Prescritibilidade de negócio jurídico nulo: divergência doutrinária e jurisprudencial

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Possibilidade de arguição de prescrição em relação a nulidade de negócio jurídico nulo

Muito embora seja um entendimento relativamente novo e ainda pendente de sedimentação na doutrina e jurisprudência pátria, apesar de já existirem decisões do Superior Tribunal de Justiça no mesmo sentido, a prescritibilidade de se arguir eventual nulidade de um negócio jurídico é tema que merece ser estudado.

Não visando encerrar a matéria e, principalmente, a discussão – muito ao contrário visto ser essa a magia que move o Direito como objeto de estudo – este artigo visa trazer à baila algumas posições de grandes juristas e entendimentos jurisprudenciais.

Inicialmente, o objeto final deste artigo não prescinde dos sempre claros e sábios ensinamentos de Pontes de Miranda, cuja contribuição ímpar resultou na criação dos planos de atuação do negócio jurídicos, os quais levaram o seu nome, qual seja Escada Ponteana.

Nesta esteira, destacou o referido doutrinador pátrio que em todos os negócios jurídicos devem ser observados três planos distintos, cujo suprimento de quaisquer deles pode acarretar em invalidade ou defeito do negócio.

Em primeiro lugar, portanto, surge o plano de existência do negócio jurídico. É necessário que as partes, no caso de compra e venda, compareçam ao tabelião e assinem a escritura pública. Não se analisa quaisquer outras características, simplesmente se o negócio realmente existiu. Por exemplo, no que concerne à compra e venda, mesmo que as partes tenham chegado à um consenso quanto ao objeto, mas não tenham logrado em definir o preço, o negócio jurídico nem mesmo chegou a existir.

Em um segundo momento, deve ser observado o plano de validade. Este, por sua vez, tal como em todo negócio jurídico, reclama a capacidade do agente, a licitude do objeto e a forma exigida em lei, consoante previsão expressa no Código Civil de 2002, extraída do artigo 104. Vejamos:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I - agente capaz

II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável

III - forma prescrita ou não defesa em lei.

Estes pressupostos de todo e qualquer negócio jurídico devem ser atendidos pelos contratantes sob pena de anulabilidade ou, até mesmo, nulidade do negócio. O plano de eficácia será dispensado por não contribuir para o objeto final deste texto.

Por oportuno, o negócio jurídico também deve ser observado sob o enfoque o artigo 166 do Código Civil de 2002, visto que este dispositivo, ainda que parcialmente reproduza o citado anteriormente, trata das nulidades do negócio jurídico.

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito

IV - não revestir a forma prescrita em lei

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Como dito, a pendência de sedimentação na doutrina e jurisprudência decorre da expressa disposição legal de que o “o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo”, consoante previsto no artigo 169 do Código Civil.

Entretanto, inúmeros respeitáveis doutrinadores brasileiros relativizam esta dicção legal lecionando que nem mesmo o ato nulo está dispensado do instituto da prescrição. Não se diz exatamente quanto ao ato nulo, mas sim o direito de pleitear a sua nulidade em juízo.

Fundamentam este entendimento no que preconiza o artigo 205 do Código Civil que diz:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Ou seja, como a lei preconiza a prescritibilidade de direitos, quer sejam pessoais ou até mesmo reais, o legislador brasileiro destacou que nenhum direito ultrapassa ao prazo máximo de prescrição prevista no Código Civil.

Como adverte Caio Mário da Silva Pereira, digno de integral transcrição, nem mesmo a nulidade sobrevive à inércia do titular. Vejamos:

