A interpretação jurisprudencial sobre fraude e isenção tributária

15/12/2014 às 15:31
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Trata-se de uma análise da jurisprudência concreta do Superior Tribunal de Justiça, órgão máximo no que diz respeito a interpretação e aplicação das leis, a respeito da fraude e isenção tributária.

A seguir, algumas jurisprudências sobre a interpretação e aplicação das normas tributárias serão analisadas. Todas foram proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, pois é o órgão competente para decidir questões que versem sobre a aplicação das leis nacionais. Assim, sendo o CTN norma com força de lei complementar, cabe ao STJ discutir as lides que envolvam dúvidas sobre seus preceitos.

     Sobre a fraude fiscal, encontram-se os seguintes acórdãos:

HABEAS CORPUS. ERRO DE INTERPRETAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE FRAUDE.

  1. A errônea exegese da lei tributária quanto ao cálculo correto do ICMS no lançamento de crédito, em face da diferença de alíquotas praticadas no Estado de destino e no de origem, ausente o elemento fraude, não configura a infração tipificada no art. 1º, incisos I e II,da Lei nº 8.137/90.
  2. A segurança jurídica não pode nem deve permitir que simples desencontros interpretativos, ocorrentes muitas vezes até mesmo nas altas esferas do Judiciário sirvam de pretexto para acionamento da Justiça Criminal, como meio rápido, eficaz e expedito de incrementar as receitas governamentais.
  3. Na operação não houve fraude nem inserção de elementos inexatos em documentos, mas mero aproveitamento de créditos de ICMS decorrentes de transações interestaduais.(grifo nosso)
  4. Ordem concedida.

(RHC 7798/PR; Sexta Turma, Min. Fernando Gonçalves, DJ 25/05/1999)

 

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. EX-SÓCIOS (PESSOAS JURÍDICA E FÍSICA) DE SOCIEDADE LIMITADA. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO. LIMITES. ARTIGO 135, INCISO III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. RECURSO ESPECIAL DE UM DOS RECORRENTES PREJUDICADO, EM VIRTUDE DE PARCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE DÉBITO POR ELE FORMALIZADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO.

Já se encontra assente na doutrina e na jurisprudência que a responsabilidade do sócio que se retira da sociedade, em relação às dívidas fiscais contraídas por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatutos, a teor do que dispõe a lei tributária, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente.

É evidente que o não recolhimento dos tributos exigidos na execução fiscal em epígrafe configura um ato contrário à lei, em razão de prejudicar o fim social a que se destina a arrecadação. Necessário, entretanto, é fixar-se os limites do que seja infração legal, porquanto a falta de pagamento do tributo ou não configura violação legal e é irrelevante falar-se em responsabilidade ou não constitui violação da lei e, consequentemente, sempre haveria responsabilidade.

O mero descumprimento da obrigação principal, desprovido de dolo ou fraude, é simples mora da sociedade devedora contribuinte, inadimplemento que encontra nas normas tributárias adequadas as respectivas sanções; não se traduz, entretanto, em ato que, de per si, viole a lei, contrato ou estatuto social, a caracterizar a responsabilidade pretendida pela recorrente. (grifo nosso)

O recurso de CBS ADMINISTRAÇÕES E PARTICIPAÇÕES LTDA. Resta prejudicado, em razão da expressa renúncia por ela formulada no documento em que formalizou o pedido administrativo de parcelamento de seu débito (fls. 448/449), ato de vontade manifestamente incompatível com a interposição do recurso especial.

Não realizado o necessário cotejo analítico, não ficou adequadamente apresentada a divergência, apesar da transcrição de ementa, e não demonstradas suficientemente as circunstâncias identificadoras da divergência entre o caso confrontado, em desacordo com o que já está pacificado na jurisprudência desta egrégia Corte, o recurso especial não pode ser conhecido pelo dissídio pretoriano.

Recurso especial de CBS ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA. Prejudicado.

Recurso especial de MACROPACK S.A. PRODUTOS ALIMENTÍCIOS e CARLOS BATISTA DA SILVA provido.

(RESP 201920/RS; Segunda Turma, Min. Franciulli Netto, DJ 24/06/2002)

 

     Conforme os acórdãos acima, vê-se que a tendência do STJ é de não aplicar sanções ao contribuinte sem que a intenção de fraudar esteja realmente comprovada. Os atos que o contribuinte pratica contrários aos preceitos da norma tributária, mas que julgava serem corretos, não caracterizam a fraude, pois esta exige que o dolo esteja presente.

     Ainda assim, não há fraude quando o contribuinte interpreta a norma de maneira diversa do entendimento da Fazenda Pública. O que ocorre é que muitas vezes esta divergência na exegese da norma gera uma redução no valor do tributo, entendendo a Fazenda ser este um meio ardiloso. No entanto,  o STJ entendeu não se tratar de fraude quando o contribuinte não inseriu nenhuma outra informação inexata ou utilizou de meios ardilosos.

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. IRRETROATIVIDADE DE LEIS TRIBUTÁRIAS. IMPOSTO DE RENDA. DECRETO-LEI Nº 2.065/83.

IMPOSSIBILIDADE.

