Decadência e prescrição em matéria tributária

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Este artigo busca analisar os institutos da decadência e da prescrição em matéria tributária, enfatizando as regras de contagem dos respectivos prazos.

Tema bastante tormentoso na seara tributária é o que diz respeito à aplicação dos institutos da decadência e da prescrição, sendo muitas vezes comum a advogados e juízes a dificuldade de analisar a ocorrência desses fenômenos, notadamente a fixação dos termos a quo e ad quem do prazo decadencial e prescricional, ambos de cinco anos nos termos do Código Tributário Nacional (CTN).

O primeiro equívoco mais recorrente é o de ignorar a existência da decadência, partindo da premissa de que uma vez ocorrido o fato gerador e esgotado o prazo de vencimento do tributo, contam-se cinco anos até o despacho de citação na execução fiscal . No entanto, sabe-se que o art. 173, I, do CTN é expresso no seguinte:

Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

Como se depreende, a regra geral é que a Fazenda Pública só não pode mais constituir o crédito tributário após o transcurso de cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Em outras palavras, acontecido o fato gerador, o prazo decadencial começa a correr no primeiro dia do exercício seguinte, findando após cinco anos.

Com efeito, a verificação tempestiva da obrigação tributária pelo Fisco, ou seja, aquela realizada dentro do prazo decadencial, enseja a existência de prazo para o sujeito passivo (a) efetuar o pagamento do tributo devido; (b) ou apresentar impugnação, instaurando a fase do contencioso administrativo, a qual é marcada pela suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por força do art. 151, III, do CTN.

Somente com a constituição definitiva do crédito tributário, seja pelo esgotamento do prazo de pagamento in albis, seja pelo encerramento de eventual discussão nas instâncias administrativas, é que se pode falar em prescrição, tal como disposto no art. 174 do CTN: “A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.

Delineado esse panorama geral, pode-se afirmar, em síntese, que a Fazenda Pública tem, como regra, cinco anos para realizar o lançamento de ofício contra o contribuinte, o qual será notificado para pagar ou apresentar impugnação na via administrativa, tendo também, após a constituição definitiva do crédito tributário, até cinco anos para promover o ajuizamento da  execução fiscal, independentemente da prolação do despacho citatório pelo juízo competente, forte no disposto na Súmula nº 106 do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência.

Ocorre que, diante da infinidade de ocorrências de fatos geradores no cenário econômico dos últimos anos, era absolutamente impossível que a Fazenda Pública tivesse estrutura para efetuar o lançamento de ofício contra cada contribuinte. De fato, a complexidade da atividade empresarial exigia técnicas de arrecadação mais eficientes e menos burocráticas, de forma a facilitar o funcionamento das empresas e também do Fisco.

Não sem razão, na área federal, foi instituída, através da Instrução Normativa SRF nº 129/1986, a Declaração de Contribuições e Tributos Federais, a qual serviu de instrumento para que pessoas jurídicas prestassem informações a respeito dos débitos fiscais inerentes às suas atividades. Após alguns anos, tal declaração veio a se chamar de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais, atualmente conhecida por DCTF e que se encontra disciplinada pela Instrução Normativa SRF nº1.110/2010.

Oportuno lembrar, aqui, que a doutrina muito discutiu a respeito da natureza jurídica dessa declaração apresentada pelo contribuinte, mas tudo acabou ficando resolvido com o entendimento de que a constituição do crédito tributário não ocorre apenas através do lançamento efetuado pela Fazenda Pública, e sim também pela mera declaração do sujeito passivo da obrigação tributária. Registre-se, por oportuno, o teor da Súmula nº 436 do STJ:

A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.

De todo modo, independentemente da natureza jurídica da declaração em questão, o fato é que a figura do lançamento de ofício passou a ser a exceção num cenário onde a regra é atualmente a constituição do crédito tributário por ato do contribuinte. E se assim o é, não resta dúvida de que houve impacto em termos de análise da decadência e da prescrição.

De fato, constatada a confissão do débito por declaração apresentada pelo contribuinte, não resta dúvida de que atualmente o Fisco deverá se debruçar mais rapidamente sobre o fenômeno tributário, sob pena de decadência ou prescrição, daí porque, no âmbito federal, a Instrução Normativa SRF nº 1.110, de 24 de dezembro de 2010, prevê o seguinte:

Art. 8º Os valores informados na DCTF serão objeto de procedimento de auditoria interna.

§ 1º Os saldos a pagar relativos a cada imposto ou contribuição, informados na DCTF, bem assim os valores das diferenças apuradas em procedimentos de auditoria interna, relativos às informações indevidas ou não comprovadas prestadas na DCTF, sobre pagamento, parcelamento, compensação ou suspensão de exigibilidade, serão enviados para inscrição em Dívida Ativa da União (DAU), com os acréscimos moratórios devidos.

