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Obrigações negativas

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01/11/2002 às 00:00
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2 – OBRIGAÇÕES NEGATIVAS

2.1. Obrigação negativa - conceito

CLOVIS BEVILAQUA, responsável pela codificação civil vigente, indicava, já à sua época, que as obrigações negativas consistem em abstenções, do mesmo modo que as positivas se objetivam em ações. (21)

A abstenção é, portanto, o não agir através do qual o devedor cumpre sua obrigação de não fazer determinada coisa ou não se insurgir contra o agir autorizado de outrem.

Ao contrário da obrigação positiva, que exige um comportamento comissivo do devedor obrigado, na obrigação negativa o comportamento que se lhe impõe é de inércia, de não fazer, logo, omissivo.

Enquanto na obrigação positiva a omissão importa em descumprimento, na obrigação negativa a omissão revela obediência.

2.2. Obrigação do tipo não-fazer ou obrigação negativa?

A obrigação do tipo não fazer, cujos contornos já se começou a alinhavar mais acima, consiste no ato de abstenção de realização do agir, ou na tolerância forçada em relação a certos atos e fatos, sem reação. A Matéria é versada em nosso Código Civil, nos artigos 882 e 883 e, no Anteprojeto do novo Código Civil foi repetida nos artigos 245 e 246. A este último se acresceu o parágrafo único, que permite ao credor, em caso de urgência, sem autorização judicial, desfazer ou mandar desfazer o que se realizou em detrimento da lei, sem prejuízo de posterior ressarcimento.

O projeto manteve a mesma orientação, nos artigos 248 e 249, os quais, por sua vez, passaram com a mesma redação a ser 249 e 250 do projeto 634-B, que tramitou no Senado Federal sob n.º 118, com redação final em 1997 e aprovado setembro de 2001, sancionado e publicado em 10-01-2002, desta vez renumerados como artigos 250 e 251 (22). O novo Código entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003.

Já de longa data, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO expressava o seguinte entendimento:

Cumpre, todavia, não confundir a obrigação de não fazer, de natureza especial, com a obrigação negativa, de caráter geral, correlata aos direitos reais. Pela primeira, o próprio devedor diminui sponte propria sua liberdade e atividade. O direito surge da relação obrigacional estabelecida entre credor e devedor; obriga-se este, especificamente, a não praticar certo ato, que, de outra forma, poderia realizar, não fora o vínculo a que deliberadamente se submeteu. Pela segunda, ao inverso, ninguém vê particularmente delimitado seu campo de ação; apenas se impõe a todos os membros da coletividade, abstratamente considerados, o dever de respeitar o direito alheio, posição que constitui normalidade para a vida jurídica... Os traços distintivos são, pois, característicos: a obrigação de não fazer é de natureza particular ou especial, a obrigação negativa inerente aos direitos reais, geral e abstrata. Pela primeira, compromete-se o devedor, especificamente, a abster-se da prática de determinado ato, pela segunda, a obrigação é vaga e indeterminada - não prejudicar o direito alheio. A primeira constitui relação de direito pessoal, só vincula o próprio devedor; a segunda configura direito real, atingindo todos os seres da comunidade, indistintamente, oponível erga omnes". (23)

Sob tal ótica, opera-se para o autor uma distinção bastante clara entre obrigação de não fazer e obrigação negativa. Não podem ser vistas como sinônimas e muito menos serem tratadas uma como gênero da outra.

As proibições se dirigem a qualquer um, mas as ordens ou determinações, voltam-se a um número mais restrito de pessoas, quando não, a um único indivíduo. A proibição geral alcança toda a coletividade, na forma de dever jurídico de não agir. Mas a proibição específica a um indivíduo, na forma de ordem ou na forma de pactuação, gera para o credor, na relação jurídica que aí se instala, o direito a uma prestação negativa, a um non facere, que pode ser imposto ao devedor na forma de obrigação de abstenção ou de não fazer.

Para BARROS MONTEIRO, a proibição geral seria caso de obrigação negativa, imponível a toda a coletividade, enquanto por obrigação de não fazer dever-se-ia entender apenas aquela assumida voluntariamente pelo devedor, privando-se sponte propria de seu direito.

Esta divisão, no entanto, não é esposada pela maioria da doutrina, que trata como termos sinônimos a obrigação de não fazer e a obrigação negativa. É o caso de CLOVIS BEVILAQUA (24), AGOSTINHO ALVIM (25), TITO FULGÊNCIO (26) e PONTES DE MIRANDA, o qual diferencia o dever jurídico da obrigação propriamente dita, que é espécie daquele. Para este último autor, no campo do dever jurídico pode estabelecer-se uma relação jurídica entre o credor e sujeitos passivos totais, sendo que nas relações jurídicas de direito das obrigações, os devedores são determinados desde o início e, nas relações jurídicas com sujeitos passivos totais, o dever é de todas as demais pessoas (27) (logo, não haveria que se falar em obrigação negativa, mas sim em mero dever jurídico).

No mesmo sentido, ORLANDO GOMES assinala que "as prestações negativas constituem objeto das obrigações de não fazer". (28)

Corrobora esta ideação o ensinamento de MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES, quando aduz que "A obrigação de não fazer se caracteriza por uma abstenção, um pati, em relação ao devedor". (29)

Neste trabalho, optamos por tratar obrigações negativas e obrigações de não fazer como expressões sinônimas, acompanhando a doutrina majoritária.

