Pode a lei ordinária criar situações de imprescritibilidade?

Em caso negativo, qual o prazo máximo em que a prescrição poderá ficar suspensa?

16/12/2014 às 21:44
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Pode a lei ordinária criar novas hipóteses de imprescritibilidade? Atentando-se a esse fato, qual seria o prazo máximo prescricional possível?

Pode a lei ordinária criar situações de imprescritibilidade? Em caso negativo, qual o prazo máximo em que a prescrição poderá ficar suspensa? Antes da resposta às indagações propostas, cabe-nos algumas considerações que julgo serem relevantes. Primeiramente, devemos situar a imprescritibilidade dentro de nosso ordenamento jurídico e como deve ser sua interpretação, isto de forma bem sucinta. Desta forma, creio que seja possível trazer uma resposta a primeira indagação. Posteriormente, sem muita elucubração, será analisada a Jurisprudência e a Doutrina, para chegar à resposta do segundo questionamento.

As normas que tratam da imprescritibilidade encontram-se elencadas nos incisos XLII e XLIV do Artigo 5º da CRFB/88. Trata-se de rol fechado, taxativo, cujo alcance não pode ser aumentado ou suprimido, nem mesmo por emenda constitucional, pois ambos estão insertos nos direitos e garantias fundamentais, havendo, portanto, uma vedação de ordem material, em face do que prescreve o § 4º, inciso IV, do artigo 60 da Lei Fundamental[1]. Ora, se o Constituinte Originário considerou imprescritíveis os crimes citados em tais normas, se subsumirmos, todos os demais são prescritíveis. Logo, a prescrição é regra e a imprescritibilidade é exceção.

Segundo o professor Cretella Júnior[2], adotar como regra a imprescritibilidade é inverter toda a hermenêutica constitucional. É caminhar em sentido contrário ao mundo moderno, visto que todas as legislações modernas repelem a imprescritibilidade.

O saudoso jurista português, Joaquim Gomes Canotilho[3], ensina que a interpretação[4] da Constituição deve ser autêntica, ou seja, a interpretação decorre dos princípios constitucionais da própria constituição. Assim, entende-se que a própria Constituição Federal determina a adoção de seus princípios para se verificar direitos e garantias individuais fundamentais. Significa dizer, que as garantias criadas pela Norma Fundamental não podem ser quebradas, assim o processo de produção das normas infraconstitucionais é formal e substancialmente constitucionalizado.

Conforme nos ensina o professor Paulo Bonavides[5], a interpretação conforme a Constituição não constitui propriamente um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição. Uma lei infraconstitucional é, em princípio, constitucional, sendo que, na dúvida, deve-se optar pela sua constitucionalidade, o que gera dois riscos, um positivo e um negativo. Este se manifesta pelo perigo de se concretizar tolerância excessiva, considerando-se constitucional uma norma infraconstitucional violadora da Constituição. Aquele se refere à independência dos Poderes, evitando que o Judiciário se imiscua exageradamente em assuntos legislativos.[6]

Sendo assim, será a Constituição que condicionará a existência e a validade das normas jurídicas, estabelecendo a forma e os limites substanciais do ordenamento jurídico. Ou seja, a validade de uma norma depende de sua coerência com a Constituição.

Usei este pequeno percurso para explicar que se as normas constitucionais são intangíveis, não sendo possível reduzir ou aumentar seu alcance pela atividade do legislador infraconstitucional, logo, não podem ser criadas novas hipóteses de imprescritibilidade pelo legislador ordinário, pois a Constituição prevê de forma restrita os casos de imprescritibilidade.

Doutrinariamente tal posicionamento é muito cômodo, no entanto, no julgamento do RE 460.971/RS, o então Min. Sepúlveda Pertence em seu brilhante voto, aduziu que a Constituição se restringe a enumerar os crimes sujeitos à imprescritibilidade (CF, art. 5º, XLII e XLIV), sem proibir, em tese, que lei ordinária crie outros casos. [7] Respondendo a primeira indagação, é possível que lei ordinária crie situações de imprescritibilidade.

