especializados, as demais situações deveriam ser julgadas e processadas na vara de família e regida pelo Código Civil.

José Ricardo Cunha[12]afirma que “os menores considerados em situação irregular passam a ser identificados por um rosto muito concreto: são os filhos das famílias empobrecidas, geralmente negros ou pardos, vindos do interior e das periferias”. Tal identificação era pura discriminação e preconceito, pois a sociedade interpretava o menor em situação irregular como marginal, infrator, nunca como uma criança ou adolescente que precisa de amparo e proteção.

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Em verdade, a sociedade ainda traz esse conceito consigo, de que a criança pobre, negra ou parda é infratora, mesmo se estas crianças estiverem apenas desfrutando de um momento de lazer na praça ou em qualquer outro lugar público. 

A Doutrina da Proteção Integral, diferentemente  da Doutrina da Situação Irregular, é abrangente, universal e exigível e pela primeira vez crianças e adolescentes passaram a ser considerados indivíduos titulares de direitos fundamentais, e o ordenamento jurídico pátrio passou a ter o Direito da Criança e do Adolescente, regido pela lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), em substituição ao Direito do Menor, lei 6.697/79.

A Doutrina da Proteção Integral é, portanto, um conjunto de valores e princípios, através dos quais se enxerga os direitos da criança e do adolescente, de forma ampla, protetora e principalmente prioritária, visando sempre resguardar a infância e a ingenuidade desses indivíduos em peculiar processo de desenvolvimento.           

2.3 - O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR ( M.I.M.)    

Antes de esclarecer o Princípio do Melhor Interesse do Menor, é necessário fazer a distinção entre princípios e regras.

Regras são as normas positivadas, ou seja, são normas de conduta estabelecidas por lei. Já os princípios são valores que devem ser seguidos na elaboração e interpretação das regras.

Regras e Princípios se diferenciam também pela forma que solucionam seus conflitos e colisões. O conflito entre regras se soluciona pela regra mais específica ou a regra mais atual. O conflito entre princípios, por sua vez, se soluciona  pela melhor aplicabilidade, pois nenhum princípio se sobrepõe ao outro, ou seja, na dúvida entre dois princípios, o princípio que resguardar o direito que mais será violado se ocorrer a sua inobservância,  é o que vai prevalecer em detrimento do outro.

O Princípio  do Melhor Interesse do Menor tem origem anglo-saxônica, através do instituto protetivo do parens patriae, que Daniel B. Griffth[13]define como “a autoridade herdada pelo Estado para atuar como guardião de um indivíduo com uma limitação jurídica”.

Segundo Tânia da Silva Pereira[14], no século XVIII o instituto foi cindido separando-se a proteção infantil da do louco e, em 1836, o princípio do melhor interesse foi oficializado pelo sistema jurídico inglês.

O best interest teve sua importância reconhecida internacionalmente, e foi adotado pela Declaração dos Direitos da Criança, em 1959. Por isso, já fazia parte do ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 5º do Código de Menores, ainda através da Doutrina da Situação Irregular.

Mesmo com o advento da Doutrina da proteção Integral em detrimento da Doutrina da Situação Irregular, o princípio do Melhor Interesse permaneceu, sendo modificado apenas o seu paradigma que ganhou a amplitude  da Proteção Integral, sendo aplicado também nos litígios de natureza familiar.

O Princípio do Melhor Interesse do Menor deve estar segundo Andréa Rodrigues Amin[15]na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, como garantidor  do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens.

A denominação deste princípio pode levar a erro quem não conhece seus fundamentos, melhor interesse do menor não significa dizer que a vontade do menor será obedecida incondicionalmente, ao contrário, o princípio do melhor interesse do menor busca o que de fato será melhor para a criança ou o adolescente em questão, justamente por a criança e o adolescente serem indivíduos em processo de formação, não sabendo ainda distinguir o que de fato seria melhor para si.

Este princípio, portanto, é o norteador de todos os demais princípios do Direito da Criança e do Adolescente, pois sua essência deriva da proteção integral.