Por outro lado, se alguém não tem o dever jurídico de agir, pode-se dizer que tem o direito de abster-se de agir. Este não agir não possui qualquer relevância jurídica, pois somente importará em violação do dever ou da obrigação de agir de certo modo (comissiva ou omissivamente) o comportamento de contrariar o contrato, a determinação legal, ou a ordem emanada de autoridade judicial (ou administrativa, com esteio na norma jurídica).


3 – CUMPRIMENTO E DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES

3.1. Formas de cumprimento das obrigações (do tipo positivo)

As formas de cumprimento das obrigações do tipo positivo (dar ou entregar, coisa certa ou incerta e fazer) podem ser classificas como Principal (consistente no pagamento e entrega da coisa) e Acessórias (novação, transação, confusão, remissão, compensação e compromisso).

As formas de cumprimento das obrigações de dar e fazer são, ao mesmo tempo, formas de extinção das obrigações, uma vez que com o cumprimento, as obrigações deixam de existir.

  • Pagamento é o cumprimento de uma dada obrigação, em dinheiro ou coisa (entrega). O credor, por força de lei, pode recusar o pagamento parcial (art. 889 do Código Civil). Na dívida monetária, poderá ocorrer a dação em pagamento, quando o credor aceitar a entrega de coisa no lugar de dinheiro.

  • Novação é a substituição de uma obrigação por outra, extinguindo-se a primeira. A novação pode ser subjetiva, ocorrendo pela troca do credor (cessão de crédito, pagamento com sub-rogação), ou do devedor (A deve 100 para B e é credor de 100 de C. B aceita receber diretamente de C) ou objetiva, onde as partes permanecem inalteradas e o que se modifica é a própria obrigação (extingue-se a obrigação e surge uma nova em seu lugar – ex: operação mata-mata, onde o devedor toma recursos junto ao credor, paga a dívida velha e nessa operação contrai nova dívida com o mesmo credor, geralmente com encargos diferenciados). Em todos os casos, sempre haverá uma nova obrigação.

  • Compensação. Ocorre quando dois contratantes são, reciprocamente, credor e devedor um do outro. As obrigações se extinguem na proporção em que se confrontam e equivalem, enquanto dívidas líquidas e certas. Se A deve 50 a B e B deve 40 a A, A, conseqüentemente, fica devendo somente 10 para B (CCB, arts. 1009 e segs.).

  • Transação. Ocorre quando as partes fazem concessões recíprocas para pôr fim a um processo. A afirma em juízo que B lhe deve 200, mas B só reconhece dever 100. Fazem um acordo, ou transação, por 160 com vistas a extinguir o feito. No caso sob análise as concessões recíprocas se manifestam da seguinte forma: A concorda em receber 40 a menos do que pretendia; B aceita pagar 60 a mais do que reconhecia dever e nesse mútuo consenso, dão por encerrado o litígio.

  • Compromisso. Ocorre quando as partes de comum acordo elegem um árbitro para mediar e resolver suas divergências, ao invés de recorrerem ao Poder Judiciário. As partes assumem o compromisso de respeitar a decisão do árbitro, que via de regra é irrecorrível.

  • Confusão. Dá-se quando devedor e credor passam a ser uma só pessoa, extinguindo-se também a obrigação. A deve R$ 1.500,00 a B, mas B morre e A é seu único herdeiro. Outro exemplo pode ocorrer no caso de união de empresas: uma empresa deve para a outra, mas é por ela incorporada ou ocorre uma fusão de ambas, surgindo no lugar uma terceira empresa, que passando a ser titular tanto do ativo (créditos) como do passivo (débitos), faz com que se confunda numa única pessoa (jurídica) as figuras de credor e devedor.

  • Remissão. É o ato pelo qual o credor perdoa ou dispensa graciosamente o devedor de pagar a dívida. É um ato bilateral, pois exige a anuência do devedor. Pode ocorrer que o devedor, por imperativos íntimos, não aceite o perdão da dívida, insistindo em pagá-la quando obtiver recursos, caso em que não se operará a remissão e, caso o credor se recuse a receber o valor, poderá o devedor consigná-lo em pagamento. A remissão pode ser total ou parcial, isto é, atingir toda a dívida ou apenas uma parcela desta.

Não se deve confundir a remissão com a remição. A primeira significa perdão da dívida, enquanto que a segunda equipara-se a pagamento ou quitação. É exemplo disso o direito que o devedor tem de remir (de remição) a dívida após efetuada a arrematação, depositando o preço e resgatando seu bem. Mas se o credor remitir (de remissão) a dívida, ela estará perdoada, salvo se disso discordar o devedor.

O Código Civil apresenta algumas impropriedades acerca dessas figuras jurídicas e refere-se equivocadamente a remissão, nos artigos 766, 801, parágrafo único e 802, VI, bem como nos artigos 814 §1o, 815 §1o, 816 §1o, 818, 821, 849, IV e 900, parágrafo único, com o sentido de remir, quando deveria ter usado o termo remição.

As hipóteses se referem a pagamento da obrigação (remição/remir) mas o termo utilizado possui o sentido de perdão da obrigação (remissão/remitir). Em todos os casos, a expressão correta seria remição. O erro é de grafia.

3.1.2. Formas de cumprimento das obrigações (do tipo negativo)

As obrigações do tipo negativo, consistentes no não fazer ou não agir, como já visto, apresentam uma equação diferente das obrigações do tipo positivo. Enquanto estas se extinguem com o cumprimento, através das diversas modalidades acima analisadas, aquelas somente se extinguem quando verificadas as condições estabelecidas pelas partes em sua relação negocial, seja porque vencido o prazo durante o qual o devedor se obrigou ao não fazer, seja pela perda do objeto da obrigação negativa (como por exemplo, na obrigação de não tocar instrumento musical em edifício, quando o devedor dele se muda), ou, ainda, pelas demais formas naturais de cessação da possibilidade de agir, como nos casos de morte ou desaparecimento de uma das partes, ou pelo perecimento (30) ou alienação da coisa sobre a qual incidia a obrigação, etc.

