Esta semana jornalistas espantados noticiaram o relatório das torturas patrocinadas pela CIA. Como isto pode ocorrer? - perguntaram os críticos da tortura que defendem a eterna superioridade moral dos EUA. Em tempo de guerra os exageros são naturais! - afirmam aqueles que apóiam a tortura sem ter coragem de dizer abertamente que acreditam na justiça da barbárie.
Em primeiro lugar é preciso dizer que o compromisso discursivo dos EUA com os direitos humanos é coisa recente. Começou na administração Jimmy Carter. Antes daquele presidente democrata, a questão nem sequer era objeto de preocupação nos EUA. Afinal, os norte-americanos sentiam orgulho de terem exterminado índios e torturado escravos negros durante séculos. Desde a Guerra Hispano-Americana até a Guerra do Vietnã (e mesmo em guerras menores que ocorreram nas últimas décadas), de uma maneira ou de outra os soldados norte-americanos torturaram civis, militares prisioneiros no estrangeiro. Os métodos empregados pelos assassinos e torturadores a soldo dos EUA são bem conhecidos e estão fartamente documentados nos livros e na internet.
Jimmy Carter tentou inaugurar a fase do império piedoso e humanitário. O que ele conseguiu foi algo bem diferente: a institucionalização da hipocrisia. Desde a administração Carter todos os presidentes se disseram comprometidos com os direitos humanos, inclusive aqueles que encomendaram e comandaram guerras externas ou fomentaram ditaduras brutais na América Latina, África e Ásia. Alguns dentre os últimos habitantes da Casa Branca chegaram a acusar de violação de direitos humanos governos estrangeiros considerados inamistosos que seriam atacados por Exércitos humanitários norte-americanos. O resultado é bem conhecido: estupros em massa, tortura registrada em fotos e vídeos, execução sumária e à distância de inocentes considerados suspeitos, etc...
A hipocrisia parece não incomodar muito os governantes norte-americanos. Seguros de seu poder de destruição em massa, cercados por milhares de bases militares dentro e fora dos EUA, eles parecem acreditar que são a única fonte de legalidade no planeta. Quem dita a Lei, está acima dela - parece ter se tornado uma regra de ouro nos EUA. Isto explica porque aquele país se recusa de maneira arrogante a cumprir a Lei Internacional exigindo, porém, que todos os outros países - tratados como se fossem províncias submetidas a um novo Império Romano - se curvem aos caprichos absurdos e até ilegais transmitidos pela Casa Branca através dos sórdidos canais diplomáticos secretos que foram revelados por Julian Assange. Também explica a crescente brutalização policial da própria população norte-americana, que está sendo privada de seu direito de se manifestar nas ruas e na internet.
Nenhum império construído através da violência e mantido por intermédio da hipocrisia conseguiu ser eterno. O império dos EUA também terá um fim. A única questão que resta ser respondida é a seguinte: que fim os norte-americanos querem para seu império?
O Império Romano acabou lenta e violentamente. O império nazista acabou rapidamente em escombros (idem para o império japonês). O império inglês ganhou a II Guerra Mundial e encerrou seus negócios planetários em razão da exaustão financeira e militar (a mesma sorte teve o império francês). O império soviético acabou em pacífica fragmentação e decadência econômica generalizada que acarretou mais sofrimento e penúria a populações que já sofriam bastante.
Ainda sofremos muito, mas pelo menos estamos vivos e agora podemos reclamar do governo - diziam os russos durante a estagnação econômica provocada por Boris Iéltsin. O que dirão os norte-americanos quando suas cidades forem bombardeadas convencionalmente ou reduzidas a escombros contaminados por cinzas radioativas? Aqueles que sobreviverem à III Guerra Mundial nos bunkers de Washington talvez digam: Ok, guys, from now we will not torture anyone else. Mas neste caso quem é que estará vivo para poder ser torturado por norte-americanos?
Hipocrisia, violência e imperialismo caracterizaram o way of life de todos os impérios. Os norte-americanos acreditam - exatamente como os romanos, nazistas, ingleses, franceses e japoneses acreditaram no passado - que são predestinados, superiores, que seu país é abençoado por Deus e que há moralidade inquestionável em tudo o que eles fazem. Aos olhos das vítimas das torturas praticadas pelos soldados norte-americanos e por seus prepostos em outros países (o Brasil desonrosamente incluído), eles são apenas verdugos arrogantes, brutais e mentirosos.
O relatório feito nos EUA sobre as torturas patrocinadas pela CIA já foi publicado. Uma Comissão da Verdade Planetária será convocada pelos BRICS para investigar as torturas praticadas no século XX e início do século XXI dentro e fora dos EUA, direta ou indiretamente comandadas por governos norte-americanos? Esta meus caros é uma boa pergunta.