2.4 - A DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELA SOCIEDADE DA DOUTRINA DE PROTEÇÃO INTEGRAL E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR QUANDO SE TRATA DE MENOR INFRATOR.

Para a sociedade de um modo geral, é fácil aceitar e compreender a Doutrina da Proteção Integral e o Princípio do Melhor Interesse do Menor, quando se trata de uma criança de seu seio familiar ou de seu circulo de amizades. Por uma razão muito simples, a sociedade consegue visualizar nessas crianças e adolescentes o individuo em processo de formação, pois têm contato direto com a sua ingenuidade, com a fragilidade desses indivíduos.

Entretanto, quando estes institutos são aplicados a crianças e adolescentes infratores, há uma resistência na compreensão e principalmente na aceitaçãopor parte da sociedade.

O fato, é que a sociedade não consegue vislumbrar nas crianças e adolescentes infratores, o indivíduo em processo de formação, que não tem discernimento de seus atos, com toda a sua fragilidade e sua influenciabilidade.

Tem-se conhecimento de que os verdadeiros criminosos se utilizam desses menores para a prática de crimes, mas é sob a influência daqueles que estes cometem o ato infracional que muitas vezes é imposto a eles de maneira coercitiva. Estas crianças e adolescentes são vistos como delinqüentes, “criminosos em miniatura”, que cometem os atos infracionais pela certeza da impunidade.

Tal visão é errônea e discriminatória, pois as crianças e adolescentes infratores, só se diferenciam das demais pelo meio em que vivem e as influências que recebem, fora isso, são todas iguais, indivíduos em formação psicossocial que devem receber atenção qualitativa e quantitativa.

Atenção qualitativa e quantitativa significa dizer que esses indivíduos necessitam de uma orientação de profissional  qualificada, que lhe ensine não através de reprimendas, mas através do respeito e da valoração da auto-estima.

Ressalte-se que a Carta Magma em seu artigo 228, determina que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial[16]. Não ficando, portanto o menor infrator impune de seus atos, apenas tendo uma punição diversa por sua condição especial. Ao invés de penas restritivas de liberdade, são aplicadas medidas sócio-educativas ou medidas de proteção, que podem ser também restritivas de liberdade mas sempre em última hipótese.

Vale salientar, que criança e adolescentes não cometem crimes, e sim atos infracionais. Crime é conduta típica, antijurídica e culpável, a diferença entre crime e ato infracional, é a falta do elemento culpabilidade, pois este se compõe de dois fatores: psicológico[17]e biológico[18], como no ato praticado por crianças e adolescentes não está presente o fator biológico, não há que se falar em crime e sim em um ato análogo ao crime.

E, se não há crime, não pode haver como resposta uma pena, devendo ser, portanto aplicada uma medida sócio-educativa, ou uma medida de proteção.  A diferença está presente também na vinculação da pena à conduta típica, o que não ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas sócio-educativas não são vinculadas aos atos infracionais.

Cumpre ainda lembrar, que aos atos infracionais praticados por criança, pessoa até os doze anos, correspondem às medidas de proteção[19], e aos atos infracionais praticados por adolescentes, pessoa entre doze e 18 anos, às medidas sócio-educativas[20].

As medidas sócio-educativas têm caráter pedagógico, ou seja, visam à proteção e à educação do adolescente infrator. Outra característica dessas medidas é a possibilidade de cumulação e a substituição a qualquer tempo, conforme prevê o artigo 113 c/c 99 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

No ato da aplicação da medida a autoridade levará em conta a capacidade do adolescente em cumprir a medida, as circunstâncias em que ocorreram o ato infracional e a gravidade da infração, para que se aplique a medida sócio-educativa mais adequada ao caso concreto.

Posto isso, se faz necessária à explicação de cada uma dessas medidas, para que não reste dúvida de que o menor em conflito com a lei é punido, mas de forma proporcional a sua situação especial. Para facilitação do entendimento será obedecida a ordem em que são enumeradas pelo ECA em seu artigo 112, o que não significa dizer que uma tem que ser aplicada primeiro que a outra, como exposto anteriormente podem ser aplicadas cumulativamente.

