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Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?

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3. A ARBITRAGEM NO BRASIL

3.1 FASE PRECEDENTE À LEI 9.307/96

A Constituição do Império de 1824, no título destinado ao poder Judiciário, desta feita, já com a idéia da separação dos poderes concebida por Montesquieu (baseando-se em Locke), tratava a matéria em seu artigo 160, facultando às partes a escolha de árbitros nas lides cíveis e penais.

Em 1831 e 1837, passa a arbitragem a ser obrigatória em demandas que envolvessem, respectivamente, seguro e locação, ampliando a obrigatoriedade, com o advento do Código Comercial em 1850, para abranger todas as questões de natureza mercantil. O dispositivo legal referente ao caso (regulamento 737, artigo 411 et seq.) passa a fazer distinção entre arbitragem voluntária e necessária (Figueira Júnior, 2001:33).

Após sofrer duras críticas, a arbitragem (compulsória), em 1866, volta a ser voluntária.

A arbitragem foi mantida no Código de Processo Civil vigente, na república, embora algumas alterações tenham sido praticadas. No Código Nacional (ou unificado) de 1939, foi tratado em dezesseis dispositivos. O Código Buzaid e o Código Civil Pátrio (Lei 3.071/16) também dispunham sobre a matéria (Figueira Júnior, 2001:33).

O insucesso e falta de hábito de utilização deste instituto não se deve ao fato da não previsão expressa nos Códigos, pois esta esteve sempre presente no ordenamento pátrio, desde as ordenações Afonsinas. Muito provavelmente, a justificativa histórica para tal insucesso pode ser apontada como sendo os entraves criados pelas legislações, sempre no sentido de desencorajar os interessados em solucionar suas lides através da arbitragem.

Pontes de Miranda In Carmona (1998:15) foi um crítico contumaz ao instituto: "é primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver, por atração psíquica a momentos pré-estatais, os anarquistas de esquerda e os de alto capitalismo". E mais: "é arma eficacíssima do capitalismo tardio, eliminador da concorrência e da segurança extrínseca (da certeza da lei que regeu e rege os negócios de cada um)".

Vários autores, das mais variadas áreas do direito, juristas, economistas e empresários estrangeiros consideravam a arbitragem no Brasil e América Latina, de forma geral, como de impossível implementação. Viam os tribunais nacionais como um entrave danoso. Segundo esses mesmos autores e juristas, tribunais nacionais são tendenciosos, sempre decidindo em favor dos seus patrícios; sentenças refletem o enaltecimento de seus espíritos nacionalistas, patrióticos, deixando de priorizar a técnica, esquecendo as razões do próprio Direito.

Segundo Carmona (1998:16), outros entusiastas vêem na arbitragem "a panacéia para os males de que padece o Poder Judiciário". A esses, parece que a arbitragem resolverá todos os males.

Um dos grandes problemas enfrentados ainda no século XXI, pelo instituto da arbitragem é o modo com que é ofertada a pacificação de conflitos por caminho diverso que não, através do Poder Judiciário, vez que, depois de declarada a solução arbitral, esta estaria, ainda, adstrita à homologação perante um juiz togado. Ou seja, depois de entregue o laudum arbitral, este estaria adstrito a homologação por parte dos tribunais estatais.

Não bastasse a necessidade desta homologação pelo Poder Judiciário, pode-se, ainda, citar a ineficácia obrigacional de observância da cláusula compromissória, dispositivo contratual onde as partes prevêem que a solução de conflitos possam ser resolvidos pelo meio da arbitragem.

Com efeito, em que pese fosse estipulada a cláusula compromissória entre as partes, nenhuma delas estaria obrigada a submeter-se a sua imposição, tornando-as letra morta no contrato, já que esta, por si só, não permite a oposição da exceção de que trata o Estatuto Processual Civil na sua versão original, antes da Lei 9.307/96 (Carmona, 1998).

Na esteira do entendimento do artigo 301, IX, do diploma retro citado, as decisões de todos os tribunais pátrios, foram no sentido da obrigatoriedade do compromisso arbitral, e não apenas bastava a referida cláusula arbitral.

Resumidamente, a doutrina e jurisprudência transformaram na prática o pacto de contrahendo (cláusula compromissória) em verdadeiro pactum nudum, contribuindo para que empresas estrangeiras abandonassem a escolha da solução arbitral de controvérsias no Brasil (Carmona, 1998:17).

Outro entrave foi o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais advindas do estrangeiro, perante o Supremo Tribunal Federal, que exigia a dupla homologação (duplo exequatur), da sentença ou laudo arbitral alienígena. A exigência fazia-se valer tanto do país originário, que emitira a sentença ou laudo, quanto da Corte Suprema brasileira. Acabava por extinguir, na prática, a composição por meio da arbitragem dos tribunais nacionais.

Certo é, uma vez levada a lide ao judiciário (para a homologação), restariam comprometidos vários benefícios deste instituto: a rapidez para uma solução definitiva ao problema, o sigilo dos negócios envolvidos (já que para a homologação o processo teria que obedecer ao princípio da publicidade), entre tantos outros.

Enquanto a Bélgica (1972), a França (1980), Portugal (1986), a Itália (1983 e 1994) e a Espanha (1988) aboliam ou mitigavam a homologação de laudos arbitrais, o legislador brasileiro optou por seguir trilha em inverso sentido ao mundo contemporâneo, mantendo-se fiel às suas tradições históricas (Carmona, 1998:18).

3.2 OS CAMINHOS PARA A LEI ATUAL

3.2.1 O anteprojeto de lei de 1981

O Governo Federal, ciente de que precisava mudar o quadro de atraso em que se encontrava o Brasil em relação aos demais países, inclusive sul-americanos, por solicitação do extinto Ministério da Desburocratização, publicou no Diário Oficial da União de 27/05/81, o anteprojeto para apresentação de críticas e sugestões.

O primeiro de uma série de três, procurou, em 28 artigos, afastar do judiciário a parte do trabalho que lhe era imposto. Equiparando cláusula compromissória e compromisso arbitral, atacou o mal de que padecia o instituto arbitral. A partir de então, bastava apenas a cláusula compromissória ou o compromisso arbitral para afastar a competência do juiz estatal.

