A colisão dos direitos fundamentais e a ponderação de valores

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12/12/2014 às 11:39

Resumo:


  • Manifestações em junho e julho de 2014 no Brasil geraram debates sobre o equilíbrio entre o direito de manifestação e o direito de ir e vir, levantando questões sobre qual direito fundamental deveria prevalecer.

  • Direitos fundamentais são baseados na dignidade da pessoa humana e incluem direitos individuais e coletivos, direitos de nacionalidade, direitos políticos, entre outros, e não são absolutos, podendo entrar em colisão.

  • Colisões entre direitos fundamentais são resolvidas por meio de técnicas de ponderação, onde se busca harmonizar os interesses ou, se necessário, escolher o princípio que deve prevalecer de acordo com o caso concreto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisa de forma breve como as colisões entre direitos fundamentais são solucionadas no ordenamento jurídico brasileiro.

1. Introdução:

Os meses de junho e julho de 2014 ficaram marcados pelas várias manifestações ocorridas em todo o país. Milhares de pessoas saíram às ruas buscando melhores condições de transporte, saúde, moradia, educação, reforma política e o fim da corrupção. O trânsito nas grandes cidades ficou caótico. Confrontos com policiais e a destruição do patrimônio público, foram cenas que estamparam os jornais de todo o mundo.

O cenário criado pelas manifestações populares foi o seguinte: de um lado o direito legitimo da manifestação democrática, do outro, o direito legitimo de ir e vir do cidadão que não participava dos movimentos reivindicatórios. As indagações foram imediatas, como equilibrar o que é mais importante, o direito de determinada pessoa ou o direito de outra? Qual direito fundamental deveria prevalecer?

Esse pequeno ensaio pretende explicar de forma superficial, como as colisões entre direitos fundamentais são solucionadas no ordenamento jurídico brasileiro, para tanto, procurará conceituar direitos fundamentais e trazer uma distinção entre regras e princípios, analisando as teorias de Ronald Dworkin e Robert Alexy[1]. Por fim, analisará o choque entre os direitos fundamentais e como são solucionados através das técnicas de ponderação.

2. Conceito de direitos fundamentais

Direitos fundamentais são aqueles que possuem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Em sentido material, são pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir do valor da dignidade humana[2].

            Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes,

“os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático”[3].

           

A CRFB/88 garante algumas categorias de direitos fundamentais, como os direitos e garantias individuais e coletivos, os direitos relativos à nacionalidade, direitos políticos, dentre outros que não se restringem ao artigo 5º da CRFB/88[4], podendo ser encontrados ao longo do texto constitucional, ou ainda, decorrentes de tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja parte.

Para BRANCO (2000, p. 118), não é tarefa fácil conceituar os direitos fundamentais, caracterizá-los então, é demasiado complexo, se é que possível. O autor cita como característica dos direitos fundamentais a universalidade, historicidade, inalienabilidade e indisponibilidade[5][6].

Não podemos esquecer que uma das principais características dos direitos fundamentais, enquanto princípios é sua relatividade, ou seja, não se revestem de caráter absoluto[7]. Em caso de colisão entre princípios, segundo nossa jurisprudência, opta-se pelo mais adequado ao caso concreto, pela inexistência de hierarquia entre eles.

3. A distinção entre regras e princípios

Segundo LENZA (2012, p. 145), “a doutrina parte da premissa de que regras e princípios são espécies de normas e que, enquanto referenciais para o intérprete, não guardam, entre si, hierarquia, especialmente diante da idéia da unidade da Constituição”.

Humberto Ávila, esclarece que “um sistema não pode ser composto só de princípios ou de regras. Um sistema só de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias claros de comportamento, ocasionando problemas de coordenação, conhecimento, custos e controle de poder. Um sistema só de regras, aplicadas de modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de abertura para o amoldamento das soluções às particularidades dos casos concretos”[8].

