~~ Se você era como eu, cético e cheio de rancores contra a ideia da pós-modernidade, saiba que é hora de revitalizar os neurônios – e bem depressa. Para iniciar a conversa, veja que se compra Mescalina pela Internet, num site chamado Natureza Divina. Listado pelo Google. E pasmem, o Estado nem se mexe. Alucinógeno natural - psicoativo - extraído do cacto, mescalina ou peiote, foi imortalizado na tese-romance “A erva do diabo”, de Carlos Castanheda. O livro é e psicodélico. Então, não é divino o que o mundo pós-moderno nos traz? Como aprendi há algum tempo, a Humanidade ainda me surpreende: sempre negativamente. Walt Disney nos ensinou que a usura era motivo de risada – não de acompanhamento psiquiátrico e criminal – e que um herói viria nos salvar. A Rede Globbels – miscigenação do ministro nazista Goebbels com a TV global – ensina que o mais ético é não se manifestar e muito menos fazer perguntas. Vamos ao shopping, em qualquer lugar do mundo, e temos a certeza de que o sistema reproduz o modelo de cidadão que trabalha e consome. Trabalhe o dia todo e consuma tudo aqui – é a liquidação da sua/nossa alma. A aura é um pastiche, uma cópia de quinta, diria Walter Benjamim. A criatividade secou na aposta de Lavoisier: “tudo se copia”. Geração Ctrl C Ctrl V; da geração X, à geração xis menos um. Há uma “prostituição sagrada da alma”, como ensina Max Weber.
Além disso, e dentre tantas considerações sistêmicas, temos de vasculhar em nossas entranhas e reentrâncias. Por exemplo, há uma estranha rede de comunicação que os mortais desconhecem. O pior: é a rede das redes. Tudo o que fazemos, tolos filhos da modernidade, soma dez por cento do fluxo de comunicação; no Iceberg da rede escura. Chamada de “rede escura” ou “internet profunda” alcança 90% das atividades virtuais. A “deep web” guarda troféus políticos inimagináveis: ataques à CIA, vazamentos de dados da NSA, divulgação/frustração reais e virtuais de ações do Império. Hoje não explico a distinção entre real e virtual; contudo, há uma luta política hacker que nem sonhamos com sua dimensão. O WikiLeaks, que vazou a espia de Dilma e de Merkel (da Alemanha), é site de iniciantes. Para se ter uma ideia, é necessário seguir um tutorial – manual – se você ainda não é plugado no lado escuro da força. Daí por diante não tem firewall ou antivírus, é cada um por si. Nunca fui, mas quero visitar. Mesmo que o FBI (Polícia Federal dos EUA) alerte contra – ou até por isso. Vou visitar acompanhado de um hacker e que não seja o meu PC.
O problema é que – fora o lado político febril – na rede escura somos alvos fáceis para os piores canalhas: tráfico de drogas, armas e de órgãos humanos; leilão de bebês para doentes canibais do sexo; ataques virtuais a empresas globais, governos e Estados, pagos com soldos mercenários; roubo de milhares de senhas, com pequenos saques, mas que somados geram fortunas. Olhando assim, é o reino dos psicopatas. O problema é que esta rede presta serviços inumeráveis à Humanidade, como enfrentar o Império onde este não pode vencer os ativistas. Somando e tirando, não sei se na rede profunda viceja o bem ou mal. Todavia, sei que está para lá de Matrix, o filme que descreveu nossa inutilidade no mundo pós-moderno. Além disso, quando vejo que um serventuário do Fórum Tribunal da Barra Funda/SP compra maconha sintética por esses caminhos, e recebe por Sedex/Correio, penso na má-sorte dos que nasceram hoje. É uma Divina Comédia pensar em Baudelaire quando fez o elogio ao vinho, que faz levitar, e sob o alerta de que é preciso ver o risco no uso do Haxixe. Quem tem filhos o melhor é nem dormir, porque, em rede real, a cria pós-moderna ainda poderá se alistar no Estado Islâmico. No pós-Iluminismo, não tem Condomínio do Bem. É cada um por si, se é que um dia foi diferente. Não há pós-niilismo. Certamente, é muito mais fácil tratar do Estado Moderno e da meia-cura entre certo e errado.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
Compra-se Mescalina pela Internet.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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