A expansão da intervenção do amicus curiae: a inovação do novo projeto de código de processo civil e o desafio de efetivação do direito à duração razoável do processo

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04/12/2014 às 15:55
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3 Amicus curiae e a preocupação com a morosidade processual    

Alguns autores sugerem que, especialmente no que diz respeito à ampliação da intervenção do amicus curiae, por vezes, poderá ensejar a utilização desse instrumento democrático, de forma indevida, visando tumulto processual para o fim de tornar o procedimento moroso. Berky Pimentel da Silva é um dos autores que compartilha desse posicionamento.

As implicações de sua possibilidade de atuar em todos os graus de jurisdição ainda vão ser objeto de críticas e elogios, sopesando-se de um lado a ampliação procedimental a garantir novos elementos cognitivos, e de outro, a possibilidade de ocorrer um tumulto processual com diversos pleitos de admissão de amicus curiae e com isso, a possibilidade de o processo ficar moroso e complexo.[23]

Da mesma forma, manifesta-se Gustavo Fontana Pedrollo e Letícia de Campos Velho Martel:

Todavia, apesar de uma série de benesses apontadas não se pode olvidar da possibilidade de o amicus demuda-se em um instrumento gerador de morosidade judicial, contrariando os postulados do devido processo legal (celeridade e economia processuais) e a exigência de uma ordem jurídica justa. Para tanto é imprescindível que o órgão judicante tenha a possibilidade de rechaçar o ingresso de amici no processo [...].[24]

É plausível a preocupação veiculada pela doutrina. Efetivamente que a participação do amicus curiae pode ensejar demora no trâmite processual, porquanto se trata de outro interveniente, ainda mais se houver uma intenção, de difícil aferição, de tumultuar o processo. Nessa perspectiva, valer-se de intervir como amicus curiae de forma indevida é o que gera temor, tendo em vista a possibilidade de violação da garantia da duração razoável do processo. Vejamos.


4 Duração razoável do processo: um direito fundamental a ser efetivado

A duração razoável do processo é alçada à categoria de direito fundamental[25] e consta insculpido no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, com o advento da Emenda Constitucional nº 45 do ano de 2004.

Eis a redação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

................................................................................................................

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Nesse particular, Eduardo von Mühlen e Gustavo Masina referem que esse princípio é “um dever de ação do Estado, no sentido de garantir efetivamente ao cidadão que seus processos tenham “razoável duração”, inclusive com a adoção de amios que assegurem a celeridade da tramitação processual”.[26]

Embora assegurada pela Lei Maior, a doutrina diverge ao apresentar um conceito sobre o assunto, tendo em vista, aliás, a intenção de efetivação desse direito fundamental. Frederico Liserre Barruffini entende o seguinte:

Nesse sentido, caberá ao intérprete a realização de duas principais tarefas. A primeira delas situa-se na fixação de diretrizes que orientem o julgador quando da definição caso a caso, do conceito de razoável duração do processo, mister que competirá especialmente aos advogados e aos Tribunais, em seu trabalho diário de construção e aperfeiçoamento do direito. A segunda reside na identificação dos instrumentos legais voltados à consagração da celeridade processual e fiscalização de sua cabal observância.[27]

Ao que se vê, é entendimento que trata a duração razoável do processo de forma aberta.

Outrossim, vale mencionar que existe debate sobre o significado da expressão “duração razoável do processo”, com o fito de estabelecer a abrangência e fronteira inseridas no conceito em análise, já que se revela subjetivo.

Para Enio Moraes da Silva, “A razoável duração do processo e a celeridade da sua tramitação dependem diretamente da complexidade da causa levada ao conhecimento e julgamento dos magistrados.”[28] Quer dizer, portanto, que se aferir o tempo razoável do processo é ideia que está inserida na peculiaridade de cada demanda.