Trouxe, também, um regramento próprio para os casos em que houvesse resistência de alguma das partes em cumprir o ajustado, no sentido da instauração da arbitragem. Outro ponto marcante que merece destaque, foi o fato de regulamentar a desnecessidade de homologação de laudo arbitral, equiparando-o a título executivo extrajudicial. Cuidadoso em alguns pontos, embora impreciso tecnicamente em outros, foi abandonado e esquecido em Brasília.

3.2.2 O anteprojeto de lei de 1986

Foi publicado no Diário Oficial da União de 27/02/87, e também previu, à semelhança do projeto anterior, a presença da convenção arbitral como que auto-suficiente para afastar a competência do juiz empossado pelo Estado.

Porém, encontrou problemas para regular as situações em que as partes não conseguissem chegar a um acordo na escolha de um árbitro. Segundo o anteprojeto, cada parte escolheria um árbitro e estes, indicariam o desempatador.

Embora mais aprimorado que o primeiro trabalho, trazia defeitos técnicos que acabaram por aconselhar seu arquivamento. Confundia dois conceitos distintos: arbitragem (meio de compor lides, solucionar controvérsias) e arbitramento (meio de integrar um elemento faltante em um contrato).

Outro entrave foi a maneira com que a matéria que viria disciplinar os casos da homologação de laudo estrangeiro fora abordada: bastaria, pelo anteprojeto, ser documento autenticado (consularizado e trazido), e, por conseguinte, teria eficácia no Brasil. Tal solução era carecedora de técnica apurada e efetivamente não poderia ser aceita nos tribunais.

Segundo Carmona (1998:19), a este projeto faltou vontade política. Se houvesse um amplo debate dos setores sociais envolvidos, certamente culminaria em sua aprovação, após superadas as suas falhas técnicas.

3.2.3 O anteprojeto de lei de 1988

Através da portaria 298-A, de 20/06/88, o Ministério de Estado da Justiça convidava-se a sociedade a discutir mais um anteprojeto de lei. Desta feita, o novo texto caiu em vários erros que inviabilizaram o projeto, tais como: a) quis preservar a unidade do Código processual alterando apenas alguns artigos (10, no caso); b) disciplinou a cláusula compromissória e compromisso arbitral, pretendendo alterar o artigo 1.074, de tal modo, que ambas teriam que dispor sobre o objeto do litígio, sob pena de nulidade [12]; c) outro equívoco, de natureza grave, seria a nova redação do artigo 1.078, §§ 1º e 2º do Estatuto Processual: estabelecia que a sentença arbitral estaria sujeita a Recurso de Apelação pelo Tribunal de Justiça local — desnecessário citar os desserviços que esta cláusula traria ao instituto, pois na prática só ocorreriam as desvantagens da jurisdição estatal; d) outro ponto duramente criticado pela doutrina, estudiosos, professores etc. foi a obrigatoriedade do árbitro ser bacharel em Direito [13]; e) o projeto não tratou da homologação do laudo arbitral e muito menos dos problemas ligados ao laudo estrangeiro, dois pontos cruciais para o êxito da arbitragem que, na prática, foram desprezados

Diante dos fatos seu arquivamento não tardou por se concretizar.

3.2.4 A operação arbiter

A dificuldade de aprovar os anteprojetos pelo governo mostrava-se evidente. Assim como também era evidente o anseio de toda a sociedade por um método de composição de conflitos que não passasse pelas prerrogativas inerentes ao Estado.

Buscava-se o método utilizado praticamente em todo o mundo, cada vez mais, e, que por certo, desencadearia um estímulo aos diversos setores da economia. Economia esta, carecedora de recursos econômicos e financeiros, capazes de estimular serviços, incrementar a produção de produtos e financiar obras de cunho sociais. Diante deste quadro, a própria sociedade mobilizou-se.

O impulso inicial foi dado pelo Instituto Liberal de Pernambuco, no final de 1991. Chamada "Operação Arbiter", contou com apoio da Associação Comercial de São Paulo, Associação dos Advogados de Empresas de Pernambuco, aceito pela FIESP, Instituto Brasileiro de Direito Processual, professores da USP, da Faculdade de Direito da Cândido Mendes do Rio de Janeiro, representantes de grandes escritórios de advocacia de São Paulo e Rio de Janeiro, entre outros, que se mobilizaram para que fosse elaborado um anteprojeto de lei, unindo as experiências práticas a um rigor científico (Carmona, 1998).

O inicio efetivo da "Operação Arbiter" deu-se em 05 de novembro de 1991, quando foi escolhida a comissão relatora, e estipulado o prazo para apresentação do projeto de elaboração do anteprojeto de lei, em 9 de dezembro de 1991. Após esta apresentação, o anteprojeto foi debatido e aprovado, sendo que sugestões foram incorporadas, de plano, ao texto original.

Novamente foram distribuídas cópias do texto aos órgãos interessados. Foi estipulada nova data para que se continuassem as discussões. Ressalta-se, que a repercussão dos trabalhos foi além das expectativas iniciais, e, em reunião na Associação Comercial de São Paulo, em fevereiro de 1992, foi apresentado o texto por professores universitários, membros do Poder Judiciário, Câmara de Comércio Internacional, entre outros. O anteprojeto em sua forma final foi apresentado e discutido no Seminário Nacional sobre Arbitragem Comercial, na cidade de Curitiba, Paraná, em 27 de abril de 1992 (Carmona, 1998).

É através da narrativa de suas dificuldades e principalmente das pessoas envolvidas [14], que pode entender, na sua plenitude, a extensão deste instituto.

E também, a sua importância na vida da sociedade num todo.

3.2.5 A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional

O processo legislativo teve início em junho de 1992, pelo então Senador da República, Marco Maciel. Dignou-se a apresentar o esboço de lei ao Congresso Nacional, aonde o projeto recebeu o número 78/92. Críticas, sugestões e modificações vieram em grande número, mas nada que tirasse o projeto da trilha originalmente traçada (Carmona, 1998).

O referido projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em Junho de 1996. Devolvido o projeto à casa de origem, o Senado Federal, este restou aprovado com a alteração de dois artigos, sem que, contudo, abalasse a norma em seus pontos vitais. Embora muito se tenha tentado modificar ou adicionar, principalmente no que tange à obrigatoriedade da homologação de laudos estrangeiros e aos valores mínimos do litígio, por sorte não logrou qualquer êxito.

Em uma rápida análise sobre o lapso temporal decorrido entre a apresentação e a aprovação (junho de 1992 até setembro de 1996), observam-se as dificuldades que tal empreendimento obteve para lograr êxito.