Para o referido autor, os princípios não são mais importantes do que as regras, nem as regras são mais necessárias que os princípios. Cada espécie normativa desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo sequer conceber uma sem a outra. Ainda segundo Ávila, a interpretação e a aplicação de princípios e regras dar-se-ão com base nos postulados normativos inespecíficos e específicos. Os primeiros se apresentam pela ponderação, concordância prática e a proibição do excesso. Já os segundos, destacam-se pelos postulados da igualdade, da razoabilidade e da proporcionalidade[9].

            O professor Guilherme Sandoval nos traz a seguinte contribuição:

“[...] é importante reconhecer que as diferenças existentes entre regras e princípios se perfazem apenas no plano abstrato, o que não significa dizer que não sejam importantes para o intérprete na fixação de sua norma-decisão na medida em que induzem determinado tipo de interpretação. Assim, as regras - por serem normas com alta densidade normativa, cujo texto já contém a hipótese de incidência e a conseqüência jurídica - geram uma área nuclear muito grande, o que evidentemente induz o intérprete a subsumir sem ponderar, já os princípios – por serem enunciados normativos que indicam apenas o fim ou o valor a ser perseguido – não se prestam a subsunção, o que induz o intérprete a ponderar sem subsumir.”[10]

Para falarmos de uma abordagem pós-positivista do Direito, obrigatoriamente temos que fazer menção a Ronald Dworkin e Robert Alexy. As idéias pós-positivistas dos citados autores, constituem o conhecimento convencional da matéria, sendo assim, é necessário que destaquemos a visão de cada um.

4. A distinção entre regras e princípios em Dworkin

            Para Dworkin, as regras deveriam ser aplicadas a maneira do tudo ou nada. Ou seja, as contradições normativas manifestas por duas regras, resolveriam com a declaração de invalidade de uma delas[11].

            A maneira do tudo ou nada, na aplicação das regras, não pode ser mudado pelas várias exceções possíveis. A descrição exata de uma regra deve conter sempre a enumeração de suas exceções, se não o fizer, será incompleta[12].

            Já os princípios, segundo Dworkin, não se contradizem no plano da validade. Mesmo que os princípios concorram entre si pela aplicação em uma determinada situação, a prevalência de um sobre o outro, não implica necessariamente, na declaração de invalidade do principio vencido. Sendo assim, o principio vencido, não implicaria a impossibilidade de este vir a ser utilizado em outro caso[13].

            A idéia de Dworkin sobre a inter-relação entre regras e princípios dá lugar a três possibilidades no marco da argumentação jurídica. A primeira delas faz menção a concorrência normativa entre as regras. Para tais casos, somente uma regra pode ser válida[14]. Como as regras são a principio, igualmente válidas, dentro do âmbito estrito das regras o conflito não pode ser resolvido. É necessário então, apelarmos para considerações que se encontram para além das regras em conflito. Sendo assim, a decisão sobre a validade ou invalidade de uma regra no caso concreto, só pode ser resolvida com base em uma regra para soluções de concorrências normativas[15].

            A segunda possibilidade de casos de concorrências normativas se apresentam em forma de concorrência entre princípios. Quando dois princípios são colocados em concorrência, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um, na verdade, o que sobressai é o que possui maior peso, que seja mais significativo[16].

            O terceiro caso de concorrências normativas se apresenta entre uma regra e um principio[17]. Para Dworkin, quando ocorre tal concorrência não existe um conflito aparente. Isto porque uma regra é o resultado de um conjunto de princípios e objetivos políticos que são levados a efeito no processo legislativo[18].

             

5. A distinção entre regras e princípios em Robert Alexy

           

            Alexy faz uma distinção qualitativa entre regras e princípios. Para o autor alemão, tanto os princípios quanto as regras seriam normas[19]. Os princípios seriam normas que ordenariam algo a ser realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização[20] que poderiam ser satisfeitos em graus variados por dependerem tanto de possibilidades fáticas quanto jurídicas.

            As regras seriam normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível[21].