Sobre as obrigações de não fazer, ou do tipo negativo, TITO FULGÊNCIO as conceitua como "omissão a que o devedor se obriga, consistindo: a) Em abster de atos que, de outro modo, teria o direito de praticar; b) Tolerar atos do credor, aos quais, de outro modo, teria o direito de se opor; c) Evitar que não seja o ato praticado por pessoa pela qual sejamos responsáveis". (31)

Há, também, a hipótese de cessação do dever de abstenção, que se opera, pela dicção do artigo 882, do Código Civil, quando sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do fato, que se obrigou a não praticar, situação esta que será analisada mais adiante.

ENNECCERUS critica o legislador civil alemão, por não ter prestado atenção suficiente à tarefa de prevenir as transgressões de direito, dizendo que tem sido a jurisprudência quem tomou em conta esta necessidade, ao conceder de um modo geral a interposição de uma ação de abstenção ou de omissão, quando seja de temer um ataque contrário a direito. Segundo ENNECCERUS, o fundamento material da ação de abstenção é sempre uma preensão de abstenção ou omissão, que nasce da proibição implícita em todos os direitos absolutos de incomodar ao titular ou de atacá-lo em seu direito. E completa: "la acción de abstención de dirige a obtener una sentencia que, prohibiendo la transgresión, contribuye a evitar que se produzca, recordando el principio de que mejor es prevenir que curar". (32)

Nos dizeres de TITO FULGÊNCIO, "É caráter constante da obrigação de não-fazer o ser sucessivas, porque impõe ao devedor abster-se de um ato em todas as ocasiões em que o teria de cumprir e o podia cumprir segundo o direito comum". (33)

Adianta mais, o autor, que tanto a obrigação de dar como a de fazer também podem apresentar esse caráter, dando como exemplo que o arrendatário é obrigado a pagar o aluguel nos termos convencionados, por todo o tempo do contrato e que o locador é obrigado a garantir ao locatário o uso da coisa por todo o período de locação. Mas, conclui, "nestas o objeto da prestação pode ser realizado por uma só operação, ao passo que aquela, sempre impõe ao devedor uma série de atos de execução repartidos por um certo tempo". (34)

O cumprimento da obrigação de não fazer, portanto, é continuado. Perpetua-se no tempo e se renova a cada momento, enquanto o devedor estiver se abstendo de fazer o que se obrigou a não fazer.

3.1.3. Cessação do dever de abstenção (obrigação do tipo negativo)

Em se tratando de obrigação de não fazer, esta se extingue, ainda, quando verificada a hipótese prevista pelo artigo 882 do Código Civil Brasileiro, que estabelece: "Extingue-se a obrigação de não fazer desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar".

Trata-se da regra ad impossibilia nemo tenetur, que vincula a obrigação ao requisito da possibilidade, de que fala ORLANDO GOMES, asseverando que "se o comportamento do devedor é impossível, falta objeto à obrigação". (35)

Para o autor, a impossibilidade comporta diversas espécies, as quais relaciona, sinteticamente, como sendo: a) originária (existente ao tempo em que se constitui a obrigação) e superveniente (que surge depois de formado o vínculo obrigacional); b) objetiva ou absoluta (que existe para todos e constitui obstáculo à validade da relação) e subjetiva ou relativa (que diz respeito apenas a quem se quis obrigar e que não priva a relação de seu objeto, mas o transmuda para perdas e danos); e c) total (que por ser totalmente impossível sequer chega a nascer) e parcial (que não determina a invalidade da relação, porquanto a parte possível pode ser útil ao credor). (36)

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O Código Civil Alemão, ao dispor em seu Livro Segundo, sobre o Direito das Relações Obrigatórias, ou Direito das Obrigações, dispôs, em seu artigo 265, que se uma das prestações é impossível desde o princípio ou se faz impossível depois, a relação obrigacional se limita às prestações restantes.

E no artigo 280 assevera que sempre que a prestação se faça impossível em conseqüência de uma circunstância de que haja de responder o devedor, este há de indenizar ao credor o dano causado pelo não cumprimento. (37)

A obrigação de não fazer impõe como pressuposto a existência de um dever de abstenção lícito e válido, tanto jurídica quanto moralmente. São contrárias ao Direito, portanto, as obrigações de não fazer que cerceiam a liberdade individual de tal modo que venham a infringir a ordem pública. É o que afirma ARNOLDO WALD, acrescentando, ainda: "Assim, por contrariarem a mais elementar liberdade do homem e os princípios morais dominantes em nossa sociedade, são inválidos os atos em virtude dos quais uma pessoa se obriga a não trabalhar ou a não casar, embora nada impeça o cerceamento parcial da atividade, sendo válida a obrigação de não trabalhar em determinado ramo de negócio durante certo tempo". (38)

Do direito comparado, extraímos as seguintes diretrizes codificadas:

"Código Civil Português - Art. 401º Impossibilidade originária da prestação. 1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico. 2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo. 3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor".

