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Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários

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01/11/2002 às 00:00
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4. Inconstitucionalidade do Código de Defesa do Consumidor?

A Confederação Nacional do Sistema Financeiro, recentemente, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade em relação à incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre contratos e serviços bancários, de financeiras, administradoras de cartão de crédito e seguradoras (ADIn ° 2591).

Tratar-se-ia de controle de constitucionalidade formal, pois o Código de Defesa do Consumidor é uma norma ordinária, e o Sistema Financeiro Nacional deveria ser regulado por lei complementar, consoante preceito do art. 192 da Carta Política brasileira.

Esse argumento não é completamente novo. Newton De Lucca 32 já notara, em 1999, que havia um novo argumento, engenhoso, para excluir a incidência do CDC aos contratos bancários. Referia-se o autor ao argumento invocado na ADIn. Assim explanou o argumento: a lei n° 4.595/64, lei ordinária de início, no vácuo da lei complementar que exige o art. 192 da CF, foi recepcionada, no nosso ordenamento jurídico, da CF 88, com o status de lei complementar, já que lei ordinária não pode versar assuntos de lei complementar. A distinção entre lei ordinária e complementar não é hierárquica, mas de competência, de matéria, aparecendo a lei complementar para as matérias que a Constituição lhe reserva. Daí, argumenta-se que o CDC invadiu a esfera constitucionalmente reservada à lei complementar.

Mas De Lucca discordava já desse raciocínio. A lei ordinária pode incidir sempre que não há reserva constitucional de que sua matéria deve ser tratada por lei complementar. A lei deve ser aplicada segundo seu sentido razoável. Como se entender que o CDC, lei ordinária, não se aplica, enquanto outras leis ordinárias, como a própria lei n° 6.404/76 que regula as sociedades por ações (sendo o banco obrigatoriamente desta espécie), ou a lei que disciplina a matéria de imposto sobre a renda, aplicam-se? Acaso um banco já discordou da incidência da Lei das Sociedades por Ações?

A mesma lógica deveria ser usada para todas as leis ordinárias há tanto aplicadas. Já havia pronunciamentos do STF, afinal, reconhecendo a aplicação do CDC às relações bancárias, mas em questões setoriais. Concluiu De Lucca, a respeito da questão, no seu artigo "A Aplicação do Código de Defesa do Consumidor à Atividade Bancária", afirmando: "Prefiro encerrar dizendo, pura e simplesmente, que há sempre, em nossas vidas, o visível – que, às vezes, não se quer ver – e o invisível – que só se vê porque se deseja fazê-lo – sendo tudo, na ordem das coisas, uma questão de ‘saper vedere’, como dizia Leonardo..." 33

No julgamento da ADIn a Procuradoria da República opinou no sentido de que se declarasse a "inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da expressão ‘inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’, inscrita no art. 3°, § 2°, da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor –, para, mediante interpretação conforme a Constituição, afastar a exegese que inclua naquela norma do Código de Defesa do Consumidor ‘o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional’, incumbência atribuída ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil, nos termos dos arts. 164, § 2°, e 192, da Constituição da República".

O Ministro Carlos Velloso, Relator, proferiu voto no sentido de que não há conflito entre as normas do Código do Consumo e as que regulam o Sistema Financeiro, devendo o primeiro ser aplicado às atividades bancárias. Apenas a fixação em 12% ao ano das taxas de juros estaria excluída dessa situação, pois é matéria a ser regulada por lei complementar, conforme decidido na ADIn n° 4-7/DF. O segundo voto, do Ministro Néri da Silveira, decidiu pela improcedência da ADIn n° 2591, pois se não há conflito entre o Código e o art. 192, da Constituição, não há que se falar em inconstitucionalidade. Após isso, pediu vista dos autos o Ministro Nelson Jobim, para apreciação do tema, estando ainda pendente o julgamento da ação.