Um alerta, todavia, merece o devido destaque. Em que pense se busque a celeridade processual, com o objetivo de atender uma duração razoável do processo, este não pode ser considerado de forma absoluta, inibindo a efetivação de uma solução mais justa. A corroborar, Haendel Martins Dias o trata sobre tempo e processo:

No plano procedimental, onde se sentem mais fortemente os efeitos do descompasso entre o tempo e a resolução do processo, é certo que há de se sobrelevar o valor efetividade, pois, não obstante as reiteradas reformas levadas a efeito com esse escopo, permanece demasiadamente prevalente no sistema a segurança jurídica. Ressalve-se, contudo, que essa tarefa deve ser realizada com acuidade pelo legislador, sob pena de se diminuírem indevidamente garantias processuais, conduzindo a uma justiça mais pronta, mas materialmente injusta. A qualidade da prestação jurisdicional reside, repisa-se mais uma vez, na realização do processo num prazo razoável que permita às partes defenderem suficientemente os seus direitos sem privação substancial das garantias.[29]

Desse modo, observa-se que a duração razoável do processo está além da intenção de que o processo judicial seja célere. Necessário, pois, considerar outros valores inerentes ao processo para que se alcance a finalidade de solução de conflito, de sorte que um conjunto de outras garantias processuais sejam asseguradas aos jurisdicionados.


5 Amicus curiae como figura de expressão do direito ao contraditório

O contraditório, na condição de garantia fundamental, está assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LV.

Consta assim disposto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

................................................................................................................

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Com efeito, a figura do amicus curiae é justamente visa contribuir para um contraditório mais efetivo no aspecto processual. Sua intervenção, sem dúvida, enseja maior reflexão e qualidade na decisão judicial a ser proferida. Além disso, é demonstração prática de participação e de colaboração no processo judicial.

Nesse sentido, Antonio do Passo Cabral defejde, a partir da ideia trazida pela função colaborativa do princípio do contraditório dentro do processo, a participação do amicus curiae, também como manifestação social.

Ora, diante desta função colaborativa do princípio do contraditório, outra não poderia ser a compreensão do amicus curiae senão aquela aqui defendida, no sentido de estender o espectro de aplicação do instituto. Com efeito, se a jurisdição se exerce em colaboração com os sujeitos do processo, nada mais acertado que admitir ampla participação da sociedade, permitindo que manifestações diversas sejam trazidas ao processo pelo amigo da Corte.[30]

Sob este ângulo, então, é evidenciado que a intervenção do amicus curiae reflete no direito fundamental ao contraditório. A corroborar, importa dizer que o exercício do contraditório repercute diretamente na decisão do juízo. Braghittoni resume essa ideia, ao asseverar que “o contraditório e o procedimento adequado são essenciais até mesmo para que o julgador, quer como meio de atingir a verdade, buscando a cognição exauriente.”[31]


6 Aplicação da proporcionalidade como método de solução

Estabelecidos os direitos fundamentais em conflito, cabe verificar-se qual prevalece sobre o outro.

Quando se encontra em situações como esta, em que se constata estar em conflito direitos fundamentais, impõe-se a aplicação da proporcionalidade que se constitui “em um postulado normativo aplicativo, decorrente do caráter principal das normas e da função distributiva do Direito, [...]. o exame da proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade.”[32]

Observa-se, de um lado, a benesse democrática de auxílio aos julgadores inserida no contexto do amicus curiae que, como já verificado, sua participação está diretamente ligada ao exercício do direito ao contraditório.

Do outro lado, encontra-se justamente a garantia à duração razoável do processo, o que se revela o principal argumento jurídico, quando se cogita a possibilidade de morosidade no trâmite processual.

Trata-se, pois, de um juízo de proporcionalidade a ser realizado entre o direito ao contraditório e o direito à duração razoável do processo.

Segundo Humberto Ávila, é inerente à proporcionalidade o exame de três aspectos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.[33]

“A adequação exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização de um fim.”[34] A necessidade impõe a análise de verificar o meio menos restritivo, ou seja, a solução menos gravosa quanto à restrição dos direitos.[35] Já a proporcionalidade em sentido estrito cinge-se à “comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais.”[36]

Com efeito, o meio do exercício do direito ao contraditório, pela participação do amicus curiae, leva ao fim de obter-se uma decisão adequada, originada a partir de um debate mais democrático e participativo, portanto sendo o meio mais adequado. Enquanto que, a contrario sensu, apenas considerar-se a duração razoável do processo, violaria a própria essência do contraditório. Diante disso, também revela-se meio necessário admitir-se ampla participação do amicus curiae, à medida que pouco restringe a duração razoável do processo, de sorte que, o contrário, fulmina o contraditório entendido à luz da colaboração no processo. A proporcionalidade em sentido estrito resta presente na comparação entre a duração razoável do processo e o contraditório. O fim de adotar-se um processo em que vige o princípio da cooperação, logo ampliando o contraditório, comparado à duração do processo, vê-se que, dada a ausência total de restrição ao tempo de processamento, a importância coloca em foco muito mais o exercício do contraditório. Vale referir que o direito é à duração do processo razoável, o que não significa um processo célere de tal forma que impossibilite o exercício de garantias asseguradas em seu trâmite.