CLOVIS BEVILAQUA afirmava taxativamente, com o vernáculo de sua época: "Se a omissão se tornar impossivel, sem que o devedor haja contribuido para isso, ou se tiver sido coagido a executar o acto, cuja abstenção era o objecto da obrigação contrahida, clarissimo é que a obrigação se extingue para ambas as partes, não tendo uma que reclamar da outra senão aquillo que, porventura, tivesse adeantado no intuito de facilitar o cumprimento da obrigação ou mesmo de constituil-a. Mas, restando a impossibilidade de culpa do devedor, ou tendo elle já praticado o acto por sua conta e risco, bastará a simples indemnização? Visivelmente a solução a dar a esta interrogação é a mesma que já foi dada quando, em situação semelhante, foi ella formulada em relação ás obrigações positivas de fazer. Muitas vezes será necessário destruir o acto já praticado, ou a destruição venha do devedor, que a isso afinal se resolva, uma vez que os doutrinadores não seguem a doutrina ingleza do constrangimento, ou seja praticada pelo proprio credor, mas á custa do devedor". (39) (transcrito ipsis litteris).

E TITO FULGÊNCIO complementa a lição dizendo: "Extingue-se a obrigação de não-fazer, é o preceito legal, simples aplicação do princípio geral de que ao impossível ninguém é obrigado – impossibilium nulla obligatio. Aliás, é regra geral que a obrigação extingue-se, quando a prestação que lhe forma o objeto se torna física ou juridicamente impossível, o que os romanos exprimiam dizendo: obligatio quam vis initio recte constitute extinguitur, si incidireti in eam casum a quo incipere non poterat (L. 140 § 2o Dig. de verb. oblig.)". (40)

Imaginemos um caso em que determinado proprietário, W, se tenha obrigado a não impedir a passagem dos animais de seu vizinho Y pela sua propriedade, para beber água no riacho que a margeia e que, posteriormente, em fiscalização pelo Instituto Ambiental, W tenha sido autuado e intimado a cercar a margem do riacho para impedir o acesso de qualquer animal e propiciar a recomposição da mata ciliar. Pensemos mais, na hipótese de propositura de ação civil pública pelo Ministério Público ou associação ambiental contra W, objetivando os mesmos fins, com sentença condenatória contendo obrigação de fazer e não fazer, ou seja, de cercar a área e de não mais permitir o acesso de animais à mesma. Estará evidente a impossibilidade de W cumprir a obrigação negativa anteriormente assumida em face de Y, não por sua própria culpa, mas por força de imposição de autoridade administrativa ou judicial, desonerando-se, assim, da obrigação negativa assumida, cujo cumprimento se lhe tornou impossível.

De igual talante, a hipótese de uma determinada obrigação de não fazer, assumida pelo devedor contratualmente, tornar-se, por força de lei, ato obrigatório. Z dá em comodato a X um veículo raro, para exposição em feira de autos antigos, com a cláusula contratual de não permitir que qualquer outra pessoa que não o próprio X dirija o veículo, nem que o mesmo seja movimentado para qualquer outro local que não a referida feira. Durante a exposição, comparece ao local um oficial de justiça, munido de mandado de busca e apreensão do bem e acompanhado de motorista designado pelo juízo, e leva consigo o automóvel para entregá-lo ao autor da medida cautelar. X, por força das circunstâncias, fica impossibilitado de continuar a dar cumprimento à obrigação de não fazer, sem culpa sua, desaparecendo a obrigação.

OROSIMBO NONATO também oferece sua colaboração para a compreensão do assunto, através do exemplo a seguir transcrito: "Inculpado, entretanto, que for o devedor (como, entre outras, na hipótese de se obrigar alguém a não-construir em certas condições e as posturas edilícias alterarem tais condições) a obrigação se extingue, sem conseqüências. O vínculo se dissolve, sem que o reus debendi a outra coisa seja obrigado. Trata-se, então, de ‘fato do príncipe’, de vis maior e vigorará aqui, naturalmente, o ‘ad impossibilia nemo tenetur’". (41)

A lição do mestre, acima reproduzida, culmina em observação aplicável também ao exemplo por nós sugerido acima, que é a ocorrência de "fato do príncipe", ou ordem superior emanada do Poder Público, tornando impossível ao devedor o agir em desconformidade com a mesma.

3.2. Formas de descumprimento das obrigações

De tudo quanto já analisamos nos tópicos anteriores, resta claro que o objeto da obrigação é a prestação, positiva ou negativa, que deve ainda ser lícita, determinável e possível.

Segundo ORLANDO GOMES, as prestações positivas são as consistentes em um ou vários atos do devedor e subdividem-se em prestações de coisas e prestações de fatos, sendo objeto, respectivamente, das obrigações de dar e de fazer. Já as prestações negativas constituem objeto das obrigações de não fazer e resultam do contrato, da sentença ou da lei, consistindo em uma abstenção ou ato de tolerância. (42)

Todo ato praticado contrariamente à prestação assumida importa em descumprimento da obrigação.

Nas obrigações positivas, o descumprimento se opera com a omissão do devedor, que não efetua a prestação de dar ou fazer.

Já nas obrigações negativas, onde o que se exige como prestação é a própria omissão, o descumprimento ocorre quando o devedor pratica o ato que se obrigara a não realizar.

Não se olvide, entretanto, a possibilidade de haver inexecução obrigacional escusável, decorrente de caso fortuito e força maior, que sugerem a ocorrência de evento inevitável, capaz de ilidir a responsabilidade do obrigado, por tornar-lhe impossível o cumprimento da obrigação.

Diferentemente da obrigação impossível ou da inexecução sem culpa do devedor, que a rigor afastam a responsabilidade deste, na ocorrência das hipóteses de caso fortuito e força maior admite-se estipulação de exceção à regra de não indenizar, nos moldes do artigo 1.058 do Código Civil. (43)

3.3. Conseqüências do descumprimento

Ao analisarmos o descumprimento, deparar-nos-emos com as figuras da inexecução, do inadimplemento e da mora.

