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O desafio das ações afirmativas no direito brasileiro

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01/11/2002 às 00:00
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Conclusão

O princípio da igualdade foi acolhido pela Constituição de 1988 em sua máxima extensão na história constitucional pátria. São diversos os dispositivos que possibilitam ao intérprete encontrar no texto, ponto de partida da interpretação, o substrato da isonomia em sentido formal e material.

Como se buscou demonstrar, a Carta Política não se contenta com a posição de neutralidade característica do Estado Liberal; cria, ao contrário, em diversos dispositivos, a obrigação de o legislador ordinário agir diretamente com o escopo de realizar a igualdade material, sem se limitar a vedar a discriminação arbitrária.

Por isso, o compromisso assumido pelo constituinte é radical o suficiente para que seja inevitável a assunção de riscos, pois, para implementar a igualdade de oporutnidades, concebem-se, na Carta, instrumentais capazes até mesmo de restringir o alcance da própria isonomia em sentido formal.

Nesse paradoxo da igualdade em favor e contra a igualdade é que se fundam todos os argumentos favoráveis e todas as mais graves críticas que se fazem à ação afirmativa. De fato, toda a sustentação teórica da possibilidade de compatibilização de políticas afirmativas passará, necessariamente, pela identificação de uma discriminação pretérita que projete efeitos presentes e pela elaboração de instrumentos (normativos e de políticas executivas públicas) capazes de reverter uma situação de fato avessa ao direito com integridade de princípio.

Nesse particular, para exercitar-se um controle de constitucionalidade adequado sobre as medidas de ação afirmativa, os órgãos jurisdicionais precisam rasgar o seu véu de inocência, e enxergarem-se como atores fundamentais na realização dos objetivos contitucionais, ainda que para tanto seja necessário reformular a concepção de Separação de Poderes, dos limites do controle jurisdicional de constitucionalidade e até mesmo do limite de tolerância das omissões do legislador.

No presente contexto fático, é razoável supor que as medidas já adotadas pelo legislador no que tange às ações afirmativas de gênero e raça são necessárias para a tão propalada igualdade material. Para a sua eficácia restauradora, no entanto, dependerão mais do que da sua mera adequação: dependerão de uma redefinição do conceito de igualdade e, por que não dizer, do conceitode tolerância, em especial dos membros majoritários a quem as medidas possam soar como limitadoras do princípio da igualdade formal.


Notas

  1. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 399.

  2. Ibidem, p. 400.

  3. É claro que tal incorporação evolutiva se dá como produto de um embate dialético, do que é exemplo claro o denominado argumento da discriminação das pessoas inocentes nos programas de ação afrimativa, enfrentado mais adiante com referências à obra de Ronald Fiscus.

  4. ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 34

  5. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11ª Edição. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 85

  6. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p. 33.

  7. Ob. Cit., p. 62

  8. Ob. Cit., p. 385

  9. FARIA, Helena Omena Lopes de et MELO, Mônica de. Convenção sobre Todas as Formas de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e Convenção Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. In: Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade, 1998, p. 371-404.

  10. GOMES, Joaquim Barbosa. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. Rio de Janeiro e São Paulo: 1ª Edição, 2001, p. 20. "É a forma mais trivial de discriminação. A pessoa vítima da discriminação é tratada de maneira desigual, menos favorável, seja na relação de emprego ou em qualquer outro tipo de atividade, única e exclusivamente em razão de sua raça, cor, sexo origem ou qualquer outro fator que a diferencie da maioria dominante.

  11. Advirta-se que dominante nem sempre é maioria destacada pelos números absolutos dos censos demográficos absolutos, mas pela maioria das posições de decisão ocupadas.

  12. Ibidem, p. 21.

  13. Ibidem., p. 22.

  14. Ibidem, p. 23

  15. Ibidem, p. 22.

  16. Ibidem, p. 22.

  17. Ibidem, p. 24

  18. Ibidem, p. 26

  19. Ibidem., p. 27

  20. Ibidem, p. 28

  21. Ibidem, p. 29

  22. Ibidem, p. 6.

  23. ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. "Ação Afirmativa – O Conteúdo Democrático do Princípio da Igualdade Jurídica". Revista Trimestral de Direito Público. N.º 15, 1996, p. 92.

  24. "A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiências físicas e definirá os critérios de sua admissão".

