Do atual posicionamento vigente em nosso ordenamento jurídico acerca do instituto da desaposentação

05/12/2014 às 10:08
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O presente artigo almeja analisar a posição que vem sendo firmada em nossos tribunais, dentre eles o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal a respeito do instituto da desaposentação.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, temos que, conforme ensinamentos do ilustre estudioso do tema, professor João Ernesto Aragonés Vianna, em seu trabalho intitulado “Curso de Direito Previdenciário” (p. 578), “Por meio da desaposentação, o ato de concessão do benefício de aposentadoria é desfeito com a finalidade de aproveitamento do respectivo tempo de contribuição no mesmo ou em outro regime previdenciário”.
Ainda, o mesmo doutrinador, citando Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo, ensina-nos que com o instituto da desaposentação “a possibilidade de o segurado do Regime Geral da Previdência Social – RGPS -, uma vez aposentado, renunciar à sua aposentadoria e contar o respectivo tempo de contribuição para outra aposentadoria mais vantajosa, no mesmo ou em outro regime”.
Assim, desaposentar é desfazer o ato de aposentadoria que foi anteriormente concedido ao segurado, a fim de que este possa obter outro benefício de forma mais vantajosa, dentro do próprio ou outro regime, visando a aumentar o valor do benefício recebido.
Deste modo, analisaremos como vem se comportando nossas Cortes diante dos inúmeros pedidos de revisão (cancelamento) do benefício anterior, bem como verificaremos a posição da jurisprudência e doutrina acerca da devolução dos valores recebidos.

DA ANÁLISE DO INSTITUTO

Conforme ensinamentos de Carlos Alberto de Castro e João Batista Lazzari, em seu livro Manual de Direito Previdenciário (p. 671), a Constituição não veda a desaposentação; pelo contrário, garante a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana (art. 201, § 9º).
A Lei de Benefícios da Previdência Social, Lei nº 8.213/91, não prevê o instituto da desaposentação, vedando a contagem concomitante do tempo de contribuição e a utilização de tempo já aproveitado, para o recebimento de outro benefício, com o desfazimento do primeiro.
A Autarquia Previdenciária, INSS, tem defendido o entendimento de que a aposentadoria é um benefício irrenunciável, só se extinguindo com a morte do beneficiário, por considerar o ato de se aposentar um ato perfeito, acabado e irreversível.
Ademais, subsidiariamente, a Autarquia defende o entendimento de que, havendo desaposentação, urge a necessidade de devolver todos os valores recebidos em decorrência do benefício anterior.
Segundo entendimento da Autarquia Previdenciária, permitir a desaposentação para nova aposentadoria, perante o mesmo regime do RGPS, somente seria possível se reputado inconstitucional o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91.
O referido dispositivo preceitua que:
Art. 18.
(...)
 § 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Ou seja, segundo posicionamento defendido pelo INSS, a lei expressamente proíbe a utilização das novas contribuições do aposentado para outro benefício de aposentadoria.
Em consequência, afastar a norma sem declará-la formalmente inconstitucional, seria violar o disposto no art. 97 da Carta Magna (Súmula Vinculante nº 10/STF).
Ademais, segundo o entendimento defendido, a concessão de aposentadoria constitui ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF). As contribuições posteriores, face ao retorno voluntário ao trabalho pelo aposentado, são vertidas sob a égide do Princípio da Solidariedade que rege o Sistema Previdenciário (art. 195, CF). Trata-se de uma obrigação tributária.
Logo, admitir a desaposentação para nova aposentadoria no próprio RGPS atenta também contra os princípios informadores do sistema de previdência, estabelecidos nos arts. 195, caput e § 5º, e 201 da CF.
Outra vértice defendida por aqueles contrários à desaposentação seria a consequência de se acarretar um maior desequilíbrio financeiro-atuarial da Previdência Social, o que resultaria em grave prejudicial à concessão de novos benefícios a quem se encontra jubilado ou a revisão de aposentadorias, com a inclusão de contribuições vertidas ao sistema após a aposentação, eis que não previstas pelo legislador, daí, igualmente, a necessidade de manifestação expressa acerca do artigo 195, parágrafo 5º (fonte de custeio), da CF/88.
Para o INSS, o contribuinte em gozo de aposentadoria pertence a um grupo que contribui para o custeio do sistema, não para a obtenção de aposentadoria

Neste sentido as lições de Sérgio Pinto Martins:

“Há solidariedade entre as pessoas na cotização do sistema para a concessão do futuro benefício. Existe um contrato entre gerações. A massa de recursos arrecadada de todos é que paga os benefícios dos trabalhadores. O aposentado que volta a exercer atividade remunerada tem relação de contribuinte, embora já esteja protegido pelo sistema, tanto que recebe benefício. É a mesma relação que ocorre com o empregador, que não se beneficia do sistema. O fundamento é a solidariedade do sistema, no sentido de que todos devem contribuir para sustentar as prestações do sistema”. 