Esclareça-se que não serão explicadas as medidas específicas de proteção por se tratarem de medidas mais voltadas para os responsáveis do que para o menor infrator em si, e a leitura dos artigos correspondentes são de fácil compreensão, não restando, portanto a necessidade de melhores esclarecimentos a seu respeito.

A primeira medida sócio-educativa constante no artigo 112 do ECA, é a Advertência[21], que consiste em admoestação verbal, que significa repreender com brandura, advertir. O magistrado, portanto, neste caso apenas aconselha o adolescente reduzindo esta admoestação em termo que deverá ser assinada pelo adolescente e seus responsáveis.

Obrigação de repara o dano[22]é a segunda medida apresentada pelo artigo em referencia, ela é aplicada quando o ato infracional tem reflexos patrimoniais, podendo ser determinado ao adolescente que restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou de alguma forma compense o prejuízo causado. Porém no parágrafo único do artigo 116 do ECA, prevê a impossibilidade da reparação, que neste caso deverá a medida ser substituída por outra mais adequada.

A prestação de serviços à comunidade[23]consiste na realização de tarefas de interesse geral de forma gratuita, por um período que não pode exceder seis meses. Essas tarefas serão exercidas junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas governamentais ou comunitários. O parágrafo único do artigo 117 prevê ainda que estas tarefas não podem afetar a freqüência escolar e que devem ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas.

Liberdade assistida[24]é a medida na qual o juiz monitorará o adolescente através de um orientador, que será pessoa capacitada para este acompanhamento, com obrigação de orientar o adolescente e sua família de forma a preservar a educação escolar e profissionalizante, promove-los socialmente e apresentar relatório do caso. Esta medida tem prazo mínimo de seis meses podendo a qualquer tempo ser prorrogada, substituída ou revogada. Observe-se que a medida traz prazo mínimo e não máximo, o que deixa a brecha para que seja prorrogada mais de uma vez. Esta medida será aplicada sempre que se mostrarem necessários o acompanhamento, o auxilio e a orientação ao adolescente. 

O regime de semiliberdade[25]pode ser determinado desde o inicio ou como forma de transição da internação para o meio aberto. Este regime permite a realização de atividades externas sem a necessidade de autorização judicial. Nesta medida é obrigatória a escolarização e profissionalização do adolescente, e não previsto prazo, devendo ser aplicado no que couber as disposições relativas à internação.

A medida sócio-educativa mais gravosa é a internação[26], pois ela consiste na privação de liberdade do adolescente, que pode ser provisória, com previsão nos artigos 108, 174, 183 e 184, ela é provisória pois é decretada antes da sentença e tem prazo máximo de quarenta e cinco dias; definitiva, prevista nos artigos 121 à 125 do ECA, ela advêm de sentença; e por fim a internação-sanção que decorre da regressão de medida mais leve anteriormente aplicada, prevista no artigo 122 § 1º do ECA.

A internação definitiva, não pode exceder o prazo de três anos, tendo em vista o princípio da brevidade. Também regem a internação o princípio excepcionalidade e da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, uma vez que tal medida só poderá ser aplicada quando não houver outra medida mais adequada e a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, obedecida a rigorosa separação por idade e gravidade da infração.

Esta medida só poderá ser aplicada quando o ato infracional tiver sido cometido sob grave ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de infrações graves; pelo descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Diante do exposto, resta comprovado que o menor infrator, ao contrário do que pensa a sociedade, não fica impune de seus atos, tendo várias medidas aplicáveis a este adolescente, dependo do ato infracional praticado.

Contudo, as instituições responsáveis pela aplicação e fiscalização dessas medidas ainda são muito deficientes, ainda não proporcionam de forma qualitativa e quantitativa aquilo que se propõem. Além disso, a sociedade é preconceituosa com o menor infrator, o trata de forma discriminatória, mesmo depois de sua reabilitação, não permitindo a sua reinserção no âmbito social.