5. Contribuição pessoal

A questão de saber se o art. 192 da Constituição Federal, que determina a regulação do Sistema Financeiro por lei complementar, afasta ou não as normas do Código do Consumidor é, em verdade, uma questão de resolver aparente antinomia entre normas jurídicas. A lei complementar a que se reporta o art. 192, em verdade, já existe. Hoje vige a Lei de Reforma Bancária (n° 4.595/64), que ocupa o lugar da lei complementar do art. 192 da Constituição. Há duas espécies jurídicas (Direito Bancário e do Consumidor) que incidem sobre uma mesma realidade (contratos bancários), e se deve tecnicamente resolver qual espécie jurídica deve preponderar, em havendo conflito.

É descabido cogitar que a regulação do Sistema Financeiro Nacional afasta as normas do consumidor. Apenas o que há é dois diplomas normativos que incidem sobre uma mesma situação fática. O contrato bancário tem uma regulação pelo Direito Bancário, Civil, Comercial, e isso não significa a inconstitucionalidade do Direito Civil ou Comercial. Bem como é regulado também pelo Direito do Consumidor. Coloca-se ao intérprete o problema de que regulação, de qual esfera jurídica, deve preponderar no caso de conflitos.

Com base no critério da especialidade, observa-se que ao contrato bancário aplicam-se as normas de Direito Bancário (composto, dentre outras fontes, pela Lei de Reforma Bancária, que já fora chamado de "Código Bancário"), primordialmente. Subsidiariamente, as normas de Direito Comercial, naquilo que não forem derrogadas pelas normas de Direito Bancário. A partir deste produto alcançado, aplicar-se-ão, então, as normas de Direito Civil subsidiariamente, naquilo que não derrogado, porque este é geral em relação àqueles. E onde entra o Direito do Consumidor?

O Direito do Consumidor também é um direito especial. E é especial em relação ao Direito Bancário, pois como estudado, as normas do consumo não incidem sobre todos os contratos bancários, mas somente sobre aqueles em que se configura relação de consumo. Mas a recíproca é verdadeira: o Direito Bancário é também especial em relação ao Direito do Consumidor, porque as normas bancárias não incidem sobre todas as relações de consumo, mas somente sobre as relações de consumo que são bancárias.

Portanto, quando surge conflito entre normas de Direito do Consumidor e normas de Direito Bancário, está-se diante de um conflito entre normas igualmente especiais, não sendo solvida a antinomia mediante a simples aplicação do critério da especialidade. E a questão poderia, sim, ser solvida por três outros caminhos.

O primeiro caminho, e mais simples, seria a aplicação do critério cronológico, a partir da insuficiência do critério da especialidade e da inaplicabilidade do critério hierárquico. As normas do consumo seriam normas que vieram atender à evolução social, oriundas da necessidade emergente de tutela do consumidor, derrogando todas as normas anteriores que com elas conflitem. Prevaleceriam, pois, as normas do Direito do Consumidor.

O segundo caminho seria a solução a partir do fundamento do critério da especialidade. A simples cronologia, com fundamento na evolução social, poderia se revelar critério insuficiente perante o princípio da igualdade, que preceitua o tratamento desigual dos desiguais. Então, de qualquer modo, deveria prevalecer uma solução oriunda do princípio igualitário, base do critério da especialidade, e não da mera cronologia.

Deste modo, colocar-se-ia a seguinte questão: qual distinção, de qual norma, vem atender em maior plenitude o princípio da igualdade? Sabe-se que o Direito do Consumidor proveio da necessidade de tutela do mais fraco ante ao mais forte. Faz parte da tendência no sentido do dirigismo contratual que o Estado imprimiu após a Segunda Guerra Mundial. O consumidor sofre grandes restrições em sua liberdade de contratar e de estipular o conteúdo do contrato. É menos conhecedor das técnicas que o fornecedor domina. É mais fraco economicamente. E a intervenção é dever estatal, como frisa Gonçalves Neto: "É dever do Estado, portanto, interferir na vontade dos contraentes sempre que se lhe deparem situações de inferioridade de uma parte em relação à outra, pois a isso obriga o princípio constitucional da isonomia." 34

Frente à superioridade do fornecedor, e dos abusos destes frente aos consumidores, veio como resposta uma acentuação do caráter social do contrato, que deve funcionar para a produção social e, acima de tudo, promover a dignidade da pessoa humana. Ainda hoje a prática revela constantes abusos por parte dos bancos. 35 36 Deste modo, torna-se evidente a resposta à questão formulada: as normas de consumo atendem mais às necessidades estampadas pelas diferenças existentes entre os diferentes, ou seja, são mais conformes ao princípio da isonomia, de sede constitucional. Assim, o segundo caminho também conduz à prevalência das normas do consumo.

