Direito fundamental à diferença

O papel do Estado, família e sociedade na proteção dos direitos da pessoa com deficiência.

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27/10/2014 às 17:58
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Este texto faz uma reflexão sobre a tutela do direito à diferença sob o viés da proteção jurídica da pessoa com deficiência, apontando os desafios presentes no dia-a-dia de familiares destas pessoas, da sociedade e do Estado, para garantir esses direitos.

Aspectos Gerais.                                                            

Retratar o tema aqui proposto representa um verdadeiro desafio, não apenas pela escassez de debates sobre o assunto, mas, sobre tudo, pela incômoda constatação de que a pessoa com deficiência não tem recebido a devida proteção dos direitos e garantias que lhes são assegurados na Constituição de 1988.

Na verdade, o que se observa no dia-a-dia dessas pessoas, é que elas, não obstante as suas limitações, são obrigadas a assistirem passivamente a ineficiência do Estado, na concretização de ações capazes de garantir-lhes a convivência em sociedade (inclusão), sem que para isto, tenham que sofrer qualquer espécie de constrangimento.

A situação dos deficientes torna-se mais gravosa quando se constata que são discriminados e rejeitados pela sociedade e, até mesmo, por seus próprios familiares. Estes, muitas vezes, tratam estas limitações como uma desgraça, condenando seus entes a viverem isolados, configurando assim, flagrante situação de vulnerabilidade.

Para o melhor entendimento desta temática é preciso destacar que o conceito de vulnerabilidade não se confunde com o de minoria, uma vez que, as minorias estão limitadas aos aspectos éticos, linguísticos e religiosos, ao passo que a vulnerabilidade diz respeito a fatores relacionados às características especiais que as pessoas apresentam em razão da idade, gênero, orientação sexual, deficiência física ou sofrimento mental entre outros.

Portanto, o simples fato destas pessoas apresentarem características físicas, neurológicas ou intelectuais diferentes das demais, não significa dizer que devam ser compulsoriamente excluídas do convívio social, principalmente quando a tutela do direito à diferença vem gradativamente ganhando espaço na sistemática jurídica moderna, justamente por proporcionar o exercício da democracia.

Chama-se atenção aqui, para o fato de que, uma sociedade democrática deve estar assentada sobre o pilar da pluralidade, corporificando aquilo que preconiza a Constituição brasileira em seu art. 3º, inciso IV, quando estabelece como objetivos fundamentais do Estado brasileiro, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Estudos históricofilosóficos demonstram que as pessoas “portadoras” de deficiência sempre foram vitimadas pela rejeição, seja do Estado, da sociedade ou da própria família. Desta forma, desde as primeiras civilizações vamos encontrar a pessoa com deficiência sendo tratada como ser descartável, afastado do convívio social, perseguido e humilhado em razão das suas limitações físicas, neurológicas, etc.

A mitologia grega ilustra de forma bastante clara o tratamento dedicado a estas pessoas quando narra o mito de Hefestos, deus do fogo. Conta-se que sua mãe (Hera) envergonhada por ter concebido um filho tão disforme, precipitou-o no mar para que ficasse eternamente escondido nos abismos. O fato é que Hefestos foi rejeitado pelos pais e por isso foi criado e educado na terra, onde aprendeu a confeccionar “as mais belas peças de ferro, bronze e metais preciosos de todo tipo”[1].

Do mesmo modo, a história é testemunha de culturas em que a condição de deficiente reservava um triste destino para os recém nascidos. Trágico capítulo insculpido na história da humanidade, o extermínio de recém-nascidos que apresentavam alguma imperfeição física, era uma prática constante na ilha de Esparta[2]

O panorama aqui estabelecido configura-se como verdadeira seleção natural em que apenas os mais fortes e destituídos de imperfeições tinham condição de sobreviver e se integrar à polis.

Não há como duvidar do verdadeiro calvário que as pessoas com deficiência atravessaram ao longo da história da humanidade. Vítimas de grandes atrocidades, estas foram utilizadas como cobaias em experiências médicas, castradas ou esterilizadas para que não reproduzissem seres imperfeitos e quando menos sofriam eram isoladas do convívio social[3].

O calvário histórico que vivenciaram as pessoas com deficiência levando-as a serem “ignoradas” pelo Estado e pela sociedade, além de rejeitadas pela família, torna-se ameno, no ano de 1981, quando a Organização das Nações Unidas – ONU, declarou aquela data, como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente (AIPD).

