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Brasil: um país a caminho de uma Federação justa e equilibrada

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01/11/2002 às 00:00
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SUMÁRIO: 1. Nascedouro do federalismo. 2. Federalismo e democracia. 3. Atributos do Federalismo 4. Origem do federalismo brasileiro. 4.1 Sua evolução. 4.2 O Federalismo na CF/88 5. Federalismo assimétrico 6. Conclusão.


1.Nascedouro histórico

O interesse pelo tema surgiu das aulas do curso de mestrado, ocasião em que nos pareceu ser assunto de alta relevância constitucional, e carecedor cada vez mais de estudos que indiquem soluções e modelos a seguir para que tenhamos uma federação justa e equilibrada, vez tratar-se de matéria intimamente ligada à organização político-administrativa do País. Não é nosso objetivo esgotar o tema, longe disso, mas sim explicitá-lo de forma a demonstrar que inúmeros países que adotaram o federalismo como forma de Estado, estão a buscar o seu aperfeiçoamento criando ou imitando modelos de federações bem sucedidas no plano empírico, e que melhor atendam aos anseios da nação, em especial o Brasil.

O termo federação, provem do latim foedus, foedoris, que significa aliança, pacto. Assim, podemos extrair que federação é processo de integração política, que significa aliança, sociedade ou união de Estados. [1]

Fomos buscar a gênese do federalismo no texto de "O Federalista": Remédios Republicanos para Males Republicanos, apresentado pelo professor Fernando Papaterra Limongi, colaborador do livro "Os Clássicos da Política – Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, ‘O Federalista’ (1º volume)", sendo certo, que a origem do federalismo moderno, tal como nos foi apresentado, é norte-americana. Limongi, traz que "O Federalista" "é fruto da reunião de uma série de ensaios publicados na imprensa de Nova York em 1788, com o objetivo de contribuir para a ratificação da Constituição pelos Estados. Obra conjunta de três autores, Alexander Hamilton (1755-1804), James Madison (1751-1836) e John Jay (1745-1859), os artigus eram assinados por Publius".

Para Limongi, "um dos eixos estruturadores de "O Federalista" é o ataque à fraqueza do governo central instituído pelos Artigos da Confederação", [2] daí o surgimento do federalismo como movimento político com vistas à descentralização do exercício do poder político e o equilíbrio entre as diversas esferas governamentais. [3]

Narrando a gênese do federalismo, Limongi aduz que "o raciocínio desenvolvido por Hamilton deixa entrever o seu desdobramento necessário. A única forma de criar um governo central, que realmente mereça o nome de governo, seria capacitá-lo a exigir o cumprimento das normas dele emanadas. Para que tal se verificasse, seira necessário que a União deixasse de se relacionar apenas com os Estados e estendesse o seu raio de ação diretamente aos cidadãos". [4]

Limongi traz que o termo federal, como hodiernamente nomeamos a forma de governo, era sinônimo de confederação. [5] E continua: "A distinção está no ponto assinalado por Hamilton; enquanto em uma confederação o governo central só se relaciona com Estados, cuja soberania interna permanece intacta, em uma Federação esta ação se estende aos indivíduos, fazendo com que convivam dois entes estatais de estatura diversa, com a órbita de ação dos Estados definida pela Constituição da União". [6]

Sendo assim, o federalismo nasce como um pacto político entre os Estados, fruto de esforços teóricos e negociação política, sendo aquele pacto, o responsável pelo surgimento dos Estados Unidos como nação. [7]

Buscavam os idealizadores do Estado federal em 1787 criar um governo nacional com forças suficientes para governar de um modo geral, todavia, fosse esse poder contido para que as liberdades individuais não pudessem ser ameaçadas. [8]

Para a Prof. Fernanda Dias Menezes de Almeida, "a solução federativa que prevaleceu na Convenção de Filadélfia, muito mais do que um mero acordo entre Estados, muito mais do que um meio-termo no avanço rumo à centralização, mostrou-se alternativa altamente eficaz, tanto no proporcionar eficiência às instituições de governo, quanto no afastar os termos do autoritarismo". [9]

E encerra: "Terá sido mesmo a Federação, nos moldes em que foi estruturada, a contribuição mais prestante da América à teoria e à prática do Estado moderno". [10]