O terceiro caminho parte de uma leitura constitucional dos direitos do consumidor e bancário. Como postulado firmado no início do artigo, deve-se proceder uma "re-leitura", uma leitura segundo a Constituição de 1988, de todo o Direito Privado. O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dita o art. 1° da Carta Magna brasileira, operou uma inversão na base do Direito Privado. Promoveu uma repersonalização deste, que passou a atender em primeiro lugar os anseios humanos e só em segundo lugar os patrimoniais, invertendo a hierarquia estabelecida nos Códigos tradicionais.

A Constituição Federal, em seu art. 5°, XXXII, elevou o Direito do Consumidor à categoria dos direitos fundamentais, consagrando-o como cláusula pétrea. É um direito da pessoa 37 que, em vista da repersonalização e constitucionalização do Direito Privado, não pode ceder frente às notas exclusivamente patrimoniais do Direito Bancário. Portanto, por este terceiro caminho, novamente prevalecem as normas de consumo frente às bancárias.

E nem se queira argumentar que o art. 192 tem igual sede constitucional. Este artigo se submete à ordem econômica constitucional, que no art. 170 afirma ter por base o primado da dignidade da pessoa humana. Submete-se, também, aos direitos fundamentais firmados no art. 5°, dentre eles o direito do consumidor à proteção de sua posição fragilizada. Além disso, os princípios e normas constitucionais devem ser harmonizados e interpretados sistematicamente, em conjunto, pelo que cede o art. 192 ante a defesa constitucional do consumidor.


6. Conclusão

Com base nas considerações efetuadas, pode-se concluir que o Código de Defesa do Consumidor incide, sim, de regra, sobre os contratos bancários, salvo posicionamentos isolados. Já que as instituições de crédito sempre se enquadram na categoria jurídica de fornecedor, para ver se à relação jurídica serão aplicadas as normas de consumo se deve apreciar se o cliente, no caso concreto, enquadra-se em algum dos conceitos de consumidor do Código.

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O diploma do consumo possui mais de um conceito de consumidor. Pelos artigos 17 e 29, que estabelecem conceitos de consumidor ditos "por equiparação", é consumidor toda a pessoa que se submete aos eventos ou práticas previstos no Código. Assim, o cliente sempre será consumidor quando sujeito a tais eventos e práticas, para efeito de aplicação dos capítulos do Código a que se referem os dois dispositivos. Deste modo tais artigos já garantem a incidência de grande parte diploma legal do consumo sobre todas as atividades bancárias, dentro destas os contratos bancários.

Já a aplicação do início do Código aos contratos bancários fica subordinada ao conceito de consumidor constante no art. 2° da lei. Para grande parte dos autores, o enquadramento do cliente como consumidor, neste caso, dependerá de no caso concreto o cliente fruir a atividade bancária (produto ou serviço) como destinatário final. Se o cliente assim se enquadrar sua relação será integralmente regida pela legislação do consumidor.

Em recente ADIn a Associação dos Bancos pretendeu a exclusão da incidência das normas do consumo sobre as atividades bancárias, com base na inconstitucionalidade formal do Código do Consumidor, que não poderia tratar de normas bancárias em face do art. 192 da Constituição, uma vez que este reserva a matéria à lei complementar.

A Lei de Reforma Bancária regula o Sistema Financeiro Nacional, e foi recepcionada pela Constituição com status de lei complementar, preenchendo o vácuo normativo do art. 192. Contudo, ela não afasta a incidência das normas de Direito do Consumidor. Os dois diplomas incidem sobre a mesma realidade fática dos contratos bancários, o que dá ensejo a uma antinomia aparente, a ser solvida pelos critérios cronológico, da especialidade e de constitucionalização do Direito Privado.