Portanto,“Se até aqui a pessoa com deficiência caminhou em silêncio, excluída ou segregada em entidades, a partir de 1981 – Ano Internacional da Pessoa Deficiente -, tomando consciência de si, passou a se organizar politicamente[4].

O movimento torna-se mais sólido no Brasil com a ratificação da Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, a qual entrou no cenário jurídico pátrio com força de emenda constitucional, representando uma grande conquista não apenas para as pessoas com deficiência, mas para toda a sociedade, posto que, trata-se de um direito da coletividade agora revestido de dispositivo constitucional.

Ante estas considerações, apresenta-se aqui um enfoque sobre a urgente necessidade de oferecer efetividade às normas que tutelam os direitos das pessoas com deficiência, ante a sua condição de grupo vulnerável, ainda vitimado pelo preconceito e discriminação, posto que o Estado, a sociedade e a própria família dessas pessoas, posicionam-se timidamente no enfrentamento da problemática aqui apresentada.

É fato que estas pessoas são passivamente excluídas da vida em sociedade e encontram dificuldades de serem reinseridas, seja por ignorância jurídica das próprias vítimas e da sociedade de modo geral, seja por ineficácia do Estado na implementação de políticas sociais inclusivas em detrimento de ações meramente assistencialistas ou mesmo pela pouca importância dedicada à problemática por alguns operadores do direito, promovendo a escassez de estudos que se debrucem sobre a temática da discriminação em razão da deficiência e seus consectários jurídicos.

O enfrentamento da discriminação em razão da deficiência é fator importantíssimo na construção de uma sociedade democrática e promotora da dignidade humana, além do que, conduz à tutela de garantias constitucionais na medida em que dá efetividade à proteção da diversidade pressuposto maior do direito fundamental à diferença.


1. Vulnerabilidade e Direitos Humanos.

O censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou que a população brasileira já ultrapassou à casa dos 190 milhões de indivíduos. País de verdadeira dimensão continental, o Brasil, ao longo de seu processo histórico, vivenciou a construção de uma cultura baseada no sincretismo, uma vez que, suas manifestações culturais são produto da união do costume de diversos povos que participaram do seu processo de colonização (portugueses, espanhóis, africanos, etc.).

Neste sentido, essa “gama de caracteres” que compõem a formação do povo brasileiro, representa uma das principais dificuldades e desafios a serem superados na busca pela construção de uma sociedade igualitária e distanciada da violação de direitos humanos, posto que, determinados grupos de pessoas acabam tendo seus direitos violados em detrimento da força política e econômica de outros[5].

Antes de qualquer aprofundamento sobre o tema é preciso ter em mente que a construção de uma sociedade democrática está indissociavelmente vinculada à tutela dos Direitos e Garantias Fundamentais, os quais refletem significativamente na proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade.

  Em que pese a Constituição de 1988 ter tutelado a garantia de direitos aos grupos vulneráveis por meio do art. 5º, é preciso destacar que no ordenamento jurídico “há outros dispositivos garantidores de direitos de grupos mais específicos, como o Estatuto do idoso, o Estatuto da criança e do Adolescente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência”[6], todavia, “a efetividade desses dispositivos depende da participação da sociedade civil organizada e de políticas públicas de atendimento em diversas áreas”[7].

Contribuindo significativamente para a problemática das pessoas em situação de vulnerabilidade, Martins (2009, p.9) divide estes grupos em seis categorias, a saber: mulheres, crianças e adolescentes, idosos, população de rua, pessoas com deficiência física ou sofrimento mental e comunidade GLBT.

Na seara desta discussão, a pessoa com deficiência representa um importante desafio a ser enfrentado pelo Estado, na proteção de seus direitos constitucionalmente instituídos. Isto por que, questões socioculturais, políticas e econômicas acabam influenciando na efetivação de políticas públicas eficazes para o atendimento das necessidades vivenciadas por essas pessoas.

 A ineficiência do Estado, na efetivação dessas políticas públicas, desponta como grave afronta ao art. 1º da Constituição, posto que, não há que se falar em Estado Democrático de Direito, sem que todos os seus cidadãos recebam a devida proteção dos direitos e garantias que lhes são assegurados.

Assim, o remédio para romper a barreira da vulnerabilidade, é dar efetividade aos Direitos Humanos, o que do ponto de vista da problemática vivenciada pelos deficientes deve ser visto com olhos mais cuidadosos pelo Estado ante a importância que a temática suscita no âmbito da proteção destes direitos de caráter universal.