Outro fator dessa desagregação social é o descaso com as crianças e adolescentes moradores de rua, que muitas vezes são taxados como “marginais”, sem ao menos terem cometido qualquer ato infracional, e que a sociedade finge que não vê ou temerosa atravessa a rua.

Tal comportamento, gera nesses indivíduos a necessidade de serem aceitos de alguma forma, seja juntando-se a uma atividade grupal negativa, seja praticando pequenos furtos para ter o objeto da moda e de alguma forma se sentir aceito, parte de uma parcela da sociedade.

Essas crianças e adolescentes, na verdade, são as que mais necessitam da proteção integral garantida-lhes pela Constituição, pois estão na maioria das vezes sem a proteção familiar, sem uma orientação, que lhes eduque, que lhes mostre o rumo da vida em sociedade.

A prioridade absoluta trazida pela doutrina da proteção integral gera muita polêmica quando o  menor é infrator, pois a sociedade reluta em aceitar a hipótese de que uma criança ou adolescente infrator necessitando de um leito, tenha prioridade em relação a um idoso gentil que nunca praticou nenhum crime ou contravenção.

Porém, se nesta mesma situação se encontrasse uma criança ou adolescente que não fosse infrator, não haveria resistência alguma por parte da sociedade, ao contrário, a prioridade absoluta seria reverenciada.

Esta situação evidencia a forma como a sociedade ignora os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, querendo tratar com desigualdade os iguais e violando direitos naturais como a dignidade, o respeito ao ser humano.

Pois, como demonstrado anteriormente, a única diferença entre a criança e o adolescente infrator para os não infratores, são as oportunidades que estes tiveram e aqueles não; a base familiar concreta que estes tiveram e aqueles não; a educação e o âmbito social que estes puderam vivenciar e aqueles não.

2.5 – A RELEVÂNCIA PARA A SOCIEDADE QUE O MENOR INFRATOR SEJA BENEFICIADO DESSES INSTITUTOS.        

Não se pode ignorar o fato de que, as crianças e adolescentes de hoje são o futuro do país, e se elas não tiverem a orientação adequada, a atenção e o carinho que necessitam como esperar que se tornem pessoas amáveis e de bom caráter? Não se pode esperar que uma pessoa adulta desenvolva um bom caráter sem nunca ter tido a orientação de o que é certo ou errado, de como se vive em sociedade enquanto criança ou adolescente.

Muitas vezes a sociedade, e até mesmo as instituições de serviço público, seja com a finalidade de abrigo ou de internação dos adolescentes infratores, rotulam o menor infrator como irrecuperável. Simplesmente desistem de tentar orientar e dar a atenção que estes precisam por pura ineficiência e falta de qualificação profissional para trabalhar com esses indivíduos.

Obviamente, sabe-se que as instituições especializadas no menor infrator não têm a infra-estrutura necessária, nem funcionários suficientemente capacitados para atender a privação de afeto e orientação educacional. O que torna a “recuperação” desses indivíduos ainda de forma precária, necessitando de uma complementação.

A aceitação desses menores infratores em um círculo de convivência social, seria a chave para esta complementação. Pois o que a maioria deles necessita é de um pouco de carinho e atenção.

Um exemplo vivo e claro desta situação é o Sr. Roberto Carlos Ramos, mais conhecido como “O Contador de Histórias”, mas para entender porque ele é um exemplo é preciso que se conheça sua história, sendo apresentado aqui um breve resumo para melhor compreensão.

Roberto Carlos Ramos aos seis anos chegou na FEBEM, levado por sua mãe, que acreditando na propaganda do governo, esperava dar um futuro melhor ao seu filho caçula, já que estava passando por dificuldades financeiras. Naquela época a FEBEM se propunha a educar e cuidar dos filhos das famílias empobrecidas, além de comportar também os menores infratores.

Nesta instituição, ele teve de se adequar ao ambiente com crianças mais velhas e adolescentes que já cometiam atos infracionais, na companhia e sob influência destes fugiu pela primeira vez da instituição.