Qualquer que seja o critério que se adote, deve prevalecer o Direito do Consumidor, regendo as relações com prioridade sobre o Direito Bancário. Pelo primeiro critério, cronológico, mais fraco, a legislação consumista é posterior. Pelo segundo, da especialidade, a isonomia conduz à incidência das normas do consumidor, que atendem melhor à real desigualdade entre partes contratantes. Pelo terceiro, constitucional, de repersonalização e constitucionalização do Direito Privado, que é ponto de partida da análise, deve imperar, sem dúvida, a incidência do Código do Consumidor, já que ele atende melhor aos reclamos da dignidade da pessoa humana, do que a legislação bancária de cunho patrimonialista.


Notas

1. FACHIN, Luiz Edson. RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. Um Projeto de Código Civil na contramão da Constituição. Revista Trimestral de Direito Civil, São Paulo, n. 4, p. 243-263, 2.000, p.244-246.

2. NALIN, Paulo Roberto Ribeiro. Conceito pós-moderno de contrato: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba, 2.000. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.

3. E também do Código Comercial, pois a realidade fática sobre que atua sempre invoca subsidiariamente o Código Civil. Além disto, a Constituição operou sobre todo o Direito Privado, não cabendo restrições.

4. Afirma o autor, na ob. cit., p. 1, que há "[...] uma desconexão entre o discurso que insiste em sustentar um contrato nucleado na vontade dos sujeitos (liberdade contratual), sem a devida atenção para o fato de que esta manifestação de vontade é, quiçá, o dado menos significativo na composição do contrato contemporâneo."

5. Idem, ibidem, p. 79-80.

6. Não o "homem econômico", mas o "homem existencial", como ressalta o autor, na ob. cit., p. 259.

7. Reza o caput do art. 170: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:". E a respeito desta disposição afirma Paulo Nalin na ob. cit., p. 257: "O texto é claro: só se atribui legalidade à livre iniciativa dos titulares da relação, desde que voltada a assegurar a digna existência de todos (titulares diretos ou não da relação jurídica – planos intrínseco e extrínseco da função social do contrato) e, em conformidade com a justiça social."

8. No mesmo sentido o autor expõe na ob. cit., às fls. 264-265, que há uma renovação dos propósitos do contrato contemporâneo, "[...] sem que com isso se sustente a superação do conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente, retratado. E nem poderia ser diferente, pois não se está a tratar do contrato à luz de uma economia planificada, mas sim, em livre mercado, não obstante funcionalizado."

9. Idem, ibidem, p. 262.

10. Waldirio Bulgarelli, assim, na sua palestra transformada no artigo "O Direito do Consumidor e os contratos financeiros", retrata as inúmeras questões que podem surgir acerca da aplicação do CDC aos contratos bancários, oferecendo uma série de questões à discussão, numa provocação, mas sem oferecer soluções ou respostas. (BULGARELLI, Waldírio. O Direito do Consumidor e os contratos financeiros. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 94, p. 126-129, 1994).

11. Como retrata em palestra transfomada em artigo "A Aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária", p. 16: "Já terei perdido a conta, por certo, do número de vezes em que me manifestei sobre esse tema em oportunidades anteriores." Por sinal, neste artigo podem ser verificados grande parte dos argumentos que o autor expôs no Seminário que em seguida será citado no corpo do trabalho (LUCCA, Newton De. A aplicação do Código do Consumidor à atividade bancária. Cadernos do Ministério Público do Paraná, v. 2, n. 6, p. 16-22, jul. 1.999). Outra palestra sua, anterior, foi transformada em texto resumido, intitulado "O Código de Defesa do Consumidor: Discussões Sobre seu Âmbito de Aplicação", na qual o autor sustenta o mesmo que propugnou nas ocasiões posteriores, mas de modo mais resumido pois julgava que a questão não suscitaria maiores dúvidas (LUCCA, Newton De. O Código de Defesa do Consumidor: discussões sobre seu âmbito de aplicação. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 85, p. 81-89, 1.992).

12. LUCCA, Newton De. A interpretação judicial dos contratos bancários (O Código do Consumidor e sua aplicação na atividade bancária). Palestra proferida na Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, 22 out. 1.999.