É cediço que o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 1945, e a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, foram pilares do processo de internacionalização dos Direitos Humanos.

Com a criação da Organização das Nações Unidas e a posterior publicação do seu mais preciso documento, o qual estabeleceu a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), os povos do mundo inteiro passaram a contar com um dispositivo de cunho internacional de proteção dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos de todo o mundo.

O referido documento de proteção aos direitos humanos é resultado de uma trajetória de lutas que acabou por provocar amadurecimento da comunidade internacional sobre a necessidade em se banir atrocidades como as que foram testemunhadas tanto na Alemanha nazista como durante a Segunda Guerra mundial.

Estar se falando na verdade de atos como: o confisco de bens, esterilização, tortura, experimentos médico com seres humanos, pena de morte, deportação, banimento, etc. Este conjunto de ações desmedidas eram na verdade praticados pelos comandados de Hitler como se fora uma conduta perfeitamente normal, quando, do contrário, estava-se legitimando as maiores aberrações, que a humanidade já presenciara, no tocante à violação da dignidade humana.

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Observa-se com isto que a dignidade humana é, portanto, a base axiológica dos Direitos Fundamentais. A partir de então foram estruturados sistemas de proteção a esses direitos, de modo que estes podem ser visualizados tanto no âmbito normativo global quanto por meio de um sistema regional. Assim, dentro do sistema global estão dispostos os instrumentos específicos, destinados ao combate e prevenção de violações tais como tortura, exploração sexual de menores, discriminação racial e contra a pessoa com deficiência.

A universalização dos direitos humanos ao mesmo tempo em que financia a formação de sistema de proteção internacional destes direitos cria dispositivos importantes de efetivação dos mesmos por meio de tratados e convenções internacionais, os quais são o resultado do consenso entre os Estados, acerca de determinados temas.

Neste contexto é que está inserida a Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos das pessoas com deficiência, um importante instrumento de luta contra a discriminação destas pessoas, e que foi ratificado pelo Brasil com status constitucional. Todavia, muito há que se fazer pela concretização destes direitos que foram universalmente instituídos, mas que, ainda é desconhecido por muitos, inclusive os próprios destinatários.

Dar concretude às normas de proteção à pessoa com deficiência é tarefa que exige um verdadeiro exercício de cidadania, uma vez que, a missão só será alcançada por meio de um esforço conjunto dos atores sociais direta e indiretamente afetados pela problemática (Estado, judiciário, familiares, etc.).

É preciso tomar consciência de que “Direitos humanos, democracia e acessibilidade são inalienáveis e indissolúveis, pois defendem o reconhecimento e a valorização da diversidade humana como meio para uma vida independente, o bem-estar coletivo e o desenvolvimento social inclusivo”[8], de modo que o Estado, a sociedade e os familiares das pessoas com deficiência devem com base nisto financiar uma verdadeira mobilização para dar efetividade a este conjunto de caracteres fundamentais na concretização dos direitos da pessoa com deficiência.


2. A missão da sociedade, família e Estado na proteção da pessoa com deficiência.

 A proteção da pessoa com deficiência, conforme já destacado, vem timidamente ganhando espaço nas discussões sociais, e embora o Estado tenha se demonstrado solidário com a situação de vulnerabilidade que afeta estas pessoas, adotando mecanismos jurídicos de proteção dos seus direitos, ainda há muito a ser feito, para que se possa afirmar que foram absorvidas pela sociedade.

A ratificação da Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência surge como uma atitude importante do Estado brasileiro, uma vez que representa uma série de compromissos assumidos, ante as organizações internacionais de proteção dos direitos humanos para que sejam desenvolvidas políticas de promoção e efetivação destes direitos, mas não se deve parar por aí.

Isto implica dizer que, a mais importante tarefa de casa a ser posta em prática é sem sombra de dúvidas, “estabelecer uma via de mão dupla entre o cidadão com deficiência e o seu meio”[9], por meio de políticas públicas que contemple todas as reais necessidades da pessoa com deficiência (inclusão social, acessibilidade, etc.).

É preciso ter em mente que a norma por si só, não representa uma atitude concreta na promoção de direitos, urge que a mesma tenha efetividade, do contrário, estaríamos incorrendo naquilo que poderíamos chamar de “política do faz de conta”. Ou seja, é preciso que a norma venha acompanhada de atitudes concretas do Estado, e que esteja fundamentada em ações capazes de tornar visível a concretização destes direitos.

