O dia 12 de novembro de 2014 entrará para a história. Neste dia um robô pousou em um cometa para a realização de estudos sobre este corpo celeste.
O robô Philae foi lançado pela sonda espacial Rosetta para realizar investigações sobre os compostos que fazem parte da formação do cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, de superfície composta de gelo e poeira.
Não se tem dúvidas que tal façanha é de grande relevo para a humanidade e que permitirá, entre outros estudos, a investigação sobre o surgimento de vida na terra.
No presente artigo, não se pretende discutir, no entanto, os aspectos técnicos a respeito do que será estudado com o pouso do robô ao cometa e as conclusões que poderão ser alcançadas com as investigações. Analisaremos este fato à luz do Direito Espacial, relacionando-o com alguns aspectos jurídicos importantes.
A priori, o pouso do robô Philae e a perspectiva de pousos de outros objetos espaciais nos demais corpos celestes nos remete a uma indagação proposta em 1969 quando da chegada do homem à Lua: é possível a apropriação de corpos celestes?
Ora, a princípio, este questionamento se mostra pertinente.
Em meio a tantos corpos celestes existentes no espaço ultra-atmosférico, não seria equivocado admitir que Estados ou particulares passassem a ter algum corpo celeste (como o cometa acima mencionado) como sua propriedade.
Porém, admitir isso implicaria em aceitar, por exemplo, que a Lua seria de propriedade dos EUA, pois foi o primeiro Estado, por seus astronautas, a pisar e fincar sua bandeira nela. Esse meio de aquisição de propriedade reflete o fenômeno da ocupação, descrito como a “apropriação, por determinado estado, de território não pertencente a nenhum outro Estado (...)” [1].
Neste sentido, a proposta de Newt Gingrich, pré-candidato republicano a presidente dos EUA, em janeiro de 2012, que prometeu criar até 2020 uma base dos EUA na Lua e que quando houver 13 mil americanos assentados lá, poderiam requerer que o assentamento se tornasse um estado americano[2], soa como uma grande falácia.
Contudo, a respeito dos objetos espaciais, os meios de aquisição de propriedade, ensinados pelos doutrinadores de Direito Internacional, não merecem aplicação no Direito Espacial.
O Direito Espacial, ramo do Direito Internacional Público, que ganhou corpo na Guerra Fria em razão da corrida espacial, possui corpo jurídico próprio, tendo como principal documento o Tratado do Espaço de 1967, celebrado 10 anos após a primeira viagem do ser humano ao espaço cósmico.
O artigo 1º do Tratado do Espaço traz em seu bojo a chamada “cláusula do bem comum”. Segundo este dispositivo, todas as atividades no espaço, que, ressalte-se, são de livre acesso a todos os Estados, só podem ser realizadas se tiverem como finalidade o bem e o interesse de todos os países.
Portanto, apenas a título de observação o envio do robô Philae ao cometa se mostra adequado com o que dispõe este artigo, por ter como fim o progresso e o estudo de temas de relevância para a humanidade.
De outro turno, o artigo 2º do Tratado do Espaço é expresso:
ARTIGO 2º
O espaço cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro meio.
O cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko, assim como meteoros, meteoritos e planetas são corpos celestes espalhados pelo espaço exterior. De tal sorte, a sua apropriação se mostra incompatível com o Direito Espacial, da mesma forma que a reivindicação de soberania dos EUA em relação à Lua, também não teria êxito.
Além disso, nem a ocupação, acima descrita, nem o simples uso (que se assemelharia a usucapião) poderiam permitir a aquisição de um objeto espacial por algum Estado.
O conteúdo deste artigo reprisa, na verdade, o princípio nº 3 da Declaração dos Princípios Jurídicos Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, a Resolução 1.962 de 1963 da Assembleia Geral da ONU.
De relevo observar, que a repetição dos termos da Declaração de 1963 no Tratado do Espaço de 1967 se deu por questões de vinculação e efetividade, haja vista as resoluções da Assembleia Geral da ONU não gozarem da mesma capacidade de vinculação que tem um Tratado Internacional[3], especialmente, por estes estarem à égide do princípio pacta sunt servanda.
De tal sorte, assim como a Antártica, o espaço cósmico é Res communis omnium, ou seja, coisa comum de todos, patrimônio de toda a humanidade.
O pouso de um objeto espacial, vinculado a um determinado ou a uma agência espacial, como é o caso, não implica necessariamente, na tentativa destes em adquirir a propriedade sobre o corpo celeste em análise. Reflete, na verdade, uma perspectiva prevista no Direito Espacial. Porém, qualquer tentativa neste sentido é expressamente repelida pelo Direito Espacial e da mesma forma devem agir os demais Estados.
Notas
[1] ACCIOLY, H.; NASCIMENTO E SILVA, G. E. do; CASELLA, P. B; Manual de Direito Internacional Público, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 543
[2] MONSERRAT FILHO, José. Pode um país colonizar a Lua? Disponível em: http://www.sbda.org.br/artigos/76.htm. Acessado em: 12 de novembro de 2014.
[3] “As resoluções da Assembleia Geral da ONU constituem, meramente, o que se define como soft law, ou seja, regras jurídicas indicativas, não vinculantes (...). Seu desrespeito, assim, não implica em responsabilidade internacional (...)” (BITTENCOURT NETO, Olavo de Oliveira. Direito Espacial Contemporâneo: responsabilidade internacional. Curitiba: Juruá, 2011. p. 35)