4. A LEI 9.307 DE 24 DE SETEMBRO DE 1996: "LEI MARCO MACIEL"

4.1 O ESTADO, O JUDICIÁRIO, O MONOPÓLIO JURISDICIONAL E AS LIMITAÇÕES IMPOSTAS

Não resta a menor dúvida de que os fatos históricos sobre o aparecimento da arbitragem e da jurisdição deságuam na formação da presente lei. Razão que leva a esmiuçá-la na intensidade necessária para o entendimento dos seus objetivos.

Sabe-se que o homem, sábio como nenhum outro ser que se tenha conhecimento, vai buscar na sua história a base para sustentar o seu presente e construir um melhor futuro. Intimamente ligado à inteligência, está o dom do livre arbítrio. Jus est norma agendi. E mais, agir conforme interesse próprio.

O instituto da arbitragem traz consigo a idéia de que ninguém é melhor para decidir algo sobre a vida, além dele mesmo.

A hermenêutica faz extrair do texto legal, a sua norma, o seu significado. Do texto da lei deve ser extraído não somente o significado de cada frase, cada palavra. Deve-se perseguir e alcançar seu significado num todo. Por isso, que as normas se interagem, formando um conjunto normativo. Pode-se dizer, que devemos extrair "the spirit of the law" — o espírito da lei.

Fato é que o homem tem constitucionalmente assegurado o direito de ter ou não ter religião, times de futebol, amigos, conselheiros, e como tal, nada mais justo seria permitir-lhe o poder de escolher as pessoas que os julguem.

Com efeito, caso haja uma lide entre duas ou mais pessoas, e que ambas demonstrem o interesse de serem julgadas por uma pessoa que detenha a confiança comum, não deveria (poderia) o Estado negar, que a composição se desse entre os envolvidos e o julgador confiado, para que submetessem àqueles à decisão deste. Até porque, o julgador escolhido parece ser a pessoa mais indicada para decidir uma questão que a ambos envolva: é a vontade das partes sendo valorizada, em detrimento do monopólio jurisdicional estatal.

A regra estabelece que, diante de um conflito, deve-se, obrigatoriamente, buscar o órgão estatal responsável pela jurisdição (Poder Judiciário), e este, diante do conflito entre as partes envolvidas, tutelaria a pretensão do direito do autor e entregaria a uma, a ambas, ou em alguns casos, a nenhuma delas, a decisão jurisdicional (sentença). Substitui-se a vontade das partes, pela do Estado.

Diferentemente desse caminho processual, uma vez instituída a arbitragem, a decisão que porá termo ao processo virá de "juízes privados", vinculados ao processo, e que após a análise dos fatos que o envolvem, emitirá uma sentença ou laudo arbitral.

Assim, uma vez diante de uma causa adversa, o cidadão passa a ter o direito de pactuar com a parte oponente para que sejam socorridos não mais pelo Poder Judiciário Estatal, e, sim, por um árbitro (ou mais de um), escolhido por ambos.

Inteligente é a lei voltada à vontade da coletividade (e todas deveriam ser). Argucioso é o homem que toma decisões políticas, institucionais e corporativistas ignorando os anseios da sociedade.

Retornando à reconstituição histórica da arbitragem, verifica-se a sua importância, desde os primórdios da humanidade. O homem, em um determinado momento, ou em vários, se organizou e constituiu entes políticos para gerenciar a vida dos cidadãos. Ato contínuo, esta organização deu origem ao que se chamou atualmente de Estado.

Sem dúvida, o monopólio da jurisdição é um dos fatores determinantes para a existência do próprio Estado, visto que seria impossível administrar interesses dos mais diversos, sem que se tivesse que praticar seu imperium aos que agissem contra jus ou contra legem.

Na prática, o Estado passa a decidir (elaborando leis) sobre quando, onde e de que forma o cidadão pode agir — caráter legislativo. Passou a ser também, o responsável por declarar o direito — caráter jurisdicional, e único detentor do poder de fazer cumprir as suas decisões — o imperium. E foi além: fez com que as causas por ele decididas tivessem o condão da definitividade [15].

Daí decorrem alguns pontos relevantes.

O primeiro é sobre esta "força jurisdicional monopolizada pelo Estado", pois se ele existe, é para ser na medida exata a permitir uma melhor condição de convivência entre seus súditos. Assim, fácil entender que toda forma de manifestação estatal deve ser visando o bem comum.

Um outro ponto que emerge é o fato de que a arbitragem sempre aparece alentada quando o Estado não vai de encontro aos anseios da população. Seja quando utiliza em demasia sua força para fazer cumprir decisões imperiosas, autoritárias, arrogantes, impondo sanções que extrapolam os objetivos sociais, ou, quando, por outro lado, não se mostra suficientemente capaz de agir: quando seus súditos não mais confiam em seu poder de atuar perante o próximo para fazer valer suas decisões.

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Ao tomar para si o monopólio da jurisdição, o Estado não fez outra coisa que não assumir a responsabilidade de tutelar os interesses individuais e coletivos dos cidadãos, para lhes garantir a entrega da prestação jurisdicional. Com efeito, o Estado tomou dos cidadãos uma coisa inerente ao ser humano: a capacidade de agir.

Na prática, isto significa que se quando se está diante de uma resistência a algo que se considera próprio do direito do indivíduo, não se tem a capacidade de agir contra alguém, pelo simples fato de, subjetivamente, possuir tal direito.

Exemplificando, se emprestar um objeto a uma pessoa que até então gozava de confiança, e, se ela não devolver o objeto, mesmo que saiba onde encontra-se tal objeto, não tem o indivíduo que emprestou o objeto, a capacidade de utilizar a força para tê-lo de volta. Deverá ser intentada uma Ação, através da qual será solicitado o restabelecimento da posse. Ou seja, terá o Estado que executar um ato, que outrora seria inerente à pessoa prejudicada.

Mas, se o Estado assim não o faz, ou se o faz de forma inadequada ou tardiamente, a parte interessada sentir-se-á frustrada e impotente, o que por certo, a colocará diante da dúvida, se deve ou não agir por conta própria, caso, tão logo, ocorra situação semelhante.

Para melhor entendimento, busca-se definir o Estado como um agrupamento de pessoas com interesses comuns, politicamente reunidas, com um determinado grau de hierarquização e divisão de poderes e tarefas, que tem a finalidade de gerir, organizar e possibilitar a melhor maneira de garantir a paz e uma vida em comum aos administrados.

