Como é do conhecimento geral, a Lei 10.409/02 reformulou inteiramente o procedimento penal para os crimes definidos na Lei 6.368/76.
Em vista das inúmeras imperfeições técnicas que o texto legal apresenta, penso que talvez houvesse sido melhor que os dispositivos na nova lei que tratam do processo penal houvessem sido vetados, assim como foi grande parte do projeto submetido à apreciação do presidente da República. Mas como isto não ocorreu e a nova Lei encontra-se vigente, é preciso enfrentar as dificuldades que certamente advirão de sua aplicação, dentre as quais reputo importante a questão da contagem do prazo para o término da instrução criminal.
Há muito que doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento de que é direito subjetivo do acusado que tem sua liberdade restringida cautelarmente uma solução rápida do processo. Um amplo respeito aos postulados do devido processo legal e do estado de inocência impõe o reconhecimento de que se deve impor limites à manutenção de custódias preventivas que se estendem por tempo demasiado, sob pena de configurar-se constrangimento intolerável no encarceramento do acusado.
É possível mesmo considerarmos que tal direito constitui-se em garantia fundamental em nosso ordenamento, tendo em vista que os dispositivos que versam sobre direitos fundamentais constantes de tratados internacionais de que o Brasil faça parte ganham status constitucional, por força do § 2º. do art. 5º. da CF. Dessa forma, esse direito do acusado à fixação de limites para sua custódia cautelar durante o processo penal assume supremacia constitucional em virtude do Pacto de San José da Costa Rica, que dispõe ser direito do acusado ser julgado em prazo razoável ou ser posto em liberdade (art. 7º).
Constata-se, portanto, a relevância que há em determinar, em face da nova lei, qual o prazo a partir do qual pode-se considerar como possível a ocorrência do constrangimento ilegal na custódia cautelar do acusado nos crimes de tóxico.
A soma dos prazos previstos no procedimento para cada ato processual tem sido o parâmetro utilizado pela jurisprudência para a aferição do tempo necessário para a produção da sentença penal nos casos de processos com réu preso, apesar do resultado desta operação não ser considerado com rigor estritamente matemático, porquanto seja necessário averiguar em cada caso quem deu causa à demora e se esta foi deliberadamente provocada para argüição do atraso como motivo para a soltura ou se há motivos que a justifiquem.
É certo que a determinação desse prazo será objeto de elaboração jurisprudencial, porém, objetivando oferecer algum subsídio para os casos que dentro em breve decerto necessitarão de solução, apresento um estudo comparativo entre as somas dos prazos do antigo e do novo procedimento.
A tarefa seria apenas de simples operação aritmética se não fossem alguns dispositivos da nova lei que apresentam dificuldades de aplicação lógica.
Assim é no caso da interpretação que se deve dar ao prazo para designação de interrogatório mencionado no artigo 38, caput. Na soma dos prazos, este dispositivo foi desprezado em função da inaplicabilidade que decorre na contradição lógica que encerra, pois o prazo que estipula para a realização do interrogatório do réu preso é menor que o prazo para oferecimento da resposta preliminar, de cuja análise depende o recebimento ou não da denúncia e, por conseguinte, a própria realização do interrogatório.
É necessário esclarecer também que, em razão da nova lei não estipular prazo dentro do qual deva realizar-se a audiência de instrução e julgamento, foi aplicado por analogia o art. 402 do CPP, fixando-se este prazo em 20 dias.
Vale ressaltar, ainda, que o cálculo considerou não só os prazos para os atos que constam explicitamente no iter procedimental estipulado na Lei 10.409/02, como prazos para oferecimento de denúncia, para interrogatório, etc. Para determinar-se com maior precisão o tempo necessário para a produção da sentença é preciso levar em conta que há os prazos para a mera movimentação processual a cargo do escrivão e que o juiz também dispõe de prazos para a prolação de cada despacho ou decisão, sendo que tais prazo também era levados em conta no limite consagrado pela jurisprudência sob o regime da lei anterior.
A tabela pode ser útil na determinação dos prazos máximos de prisão cautelar nos processos que iniciaram a tramitação pelo rito antigo e passaram ao novo procedimento, pois pode-se visualizar o ponto a partir do qual deve-se considerar os novos e antigos prazos.
Lei 6.368/76 |
Lei 10.409/02 |
|||
Término do Inquérito Policial |
5 |
Término do Inquérito Policial |
30 |
|
Conclusão |
2 |
Conclusão |
2 |
|
Despacho de abertura de vista ao MP |
1 |
Despacho de abertura de vista ao MP |
1 |
|
Prazo para a Secretaria abrir vista |
2 |
Prazo para a Secretaria abrir vista |
2 |
|
Oferecimento da denúncia |
3 |
Oferecimento da denúncia |
10 |
|
Abertura de conclusão |
2 |
Abertura de conclusão |
2 |
|
Despacho de recebimento da denúncia |
1 |
Despacho citação para resposta preliminar |
1 |
|
Realização do interrogatório |
5 |
Citação |
2 |
|
Intimação do defensor |
2 |
Prazo para defesa preliminar |
10 |
|
Apresentação da defesa prévia |
3 |
Autos conclusos |
2 |
|
Autos conclusos |
2 |
Despacho - vista ao MP |
1 |
|
Despacho saneador |
2 |
Autos conclusos |
2 |
|
Audiência de instrução e julgamento |
8 |
Decisão - recebimento da denúncia |
10 |
|
Audiência de instrução e julgamento |
20 |
|||
TOTAL |
38 (ou 76*) |
TOTAL |
95 (ou 125**) |
* Na Lei antiga, nos casos dos crimes previstos nos artigos 12, 13 e 14, os prazos eram contados em dobro, o que eleva o total para 76 dias.
** Na nova lei, apenas o prazo para conclusão do inquérito policial pode ser duplicado, o que pode ocorrer em qualquer crime e eleva o total para 125 dias.