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A partir dessa análise, conclui-se que o exercício do direito ao contraditório, embora restrinja de certa forma a duração razoável do processo, não atinge o “núcleo essencial” do direito à duração razoável do processo, se considerada a intervenção adequada, sem fim procrastinatório.


7 Amicus curiae como instrumento de busca de justiça no caso concreto

É indispensável referir que a figura do amicus curiae tem função de auxiliar à efetivação da justiça no caso concreto. Ao tratar sobre a duração razoável do processo, André Luiz Nicolitt aduz que, por muitas vezes, o tempo no processo, objetivando maior celeridade ganha contorno de pouca reflexão sobre o caso e a matéria posta em lide. Para ele, “a prestação jurisdicional apressada pode significar verdadeira injustiça, pois a jurisdição exige reflexão.”[37]

 Ainda, pondera que para se alcançar uma decisão justa, “não pode ter o açodamento e irreflexão incompatíveis com a atividade jurisdicional, tampouco pode ter a morosidade destrutiva da efetividade da jurisdição [...] há que se encontrar a justa medida, [...] em fazer justiça.”[38]

Revela-se, também, imprescindível um controle adequado no tocante à admissibilidade da participação. Para Carlos Gustavo Rodrigues Del Prá, “em sendo o amicus curiae um instrumento de aperfeiçoamento da tutela jurisdicional, figura o juiz em uma posição de extrema importância no controle da legalidade e da justiça da intervenção.”[39]

Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz, ao tratar sobre a duração razoável do processo, colocam que “Deve o operador, em especial o magistrado, verificar a pertinência de cada medida sugerida pelas partes e, cumprindo com seu ofício constitucional, indeferir motivadamente aquelas que se mostrarem protelatórias.”[40]


8 Considerações finais

Não se desconhece, como fator negativo, a preocupação com eventual dispersão da finalidade da participação do amicus curiae para ensejar a morosidade do processo.

O desafio, todavia, é justamente verificar-se, a partir dessas modificações na visão do tratamento do amicus curiae, de que forma será aplicado aos casos concretos. Por consequência, também merece observância sobre a forma como o Poder Judiciário, por meio dos julgados, expressará seu posicionamento acerca da interpretação dos dispositivos que passaram a regular essa nova modalidade de intervenção, no sentido de que, até então, não havia expressa menção ao amicus curiae em si, como passará ocorrer, diante da denominação da seção.

No caso, a finalidade concreta é a efetivação processo. E, aqui, cabe salientar a visão do amicus curiae a ser considerado como instrumento de efetividade virtuosa, no âmbito processual. Carlos Alberto Alvaro de Olivera define que a efetividade virtuosa é aquela que não afasta outros valores importantes do processo, a começar pelo da justiça.[41]

Por conseguinte, o mesmo autor traz a ideia do valor de justiça nesse contexto, que consiste na observância dos princípios e do exercício da função jurisdicional. Veja-se:

Justiça no processo significa exercício da função jurisdicional de conformidade com os valores e princípios normativos conformadores do processo justo em determinada sociedade (imparcialidade e independência do órgão judicial, contraditório, ampla defesa, igualdade formal e material das partes, juiz natural, motivação, publicidade das audiências, término do processo em prazo razoável, direito à prova).[42]

É, pois, sob essa óptica que deve atuar o amicus curiae, não de forma a causar morosidade e tumulto processual.

Em verdade, trata-se de questão que somente será sentida a partir da aplicação dessas normas nos casos concretos. A partir de então, será possível, por meio das decisões do Poder Judiciário, analisar de que forma ocorrerá essa intervenção e com que meios e fundamentos poderá realizar-se um filtro, a fim de evitar que essa ferramenta democrática seja instrumento utilizado para procrastinar a tramitação processual.

Sobre o autor
Ana Gabriela Medeiros

Advogada, Graduada em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul em convênio com a Universidade de Caxias do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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