O Estado, em especial o Poder Judiciário, para que possa atender aos diversos tipos de demandas, nas diversas localidades do extenso território nacional, distribui competência para diversos cidadãos, já na qualidade de juízes togados [16], que irão decidir os casos levados ao Judiciário.

Não há necessidade de adentrar no meio jurídico e, nem sequer, trabalhar nesta área para saber que a sociedade não está satisfeita com a efetividade do Judiciário. A "máquina" estatal deve obedecer a certos requisitos legais para "se movimentar", o que, em muito a torna ineficiente e ineficaz. Para agravar a situação, a crise econômica que assola o país tem inviabilizado: a) a contratação de novos juízes; b) investimentos em tecnologias capazes de acompanhar o ritmo da economia; c) remuneração compatível com a importância dos cargos dos administradores; d) treinamentos adequados às funções exercidas pelos funcionários estatais.

O planeta transforma-se, num ritmo alucinado. Surge sempre algo novo, diferente. O homem unindo inteligência e criatividade, cria e desenvolve meios modernos de comunicar-se. E faz isso de maneira cada vez rápida e constante, mormente, após o aparecimento e aperfeiçoamento da informática. Os computadores estão presentes na vida das pessoas, direta ou indiretamente. O mundo tornou-se "pequeno". As empresas e as pessoas, para acompanhar a evolução, têm-se especializado a percentuais cada vez mais altos.

A profissão da Engenharia, por exemplo, que existia apenas em uma modalidade, dividiu-se em civil, mecânica e elétrica. Atualmente, para atender a demanda das organizações, que disponibilizam seus altos cargos para aqueles que estão atualizados com toda a tecnologia moderna e especificidade desenvolvida, tem-se também, as modalidades de engenharia de informática, de produção, de petróleo, entre tantas outros.

Como o efeito da globalização, as empresas praticam o comércio de forma cada vez mais rápida. A televisão, a Internet, os aparelhos de fax símile, telefonia celular, enfim, tudo torna a vida mais dinâmica e o mercado, extremamente competitivo. E verdade é que o Estado não tem conseguido acompanhar toda essa evolução.

Diante deste quadro, embora reconhecendo o esforço feito, principalmente pelos magistrados, na tentativa de abrandar o déficit temporal da entrega jurisdicional, a verdade é que eles não conseguem, e nem poderiam conseguir, cumprir essa tarefa.

A Carta Magna Brasileira, garante o livre acesso à justiça. A cada dia, há uma enxurrada de novos processos, enquanto que poucos são definitivamente pacificados. Não há dívida que o rito procedimental prejudique a entrega da prestação jurisdicional, entretanto, a estagnação econômica que encontra-se o país, contribui, direta ou indiretamente para a morosidade da justiça.

Em 1999, com o advento da Lei 9.099/95, foram criados os Juizados Especiais [17], enfatizando o princípio da celeridade processual e da informalidade. Percebe-se, na prática, que a lei apenas possibilita o amparo à tutela estatal, para causas de pequenos valores, no caso, até quarenta salários-mínimos.

Se o objetivo da medida, seria amenizar sobrecarga de processos no judiciário, pode-se afirmar, que seu efeito limitou-se a possibilitar o acesso à justiça, daqueles que, já não mais, confiavam na da obtenção dos seus direitos, em tempo razoável.

Outro grande problema gerado pela economia moderna, é em relação ao aspecto material que se leva ao judiciário.

A título de exemplo, apresenta-se um fato corriqueiro, entre uma companhia administradora de um terminal portuário e uma empresa de navios de transporte marítimo, uma lide que versa sobre um abalroamento da embarcação no cais. Diante deste fato, um juiz togado dificilmente (quase impossível) terá um conhecimento de termos técnicos que envolvam o caso.

Ora, já é difícil exigir que o magistrado conheça o vasto ordenamento jurídico que regra a conduta sobre os mais diversos assuntos, tais como cíveis, penais, tributários, sucessórios, trabalhistas, tributários, entre outros. Isso, sem levar em consideração as leis especiais, que tratam geralmente de assuntos específicos e que se encontram esparsas no ordenamento jurídico brasileiro.

Exigir, ainda, o domínio dos termos específicos de cada assunto envolvidos na dinâmica de embarque e desembarque de cargas, do funcionamento dos guinchos, cordas, nós e outros, que se não é indispensável para a solução da lide, decerto ocasionaria uma facilidade enorme para a tomada de decisão, é ultrapassar os limites da coerência. O juiz togado, em casos semelhantes, vê-se obrigado a recorrer a peritos,para que estes, então, possam esclarecer acerca dos assuntos suscitados.

Seria mais conveniente para a companhia administradora e a empresa de navegação, que o julgador da lide tivesse, além do domínio jurídico, conhecimento técnico sobre o assunto, podendo, assim, decidir com maior segurança sobre os fatos, e garantido uma possibilidade de decisão mais acertada.

E daí, ressurge a arbitragem. Justamente desta necessidade de esquivar-se da demora, da lentidão e atecnismo dos tribunais.

A arbitragem tem-se mostrado como o instrumento alternativo de pacificação de conflitos de maior eficácia, aceitação e tradição. Meio fundamental, por excelência, de resolução de conflitos internacionais, voltada para a solução de causas de grande complexidade, por permitir que as questões técnicas sejam julgadas por peritos competentes, ao invés de magistrados, na maior parte das vezes, não preparados para tais lides.

A arbitragem tem como virtudes: a) celeridade e informalidade. É, essencialmente mais rápida se comparada à justiça estatal, caracterizada pela morosidade e formalidade e, decorrente dessa rapidez, há um menor custo para alcançar-se o fim pretendido; b) neutralidade do juízo como garantia de tratamento equânime entre as partes, principalmente, em relação a nacionalidade dos litigantes, afastando a incerteza quanto à isenção dos tribunais locais; c) confidencialidade, fator importante nas relações de troca de tecnologia, dentre outras, resguardando segredos comerciais e industriais. O conteúdo da arbitragem fica adstrito às partes e aos árbitros, obrigados ao sigilo profissional; d) especialização ante a possibilidade de se escolher juízes que possuam conhecimentos técnicos, jurídicos e outros, à altura da complexidade e especificidade da questão e a essência do litígio abordado, possibilitando uma decisão de melhor nível qualitativo; e) confiabilidade, por serem os árbitros escolhidos pelas partes, com base na confiança que neles depositam; e f) possibilidade de decisão por eqüidade, se autorizados pelas partes, não ficam circunscritos à aplicação do direito positivo, podendo decidir por eqüidade, além da possibilidade de escolha da lei aplicável (Muniz, 1999:14).