13. LUCCA, Newton De. A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária, ob. cit., p. 18.

14. Para De Lucca, foi um deslize não se distinguir bens de produção e de consumo para facilitar a definição do que é relação de consumo. Na falta, a doutrina tenta buscar critérios, e estes não são pacíficos, havendo vários de diversos doutrinadores. É uma zona extremamente nebulosa, cinzenta. Dentro deste contexto, vê-se ora uma aplicação mais abrangente, ora uma mais restrita, ora uma não aplicação, do CDC aos contratos bancários. Conforme sublinha o autor no seu artigo citado "A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária", p. 20, "A prevalecer a teoria finalista – que nos parece claramente a mais acertada em matéria do Direito do Consumidor – o aspecto teleológico da proteção do consumidor se sobrepõe aos demais. Quer isso dizer que os empresários, salvo raras exceções, não se acham albergados pela legislação tutelar, não obstante a definição de ‘consumidor’, constante do ‘caput’ do art. 2° do CDC que, com a expressão ‘pessoa jurídica’, contemplou a possibilidade de os empresários, quando destinatários finais, serem também abrangidos pela proteção."

15. Por exemplo, não se enquadra como destinatário final um empresário que desconta duplicatas e não pretende um consumo, mas um insumo. E não se enquadra como serviço mas sim operação ativa o contrato de mútuo celebrado pelo tomador. Mas e se ele pratica um contrato de adesão? Ou se é submetido a uma propaganda enganosa do banco afirmando taxa inferior à real? Ou, como ilustrou De Lucca na palestra, e pode ser constatado no seu artigo "A Aplicação do CDC à Atividade Bancária", citado, p. 19: "Ou, numa hipótese ainda mais absurda, poderia o contrato celebrado por um Banco estabelecer que o pagamento, na hipótese de atraso, por parte do mutuário, seria feito obrigatoriamente de joelhos diante do gerente da agência[...]?" Há, para estes casos os três conceitos de equiparação, que levariam a se aplicar o CDC.

16. ALVES, Vilson Rodrigues. Responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários, Bookseller, Campinas, 1.996, p. 90-100.

17. Assinala Hapner: "Se é que há algum consenso em sede de direito dos consumidores, pode-se dizer que a existência de um poder econômico ditando os rumos das relações de mercado é um destes pontos comuns, levando à opinião quase unânime dos autores de que o consumidor é sempre a parte mais fraca da relação de consumo, posto que manipulado e influenciado, direta ou indiretamente, pelas fontes que exercitam o poder." (HAPNER, Carlos Eduardo Manfredini. Direito do Consumo – aspectos de Direito Privado. Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1.989, p.24)

18. A esse respeito leciona com precisão Hapner, ob. cit., p. 27, após analisar o poder econômico a partir das notórias lições de Galbraith em sua obra "Anatomia do Poder": "Este tipo de raciocínio leva à absoluta necessidade de que qualquer análise que se faça em termos de direitos dos consumidores venha precedida da interpretação econômica do fenômeno. Ignorar essa circunstância pode significar a construção de um ordenamento jurídico completamente ineficiente aos fins a que se destina".

19. Coloca Rodrigues Alves em nota (n° 286), ob. cit., a pertinência de se fazer alusão aos mecanismos da sociedade de consumo, os quais faticamente se apresentam similares aos vícios de vontade, em hipóteses de mesmo coação: a moda, a publicidade, o marketing, a forma agressiva de encaminhamento de ofertas e serviços, aliadas à situação individual dos consumidores.

20. ALVES, Vilson Rodrigues. Ob. cit., p. 91.

21. Idem, ibidem, p. 90.

22. Idem, ibidem, p. 93.

23. Idem, ibidem, p. 94.

24. Idem, Ibidem, p. 97.

25. Idem, ibidem, p. 99.

26. EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor, Revista dos Tribunais,São Paulo, 1.999, p. 51.

27. Sua conclusão, na ob. cit., p. 51-52, merece destaque: "‘Em se tratando de consumidor pessoa física e ocorrendo uma prestação de serviços bancários, onde figurem, de um lado, na qualidade de fornecedor, um determinado banco comercial, e, de outro lado, na qualidade de consumidor, uma pessoa física qualquer, que contrate objetivando uma destinação final, parece-nos evidente que essa relação jurídica se caracterizará como relação de consumo’ (Maria Antonieta Zanardo Donato).