  • Inexecução é o descumprimento da obrigação, seja pelo inadimplemento, total ou parcial, ou pela mora, que é o atraso injustificado no cumprimento.

  • Inadimplemento é espécie de inexecução. Diz-se devedor inadimplente aquele que deixa de cumprir a obrigação totalmente (ex. no caso de perecimento do objeto – a obrigação era de entregar um determinado cavalo árabe campeão, mas o devedor o deixou morrer) ou parcialmente (o devedor paga somente parte da dívida e cai em insolvência).

Nas obrigações do tipo negativo, o mero agir contrário à prestação negativa implica em inadimplemento.

  • Mora é o atraso, a demora, o retardamento culposo ou cumprimento deficiente da obrigação do tipo positivo. Pelo Direito Civil, o devedor está em mora a partir do vencimento da obrigação.

A mora equivale ao inadimplemento, mas não se confunde com aquele. Enquanto a primeira consiste no retardo do cumprimento da prestação, o segundo implica em não cumprimento, total ou parcial desta.

Há casos em que a mora pode ser do credor (mora creditoris ou accipiendi), que dificulta ou recusa o pagamento sem justificativa, cabendo, ao devedor a ação de consignação em pagamento, ou do devedor (mora debitoris ou solvendi), que é a hipótese mais comum.

3.4. Inadimplemento e mora nas obrigações do tipo não fazer (art. 883 do CCB)

MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES esclarece que nas obrigações de não fazer "o devedor se considera inadimplente a partir do momento da consumação do ato, a cuja abstenção se obrigara. É uma situação de inadimplência que se opera pelo simples fato de realização do fato ou prática do ato, em contrário à obrigação negativa assumida". (44)

Aqui, como se percebe, não há como se falar em mora quanto ao cumprimento da obrigação. Ou ocorre o adimplemento ou o inadimplemento. O que se pode aventar é a hipótese de restabelecer-se a situação de adimplemento, forçando-se o devedor a desfazer o ato que realizou indevidamente ao descumprir sua obrigação.

Mas como fica, então, a previsão estampada no artigo 961, do CCB (45), quando fala em mora do devedor nas obrigações negativas?

Parece-nos haver, em tal artigo, uma imprecisão flagrante. É visível que o devedor terá como conseqüência de seu agir (quando deveria não agir), a obrigação de desfazer o ato ou responder por perdas e danos e isso decorre da inexecução.

Mora, porém, não há nesse caso. O que se vislumbra é inadimplemento imediato ao ato praticado, que se obrigara a não praticar.

Endossa nosso entendimento a bem lançada crítica de AGOSTINHO ALVIM, quando assevera: "Deixamos assentado que a mora difere da inexecução absoluta, precisamente porque, sendo aquela uma imperfeição no cumprimento da obrigação, ordinariamente uma tardança, persiste a possibilidade de ser a mesma executada. Ora, a obrigação negativa não comporta variante. Ou o devedor não pratica o ato proibido e está cumprindo a obrigação; ou o pratica, e dá-se a inexecução". Para concluir, assevera que o artigo 961 do Código Civil não tem utilidade e perturba o conceito de mora e que, "praticado o fato proibido, há obrigação de indenizar pelo inadimplemento absoluto e não pela mora". (46)

Na mesma esteira, a opinião de ARNOLDO WALD, para quem se faz necessário distinguir "o inadimplemento propriamente dito da simples mora, por serem diferentes os efeitos de ambas as situações. Em certo tipo de obrigações, como por exemplo as de não fazer, não se admite a mora sem inadimplemento, pois qualquer violação de dever de abstenção importa necessariamente no inadimplemento". (47)

Para ANTUNES VARELA ocorre uma distinção quanto às obrigações positivas e negativas, no que diz respeito à mora. Nas obrigações positivas, quando houver mora, o interesse do credor está apenas por satisfazer; nas obrigações negativas, ocorrendo a inobservância temporária do dever do obrigado que pode ainda ser reparada, o interesse do credor não está apenas por satisfazer, está sendo violado. A eliminação dos atos praticados em contrariedade à obrigação negativa assumida pelo credor teria, portanto, "não o sentido de uma execução coativa da prestação devida, mas de uma reparação do dano causado ao credor". (48)

Praticado o ato pelo devedor, a cuja abstenção se obrigara, diz o Código, em seu artigo 883, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.

E os artigos 642 e 643, do Código de Processo Civil, estabelecem a forma instrumental para que o credor atue em defesa de seu direito, verbis:

Art. 642. Se o devedor praticou o ato, a cuja abstenção estava obrigado pela lei ou pelo contrato, o credor requererá ao juiz que lhe assine prazo para desfazê-lo.

Art. 643. Havendo recusa ou mora do devedor, o credor requererá ao juiz que mande desfazer o ato à sua custa, respondendo o devedor por perdas e danos.

Parágrafo único. Não sendo possível desfazer-se o ato, a obrigação resolve-se em perdas e danos.

Em resumo, pela dicção dos artigos supratranscritos, na execução de obrigação de não fazer, o executado é citado para, no prazo assinado pelo juiz, desfazer o ato, a cuja abstenção estava obrigado por sentença, pela lei ou pelo contrato.