Assim, a admissão da desaposentação no sistema previdenciário brasileiro, a par da flagrante mácula ao equilíbrio financeiro e atuarial, criaria uma situação de instabilidade na relação jurídica de prestação previdenciária, ao retirar-lhe o caráter da definitividade, haja vista a possibilidade de o beneficiário requerer a desaposentação infinitamente, toda vez que contribuísse após a jubilação. E mais. Ainda que não contribua, poderia requerer a desaposentação exclusivamente para burlar a regra do fator previdenciário.
O e. STJ, após muito oscilar em sua jurisprudência, pautou como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, o recurso especial nº 1.334.488/SC, o qual foi julgado pela Primeira Seção daquela Corte, cujo relator para o acórdão foi o Ministro Herman Benjamim, onde a Seção, por unanimidade, veio a sedimentar o entendimento do STJ sobre a questão da desaposentação, cuja ementa do acórdão foi proferida nos seguintes termos:

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.334.488 -SC (2012/0146387-1)
RELATOR : MINSTRO HERMAN BENJAMIN
[...]
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETIVA.RT. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/208. RECURSO REPRESENTAIVO DE CONTROVÉRSIA. DESAPOSENTAÇÃO E REAPOSENTAÇÃO. RENÚNCIA A APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESIDADE.
1. Trata-se de Recursos Especiais com intuito, por parte do INSS, de declarar impossibilidade de renúncia aposentadoria e, por parte do segurado, de dispensa de devolução de valores recebidos de aposentadoria que pretende abdicar.
2. A pretensão do segurado consiste em renunciar à aposentadoria concedida pra computar período contributivo utilizado, conjuntamente com os salários de contribuição da atividade em que permaneceu trabalhando, para a concessão de posterior e nova aposentação.
3. Os benefícios previdenciários são direitos patrimoniais disponíveis, portanto, suscetíveis de desistência pelos seus titulares, prescindindo-se da devolução dos valores recebidos da aposentadoria que o segurado deseja preterir para a concessão de novo e posterior jubilamento.
Precedentes do STJ.
[...]
6. Recurso Especial do INSS não provido, e Recurso Especial do segurado provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/208 do STJ.
Outro precedente:

AgRg na Pet 8368 / SC
AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO
2011/0039883-1
Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148)
Órgão Julgador - S3 - TERCEIRA SEÇÃO
Publicação: DJe 20/11/2014
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SOBRESTAMENTO DO FEITO ATÉ O JULGAMENTO DOS RES N. 381.367/RS E 661.256/SC PELO STF. PRESCINDIBILIDADE. RESERVA DE PLENÁRIO. INAPLICABILIDADE. RENÚNCIA À APOSENTADORIA. CONCESSÃO DE NOVO E POSTERIOR JUBILAMENTO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DE VALORES. DESNECESSIDADE.
[...]
3. É possível [...] ao segurado pleitear a desaposentação para posterior reaposentação, computando-se os salários de contribuição posteriores à renúncia, sem necessidade de devolução dos valores recebidos da aposentadoria preterida (REsp n. 1.334.488/SC, Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 14/5/2013).
4. Agravo regimental improvido.

Deste modo, resta pacificado o entendimento no e. STJ, o qual consolidou o entendimento de que o segurado tem o direito de desfazimento do benefício anterior, a fim de conseguir benefício mais vantajoso, sem a obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos em decorrência do benefício cancelado.
No Supremo Tribunal Federal, a matéria está sendo apreciada pelo Plenário do STF no RE 381.367, eis que o Ministro Marco Aurélio, Relator, afetou o julgamento ao Plenário. É analisado se o § 2º do artigo 18 da Lei 8.213/91 ofende ou não a Constituição Federal.
Ademais, em 18/11/2011, foi reconhecida a existência de repercussão geral da matéria, pelo Plenário Virtual do STF, no RE 661.256/SC de relatoria do Ministro Ayres Britto.
Quanto ao RE 381.367, o julgamento ainda está em andamento, sendo que em 29.10.2104, após o voto-vista do Ministro Dias Toffoli, negando provimento ao recurso da parte contrária ao INSS, no que foi acompanhado pelo Ministro Teori Zavascki, pediu vista dos autos a Ministra Rosa Weber. Ou seja, a questão ainda está indefinida na Corte Suprema, tendo em vista que o outro recurso pautado como de repercussão geral, RE nº 661.256/SC, também está pendente de julgamento.

CONCLUSÃO

Assim, podemos concluir que a desaposentação é um instituto por meio do qual o segurado almeja aumentar a renda mensal inicial de seu benefício, utilizando novos salários de contribuição após o primeiro jubilamento.
Como vimos, a desaposentação carece de previsão legal expressa, sendo refutada pelo INSS sob a alegação de que a aposentadoria constitui-se em um ato jurídico perfeito, acabado e irrenunciável.
Numa outra vertente, a Autarquia Previdenciária entende que, caso concedida a desaposentação, faz-se necessário a devolução dos valores eventualmente recebidos em decorrência do benefício anterior.
Conforme demonstrado, a matéria foi pacificada no STJ, com o julgamento do REsp. 1.334.488/SC, cujo Tribunal entendeu favoravelmente ao segurado, concedendo-lhe o direito a desaposentar sem devolver os valores recebidos.
No Supremo Tribunal Federal a matéria ainda está pendente de julgamento.

BIBLIOGRAFIA

- AMADO, Frederico. Curso de direito previdenciário, 5ª Edição. Salvador: Ed. Juspodivm, 2014;
- CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. Manual de direito Previdenciário/ Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 16. Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2014;
- VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito Previdenciário – 6. Ed., São Paulo: Atlas, 2013;
- Constituição Federal de 1988, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm, consulta em 26 de novembro de 2014.
- Lei nº 8.213/91, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm, consulta em 26 de novembro de 2014.

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