Um exemplo que ilustra de forma bastante clara o que denominamos de política do faz de conta, é a questão da acessibilidade, especificamente no que se refere à acessibilidade aos espaços físicos. Em recente competição esportiva realizada em Natal-RN, como seletiva regional para os jogos paraolímpicos de Londres, poderíamos afirmar, ao observar a estrutura disponibilizada para os atletas, que aquele evento se destinava a qualquer grupo social, menos às pessoas com deficiência, uma vez que, era flagrante a falta de equipamentos acessíveis seja no local de competição, seja nos hotéis que hospedaram estes atletas ou mesmo nos veículos contratados para fazer o deslocamento dos cadeirantes até o centro esportivo.

O fato é que por mais que a lei de acessibilidade esteja em pleno vigor, se lançarmos um olhar ao nosso redor somos capazes de perceber a quantidade de espaços físicos inacessíveis, seja em ambientes públicos ou mesmo acessível ao público. Mesmo aqueles que foram adaptados pecam em algum requisito, não atendem às normas e chegam ao absurdo de ao invés de facilitar dificultar o acesso.

Importa destacar que o conceito de acessibilidade não abarca apenas a eliminação de barreiras físicas, diferente disto, a máxima que deve ser extraída do vocábulo, é a de que exercer as prerrogativas como cidadão é muito mais amplo que a eliminação de barreiras e é em consequência disto que a diferença não protegida acaba gerando a desigualdade.

No tocante à educação, constitui verdadeira utopia falar em educação inclusiva na rede pública de ensino, uma vez que pouquíssimos educadores estão capacitados para lidar com a criança deficiente, mesmo nos educandários da rede particular a realidade não é muito diferente, existe uma dificuldade enorme em se fazer cumprir a lei.

Ante o exposto pode-se afirmar que a educação inclusiva é ponto fundamental para a garantia do direito à igualdade insculpido no inciso III do art. 208 da Constituição Federal, o qual somente estará efetivado mediante: [...] “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Importa destacar que isto significa dizer que se trata de um serviço complementar e necessariamente diferente do ensino escolar, mas que não deve ser prestado de maneira segregada, mas de forma a fazer com que o aluno com deficiência possa interagir com os demais alunos buscando, contudo, atender às necessidades específicas de cada um utilizando-se inclusive dos instrumentos que proporcionem a eliminação de barreiras para essas pessoas, a exemplo da Língua Brasileira de Sinais – LIBRA, Sistema Braille, educação física especializada, etc.

Isto posto, há que se acrescentar ainda que o acesso a todas as séries do Ensino Fundamental é obrigatório e incondicionalmente garantido a todos os alunos de 7 a 14 anos, além do que conforme estabelecido no art. 24 da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDBEN, de 1996, até mesmo os critérios de avaliação e progressão do aluno para as séries superiores que tenham como base o aproveitamento escolar, dentre outros requisitos, “terão de ser reorganizados para cumprir os princípios constitucionais da igualdade de direito ao acesso e permanência na escola, bem como aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”[10].

Torna-se cada vez mais notório que Estado e sociedade estão longe de atenderem as reais necessidades da pessoa com deficiência demonstrando com isso que “a deficiência não está na pessoa e sim, na sociedade, que deve como determinam todos os demais dispositivos da convenção da ONU, buscar políticas públicas para que os detentores daqueles atributos outrora impeditivos emancipem-se”[11].

A sociedade por sua vez necessita aprender a respeitar as dificuldades que estas pessoas enfrentam e romper a barreira do preconceito. É preciso tomar consciência do quanto é importante para estas pessoas serem tratadas de forma igual, fazê-los sentirem-se igualmente importante dentro do processo de interação e construção da sociedade, uma vez que estão cada vez mais presente entre nós.

Para que se possa compreender a importância que a pessoa com deficiência representa hoje para a formação de uma sociedade pluralista e destituída de qualquer preconceito, basta analisar o censo demográfico 2010 do IGBE[12], cujos dados referentes às pessoas com deficiência apresentam números importantes.

A pesquisa aponta que 24% da população total do país possui algum tipo de deficiência (mental, motora, visual ou auditiva), o que corresponde a quase 46 milhões de brasileiros, todavia o que mais preocupa nos dados divulgados é que para esta parcela da população as taxas de escolarização são inferiores às de pessoas sem qualquer deficiência. O quadro se repete para os indicadores de ocupação e rendimento.