Ad ultimum, o Estado diante de sua impotência, do seu fracasso, e ainda, de sua falência administrativa e financeira, volta então a permitir, com a Lei 9.307/96, na prática [18], que os particulares escolham os julgadores de suas lides, utilizando este instituto, uma vez, resguardadas, determinadas matérias.

4.2 A TEORIA DA VONTADE DAS PARTES

O Estado existe para observar e delimitar as ações de cada administrado. Se o que ele visa é a harmonia e a paz social, deve continuar tutelando as matérias que são consideradas "matérias de ordem pública", ou seja, quando o interesse da coletividade mostra-se maior que a do indivíduo (ou de um determinado grupo social). Para tanto, limita o direito de aplicação da Lei 9.307/96, como forma alternativa de composição da lide. Com efeito, há determinados casos, que, mesmo que as partes envolvidas manifestem interesse em utilizar a arbitragem, não encontra amparo legal para utilizar este procedimento, o que acarretará, provavelmente, a nulidade dos atos praticados. E nem poderia deixar de ser diferente!

Esta limitação foi feita residualmente pela Lei. Dois foram os critérios tidos como pressupostos à instauração da arbitragem: o critério subjetivo e o critério material.

O primeiro critério faz referência às partes envolvidas no litígio. Estabelece que para que seja efetivado um acordo válido, as partes devem, obrigatoriamente, ser capazes. Esta capacidade diz respeito à capacidade civil tratada na Carta Civil Brasileira. Em relação ao árbitro, também pesam algumas considerações, pois a lei trata de regular quais os casos em que há incompatibilidade para o exercício desta atividade.

O segundo critério é o material. Como o próprio nome diz, refere-se à matéria que pretende-se buscar uma solução. O objeto do contrato. Com efeito, o litígio deverá versar sobre questões que envolvam, apenas, direitos patrimoniais disponíveis.

Há matérias que continuarão tuteladas, apenas pelo Estado, pois entende-se que há um interesse, ainda maior, da própria sociedade em "protegê-las". Exemplificam-se os direitos personalíssimos, direitos que versam sobre assuntos ligados à família, sobre os menores, às matérias penais e tantos outros. Continuam, e assim devem permanecer, sobre proteção chancela Estatal.

Se por um lado, o legislador preferiu delimitar o campo de abrangência da nova lei, deixando claro, que as matérias que não tratassem de questões patrimoniais disponíveis, não poderiam ser reguladas por este regramento, por outro, optou por, uma vez preenchido esse pressuposto, liberar, inteligentemente, as partes, para que, ao escolherem aquele que decidiria a pendência, também o fizessem com relação a quando e como seria. Possibilitou, também, ao contratante, estipular prazos para que fosse dado provimento final ao conflito. Hipótese que na justiça oficial, estatal, seria utópica.

Porém, a Lei de Arbitragem foi mais além. Optou o legislador por permitir que as partes estabelecessem os parâmetros, dentre os quais, a decisão seja tomada. Possibilitou que a decisão fosse tomada de acordo com a eqüidade, princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio, ou qualquer outra fonte, desde que respeite os princípios "do bom direito".

O princípio da autonomia de vontade, na Lei de Arbitragem, foi elevado ao grau máximo e de forma expressa, a evitar dúvidas na aplicação da lei. Talvez no instituto da arbitragem esse princípio encontre seu maior alicerce.

O próprio termo, arbitragem, traz a idéia de livre arbítrio. Isto porque, há muito os Romanos valorizavam a idéia de que a melhor segurança de um negócio é quando ambas as partes assim o querem. Consideravam que havendo transparência e lealdade no pacto firmado, amigável será o relacionamento entre os pactuantes — "pacta clara, boni amici" —, e com muita razão!

Autonomia significa capacidade de reger-se por si só, capacidade de agir espontaneamente.

Para que uma cláusula contratual tenha validade e eficácia em sua plenitude, deve haver a união de vontade dos contratantes. Acima de tudo, a vontade de ambos deve convergir para o mesmo ponto, para o mesmo objetivo. Ora, se Jus est ars boni et aequi, como poderia ser justa uma cláusula que não se deseja? E como poderia ser justa se alguém foi coagido a firmar?

A falta desta harmonia ou congruência de interesses acaba por abolir qualquer possibilidade de validade de uma decisão, já que para produzir os efeitos, a manifestação da vontade deve ser autônoma, livre, espontânea. Não deve, portanto, ser exercida diante ou em razão de uma coação irresistível, caso em que estaria comprometida a validade do ato.

Em breves palavras, este ato contrário ao direito faz desta cláusula, letra morta no contrato. Pois aí estão fincados os alicerces de um dos princípios fundamentais do direito obrigacional.

4.3 CONVENÇÃO ARBITRAL

A nova legislação sobre arbitragem preferiu seguir o padrão adotado pela França, ainda no início da década de 1980, quando tratou no mesmo capítulo cláusula compromissória e do compromisso arbitral, denominando-as convenção de arbitragem (Carmona, 1998:28).

Com o advento da Lei 9.307/96, basta a cláusula ou o compromisso para que o artigo 301, IX, do Código Processual Civil produza seus efeitos. Diferentemente do modo que era interpretado o ordenamento que tratava a matéria antes da sua promulgação.

Vale ressaltar, ainda, que embora o legislador tenha optado por manter ambas as terminologias (cláusula compromissória e compromisso arbitral), alterou completamente seus conceitos: possibilitou a instauração da arbitragem com base apenas na cláusula compromissória, tornando o compromisso arbitral, mera formalidade (Carmona, 1998: 29).

4.4 CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

A cláusula compromissória é o pacto através do qual os contratantes avençam, por escrito, submeter à arbitragem a solução de eventual litígio que possa decorrer de um determinado contrato.

A cláusula compromissória deixou de ser apenas uma mera explicitação de possibilidade de vontade, um mero pré-contrato de compromisso: tornou-se um ato, que passa a produzir efeitos de fato, e que por si só, afasta a possibilidade do processo ser decidido pelo ente Estatal, mesmo quando uma das partes resolver não mais se submeter ao instituto da arbitragem.

Para tanto, o legislador dedicou atenção especial ao assunto.

