Os limites do Poder Constituinte decorrente

18/11/2014 às 15:27
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O presente trabalho sintetiza as principais sistematizações doutrinárias sobre os limites do Poder Constituinte Decorrente e registra os principais posicionamentos do STF a respeito.

Os limites do Poder Constituinte Decorrente

Os Estados federados têm autonomia, o que, segundo José Afonso da Silva, compreende as capacidades de:

  • Auto-organização;
  • Autolegislação;
  • Autogoverno;
  • Auto-administração.

É da capacidade de auto-organização que decorre o Poder Constituinte dos Estados federados, que se qualifica como de segundo grau, subordinado, secundário e condicionado. Para designá-lo, consagrou-se a expressão Poder Constituinte Decorrente, por decorrer do Poder Constituinte Originário, tendo sido por ele criado não para “rever sua obra”, mas para “institucionalizar coletividades, com caráter de estados, que a Constituição preveja” (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, apud SILVA, p. 609). Assim, enquanto o PC Originário ostenta o atributo da soberania, o PC Decorrente goza apenas de autonomia. Nesta, além do elemento autônomo, encontra-se também um componente heterônomo, caracterizado como “um conjunto de limitações e determinantes jurídicas extrínsecas”, tudo estabelecido pela Constituição Federal (SILVA, p. 610).

A doutrina classifica em 3 espécies os preceitos limitadores do PC Decorrente:

  • Princípios constitucionais sensíveis;
  • Princípios constitucionais extensíveis;
  • Princípios constitucionais estabelecidos.

Os sensíveis são aqueles indicados no art. 34, VII, da CF, cujo descumprimento dá ensejo à intervenção federal nos Estados, por representação do Procurador-Geral da República, e, por isso mesmo, devem ser observados pelas Constituições desses entes:

  • Forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
  • Direitos da pessoa humana;
  • Autonomia municipal;
  • Prestação de contas da Administração Pública, direta e indireta.
  • Aplicação do mínimo exigido em saúde e ensino.

Já os extensíveis são aqueles que consubstanciam regras de organização da União, cuja aplicação se estende aos Estados (SILVA, p. 611). Na opinião de José Afonso da Silva, a CF/88 praticamente os eliminou. Contudo, Marcelo Novelino, com base em precedentes do STF, insere nessa categoria as normas sobre:

  • A organização, composição e fiscalização do TCU;
  • As eleições do Chefe do Poder Executivo;
  • Os princípios básicos do processo legislativo federal;
  • Os requisitos para a criação de CPI’s;
  • As competências de cada um dos Poderes (não as de cada ente federativo, mas as atribuições do Legislativo, do Executivo e do Judiciário – conf. ADI’s 183 e 1.901).

A CF veda que o parlamentar seja reconduzido para o mesmo cargo das mesas diretoras do Senado e da Câmara, na eleição subseqüente imediata. Porém, segundo o STF, essa norma não é de observância obrigatória pelas Constituições estaduais (ADI 793).

Vale registrar que Uadi Lammêgo Bulos define de um modo diferente os princípios extensíveis, que seriam “aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-se, por exemplo, com a forma de investidura em cargos eletivos (art. 77), o processo legislativo (arts. 59 e s.), os orçamentos (arts. 165 e s.), os preceitos ligados à Administração Pública (arts. 37 e s.) etc.” (apud Lenza, p. 206). Contudo, como se verá adiante, segundo José Afonso da Silva, as normas sobre a Administração Pública seriam princípios estabelecidos (e não extensíveis) que geram limitações expressas mandatórias. Parece ter razão este último autor, pois as normas sobre a Administração Pública expressamente se reportam a todos os entes federativos, e não apenas à União.

Por sua vez, os estabelecidos são aqueles que, diferentemente dos extensíveis, se reportam a todos os entes federados, e não apenas à União. Com relação aos princípios constitucionais estabelecidos, não há como dizer que sejam aplicáveis aos Estados por extensão, pois se voltam diretamente para essas entidades federativas. Os princípios constitucionais estabelecidos geram limitações:

  • Expressas;
  • Implícitas;
  • Decorrentes.

As limitações expressas podem ser vedatórias ou mandatórias. Dentre as limitações expressas vedatórias, temos:

  • Art. 19;
  • Art. 150 (princípios tributários e algumas imunidades para impostos);
  • Art. 35 (intervenção dos Estados nos Municípios, vedada, como regra).

Dentre as limitações expressas mandatórias, encontram-se os comandos para que os Estados, em suas Constituições, disponham sobre:

  • Princípios da organização dos Municípios;
  • Regras para a criação, incorporação, fusão e desmembramento dos Municípios, por lei estadual, dentro do período previsto em Lei Complementar federal;
  • O auxílio do Tribunal de Contas do Estado ao exercício do controle externo dos Municípios, por parte das respectivas Câmaras Municipais;
  • Administração Pública;
  • Servidores Militares;
  • Organização da sua Justiça;
  • Criação de Juizados Especiais e Justiça de Paz;
  • Inconstitucionalidade de atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição do Estado, com legitimação ativa de mais de 1 órgão;
  • Organização e competência do Ministério Público;
  • Sua representação judicial e consultoria jurídica;
  • Organização da Defensoria Pública;
  • Segurança pública e polícias civil e militar.

Ainda dentro dos princípios constitucionais estabelecidos, as limitações implícitas, que também podem ser mandatórias ou vedatórias, se extraem de normas que outorgam competências a outros entes da federação (se uma competência é dada à União ou aos Municípios, um Estado não pode pretender exercê-la). Mas também compreendem, segundo José Afonso da Silva:

  • O princípio da divisão (“separação”) dos Poderes (ATENÇÃO: as competências de cada um dos Poderes foram consideradas pelo STF como princípios constitucionais extensíveis – conf. ADI’s 183 e 1.901).
  • O Poder Legislativo unicameral;
  • O Executivo unipessoal e “a obrigatoriedade do sistema presidencialista de governo nas unidades federadas” (SILVA, p. 615).

As limitações decorrentes “são as geradas pelos princípios que defluem do sistema constitucional adotado”, a saber:

  • Respeito dos Estados entre si;
  • Impossibilidade de reconhecer vantagens a certos Estados, ainda que para combater as desigualdades regionais, o que deve ser feito apenas nos moldes estabelecidos na CF;
  • Observância do modelo de processo legislativo (ATENÇÃO: os princípios básicos do processo legislativo federal foram considerados pelo STF como princípios constitucionais extensíveis, como anota Marcelo Novelino);
  • Respeito aos princípios democrático, do Estado de direito e da ordem econômica e social.

Finalmente, registre-se que, segundo José Afonso da Silva, os princípios sensíveis, extensíveis e estabelecidos, como limites à autonomia dos Estados federados, devem ser interpretados RESTRITIVAMENTE, com exceção dos limites DECORRENTES, “porquanto estes são superiores, dado que revelam os fins e fundamentos do próprio Estado brasileiro” (SILVA, p. 617).

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