            Essa diferença entre princípios e regras, se mostra com mais clareza:

en las colisiones de principios y en los conflictos de reglas. Común a las colisiones de principios y en los conflitos de reglas es el hecho de que dos normas, aplicadas independientemente, conducen a resultados incompatibles, es decir, a dos juicios de deber ser jurídico contradictorios. Se diferencian en la forma cómo se soluciona el conflicto.”[22]

No caso de conflito de regras, somente poderia ser solucionado pela declaração de invalidade de uma delas, ou se fosse inserida uma regra de exceção que eliminasse o conflito. Já o conflito de princípios, teria uma solução diferente. Vejamos:

           

Cuando dos princípios entran en colisión – tal como es el caso cuando según un principio algo está prohibido y, según otro principio, está permitido – uno de los princípios tiene que ceder ante el outro. Pero, esto significa declarar invalido al principio desplazado ni que em el principio desplazado haya que introducir una cláusula de expeción. Más bien lo que sucede es que, bajo ciertas circunstancias uno de los princípios precede al outro. Bajo otras circunstancias, la cuestión de la precedência puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en los casos concretos los princípios tienen diferente peso y que prima el principio con mayor peso.”[23]

           

No entanto, as diferenças citadas por Robert Alexy vão além. Os Princípios também seriam mandamentos prima facie, ou seja, “los princípios ordenan que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, teniendo en cuenta las posibilidades jurídicas y fácticas. Totalmente distinto es el caso de las reglas. Como las reglas exigen que se haga exactamente lo que en ellas se ordena, contienen una determinación en el âmbito de las posibilidades jurídicas y fácticas”[24].  

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Não é razoável a conclusão de que a colisão entre princípios leva à sua retirada do mundo jurídico. Os princípios possuem uma dimensão de peso, que só o caso concreto determinará sua importância, se menor ou maior.

6. A ponderação de valores

Entende-se por ponderação, o processo pelo qual se resolverá a tensão entre princípios contrapostos. MARMELSTEIN (2008.p.386), no ensina que:

“A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação ao quais as técnicas tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia de valores.”

Ainda segundo o autor citado, na técnica da ponderação, o jurista deverá, primeiramente, tentar conciliar ou harmonizar os interesses em jogo, pelo principio da concordância prática. Somente depois, caso não seja possível a conciliação, é que se deve partir para o sopesamento ou para a ponderação propriamente dita.

No processo de ponderação chega-se a dois caminhos bem definidos, quais sejam: a ponderação harmonizante e a excludente. O primeiro busca conciliar os princípios em tensão, mediante a aplicação da concordância prática. Já o segundo, escolhe um princípio vencedor, com sacrifício dos demais princípios em conflito, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade[25].

O principio da proporcionalidade será aplicado mediante um teste tríplice, qual seja, a aferição da relação de adequação entre o fim visado e o meio empregado (subprincípio da adequação). A verificação se a medida tomada é realmente exigível ou necessária, isto é, se não há outro meio alternativo que chegue ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual (subprincípio da necessidade). A constatação de que o que se perde com a medida é de menor importância ou relevo do que aquilo que se ganha (subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito).

7. Conclusão

            Conforme citado anteriormente, quando ocorre o choque entre dois princípios reconhecidos como tal, em nosso ordenamento jurídico ocorre o sopesamento. O de menor peso, de acordo com o caso concreto, cede lugar ao de maior valor. Busca-se pelo principio da ponderação de valores, decidir diante do caso concreto, qual valor possui maior peso, devendo prevalecer na situação.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução: Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

BARROSO, Luiz Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história: a nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Disponível em <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/temas_de_direito_ constitucional_tomo_iii_sumario.pdf> Acesso em 25 de Julho de 2013.

__________. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRANCO, Gustavo Gonet. Aspectos de teoria geral dos direitos fundamentais. In.: MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, Gustavo Gonet Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica: 2000.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina,1993.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

GÓES, Guilherme Sandoval. Neoconstitucionalismo e dogmática pós-positivista. In: A reconstrução democrática do direito público no Brasil. Organizador Luís Roberto Barroso. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 113-150.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. 

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira. Os direitos individuais e suas limitações: breves reflexões. In.: MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, Gustavo Gonet Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica: 2000.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

NOTAS:

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Sobre o autor
Eliel Geraldino da Silva

Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Direito. Pós Graduado em Direito Constitucional. Pós graduado em Criminalidade e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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