Observações jurídicas ao crime de embriaguez ao volante

20/11/2014 às 15:34
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O artigo objetiva desenvolver estudo acerca das alterações do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que tipifica o crime de embriaguez ao volante, abordando as constantes mudanças na redação do artigo que desde 1997 fora alterado duas vezes.

Busca-se demonstrar ao longo deste artigo as alterações do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro e as questões que levam, até hoje, ao insucesso em se aplicar efetivamente o crime de embriaguez ao volante.

O legislador pátrio é o grande culpado pelos recorrentes equívocos de formulação do artigo, demonstrando enorme incompetência, falta de estudo e preparo na produção e edição de leis, em todos os âmbitos do direito.

Ao analisar o artigo 306 criado pela Lei nº 9.503/1997, constata-se que é  mais claro e razoável do que suas duas alterações realizadas pelo legislador. A interpretação do artigo era de fácil entendimento e aplicação, pois possuía apenas um tipo de proteção que não evitava acidentes, mas simplesmente punia o agente que demonstrasse o dano potencial a incolumidade pública. Esperava a conduta anormal acontecer, mas não evitava que ela viesse a acontecer.

Com o objetivo de aumentar o número de punições e tornar a lei muito mais rígida, o legislador mudou a redação do tipo penal previsto no artigo 306, por meio da Lei nº 11.705/2008.

Tal Lei de 2008 era regida por critério quantitativo, o mais seguro do ponto de vista da estruturação típica, no entanto o mais complicado em termos probatórios (uma vez que não obriga o agente a produzir prova contra si).

A lei teve forte apelo midiático, tornando-a fraca no aspecto técnico, jurídico e penal. Foi alcunhada de “lei seca”, causando temor em quem, até então, conduzia seus veículos livremente pelas vias públicas sob influência do álcool e de outras drogas. Isso causou  relevante impacto social, de modo que o efetivo policial, pela primeira vez desde a criação do Código de Trânsito Brasileiro, fiscalizou ativamente os condutores com fazer cumprir o que determinava a nova redação do artigo.

Essa intensa fiscalização nos leva a um novo debate: o que causou temor na população não foi a promulgação da nova lei, mas sim a ida do efetivo policial às ruas. O medo se resumia em ser parado em uma “blitz”. Aparentemente, a lei, por mais severa que fosse, sem efetiva fiscalização não há prevenção. Medidas preventivas antes de eventual punição seria mais adequada para se coibir a embriaguez ao volante.

Talvez o aspecto positivo da Lei nº 11.705/2008 foi demonstrar que lei pode ser a mais rígida que puder ser feita, porém,  sem fiscalização não haverá cumprimento.

Entretanto, paulatinamente, a lei foi sendo desmistificada pelos doutrinadores de direito e pelos Tribunais Pátrios, pois esbarrava em um direito individual garantido pela Constituição Federal, o da não autoincriminação. O direito do indivíduo de não produzir provas contra si mesmo.

Com efeito, a comprovação da materialidade do delito, que apenas poderia ser alcançada quando os próprios condutores submetiam-se voluntariamente ao exame pericial, não ocorria.

E além de ter criado tal aberração, o legislador manteve a redação do artigo por quatro anos. Se a mídia e o povo clamam por justiça, o legislador teve êxito na criação de uma lei que ao invés de coibir a conduta de dirigir embriagado, trouxe a maior série de absolvição de crime na história brasileira. A impunidade reinou. Por mais embriagado que estivesse, se não concordasse em fazer o exame de sangue ou do bafômetro (direito individual da não incriminação garantido pela Constituição Federal), ou seja, produzir a prova técnica, o motorista não incorreria no tipo penal. Não haveria prova suficiente da materialidade delitiva para uma ação penal.

A lei de 2008 não foi de fato eficiente, porque foi muito mal feita. Agora, a nova lei seca, alterada pela Lei 12.760/2012 corre o mesmo risco de sua antecessora, uma vez que sua interpretação vem sendo desvirtuada de sua real objetividade jurídica.

Embora o legislador, mais uma vez de forma equivocada, tenha estabelecido como prova para constatação da conduta a concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, o critério não é mais o quantitativo, mas apensa um dos sinais indicativos de embriaguez.

Presumir-se que o agente com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar, esta com a capacidade psicomotora alterada é um completo absurdo. Fazer isso, é estabelecer que as pessoas são iguais, quando não são, pois cada pessoa possui características físicas e fisiológicas peculiares e, consequentemente, apresentam sintomas  diversos quando sob efeito alcoólico.

Outra questão que merece ser tratada com extremo cuidado é capacidade psicomotora alterada. Ao implementar tal conceito o legislador abriu brechas na legislação, tornando-a excessivamente subjetiva. Se a intenção era tornar a lei rígida, o resultado talvez não seja este, pois o agente terá diversas maneiras de atestar que não estava com a capacidade psicomotora alterada. A nova lei dificulta o trabalho de se comprovar que o agente estava realmente com a capacidade psicomotora alterada e, portanto, incapaz de conduzir um veículo automotor.

Se o objetivo era enrijecer, a melhor saída seria copiar a redação da infração administrativa do artigo 165, do Código de Trânsito Brasileiro, em que a infração é dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, fazendo dela efetivamente uma lei “SECA”, intolerante a abusos e/ou irresponsabilidades, mediante efetiva e constante fiscalização.

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O enfoque deve sempre ser pautado em aspectos preventivos e educacionais, pois o quadro atual brasileiro é assustador: inúmeros acidentes, mortes e perdas. Ademais as punições não podem ser exclusivamente pecuniárias, pois apenas atestaria a impunidade tão criticada pela sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito; Crimes do Código de Trânsito – De acordo com as Leis Federais nº 11.705 (a “lei seca) e nº 11.719 (procedimentos), de 20 de junho de 2008; Editora Distribuidora JH Mizuno, 2ª edição, São Paulo/SP.

ARAÚJO, Marcelo Cunha de; Crimes de Trânsito – Atualizado com a Lei nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Estaduais e Federais); Editora Mandamentos; Belo Horizonte/MG, 2004.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro; Crimes de Trânsito – Anotações à Lei 9.503/97; Editora Revista dos Tribunais; São Paulo/SP, 1998.

NUCCI, Guilherme de Souza; Crimes de Trânsito (Lei n° 9.503, de 23-9-1997); Editora Juarez de Oliveira; São Paulo/SP, 1999.

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Sobre o autor
Fernando Campos

Estudante do 10º Semestre da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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