Ainda que sob a égide do regime constitucional anterior, as leis tributárias não podem retroagir senão para beneficiar o contribuinte. (grifo nosso)

Uma vez editado o Decreto-lei nº 2.065/83, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1984, não há que se falar em incidência deste dispositivo legal aos balanços financeiros de imposto de renda exarados no exercício de 1983, já que a modificação veio a aumentar a alíquota de 30% para 35%.

Agravo regimental improvido.

(AGRESP 111745/RS; Primeira Turma, Min. Francisco Falcão, DJ 16/09/2002)

 

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL. ICMS. APREENSÃO DE GADO BOVINO.

ARREMATAÇÃO EM LEILÃO. SUMULA STF/323. DIREITO SUPERVENIENTE.

“É INADMISSÍVEL A APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO COERCITIVO      PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS” ENTENDIMENTO SUMULADO DO STF.

JUS SUPERVENIENS – O DIREITO VIGENTE A ÉPOCA DA DECISÃO DEVE SER APLICADO PELO JUIZ, AINDA QUE POSTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO, SEMPRE QUE A LEI NOVA RESSALVE OS EFEITOS DA LEI ANTERIOR.

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APLICAM-SE AOS FATOS PRETÉRITOS, NÃO JULGADOS DEFINITIVAMENTE, AS LEIS TRIBUTÁRIAS FAVORÁVEIS AO CONTRIBUINTE.

RECURSOS NÃO CONHECIDOS.

(RESP 30774; Segunda Turma. Min. Peçanha Martins, DJ 23/06/1997)

 

     Por estes acórdãos, vê-se que, apesar de alguns doutrinadores pregarem a igualdade entre Estado e o contribuinte afirmando que não mais é admissível o entendimento da interpretação mais favorável ao contribuinte, o STJ não considera a questão deste modo.

     O entendimento que prevalece naquela Egrégia Corte é que quando a lei nova favorecer ao contribuinte, poderá esta retroagir, assim como também ocorre no Direito Penal. A lei mais recente também será aplicada aos fatos que estejam ainda sendo julgados sob a égide da norma antiga. Apenas não será aplicada a norma mais benéfica aos casos passados em julgados, pois haveria grava ofensa à coisa julgada.

     Quanto à isenção, segue-se o acórdão:

TRIBUTÁRIO. IOF. ISENÇÃO. DL N. 2.434/88, ART. 6.., ART. 176, 97, VI E 111, II DO CTN.

  1. NÃO HOMENAGEIA OS ARTIGOS 176, 97, VI E 111, INC. II, DO CTN, A DECISÃOQUE CONCEDE ISENÇÃO DE IOF SOBRE  OPERAÇÕES DE CAMBIO NAS IMPORTAÇÕES, CUJAS GUIAS FORAM EMITIDAS A PARTIR DE 1º DE JULHO DE 1980.
  2. A ISENÇÃO FISCAL SÓ PODE SER CONCEDIDA POR LEI. NÃO TEM EFICÁCIA A NASCIDA NA ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO, DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA OU ANALÓGICA.
  3. A EXEGESE DE NORMAS TRIBUTARIAS ISENCIONAIS HÁ DE SER FEITA COM SUBORDINAÇÃO DIRETA AO ART. 111,II, CTN. (grifo nosso)
  4. A CONVENIÊNCIA POLÍTICA QUE INFORMA A CONCESSÃO DE ISENÇÃO NÃO É SUSCETÍVEL DE CONTROLO PELO PODER JUDICIÁRIO.
  5. RECURSO PROVIDO.

(RESP 83356/SP, Primeira Turma, Min. José Delgado, DJ 01/04/1996)

     Aqui há a estrita aplicação dos ditames do CTN, que privilegia a interpretação restritiva no caso de isenção. Como afirmado acima, o judiciário não poderá conceder isenção ao contribuinte via a interpretação extensiva ou analógica, pois esta apenas será instaurada mediante lei que a estabeleça. Ou seja, ao verificar que outra pessoa contenha as mesmas características daquela a quem a isenção foi concedida, não poderá o Poder Judiciário estender a isenção ao outro que não foi mencionado pela norma.

     Contudo, se o interessado possuir as mesmas qualidades que o contribuinte isento (como por exemplo, os dois são comerciantes do mesmo tipo de mercadoria, com o estabelecimento comercial instalado na mesma localidade e com a mesma capacidade contributiva), o Poder Judiciário poderá ser acionado para promover a igualdade de tratamento entre os dois contribuintes perante o Estado. O que não poderá fazer será conceder a isenção ao contribuinte que não foi beneficiado, visto que esta será concedida apenas mediante lei.

A igualdade de tratamento a ser aplicada pelo Poder Judiciário será tornar sem efeito a lei que concedeu a isenção a um contribuinte mas não a concedeu a outro que possuía as mesmas condições. Agindo assim, o juiz estaria concretizando o princípio da igualdade e respeitando a separação dos poderes da república.

Assim, com o breve relato acima busca-se traduzir o entendimento jurisprudencial sobre a fraude e isenção tributária, e como cada um desses institutos deve ser aplicado ao contribuinte no caso concreto.

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Sobre a autora
Maira Cauhi Wanderley

Procuradora Federal, membro da AGU.

Informações sobre o texto

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