A lei de Arbitragem estabelece que a cláusula pode estar ou não inserida no corpo de um contrato. Caso não esteja, será aceita a convenção realizada a posteriori através dos inúmeros meios de comunicação disponíveis atualmente, tais como, cartas, telegramas, telex ou mesmo fac-símiles. Deverão, contudo, mencionar sobre qual negócio jurídico esta se refere, e que há uma vontade recíproca em estabelecer a arbitragem como modo de pacificação do litígio.

Para que tivesse o efeito desejado, a lei estabeleceu ao juiz amplos poderes, caso a cláusula compromissória fosse "vazia" — limitada a estabelecer que qualquer desavença sobre um contrato ou negócio seria solucionada pela arbitragem. O artigo sétimo da Lei 9.307/96, trata exatamente destes poderes e critérios que deverão ser observados pelo magistrado estatal.

Ainda sobre o mesmo assunto, cláusulas compromissórias vazias, vale destacar que estas devam ser evitadas sempre que possível; devem as partes estabelecer desde logo qual o órgão arbitral institucional ou a forma desejada, evitando a invocação ao artigo 7º da nova Lei de Arbitragem.

Outro ponto que merece destaque foi à maneira com que a mídia e a imprensa, de forma geral, tratou o assunto da (in) constitucionalidade da lei da arbitragem. A bem da verdade, hora nenhuma foi questionada a conformidade do instituto da arbitragem (leia-se, a lei que a regula) com o regramento da Carta Magna Brasileira. Na verdade, o que se questionou (e já não se questiona mais, haja vista tenha sido considerada válida, constitucional) foi, exatamente o que a doutrina classifica como cláusulas compromissórias vazias.

Tanto que, se desde o início do contrato, ou mesmo depois de pactuado, a cláusula compromissória que viesse a ser constituída fosse cheia (se constasse as principais características do procedimento arbitral a ser seguido; não fosse abstrata, vazia), não haveria falar-se em inconstitucionalidade.

Não há como cair em erro dissertando sobre a força que foi destinada à cláusula compromissória, e ao próprio árbitro. Prova disto é a disposição contida na lei 9.307/96, em seu 8º artigo e seu § único, como segue (ipsis litteris):

Art. 8º. A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste, não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória.

§ único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.

Está, sem sombras de dúvida, a cláusula de compromisso elevada a um patamar de autônoma, ratificando o que foi dissertado acerca da teoria da vontade das partes.

4.5 COMPROMISSO ARBITRAL

A qualificação das partes, dos árbitros ou a especificação da entidade que os indicará, a matéria que será o objeto da arbitragem e o lugar em que será proferida a sentença são extremamente recomendados, pois a falta de algum destes elementos pode implicar sua nulidade. Daí, são considerados obrigatórios.

A obrigatoriedade de incluir-se o local onde será proferida, é tratada no artigo 10, IV, e, está intimamente ligada ao conceito de sentença arbitral estrangeira. Este assunto é tratado no artigo 34, § único, e serve para estabelecer a necessidade (ou não) do reconhecimento e execução de sentenças advindas de outros países.

Já o local aonde a arbitragem irá se desenrolar está dentre os elementos facultativos do compromisso, diferentemente da exigência de fazer constar o lugar em que será proferida a sentença arbitral. Cabe, portanto, ao árbitro escolher onde esta se processará.

Outro elemento facultativo à arbitragem é a indicação de lei ou das regras que deverão ser observadas pelo árbitro ao decidir. Entende-se que esta é uma matéria que não encontra solução prática, mesmo com o advento da Lei 9.307/96.

Segundo Carmona (1998:32), as partes podem escolher que a desavença poderá ser decidida com base na eqüidade. É claro, entretanto, que essa autorização não permite aos árbitros abandonar a observância das normas jurídicas de ordem pública.

Ora, há aí uma grande disparidade neste posicionamento, pois, se a lei não exige qualquer formação profissional (apenas capacidade civil), não há como vincular a decisão arbitral a um conhecimento tal, que o impeça decidir em desacordo com a ordem pública.

Até porque, como se sabe, este critério (matérias de ordem pública) é subjetivo, variável. Mais adequado seria esperar do árbitro, uma decisão de acordo com os princípios gerais do direito, que embora também subjetivos, seus conceitos presumem-se conhecidos por todos.

De mesma sorte, pode-se considerar a fixação do prazo de apresentação do laudo como facultativo, conforme aduz o artigo 11, III. Se nada houver sido estabelecido, este será de seis meses (artigo 23), nada impedindo, em comum acordo, haver sua prorrogação.

Por fim, outro elemento facultativo é o regramento referente ao ônus da sucumbência e a responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas com a arbitragem (antes à lei era obrigatório, artigo 1.074 do C.P.C.).

Já em relação às hipóteses de extinção do compromisso, pode se afirmar que estas se reduziram à quantidade mínima, fazendo valer o princípio da salvação da convenção arbitral (Carmona, 1998).

A recusa ou impedimento do árbitro não inutiliza o processo, pois basta invocar o artigo 7º da Lei de Arbitragem para que o juiz togado restabeleça o procedimento a ser seguido. Se a escolha do árbitro (ou árbitros) se deu em razão de escolha personalíssima dos mesmos e se previamente declarada a impossibilidade, caso não se chegue a um acordo, não haverá a possibilidade de dar prosseguimento à arbitragem.

Outra possibilidade de extinção dá-se quando se ultrapassa o prazo para a entrega da sentença. Antes, porém, a extinção dar-se-ia de forma automática, conforme estipulava o artigo 1.077, III. Atualmente, faz-se necessária a notificação do julgador para apresentação da decisão, sob pena de fazer valer a parte notificante a exceção de extinção do compromisso, sem prejuízo do direito dos contratantes à indenização por perdas e danos contra os árbitros.

4.6 O ÁRBITRO

Quase que um código de ética, as regras que tratam sobre o árbitro encontram-se no Capítulo III da Lei. Estabelecem os deveres e obrigações daqueles que irão decidir uma controvérsia, seja monocrático ou colegiado. As partes deverão escolher em quantidade ímpar, e se par, elas escolhem o que irá desempatar. Na falta do acordo, o Poder Judiciário é convocado para nomeá-lo conforme estabelece o artigo 7º, da Lei Marco Maciel (Carmona, 1998).

Para que possa elevar ao máximo as vantagens do instituto, o árbitro deverá proceder sempre com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

A lei equiparou o árbitro ao funcionário público, para os efeitos da legislação penal.