Há que se observar também que o judiciário desempenha papel importante na luta pela efetivação das garantias constitucionais a esta parcela da sociedade. Isto porque, a despeito de uma legislação mais atuante, o nível de ocupação da população com deficiência é menor: 46,2%, contra 53,3% das pessoas com mais de 10 anos. Reflexos que aparecem na formalidade que é de 40,2% para quem tem alguma deficiência e de 49,2% para quem não tem deficiência alguma.

Indubitavelmente houve um avanço significativo da legislação nos últimos anos uma vez que há muitas leis que preveem direitos da pessoa com deficiência, todavia, existe uma imensa dificuldade para colocar em prática esses direitos, de modo que ainda há muito a evoluir neste sentido. A mobilização que vem se levantando nos últimos anos em prol da efetivação desses direitos, ainda é um movimento embrionário.

Alguns diplomas normativos ainda apresentam elementos ultrapassados no que compete ao tratamento jurídico dado à pessoa com deficiência, a exemplo do Código Civil de 2002, o qual apresenta “um tratamento jurídico inadequado e anacrônico da capacidade civil”[13], pode-se inclusive destacar que o referido diploma civilista “se mostra em desconformidade com a CDPD, que por sua vez, trata da capacidade da pessoa com deficiência em consonância com os princípios constitucionais”[14].

Sobre este ponto não iremos nos aprofundar neste momento, todavia, não deixa de ser um fator importante a ser destacado, uma vez que adentra em aspectos constitucionais relevantes e diretamente relacionados á proteção da dignidade humana destas pessoas.

Não há duvidas de que a legislação oferece a devida proteção a essas pessoas, no entanto, faltam alguns ajustes e uma efetiva fiscalização da sua aplicação. É neste ponto que a família da pessoa com deficiência assume papel relevante, pois é na família que a pessoa com deficiência deve encontrar seu primeiro e principal ponto de apoio e proteção.

É preciso ter em mente que “independente do momento em que os pais entram em contato com a deficiência de seu filho e do quão forte e maduro possam ser, essa é sempre uma situação envolta de muita dor, medo e incerteza”[15]. Neste sentido urge que a família esteja suficientemente preparada afim de que possa superar muito bem as fases que a partir de então terão de enfrentar: negação, adaptação e aceitação.

Não é um caminho fácil de ser trilhado, principalmente porque o preconceito social, e as expectativas criadas em relação ao bebê ainda na fase de gestação serão fatores preponderantes a serem trabalhados psicologicamente pela família, que muitas vezes travam uma batalha dolorosa na busca por outros diagnósticos que possam negar a realidade presente.

O importante neste momento é não afastar a criança do convívio social, o que muitos pais acabam fazendo, pois a “autonomia e a independência da criança com deficiência serão constituídas a partir das suas interações sociais”[16], portanto, é preciso que os pais e familiares tenham em mente que quanto mais tardiamente alcançarem a fase de aceitação, estarão ampliando ainda mais as barreiras da discriminação e preconceito para com o seu filho e para com todas as pessoas com deficiência.

Assim como houve significativo avanço no sistema normativo de proteção ao deficiente, do mesmo modo, os familiares dessas pessoas ainda que timidamente tem se conscientizado cada vez mais do seu papel, contribuindo para que gradativamente a situação de segregação a que se submeteram durante muito tempo não tenha mais espaço no ambiente familiar do deficiente.

O principal fator que tem contribuído para esta nova fase é o rompimento da barreira do desconhecimento de seus direitos, que faz com que possam se libertar daquela retrograda concepção de inferioridade, pois tomam cada vez mais consciência do seu direito de reivindicação. Todavia, esta não é uma realidade que está presente em todos os lares.

Ainda há muito a ser feito, principalmente pelos familiares dessas pessoas, para que estas efetivamente sintam-se inseridas e aceitas não só pela sociedade, mas acima de tudo e fundamentalmente pelos seus entes.

Por todo o exposto acima, urge que o Estado, a sociedade e a família da pessoa com deficiência tomem consciência de que a efetivação do direito à diferença aliada à promoção da acessibilidade por tudo que ela representa, gera a vida do indivíduo com deficiência.           

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Sobre o autor
Evandro Barbosa

Bacharel em Direito pela Faculdade ASCES, Pós-graduando em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Faculdade Osman Lins, Pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela UNOPAR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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