Quanto à obrigação, agora de fazer, a que for condenado, sim, estará em mora e sujeito às penalidades pelo atraso enquanto não praticar o ato capaz de restabelecer o status quo ante, desfazendo o que fez indevidamente, se isso for possível. Isso ocorre, frisamos, pelo surgimento de uma nova obrigação, não mais de não fazer, não mais omissiva ou de abstenção, mas de desfazimento do ato (logo, comissiva), para poder resgatar o estado anterior ao descumprimento.

Mas de mora, propriamente dita, entendemos não se poder falar no âmbito das obrigações de não fazer.

Há respeitáveis entendimentos no sentido de que a mora é figura visualizável nas obrigações de não fazer, quando se trata de atos continuados em que, com a cessação do ato, a obrigação negativa continue em vigor. Somente se trataria de inadimplemento absoluto se o ato fosse único e não passível de desfazimento.

A nosso ver, entretanto, o que ocorre nas obrigações continuadas de não fazer é uma situação de inadimplemento momentâneo reparável e não de mora. A diferença é conceitual, a despeito de, na prática, ambas as situações conduzirem ao mesmo ponto comum, que é a aplicação da multa ou indenização das perdas e danos.

Mas há certas diferenças a considerar. Na mora, típica das obrigações de dar e fazer, ocorre um cumprimento defeituoso ou falta temporária de cumprimento e o devedor faltoso responde pelo atraso com os juros e correção monetária, além de outras penalidades contratadas. Na obrigação de não fazer, praticado o ato de que se devia abster, já houve o inadimplemento.

O que se poderia discutir é a extensão do inadimplemento e o montante do dano dele resultante. A execução de músicas em um piano em horário vedado, descumprindo a obrigação de não tocá-lo, a nosso ver, não se trata de mora, mas de descumprimento.

O que diferencia as obrigações negativas é a natureza do ato de abstenção que lhe constitui o objeto. Se o inadimplemento absoluto se perfaz com um único ato, o que resta é a indenização das perdas e danos. Se o inadimplemento viola o dever geral de abstenção objeto da obrigação e o ato não pode ser desfeito, mas não impossibilita a continuidade da abstenção, indenizam-se as perdas e danos ou se aplica a multa e a imposição de não fazer continua existindo e obrigando, com a mesma força anterior. Já se o inadimplemento ocorre pelo ato comissivo passível de ser desfeito, desfaz-se o ato, aplicam-se as perdas e danos, e a obrigação negativa continua a obrigar.

Se a obrigação negativa voltar a ser descumprida, incide o devedor em novas penalidades, que podem decorrer de preceito cominatório, mas em virtude de novo descumprimento e não de nova mora. Tais condutas tratar-se-ão, segundo entendemos, de violações positivas ao dever de não fazer e não de mero retardo ou simples deficiência na prestação de abstenção.

3.5. Art. 287 do CPC – preceito cominatório nas obrigações de não fazer.

O artigo 287 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o autor pedir a condenação do réu, na sentença, a abster-se da prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato que não possa ser realizado por terceiro, o que deve ser objeto de pedido na petição inicial (não obstante haver entendimentos no sentido de que o juiz pode fixar a cominação de multa de ofício, nos termos do artigo 461, § 4o, do CPC (49), que trata da antecipação da tutela nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer).

Afirma o Professor ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO que a obrigação já pode vir acompanhada de cominação. "A obrigação com cláusula penal já é muito conhecida: é a multa, a pena, a cominação. Ela tem caráter acessório, ou seja, acompanha, sempre, um contrato principal". (50)

Mas o preceito cominatório de que trata o Código de Processo Civil, independe de prévio ajuste entre as partes. O juiz possui a faculdade de fixar multa, inclusive diária, para incidir na relação obrigacional inadimplida, aplicando-se enquanto perdurar o descumprimento.

Conforme observa ARRUDA ALVIM, "consistindo, o pedido do autor, em que o réu se abstenha da prática de qualquer ato, ou, ainda, para que tolere o réu certa atividade (do autor), ou para que preste (o réu) fato, insuscetível este último de ser realizado por terceiro (‘pintura de um quadro por artista célebre’), deverá constar da petição inicial ‘a cominação da pena pecuniária para o caso de descumprimento da sentença’. Constata-se, neste passo, a sobrevivência de um pedido cominatório, sem que exista procedimento especial cominatório, como antigamente...". (51)

Obviamente o caráter do preceito cominatório é de penalidade. Mas seu objetivo não é apenar o devedor e sim, fazer cessar, o mais rápido possível, o descumprimento da obrigação. A severidade da pena tem o escopo de desestimular a permanência no estado de inadimplemento, providenciando, o devedor, a realização ou desfazimento do ato com máxima urgência, para não restar onerado em demasia. Sua inércia, ante a determinação judicial, pode acarretar conseqüências mais gravosas do que a própria prestação inadimplida. (52)

Mas é de se observar que a pena pecuniária será devida a contar da eficácia da sentença e não do fato constitutivo do direito do autor. E embora ilimitada, poderá ser reduzida ou alterada, verificando o juiz que se tornou excessiva ou insuficiente. (53)

3.6. Resolução em perdas e danos

Analisando os casos em que a obrigação se torna impossível de ser cumprida, MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES conclui que a impossibilidade da prestação da obrigação, tanto pode decorrer de um fato imputável ao devedor e por culpa sua, como pode defluir de uma circunstância para a qual não haja concorrido culposamente. (54)

Interessa para nosso estudo a primeira hipótese, de fato decorrente da culpa do devedor, que passará a responder, então, por perdas e danos.