“A doutrina tradicional tem sustentado que além de insanável, a nulidade é imprescritível, o que daria em que, por maior que fosse o tempo decorrido, sempre seria possível atacar o negócio jurídico: quod nullum est nullo lapsu temporis convalescere potest. É frequente a sustentação deste princípio, tanto em doutrina estrangeira, quanto nacional. Os modernos, entretanto, depois de assentarem que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade, a exceção, admitem que entre o interesse social do resguardo da ordem legal, contido na vulnerabilidade do negócio jurídico, constituído com infração de norma de ordem pública, e a paz social, também procurada pelo ordenamento jurídico, sobreleva esta última, e deve dar-se como suscetível de prescrição a faculdade de atingir o ato nulo. Nosso direito positivo não desafina desta concepção. Estabelecendo que os direitos reais prescrevem em 10 e 15 anos, e os de crédito, em 20 (Código Civil, art. 177), o legislador brasileiro, em essência, enunciou a regra, segundo a qual nenhum direito sobrevive à inércia do titular, por tempo maior que 20 anos. Esta prescrição longi temporis não respeita a vulnerabilidade do ato nulo, e, portanto, escoados 20 anos do momento em que poderia ter sido proposta a ação de nulidade, está trancada a porta, e desta sorte, opera-se a consolidação do negócio jurídico, constituído embora sob o signo do desrespeito à ordem pública.

Ou seja, muito embora se reconheça que o ato nulo seja um desrespeito à ordem pública, o código civil preconiza um prazo máximo de submissão para que seja interposta eventual ação de nulidade do ato, o qual na atual legislação, é de 10 (dez) anos.

Na mesma linha de raciocínio, complementando as lições de supracitadas, Humberto Theodoro Júnior destaca:

Admite-se, portanto, manter o princípio de que a nulidade é imprescritível. Mas, se a parte ou terceiro tem pretensão (naturalmente sujeita à prescrição) a exercer contra a situação fático-jurídica criada pelo negócio nulo, e se essa pretensão já foi atingida pela prescrição, faltar-lhe-á interesse para manejar a ação de nulidade, sem embargo da imprescritibilidade. É neste sentido que se pode afirmar e concluir que os negócios nulos não são totalmente imunes à eficácia da prescrição.

O Recurso Especial nº 297.117/RS trata da matéria sob enfoque, conforme ementa a seguir:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. NULIDADE ABSOLUTA. CC/1916. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. RECURSOS EXCEPCIONAIS. PREQUESTIONAMENTO. REQUISITO CONSTITUCIONAL. EFEITO TRANSLATIVO DOS RECURSOS. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. Destacaram as instâncias anteriores que os gravames incidem, tão-somente, sobre os frutos e não, propriamente, sobre o imóvel.

2. Não se conhece do recurso relativamente à alegada ofensa aos artigos 214 da Lei de Registros Públicos e ao artigo 1º da Lei n.

8.935/94, porquanto ausente o necessário prequestionamento, pois da matéria não cuidou o Tribunal sul-rio-grandense. Incide na espécie, mutatis mutandis, o enunciado n. 282 do col. Supremo Tribunal Federal ("é inadmissível o recurso extraordinário, quando não vinculada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada").

3. O Tribunal estadual manteve-se nos exatos limites da questão da prescritibilidade, ou não, da pretensão de reconhecimento da nulidade do negócio jurídico entabulado, mantendo-se silente sobre qualquer outra matéria. Não obstante, ainda que se trate de questão chamada de "ordem pública", isto é, nulidade absoluta - passível, segundo respeitável doutrina, de conhecimento a qualquer tempo, em qualquer grau de jurisdição -, este Tribunal Superior já cristalizou seu entendimento pela impossibilidade de se conhecer da matéria de oficio, quando inexistente o necessário prequestionamento.

4. Ocorrendo nulidade, a prescrição a ser aplicada é a vintenária.

Precedentes das 3ª e 4ª Turmas da 2ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça.

5. Recurso não conhecido.

(REsp 297117/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 28/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 282)

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Importante transcrever trechos do voto condutor deste julgado, bem fundamentado pelo Ministro Hélio Quaglia Barbosa:

Cuidou-se, originariamente, de ação de anulação de alienação de bens, cumulada com de cancelamento de inscrição no registro imobiliário, porque supostamente alienado imóvel gravado com cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.