Quanto ao segundo questionamento, qual prazo máximo em que a prescrição poderá ficar suspensa, tanto a jurisprudência, quanto a doutrina se consolidaram no sentido de que o prazo máximo da suspensão da prescrição, em decorrência do art. 366 do CPP, tomaria por base a pena máxima cominada para o crime. Desse modo, no caso de réu que não fosse encontrado, apenas se dobraria o prazo prescricional. No entanto, o novo entendimento do STF através do julgamento do RE 460.971/RS, é que o aumento do prazo prescricional, por si só, não gera imprescritibilidade[8].

Em duras críticas à suspensão do prazo prescricional, Tourinho Filho assim assevera:

“A nós sempre nos pareceu um absurdo a suspensão do prazo prescricional, mesmo porque a lei penal não é infensa às injúrias do tempo. Na verdade, decorridos alguns anos, a sociedade não mais terá interesse na repressão. Melhor andaria o legislador se fixasse, nessas hipóteses, o prazo prescricional em dobro. Faria mais sentido”[9].

Ainda segundo Damásio de Jesus:

“1ª - a lei não fixou limite, de modo que o termo final do prazo suspensivo ocorre na data em que o réu comparece em Juízo, qualquer que seja o tempo decorrido; 2ª - deve ser considerado o máximo abstrato da pena privativa de liberdade cominada à infração penal; 3ª - leva-se em conta o mínimo abstrato da pena privativa de liberdade cominada; 4ª - tem-se em vista o limite máximo do prazo prescricional previsto em nossa legislação, que é de vinte anos (CP, art. 109, I); 5ª - o limite temporal da suspensão é o mesmo da prescrição (CP, art. 109), em atenção ao mínimo abstrato da pena privativa de liberdade; 6ª - o limite extremo superior da suspensão da prescrição é o mesmo do art. 109 do CP, regulado pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada à infração penal.”[10]

A guisa de conclusão, percebe-se que infeliz sorte teve o legislador ordinário a não pressupor um tempo certo e determinado que findasse o transcorrer do lapso prescricional. Há quem diga que sua conduta violou uma cláusula pétrea, qual seja, o direito à prescrição[11]. E ainda, ter criado, através de norma infraconstitucional, mais um caso de imprescritibilidade, fora dos previstos na Lei Fundamental. No entanto, não me enveredarei por esta seara, ficando por enquanto com o entendimento exarado pelo STF.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 474.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2.000. p. 1.159/1.164.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1.988. v. 1, p. 483.

JESUS, Damásio E. de. Notas ao art. 366 do Código de Processo Penal, com redação da Lei nº 9.271/96. Boletim  IBCCrim, v. 42, ed. especial, jun/1996, p. 3.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 13 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. 

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 1997. p. 24/26.

PORTO, Antônio Rodrigues. Da prescrição penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.998. p. 80.

TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de processo penal. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TREDINNICK, André Felipe A. da Costa. A revelia e a suspensão do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. O STF, em decisão isolada, interpretou o art. 366 do CP de forma a admitir a imprescritibilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1394, [26] abr. [2007]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9795>. Acesso em: 14 dez. 2014.