Esta fuga foi o primeiro passo para o cometimento de atos infracionais, na rua onde se sentia livre das reprimendas e agressões feitas pelos funcionários da FEBEM  cometia pequenos furtos e chegou a usar drogas junto a outras crianças. Depois desta ocorreram inúmeras outras fugas.

O Contador de Histórias foi considerado irrecuperável, mas uma pedagoga francesa chamada Marguerit Duvas acreditou que poderia mudar a realidade dele e o fez. Pouco a pouco conquistou a sua confiança e acabou se tornando referencia de afeto e respeito.

Depois de sofrer uma violência sexual por um adolescente também morador de rua, Roberto fugiu para casa da francesa, com ela, Roberto aprendeu a ler e a escrever, a falar francês e, principalmente, a dar e receber afeto. E lá ficou até que o visto dela vencesse. Quando ela o informou que teria de partir Roberto em um surto de raiva e amor alagou a sua casa.

A francesa para a surpresa de Roberto, não lhe bateu, dialogou e contou que o levaria consigo para a França, pois seria incapaz de deixá-lo aqui. Roberto foi para o país dela e lá cresceu em um ambiente familiar.

Roberto voltou ao Brasil e se formou em pedagogia, Mestre em Educação pela Unicamp, Pós-Graduado em Literatura Infantil pela PUC-MG, membro da Associação Internacional dos Contadores de Histórias e Valorizadores da Expressão Oral Mundial, sediada em Marselha (França). Em 2001 foi eleito como um dos dez maiores contadores de histórias da atualidade em Seattle, nos Estados Unidos.

A trajetória de vida do “Contador de Histórias” se tornou sinônimo de superação e empresas como a Petrobrás, a Cenibra, a Companhia Vale do Rio Doce, Gerdau do Brasil, Belgo Mineira, O Boticário, Grupo Votorantim, Skol, Godyer, Ipiranga, Fiat, OAB e Sebraes de várias regiões passaram a convidá-lo para palestrar para seus funcionários.

A importância dessa história é tamanha, que se tornou filme[27], para que todos a conhecessem. Mas essa história não fala só de um ex-menino de rua que deu a volta por cima, ela fala também e  principalmente de uma mulher que se recusou a acreditar que um adolescente poderia ser irrecuperável, e que o ajudou verdadeiramente dando-lhe o que mais precisava, o afeto e o respeito.

A vida deste menor infrator e a atitude de Marguerit Duvas deixa claro que ninguém é irrecuperável, muito menos uma criança ou adolescente, sempre existe um caminho para ajudar quem precisa só basta coragem para fazê-lo.

Infelizmente essa  história é uma em um milhão, pois existem muitos menores infratores, mas existem poucas pessoas como Marguerit Duvas, dispostas a dar afeto sem nada esperar, a respeitar quem desrespeita, a ensinar quem finge não entender.

Esta pedagoga francesa feio para o Brasil para estudar, mas acabou deixando uma grande lição a ser aprendida pelos brasileiros, que o que muda a realidade dessas crianças e adolescentes é o respeito dado a elas.

Diante deste entendimento, resta comprovado o anteriormente exposto, a parte mais importante na recuperação do menor infrator é aceitação pela sociedade, é receber afeto e respeito.

Portanto, o menor quando é beneficiado da proteção integral, não está sendo beneficiado sozinho, toda a sociedade é beneficiada junto, pois este menor se for orientado corretamente sairá das ruas e será menos um cometendo atos infracionais, e quando se tornar um adulto não cometerá crimes pois o seu caráter foi construído à época certa.

Não é só a diminuição da criminalidade que têm relevância para a sociedade, este menor que um dia se tornará adulto, terá emprego e viverá no âmbito social, e agirá como um espelho refletindo na sociedade aquilo que lhe foi dado pela sociedade.           

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Sobre a autora
Erica Ellen

Advogada, Graduada na Universidade de Estácio de Sá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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