Em se tratando de obrigações negativas, tanto a ocorrência do fato gravado com o dever de abstenção, por culpa do devedor, quanto a prática direta do ato pelo mesmo, caso de inadimplemento voluntário, repercutirão em perdas e danos (assim entendidos o dano emergente e os lucros cessantes, desde a violação, até a cessação do descumprimento ou desfazimento do ato).

E completa RUGGIERO: "A contravenção à obrigação leva à indenização do dano a favor do credor (art. 1221) e, quando a natureza das coisas o consinta, pode ele pedir que se desfaça o que o devedor fez ou que seja autorizado a destruí-lo à custa dele (art. 1.222)." (55)

Nesse sentido é a disposição expressa do artigo 883, do Código Civil Brasileiro, quando assevera: "Praticado pelo devedor o ato a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado de perdas e danos".

Fica claro que as perdas e danos incidirão tanto para uma quanto para outra hipótese, ou seja, tanto para o caso em que, descumprida a obrigação de não fazer, o devedor desfaça voluntariamente o feito a cujo não fazer se obrigara, quanto no caso de ter de desfazê-lo por imposição judicial, uma vez que em ambas as situações o fato de contrariar seu dever de abstenção gera para o credor um prejuízo reparável.

As perdas e danos são um dos efeitos das obrigações. É que nosso código dispõe, como regra geral, que todo aquele que causar prejuízo a outrem fica obrigado a reparar o dano.

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO considera a expressão "perdas e danos" incapaz de exprimir seu exato conceito e toda sua extensão. E assevera: "A palavra dano tem extensão ilimitada de sentido, representando o resultado de qualquer espécie de lesão (moral, religiosa, econômica, política, etc.); entretanto, no prisma jurídico, o dano circunscreve-se à detrimência econômica ou moral. Toda vez que alguém sofrer uma diminuição no seu patrimônio, estará experimentando um prejuízo material, sofrendo um dano, que, para existir juridicamente, no Direito brasileiro, deve representar uma redução no acerco (56) dos bens materiais. Por outro lado, esse dano pode ser moral, quando a pessoa vitimada por ato ilícito de outrem experimenta uma dor considerável, com ou sem perda patrimonial". (57)

Por dano, como já antecipamos, deve-se entender o prejuízo efetivo (danos emergentes) e também aquilo que o prejudicado deixou de auferir (lucros cessantes). Citamos o clássico exemplo do motorista de táxi que tem seu veículo abalroado por outro que trafegava pela contra-mão. O carro fica duas semanas na oficina. O taxista terá direito de pleitear reparação pelos danos que sofreu no seu veículo e pelo que deixou de ganhar nas duas semanas em que não trabalhou.

Quando se trata de obrigações do tipo negativo ou de não fazer, a situação é idêntica. O devedor inadimplente deve, além de desfazer o ato nocivo, indenizar o dano dele decorrente e ressarcir ao credor os lucros que, por força de seu ato, este deixou de auferir.

O montante das perdas e danos, obviamente, será objeto de prova no bojo da respectiva ação judicial.

3.7. Cumprimento defeituoso e formas de cumprimento análogas ao descumprimento

Ao tratarmos da inexecução das obrigações, não poderíamos deixar de adentrar, ainda que brevemente, num campo bastante sutil, que é o daquelas formas de cumprimento da obrigação, que pelas características de que se revestem, aproximam-se do descumprimento.

Nas obrigações de dar e de fazer, o descumprimento parcial ou mesmo a simples mora, via de regra, não possuem o condão de gerar prejuízos ou gravames mais severos, resolvendo-se com facilidade pelos encargos pactuados para a mora ou inadimplemento.

Algumas existem, entretanto, onde a simples mora de caráter temporal é capaz de impor ao contratante prejuízo tal, que faz com que a obrigação se resolva em perdas e danos e autoriza a resilição contratual. É o exemplo típico, usado pela doutrina, da noiva que encomenda caríssimo vestido para usar em seu casamento, mas a entrega deste só se dá no dia posterior. Note-se que a obrigação foi cumprida. O vestido foi confeccionado nos exatos detalhes encomendados, mas a entrega, seja qual for o motivo, não se deu na única data em que o bem poderia ser utilizado, cumprindo a finalidade à qual se destinava. A despeito do valor extrínseco do objeto, seu valor intrínseco ficou totalmente comprometido.

Além da recusa no recebimento, visto que o vestido objeto do contrato não possui mais qualquer utilidade após o evento, ainda haveria a possibilidade de pleitear perdas e danos, especialmente na esfera do dano moral.

O que, em outros casos, seria simples mora, neste, equivale a inadimplemento absoluto.

JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA alerta que há casos em que, "não sendo a prestação efetuada dentro de certo prazo, seja qual for a razão do descumprimento, a obrigação se considera definitivamente não cumprida. São, de um modo geral, os casos de prestação com termo absolutamente fixo em que a demora no cumprimento faz desaparecer o interesse do credor na prestação." (58)

Há outras formas de cumprimento que contêm vícios ou irregularidades na prestação efetuada. Trata-se, segundo ANTUNES VARELA, de uma terceira forma (além da falta de cumprimento e da mora) de violação do dever de prestar, que teria sido objeto de análise há longo tempo pela doutrina alemã e que se convencionou chamar violação contratual positiva. Diz o autor: "O acento tônico da nova categoria, já no começo do século cunhada e posta a circular por STAUB (Die positive Vertragsverletzung, 1904), está no facto de o dano, nas situações por ela abrangidas, não provir da falta da prestação nem do seu atraso (mora), mas dos vícios, defeitos ou irregularidades da prestação efectuada". (59)

Pensamos que o conceito pode ser aprofundado. Há hipóteses em que o cumprimento da prestação não apresenta qualquer defeito ou irregularidade, mas é efetuado com manifesta intenção de não atender à obrigação, seja em sinal de protesto ou por simples irresignação íntima. O devedor, nestas hipóteses, cumpre literalmente a obrigação de dar, fazer ou não fazer, nos limites literais com que foi ditada, mas o faz empregando meios anômalos ou modificando o curso natural de seus atos, para impor maior dano do que outrora causou.