  25. DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Trad. Jeferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 492. No fim da obra, formula o filósofo do direito o seu conceito de direito. " É uma atitude interpretativa e auto-reflexiva, dirigida à política no sentido mais amplo. É uma atitude contestadora que torna todo cidadão responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios, e o que tais compromissos exigem em cada nova circunstância."

  26. FISCUS, Ronald. The Constitutional Logic of Affirmative Action. Londres e Durban: Duke University Press, 1992, p. 37.

  27. Ob. cit., p. 2. Trad. Livre "Anteriormente, fora incerto se uma proporção geral racial poderia ser usada como parâmetro ou justificação para quotas de ação afirmativa em casos particulares. O caso Richmond assinalou, de forma mais hialina que qualquer outro precedente, a antipatia da corte para com a proporcionalidade racial geral, seja como parâmetro ou como justificação."

  28. Para uma compreensão adequada do sentido de proporcionalidade, confira-se BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999, p. 209 e ss.

  29. Ob. Cit., p. 6. Tradução livre: "A mais marcante característica dessa jurisprudência sobre ação afirmativa é que somente alguns sacrifícios e ônus podem ser impostos constitucionalmente a essas pessoas inocentes. Para os juízes da Suprema Corte, a ação afirmativa era aceitável na contratação de pessoal, mas não na demissão."

  30. DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martis Fontes, 2000, p. 439

  31. Para uma crítica feroz da posição esposada pelo Supremo Tribunal Federal no RE n.º 80.004 e reiterada para entender que os tratados são hierarquaicamente equivalentes às leie ordinárias, recomenda-se a leitura do livreto da autoria de TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Brasil., p. 183 e ss, em entrevista concedida à Associação dos Juízes para a Democracia.

  32. Observe-se que, muito embora o art. 5º, § 2º, da CF seja explícito ao atribuir hierarquia constitucional aos tratados que instituírem direitos humanos, a posição oficial do Supremo Tribunal Federal ainda é no sentido da incoporação de tais tratados como legislação ordinária, revogável, inclusive, por meio de normas de direito interno. A discussão ganha especial relevância no tema das ações afirmativas porque tanto a Convenção Contra Todas as Formas de Discriminação da Mulher como a Convenção Contra Todas as Formas de Discriminação Racial, ambas ratificadas pelo Brasil, são explícitas ao taxarem de não-discriminatórias as medidas de diferenciação positiva. Tal norma, se entendida como de hierarquia constitucional, possibilitaria uma conformação ainda mais explícita do princípio da isonomia em prol da implementação de medidas de justiça distributiva corretoras de desigualdades.

  33. MELO, Mônica de. "O Princípio da Igualdade à Luz das Ações Afirmativas": O Enfoque da Discriminação Positiva. Revista dos Tribunais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. Ano 6, n.º 25, out.-dez. 1998, p. 96.

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  34. Ibidem, p. 98.

  35. VERUCCI, Florisa. O Direito da Mulher em Mutação, p. 66.

  36. LOBO, Flavio. "Mais desigualdade". Revista Carta Capital, p. 24, fev. 2002.

  37. Idem, Ibidem, p. 25 "Hoje, das crianças de 0 a 6 anos, 51% são pobres – porcentual bem maior que o total de 34% de pobres no País. Situação extremamente grave, por revelar uma perspectiva de aumento porcentual da população de baixa renda. Mas que adquire uma perversidade adicional sob o viés racial, uma vez que, entre os brancos, o precentual de crianças pobres nessa faixa etária é de 38%, enquanto, entre os negros, chega a 66%. Indicação clara de uma tendência de alargamento do fosso racial no Brasil."

  38. Ibidem, p.25

  39. Jornal do Brasil, 07 de dezembro de 2001, Editorial, p. 3.

  40. SIFUENTES, Mônica. Afro-Descendentes nas Universidades. Direito & Justiça. Correio Braziliense, p. 5.

  41. COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira et GONET, Paulo. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p.49.

  42. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, p. 465, 1998.

  43. Idem, Ibidem, p.25.

  44. A iniciativa partiu dos professores José Jorge de Carvalho e da professora Rita Laura Seregato, ambos do departamento de antropologia da UnB.

  45. CARVALHO, José Jorge de. Proposta para Implementação de Um Sistema de Quotas para Negros na Universidade de Brasília, 2002, p. 10.


Referências Bibliográficas

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Sobre o autor
Alexandre Vitorino Silva

advogado em Brasília (DF), mestrando em Direito e Estado na UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Alexandre Vitorino. O desafio das ações afirmativas no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3479. Acesso em: 23 dez. 2024.

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