A respeito da exceção de suspeição e de impedimento, o controle não é exercido de imediato pelo Poder Judiciário. Aceita a exceção, não cabe controle algum; negada, a arbitragem, prossegue e nada caberá ao opositor, além de utilizar-se do artigo 33, da referida lei, para requerer seja decretada a nulidade da decisão.

4.7 PROCEDIMENTO ARBITRAL

Encontra-se aqui, um dos pontos cruciais deste trabalho, pois, se o que se pretende saber é, justamente, o alcance da efetividade da arbitragem, mister analisar quais são, de fato, os limites determinados pela lei.

Importante, também, analisar a parte da Lei 9.307/96, que regra o procedimento arbitral, já que lá se encontram os instrumentos, com os quais o julgador poderá, e deverá, lançar mão, para cumprir com êxito sua tarefa.

A arbitragem e procedimento arbitral são coisas diferentes. Enquanto aquela é o instituto que tem por objetivo buscar uma solução rápida e efetiva à controvérsia, o procedimento arbitral é a maneira como a arbitragem se processará; é o conjunto de regras que as partes, o árbitro, e todos em que na arbitragem estão envolvidos deverão seguir para desempenhar efetivamente seu papel.

As regras do procedimento foram expostas de forma clara e objetiva, tentando evitar fossem necessárias interpretações diversas a respeito de algum dos pontos positivados.

A interpretação de uma norma depende do que cada pessoa extrai de seu texto, havendo variações que dependem do modo de pensar, da linha de conduta, até mesmo da cultura de cada indivíduo.

Verificando o Capítulo IV (Do Procedimento Arbitral) da Lei 9.307/96, vê-se que foi fortalecido o princípio do devido processo legal, e, concomitantemente, o princípio da vontade das partes.

Se não, observe-se o que nos ensina o professor Carmona (1998:36):

Cumpre lembrar que a vontade das partes (e, subsidiariamente, dos árbitros) quanto à especificação de regras procedimentais, encontra limitação na natureza e finalidade da arbitragem e também na própria lei. Assim, não podem as partes estabelecer, por exemplo, que a sentença arbitral tenha forma diversa daquela prevista no artigo 26 ou que possa ser a decisão impugnada, além do prazo previsto no artigo 33.

Pode-se afirmar, que a arbitragem, à luz do artigo 19, é considerada instituída (e portanto, instaurado o processo arbitral), quando o árbitro (ou o último, se forem vários) aceitar a nomeação.

O Código Civil e o Código de Processo Civil de 1939 (art. 1032) referiam-se à arbitragem sem precisar o momento que esta se daria por instaurada. O Código Processual de 1973 deu tratamento técnico adequado, quando no seu artigo 1.085, hoje revogado pela Lei de Arbitragem, estabelecia que considerava-se instituído o juízo arbitral tanto que aceita a nomeação pelo árbitro, quando apenas um, ou por todos, se fossem vários (Carmona, 1998:193).

A aceitação da arbitragem trará como efeito: a) a interrupção da prescrição; b) fará litigiosa a coisa; c) induzirá a litispendência.

Segundo Figueira Júnior (1999:206),

os efeitos da litispendência na jurisdição privada não estão atreladas ao ato de comunicação e chamamento preliminar da parte adversária (ex adversa); modo diverso ao que se verifica no Código de Processo Civil Pátrio, que elegeu a citação como sendo o ato instaurador da formação da relação Jurídico-processual, segundo o que se infere do disposto em seu art. 219.

Antes mesmo de instaurada a arbitragem, deve o árbitro tentar uma composição amigável do litígio. O ajuste pode ser alcançado a qualquer instante do processo arbitral, entretanto, deve-se salientar, que cabe ao árbitro marcar, antes mesmo de instaurada a arbitragem, uma audiência de conciliação.

Destarte considere "louvável" o incentivo à conciliação, entende Carmona (Carmona, 1998:208) ser este ato, a audiência de conciliação, facultativo, não podendo sua falta ser motivo de argüição de nulidade do processo arbitral.

Tão logo seja iniciado o processo, surge o momento oportuno para argüição das exceções, conforme estabelece o artigo 20 da Lei 9.307/96. Uma vez argüida e aceita a exceção de suspeição ou impedimento, afastará o árbitro suspeito ou impedido, fazendo com que seja este substituído. Caso haja disposição anterior em contrário, estabelecendo que as partes não estarão obrigadas a aceitar a substituição do julgador, tal fato, acarretará a extinção do processo arbitral.

Por outro lado, se nada houver nesse sentido, e, as partes não chegarem a um acordo, em relação ao modo de escolha do árbitro substituto, deverá a parte interessada proceder conforme estabelece o artigo 7º, da Lei 9.307/96.

Se um dos casos de argüição de incapacidade, incompetência do árbitro ou do colégio arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, for aceito, ocorrerá extinção do juízo arbitral, sem julgamento do mérito. Neste caso, caberá, somente ao interessado, fazer o encaminhamento dos autos ao Poder Judiciário.

A Lei de Arbitragem, em seu artigo 21, permite, também, aos litigantes, a possibilidade de adotar o procedimento arbitral que melhor os atender, desde que seja respeitado o princípio do amplo contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade e o convencimento racional do árbitro.

Segundo Joel Dias Figueira Júnior (1999:208):

O tipo de procedimento a ser aplicado no processo arbitral dependerá de três circunstancias. a) as partes definem o rito procedimental na convenção de arbitragem; b) o procedimento será definido pelo órgão arbitral institucional ou entidade especializada ou pelo árbitro ou tribunal arbitral, conforme indicação das partes na convenção arbitral; c) não havendo estipulação acerca do procedimento, caberá ao árbitro ou colégio arbitral discipliná-lo.

Importante a análise do artigo 22 da referida lei. Se não, como segue, litteris, (griffos nossos):

Art. 22. Poderá o árbitro ou tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.

§ 1º. O depoimento das partes e das testemunhas será em local, dia e hora previamente comunicados, por escrito, e reduzido a termo, assinado pelo depoente (ou a seu rogo) e pelos árbitros.

§ 2º. Em caso de desatendimento, sem justa causa, da convocação para prestar depoimento pessoal, o árbitro ou o tribunal arbitral levará em consideração o comportamento da parte faltosa, ao proferir a sentença; se a ausência for de testemunha, nas mesmas circunstâncias, poderá o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral requerer à autoridade judiciária que conduza a testemunha renitente, comprovando a existência da convenção de arbitragem.