§ 2º Os avisos de cobrança referentes à cobrança administrativa de que trata o §1º deverão ser consultados por meio da Caixa Postal Eletrônica da Pessoa Jurídica, disponível no Centro Virtual de Atendimento ao Contribuinte (e-CAC), no endereço <http://www.receita.fazenda.gov.br>.

§ 3º No caso dos órgãos públicos da administração direta dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a inscrição em DAU será efetuada em nome do respectivo ente da Federação a que pertençam.

Realmente a constituição do crédito tributário através da entrega de declaração pelo contribuinte tem o papel fundamental de colocar a decadência e a prescrição sob o enfoque da sistemática mais ágil do lançamento por homologação, previsto no art. 150 do CTN da seguinte forma:

Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.

§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.

§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.

§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.

§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Nessa modalidade de constituição do crédito tributário, ganham relevo duas questões importantes. A primeira delas é o dever de o contribuinte antecipar o pagamento do tributo declarado. A segunda é o prazo quinquenal de homologação e consequente extinção definitiva do crédito, a contar da ocorrência do fato gerador, no caso de omissão da Fazenda Pública, ou seja, diante da chamada homologação tácita.

Ao contrário, então, da contagem do prazo decadencial com base no lançamento de ofício, considerando-se por exercício orçamentário, há uma redução para cinco anos contados da imediata ocorrência do fato gerador. Mas a questão não é tão simples assim.

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Imaginemos que o contribuinte se declara devedor de tributos vincendos. Aqui, como houve apresentação de declaração, não resta dúvida, conforme a citada jurisprudência do STJ, acerca da constituição do crédito tributário, ainda não definitiva em razão de não ter decorrido o prazo de vencimento.

Por outro lado, após o vencimento do tributo, segundo o art. 173, I, do CTN, o Fisco teria também a oportunidade efetuar o lançamento de ofício, iniciando o prazo de decadência a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao da constatação da inadimplência do contribuinte. Ou seja, enquanto, no exemplo, a expectativa do devedor confesso estaria no campo da prescrição, a do Fisco se encontraria no campo da decadência. 

Agora qual utilidade teria se o Fisco, dentro do prazo previsto no art. 173, I, do CTN, apenas ratificasse as informações já declaradas pelo contribuinte, resolvendo efetuar o lançamento de ofício do crédito tributário apurado já naquele momento de apresentação da declaração? Absolutamente nenhuma e, no final das contas, novamente apareceria a dificuldade de a Administração dar vazão à infinidade de fatos geradores ocorridos na atividade econômica.

Nesse cenário, abrem-se várias situações para análise, já que o contribuinte pode: (a) declarar o valor integral do tributo devido e efetuar pagamento parcial; (b) declarar valor parcial do tributo devido e efetuar pagamento parcial; (c) declarar o valor integral do tributo devido e não efetuar nenhum pagamento; (d) declarar valor parcial do tributo devido e não efetuar nenhum pagamento.

Nas duas primeiras situações citadas, tem-se a constatação do pagamento parcial do tributo devido. Nos dois últimos, verifica-se a inexistência de qualquer pagamento do tributo devido. Comum a todas as situações, há o fato de que o tributo devido não foi integralmente recolhido ao erário e que, portanto, precisa ser cobrado contra o contribuinte.

Voltando, então, para a questão da decadência e da prescrição, pode-se afirmar que se o contribuinte, independentemente de ter pago parcialmente ou não, declarou ao Fisco o valor integral do tributo devido, não há o que se cogitar mais de lançamento suplementar de ofício e de decadência, passando a fluir o prazo prescricional, cujo termo a quo será a data do vencimento do tributo ou o dia seguinte à entrega da declaração, se esta for posterior.

Por outro lado, se o contribuinte, independentemente de ter pago parcialmente ou não, declarou ao Fisco apenas parte do tributo devido, então a parte declarada seguirá o disposto acima, enquanto que, para a parte não declarada, surgirá a necessidade de efetivação do lançamento de ofício suplementar, devendo a contagem do prazo decadencial ser feita com base no artigo 150, §4º (cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador), ou no artigo 173, I (cinco anos do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado), do Código Tributário Nacional, a depender, respectivamente, da existência de pagamento parcial ou nenhum pagamento da parte já declarada. Nesse caso, o prazo prescricional contar-se-á da constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, quando encerrada a instância administrativa.

Note-se finalmente, porém, que tais diretrizes não contemplam situações em que o contribuinte, ao apresentar a declaração ao Fisco, age dolosamente, fraudulentamente ou em simulação, hipóteses essas que inevitavelmente reclamam a adoção da regra disposta no referido art. 173, I, do Código Tributário Nacional.

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Sobre o autor
Marcelino José Alves Ferreira

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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