Assim, como já dito anteriormente, ‘ao verificar-se a inclusão ou não de determinada pessoa jurídica na qualidade de consumidora dos produtos e serviços fornecidos pelos bancos e outras entidades financeiras, (é preciso) investigar a finalidade daquele negócio jurídico – se na qualidade de consumidor ou não – e, a partir de então, perquirir-se acerca de sua vulnerabilidade. Assim, se o contrato bancário efetivado pela pessoa jurídica tiver sido realizado buscando o alcance de uma atividade intermediária, não há que se falar em relação de consumo. Se, entretanto, o contrato houver sido realizado buscando-se alcançar uma atividade intermediária, não há que se falar em relação de consumo. Anote-se, entretanto, que raríssimos serão os litígios envolvendo entidades financeiras, securitárias ou bancárias em que se aplicará o conceito de consumidor contido neste dispositivo legal (art. 2° do CDC), eis que os conflitos advindos dessa espécie de relação jurídica certamente apresentar-se-ão circunscritos à proteção contratual, às práticas comerciais e à publicidade enganosa, quando então deverá ser aplicado o conceito exarado pelo art. 29 do CDC’ (Maria Antonieta Zanardo Donato).

Dessa forma, a conceituação do consumidor de serviços ou produtos oferecidos pelos bancos está associada a sua exposição às práticas abusivas lançadas pelas instituições financeiras, não sendo necessária a configuração de vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor.

Assim, entendemos que, mesmo não sendo facilmente perceptível a relação de consumo havida entre cliente consumidor e o banco fornecedor, já que na maioria das vezes devemos constatar a ocorrência da prática abusiva, há que se conferir ao consumidor a proteção outorgada pelo CDC."

28. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos de crédito bancário, 3 ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p. 24-25.

29. Idem, ibidem, p. 24.

30. Rizzardo, na ob. cit., p. 24-26, ressalta alguns dispositivos do CDC especialmente aplicáveis aos contratos bancários. Tendo em consideração que os contratos bancários são normalmente de adesão, proliferando neles cláusulas abusivas e leoninas, destaca a importância do princípio da transparência, do art. 4°, CDC, colocando-se tudo de modo limpo, inteligível, sem subterfúgios, de acordo com a boa fé e equidade, engendrados estes como princípios pelo art. 51, IV. As cláusulas abusivas são fulminadas com nulidade, tendo expressão tanto as que conferem vantagens exageradas, excessivas (art. 6°, IV, V, art. 39, V, art. 51, § 1°), como as que impõem prestação exagerada (art. 51, § 1°, III). O art. 46 retira a obrigatoriedade do cumprimento de contrato em que não se deu oportunidade de conhecimento prévio do conteúdo, ou quando é realizado de modo que dificulte a compreensão do sentido e alcance, proibindo-se, destarte, cláusulas com complexos cálculos, ou que impliquem métodos como a Tabela Price, o Método Hamburguês (desconhecidos, desvendáveis somente por especialistas). Semelhantemente estabelece o art. 54, § 3°, com referência aos contratos de adesão. O art. 52 impõe outras normas, com relação ao mútuo, como informação sobre juros de mora, taxa efetiva anual de juros, e acréscimos legalmente previstos. O § 2° do artigo vem facultar a liquidação antecipada, com direito a abatimento dos juros e encargos. O art. 51, I, determina nula a cláusula que implica renúncia de direito. Isso em mera exemplificação, demonstradora do estreito vínculo entre os Direitos Bancário e do Consumidor.

31. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial, 4 ed., Saraiva, São Paulo, 1.993, p. 431.

32. LUCCA, Newton De. A interpretação judicial dos contratos bancários (O Código do Consumidor e sua aplicação na atividade bancária). Palestra proferida na Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, 22 out. 1.999.

33. LUCCA, Newton De. A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária, ob. cit., p. 22.

34. SIMPÓSIO SOBRE AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS BANCÁRIOS E A ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA (1. : 1988 : Curitiba). GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Notas sobre os contratos bancários. Juruá, p. 47-53, 1.998, p. 49.