A Rede Globo de Televisão noticiou, na edição de seu jornal televisivo do dia 17/10/2001, um protesto realizado por motoristas junto a uma estação de pedágio em movimentada rodovia do Estado de São Paulo, quando cerca de 80 veículos alinharam-se nas cabines de cobrança do pedágio e passaram a efetuar o pagamento do valor com moedas de um e cinco centavos. Ao todo, foram utilizadas 28.000 (vinte e oito mil moedas), que importaram na perda média de uma hora por veículo, para conferência e liberação.

Apesar do pagamento efetuado, a dificuldade de conferência do valor, imposta pelos usuários, causou congestionamento e danos à concessionária, pois com o congestionamento de vários quilômetros, muitos veículos empreenderam retorno e utilizaram outras vias de acesso, apesar de mais longas, deixando de pagar o pedágio.

Fica mais dificultoso exemplificar, quando a obrigação é do tipo negativo, de não fazer.

Um exemplo que propomos para ilustrar a questão é o do proprietário de imóvel que se vê compelido a não impedir a passagem para acesso a imóvel encravado e que, não podendo obstar a utilização do acesso, deixa animais perigosos livres para circular naquela área. Cumpre a obrigação negativa, mas pratica outro ato ou omissão que alcança o resultado de dificultar ou impedir o uso do acesso pelos usuários, podendo falar-se em situação análoga ao descumprimento.

Imaginemos outro exemplo de cumprimento da obrigação de não-fazer, equivalente ao descumprimento. W tinha o hábito de ligar aparelhos sonoros para ouvir músicas, com volume elevado, em dois ou três dias da semana, ultrapassando o horário das 22:00 horas previsto na convenção condominial. O fato incomodava seus vizinhos, especialmente após as 22:00 horas, quando pela redução natural do volume de todos os aparelhos do prédio, passavam a perceber nitidamente o som elevado provocado por W, o que lhes dificultava o sono naquelas oportunidades. Após várias reclamações desatendidas, os condôminos ingressam com ação em face de W e este é obrigado, por sentença, a não ouvir músicas em volume elevado após as 22:00 horas, atendendo-se a legislação condominial. Intimado da decisão, W passa a ouvir músicas somente até as 22:00 horas, cumprindo a sentença em seus exatos termos. Não obstante, ao invés de ouvir música em alto volume, passa a ouvi-la em volume altíssimo, muito superior ao que imprimia inicialmente à sua aparelhagem sonora, comprando, inclusive, novos amplificadores e caixas de som. Não bastasse isso, longe de cultivar seu hábito de alguns dias semanais, passa a fazê-lo todos os dias, causando incômodo muito maior do que antes, pois agora se torna impossível realizar qualquer tarefa que exija um mínimo de silêncio, como estudar, ler um bom livro, ou mesmo assistir a um programa de tv, em qualquer dia da semana, até as 22:00 horas.

W, com efeito, cumpre a decisão em sua integralidade, adequando-se à legislação de seu edifício residencial, ou mesmo ao comando judicial, mas o faz de tal forma que intensifica o desconforto sonoro que antes gerava, bem como os períodos em que passa a produzi-lo. O cumprimento da obrigação de não fazer é fictício e equivale ao descumprimento, autorizando os demais condôminos a voltar a juízo para solicitar nova imposição restritiva a W.

Igual situação ocorreria, talvez até com mais precisão, no que tange ao cumprimento da obrigação negativa, se ao invés de ouvir música no apartamento W simplesmente passasse a fazê-lo no interior de seu automóvel, estacionado na rua frontal do edifício, nos mesmos horários e volume com que provia seu deleite auditivo anteriormente. Estaria cumprindo a sentença, literalmente, não ligando os aparelhos sonoros na unidade condominial; ao mesmo tempo, estaria causando o mesmo incômodo, utilizando os aparelhos sonoros do automóvel após as 22:00 horas. O cumprimento da obrigação, portanto, teria nítida feição de descumprimento, pois não seria eficaz.

A dúvida que resulta do exemplo dado é se caberia a aplicação da penalidade pelo descumprimento da obrigação de não fazer, ou o fato apenas autorizaria nova medida judicial, capaz de impor novo dever de abstenção, com cunho obrigacional.

Opinamos pela segunda hipótese. Apesar de produzir efeitos análogos ao descumprimento, certo é que a obrigação de não fazer possui um objeto delineado, quantificado ou quantificável. Uma vez cumprida a obrigação, nos moldes impostos, os atos diferenciados poderão importar em novas infrações de deveres, gerando para os titulares do direito subjetivo uma nova faculdade de exercício, salvo se a obrigação imposta for de tal modo ampla, que contenha e restrinja todas as tentativas de burla por parte do devedor.

Conseqüência prática que daí resulta é que o devedor não poderia ser apenado pelo descumprimento, mas estaria sujeito a responder por nova demanda fundada no cumprimento deficiente da prestação negativa.

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Sobre o autor
Helder Martinez Dal Col

Advogado e Professor no Paraná, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ), Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COL, Helder Martinez Dal. Obrigações negativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3363. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na RT 800/735-757. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 91, v. 800, junho de 2002.

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