§ 3º. A revelia da parte não impedirá que seja proferida a sentença arbitral.

§ 4º. Ressalvado o disposto no § 2º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa.

§ 5º. Se, durante o procedimento arbitral, um árbitro vier a ser substituído (art. 16), fica a critério do substituto repetir as provas já produzidas.

O caput deste artigo permite ao árbitro obter as informações necessárias para formar o seu convencimento, através de colheita de "provas úteis" que julgar necessárias. Este artigo simplifica os dispositivos 125 e 130 da Carta Processual Civil Brasileira, consentindo ao árbitro, atuar ex ofício para efetuar tal tarefa. Verifica-se, também, que a lei concedeu, ao árbitro, poderes instrutórios semelhantes ao do juiz togado. A Lei de Arbitragem não dispensou, contudo, o princípio do ônus da prova (Carmona, 1998).

Entende Carmona (1998), que os poderes instrutórios do árbitro e do juiz togado foram equiparados. Assim, pode o árbitro: a) requisitar documentos públicos, como faria o juiz estatal; b) solicitar informações aos órgãos estatais; c) determinar exames e vistorias, se necessário, com o concurso do Poder Judiciário [19], d) oitiva de testemunhas não arroladas pelas partes; e) exigir que as partes apresentem documentos [20], entre tantas outras utilidades.

O depoimento das partes presta-se a dois objetivos: esclarecimento de fatos os quais o árbitro, ainda não tem total conhecimento, e, a obtenção da revelia. O primeiro objetivo presta-se, primordialmente, para capacitar o julgador a oferecer o julgamento que lhe parece mais correto, mais justo, beneficiando-se do princípio da imediação. O segundo objetivo, presta-se para obtenção de fatos do depoente, mesmo que seja, ao depoente, desfavorável (confissão provocada).

Considerada oportuna a prova, será marcada data, local e hora para o comparecimento das testemunhas, que devem ser intimadas por qualquer meio idôneo de comunicação, sendo prudente a juntada do aviso de recebimento. Se as regras seguirem as do Código de Processo Civil, deverá ser respeitado o prazo mínimo de 24 horas para a audiência. A recusa do comparecimento acarretará a necessidade de solicitação, pelo árbitro, junto o Poder Judiciário, de condução coercitiva.

4.7.1 Medidas Cautelares

Como conseqüência, decorrente do transcurso temporal necessário para obtenção de uma sentença de mérito, pode qualquer dos litigantes, sofrer algum prejuízo irreparável, ou de difícil reparação, que consista na colocação em perigo da efetiva possibilidade de atuação de sentença, sobre a questão de fundo da controvérsia. Ou até mesmo, na permanência do direito em estado de insatisfação, por todo curso do processo, à consecução de uma sentença — o dano marginal que a duração do processo causa ou pode causar. Daí a necessidade de todos sistemas jurídicos preverem mecanismos de intervenção capazes de neutralizar o prejuízo (irreparável, ou grave) resultante da duração do processo(Proto Pisani In Figueira Júnior, 1999:213).

Com efeito, sendo necessária, uma medida acautelatória, que evite dano irreparável ou inutilize uma decisão futura que porventura venha a ser proferida, deverá o árbitro solicitar ao Poder Judiciário, sejam executadas as medidas que entender adequadas.

As partes deverão, portanto, solicitar as medidas preventivas ao julgador privado, para que esse, considerando presentes, a fumaça do bom direito — fumus boni iuris —, e, o perigo da demora — periculum in mora —, procure na força imperiosa da justiça estatal, a execução das medidas que julgar propícias.

Deverá, desta forma, o árbitro, sempre observando o contraditório, deferir por conta da urgência a concessão da medida, oficiando ao juiz competente, para que dê cumprimentos às providências cautelares, pelo árbitro, deliberadas. Caso a parte, em face de quem forem decretadas as medidas, conforme-se com a decisão, não há falar em intervenção do órgão judiciário estatal. Deve-se, portanto, haver resistência, para que o árbitro efetive tais medidas.

Segundo Carmona (1998,215), o árbitro decide qual medida deverá aplicar ao caso concreto, e então, o Judiciário analisa se esta mostra-se necessária ou não. Ao judiciário resta, apenas, acatá-las ou não.

4.7.2 Antecipação de tutela

Por mais eficiente que seja o rito processual adotado para a obtenção da tutela jurisdicional (estatal ou arbitral), o dano causado pelo tempo, será, sempre, inevitável. A antecipação dos efeitos da tutela pretendida é, inegavelmente, uma ferramenta criada para amenizar os efeitos ocasionados pelo tempo, no processo.

O legislador regulamentou, no artigo 273 do Código de Processo Civil, reconhecendo, finalmente, as benesses deste mecanismo. Os limites e requisitos, da tutela antecipada, estão, de mesma forma, positivados no referido diploma.

Entretanto, sabe-se que a utilização da Carta Processual Civil Brasileira não é requisito obrigatório no procedimento arbitral. E nem poderia ser. Os objetos de um processo arbitral (aspectos materiais), via de regra envolvem leis internacionais, direitos consuetudinários (usos e costumes), assuntos técnicos, e, uma vez estivesse o contratante, restrito ao regramento nacional, impossível seria alcançar a efetividade pretendida. Tanto que o próprio legislador, permite a utilização de outros caminhos, que não, o do ordenamento positivo.

O que importa, nesses comentários, é ressaltar, que uma vez pactuado que a declaração arbitral não está restrita ao ordenamento jurídico nacional, quer seja, pelo Diploma Processual Civil Brasileiro, ou qualquer outra norma infra ou constitucional, pertencente ao ordenamento pátrio, não caberá ao árbitro, decidir amparado única e exclusivamente nessa demarcação.

Ainda que à exaustão, vale frisar, que as medidas adequadas (as que irão antecipar os efeitos da tutela, ou ainda, da sentença — arbitral — que futuramente será proferida), ao caso sub judice, deverão ser tomadas, apenas, pelo árbitro; ao juiz (estatal), cabe apenas, se for o caso, as providências para sua execução (Carmona, 1998:218).

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Sobre o autor
Carlos Guilherme de Abreu e Lima

acadêmico de Direito no Centro Universitário de Vila Velha (UVV)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Guilherme Abreu. Lei de arbitragem: quebra do monopólio jurisdicional estatal?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3442. Acesso em: 24 nov. 2024.

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