35. Reforça a idéia Covello quando afirma que "A simples leitura dos formulários de contrato bancário revela a existência de condições leoninas acobertadas pelo manto da legalidade, como a conhecida cláusula de outorga de procuração do cliente ao próprio banco para que este possa emitir cambial a fim de cobrar a dívida de maneira mais rápida e eficaz mediante execução", e que "[...] a intervenção do Estado na contratação bancária tem-se mostrado ineficaz, porque as autoridades monetárias estão mais preocupadas com as taxas de juros e com as garantias contratuais, deixando os Bancos à vontade para a estipulação de condições gerais potestativas." (COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários, 3 ed., Editora Universitária de Direito, São Paulo, 1.999, p. 56.

36. Dê-se o exemplo, a título de ilustração, do mútuo, especialmente pertinente ao trabalho, que traz Rizzardo, na sua obra "Contratos de crédito bancário", ob. cit., p. 20-22, citando várias vezes Luiz Zenum Junqueira: "Cláusulas como as seguintes refletem toda a distância entre as partes e a unilateralidade na determinação das condições: ‘no vencimento normal ou antecipado do título [...] ficará o devedor constituído em mora de pleno direito, passando então a incidir sobre o débito, do decurso de inadimplência até o efetivo pagamento, os seguintes encargos: a) Atualização monetária de acordo com a acumulação da taxa das Letras do Banco Central – taxa fiscal – ocorrida no período, ou outro índice de atualização que venha a ser estabelecido pelo Governo Federal em sua substituição; b) A taxa efetiva mensal de juros vigorante no início de cada mês, correspondente à maior taxa permitida pelo Banco Central do Brasil para operações de crédito com recursos próprios, que esteja sendo praticada no mercado financeiro pelo Banco [...] Estes juros incidirão sobre o valor do débito após realizada a atualização indicada na letra ‘a’ supra; c) juros moratórios de 10% sobre o montante do débito; d) multa de 10% sobre o montante do débito.’

Em verdade, não se reserva espaço ao aderente para sequer manifestar a vontade. O banco se arvora o direito de espoliar o devedor. Se não adimplir a obrigação, dentro dos padrões impostos, será esmagado economicamente. Embora não fixadas as taxas de correção monetária e de juros, as quais são totalmente aleatórias, pretende-se sejam submissamente acatadas pelo mutuário.

Estampa-se o seguinte quadro, descrito pelo citado articulista: ‘não se cuida de dificuldades surgidas no curso de um contrato de empréstimo bancário, muito menos de modificações operadas pela desastrada inflação, velha e revelha, antiqüíssima, mas do desrespeito e da infidelidade do credor, já no momento mesmo da celebração do ‘contrato’, ávido pela exploração consciente da desgraça alheia, rompendo-se, no seu nascedouro, a noção de boa-fé e dos bons costumes.

Destarte, do só fato de uma parte permitir que a outra ‘contrate’, em estado de aflição, contraprestações intoleráveis e onerosíssimas, sujeitando-a a toda e qualquer sorte de cláusulas unilateralmente preestabelecidas, comprova-se, ‘quantum satis’, que ao credor interessa, sobretudo, a penúria do devedor, quando lhe impõe, assim, obrigações exageradas, injurídicas, anti-sociais e injustas’.

Sente-se, nos últimos tempos, uma forte ressalva aos empréstimos bancários. Predomina a idéia de que as dívidas junto a bancos levam à insolvência. Dificilmente uma atividade ou uma produção alcança resultados tão altos a ponto de acompanhar os encargos decorrentes do empréstimo."

37. Escreve o ilustre professor Carlos Eduardo Manfredini Hapner: "A bem da verdade, a ereção da proteção do consumidor à categoria de princípio constitucional pode ser tida como conseqüência e decorrência direta das conquistas sociais do cidadão comum. Não seria demais incluir a proteção do consumidor, desde seu aspecto privatístico, como um dos direitos da personalidade. A esse propósito muitos já se referiram, valendo a lembrança do ensinamento do espanhol EDUARDO POLO: ‘(...) o problema do consumidor é, levado a suas últimas conseqüências, o problema do indivíduo e sua proteção não é senão a proteção da pessoa." (HAPNER, Carlos Eduardo Manfredini. Ob. cit., p. 10).

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Sobre o autor
Deltan Martinazzo Dallagnol

Procurador da República em Curitiba (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3438. Acesso em: 23 abr. 2024.

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