JURISPRUDÊNCIA CONSULTADA

EMENTA: I. CONTROLE INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE: RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97). “Interpretação que restringe a aplicação de uma norma a alguns casos, mantendo-a com relação a outros, não se identifica com a declaração de inconstitucionalidade da norma que é a que se refere o art. 97 da Constituição..” (cf. RE 184.093, Moreira Alves, DJ 05.09.97). II. CITAÇÃO POR EDITAL E REVELIA: SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL, POR TEMPO INDETERMINADO –C.PR.PENAL, ART. 366, COM A REDAÇÃO DA L. 9.271/96. 1. Conforme assentou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ext. 1042, 19.12.06, Pertence, a Constituição Federal não proíbe a suspensão da prescrição, por prazo indeterminado, na hipótese do art. 366 do C.Pr.Penal. 2. A indeterminação do prazo da suspensão não constitui, a rigor, hipótese de imprescritibilidade: não impede a retomada do curso da prescrição, apenas a condiciona a um evento futuro e incerto, situação substancialmente diversa da imprescritibilidade. 3. Ademais, a Constituição Federal se limita, no art. 5º, XLII e XLIV, a excluir os crimes que enumera da incidência material das regras da prescrição, sem proibir, em tese, que a legislação ordinária criasse outras hipóteses. 4. Não cabe, nem mesmo sujeitar o período de suspensão de que trata o art. 366 do C.Pr.Penal ao tempo da prescrição em abstrato, pois, “do contrário, o que se teria, nessa hipótese, seria uma causa de interrupção, e não de suspensão.” 5. RE provido, para excluir o limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição.

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL (ARTIGO 366, DO CPP). A matéria já foi enfrentada nesta 2ª Câmara Criminal, quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 70.038.145.025, relatado pelo Des. Marco Aurélio Canosa e assim ementado: "Inconformidade ministerial deduzida contra decisão que aplicou apenas em parte o comando contido no artigo 366 do CPP, com a declaração da extinção de punibilidade do agente pela prescrição. - Recurso que merece provimento, pois fundado em interpretação da norma conferida pelo Pretório Excelso, que excluiu limite temporal imposto à suspensão do curso da prescrição. Precedente da Câmara: Recurso em Sentido Estrito Nº 70020321048. RECURSO PROVIDO."A Constituição Federal não veda que a suspensão da prescrição se dê por prazo indeterminado, o que não constitui hipótese de imprescritibilidade, pois a retomada do curso da prescrição fica condicionada a evento futuro e incerto (comparecimento do réu a juízo); inviável, também, sujeitar-se o período de suspensão previsto pelo artigo 366, do CPP, ao tempo da prescrição em abstrato, visto que se teria então uma causa de interrupção e não de suspensão, conforme assentou o STF, no julgamento do RE 460971. RECURSO PROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito Nº 70043472372, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 23/05/2013) (TJ-RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Data de Julgamento: 23/05/2013, Segunda Câmara Criminal). (Sem grifos no original).


NOTAS:

[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 2009. p. 580.

[2] CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à constituição de 1988. 1988. p. 483.

[3] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 2000. p. 1.159/1.164.

[4] Não é o propósito a redação de um tratado de hermenêutica constitucional, para saber mais Cf.: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva: 2012. p. 90-104. MENDES, Gilmar Ferreira; MÁRTIRES, Inocêncio; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica: 2000.

[5] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 1998. p. 474. Apud MESQUITA JÚNIOR, Sídio Rosa. 2007.

[6] Id p. 475

[7] STF. 1ª Turma. RE 460.971/RS. Min. Sepúlveda Pertence, sessão de 13.2.2007.

[8] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 1997. p. 26;  PORTO, Antônio Rodrigues. Da prescrição penal. 1.998. p. 80.

[9] TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de processo penal. 2012. p. 559-560.

[10] JESUS, Damásio E. de. Notas ao art. 366 do Código de Processo Penal, com redação da Lei nº 9.271/96. 1996, p. 3.

[11] Para saber mais Cf. TREDINNICK, André Felipe Alves da Costa. A revelia e a suspensão do processo penal, 1997. p. 36;  FRANCO, Alberto Silva. Suspensão do processo e suspensão da prescrição. Boletim  IBCCrim, v. 42, ed. especial, jun/1996, p. 2.

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Sobre o autor
Eliel Geraldino da Silva

Bacharel em Teologia, Licenciado em Filosofia, Bacharel em Direito. Pós Graduado em Direito Constitucional. Pós graduado em Criminalidade e Segurança Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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