Resta, por fim, a argüição de violação ao artigo 177 do revogado Código Civil. Serpa Lopes já consignava o posicionamento de Clóvis Beviláqua e J. M. Carvalho Santos (in Curso de Direito Civil. Volume I. 9ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2000, página 507, nota de rodapé n. 126), ambos favoráveis à prescritibilidade da pretensão de reconhecimento da nulidade de ato jurídico, parecendo admitir, ele mesmo, a tese - salvo nos casos de inexistência do ato.

Como se observa, pois, o Tribunal sul-rio-grandense, ao decidir pelo reconhecimento da prescrição, adotou tese convergente com o atual posicionamento deste Superior Tribunal de Justiça.

A ementa do Tribunal do Rio Grande do Sul citada no final deste excerto destaca:

"Rescisória. Cláusula de inalienabilidade e incomunicabilidade. Prescrição vintenária. Embora os atos praticados com vício, compra e venda que omite de inalienabilidade dos frutos cláusulas não sejam válidas, até a declaração de nulidade, geram efeitos. O direito à ação prescreve em 20 anos. A imprescritibilidade só ocorre nos casos expressos em lei, exceção no direito brasileiro. Atos nulos se não exercitada em 20 anos a ação anulatória prescreve nos termos do art. 177 do CC. Improcedente a rescisória"

Destaca-se, novamente, que não se trata de um entendimento sedimentado na doutrina e jurisprudência pátria, mas consubstancia-se em doutrinadores de alto renome nacional cujas lições são dignas de nota. Há, contudo, também uma forte corrente doutrinária contrária à prescritibilidade do ato jurídico nulo, destacando que este seria imprescritível, independentemente do tempo decorrido.

Este último consubstancia-se no fundamento de que a ação declaratória é imprescritível, além de que o código civil teria encerrado eventual discussão acerca da matéria com a edição do artigo 169, já citado acima.

Flávio Tartuce, reconhecendo a controvérsia doutrinária e jurisprudencial, acompanhando aqueles que adotam a imprescritibilidade, cita outros que lhe sustentam o entendimento:

De início, adotando a premissa da imprescritibilidade seguida por este autor, leciona Álvaro Villaça Azevedo que “a ação de nulidade, a seu turno, é imprescritível” (Teoria..., 2012, p. 350). Segundo Sílvio de Salvo Venosa, o art. 169 da atual codificação encerrou polêmica anterior, “para extinguir com a divergência na doutrina, o presente Código é expresso em relação à imprescritibilidade do negócio jurídico” (Código Civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2010, p. 191). Na mesma linha, Jones Figueirêdo Alves e Mário Luiz Delgado ponderam que “esclarece o legislador que o negócio nulo ipso iure não pode ser confirmado e que o direito de postular a declaração de sua nulidade não se sujeita à decadência” (Código..., 2005, p. 108). Por fim, as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, para quem, “percebe-se, assim, em que pese antigas divergências doutrinárias, que o ato nulo não prescreve” (Curso..., 10. Ed., 2012, p. 612. V. 1).

Portanto, diante desta acirrada discussão jurídica sobre a prescritibilidade ou não do negócio jurídico nulo, é necessário nos debruçarmos no assunto e iniciarmos um aprofundamento quanto à matéria, não tendo a esperança de unanimidade em favor de um ou outro entendimento.

1 - PEREIRA, Cario Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense. 1999. P. 406 e 407

2 - THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, volume 3, t.1: dos defeitos do negócio jurídico ao final do livro III, Rio de Janeiro: Forense, 2003. P.430/431

3 - TARTUCE, Flávio. Direito civil, 1: Lei de introdução e parte geral / Flávio Tartuce. – 10. Ed. Rev., atual. E ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, livro digital, p. 376

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Sobre o autor
Frederico Rodrigues de Santana

Pós Graduado em Direito Imobiliário pela Faculdade Casa Branca de São Paulo; Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp - Membro da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Goiás; Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Uniderp - Anhanguera; Sócio do escritório Dayrell, Rodrigues & Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Recorrente e controversa discussão doutrinária acerca da prescritibilidade de interposição de ação cujo pedido principal é a declaração de nulidade de negócio jurídico.

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