Insta, salientar, como dissemos já no preâmbulo, que o federalismo não é algo estático, ao contrário, é dinâmico na medida em que o mundo contemporâneo assim exige. Assim, posto ser a federação americana o paradigma mundial, sofreu a mesma ao longo dos anos mutações, sendo certo que a "federação norte-americana, é muito diferente daquele redigida pelos políticos que a idealizam. Atualmente, a relação entre os Estados e a União demonstra um acentuado processo de desfiguramento dos princípios doutrinários sobre os quais se fundou a federação americana, talvez pelas grandes mudanças ocorridas nesse último século, com o avanço da tecnologia e a formação de enormes grupos nacionais e internacionais, o que fez gerar uma espécie de unificação entre os problemas regionais. O federalismo americano, atualmente denominado o "novo federalismo", apresenta como força essencial a sua capacidade de colocar poderes autônomos a nível de Estados e autoridades locais, possibilitando grande variedade nos tipos de serviços inseridos pela Administração. O elemento mais importante do federalismo americano está na sua estrutura específica de produção de recursos fiscais em cada nível de governo. Isto demonstra uma diversidade, que somente é viabilizada pela independência fiscal das entidades administrativas subnacionais". [11]

Todavia, as mutações não param, uma vez que diante do enfraquecimento dos Estados quando da ampliação dos poderes da federação, com um aumento do controle pela federação sobre as atividades dos Estados-membros, conduziu a federação americana à centralização. [12] Portanto, para Janice Helena Ferreri Morbidelli, "deverá o federalismo americano preocupar-se com as formas de descentralização entre seus entes, concentrando a ação governamental central somente nas questões relevantes da vontade nacional, de conformidade com a Constituição e a Carta de Direitos, ou seja, a defesa nacional, regulamentação do comércio entre os Estados, defesa dos direitos constitucionais e política internacional. Por outro lado, para obter a descentralização desejada, deverá redefinir as atribuições dos Estados e do governo local, colocando as responsabilidades de cada um desses domínios, pois a maior defesa contra a centralização é propiciar um governo estadual competente". [13]

Portanto, a nação americana já fala em "um novo federalismo" razão pela qual estão a buscar fontes com vistas a encontrar os mecanismos de reestruturação desse moderno sistema federal, o que sem dúvida não será tarefa fácil, por tratar-se o federalismo de um sistema complexo, devendo amoldar-se de conformidade com as necessidades do Estado, posto ser assim, as mudanças constatadas ao longo da história. [14]


2.Federalismo e democracia.

Mas afinal, o que de bom oferece o federalismo? O que vislumbrou Hamilton quando de sua pregação por um Estado federalista? Sem dúvida o que está por detrás do federalismo é um combinado de liberdade, bom governo e paz, o que sabemos não é tarefa fácil de se conseguir. [15]

Sendo o federalismo destinado ao povo [16] (sendo certo que a democracia é aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto – a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo o poder legítimo. [17]), Janice Helena Ferreri Morbidelli, aduz que "a finalidade do federalismo, segundo Tavares Bastos, não é apenas adequar o Estado moderno aos padrões de eficiência abstrata que a centralização, em alguns momentos, também alcança. É, mais que tudo, instaurar a ordem a partir da liberdade e autonomia do Estado-membro, valorizar o indivíduo como fundamento e destinatário da vida e da atividade social, incentivá-lo a empreender e torná-lo responsável pelo seu próprio destino e o de sua Nação". [18]

Para Janice Helena Ferreri Morbidelli "as idéias de democracia estão intrinsecamente ligadas às idéias federalistas. O debate contemporâneo em torno do federalismo não pode prescindir de uma referência, ainda que sumária, à democracia, uma vez que o processo de democratização do Estado se insere na estrutura do Estado liberal entendido como o Estado que garante alguns direito fundamentais. Nesse sentido, representa um método de aceitação de um conjunto de regras de procedimentos para a constituição de um governo". [19]

Note-se que a democracia está para o federalismo, como o federalismo está para aquela, nas palavras de Janice Helena Ferreri Morbidelli: "A estrutura democrática de um país interfere na questão federativa. A descentralização é uma das características básicas do federalismo e estabelece um dos condicionantes da democracia. A questão federativa, com ênfase na descentralização, é decorrente de regimes não autoritários. De um lado, porque a centralização é incompatível com o regime democrático. De outro, porque os países que adotam o federal ismo têm, geralmente, realidades regionais heterogêneas [20], extensão continental e sociedade complexa e reivindicante, razões que exigem a melhorias dos serviços públicos que somente se dará com a descentralização". [21]


3.Atributos do federalismo

André Luiz Borges Netto, citando Enrique Ricardo Lewandowski que pronunciando-se sobre as características do Estado Federal escreveu:

‘Tendo em vista a multiplicidade de Federações que existem atualmente e a rica elaboração teórica sobre o assunto, é difícil precisar, posto que não há unanimidade, quais as características essenciais do Estado Federal, embora seja possível identificar, no mínimo, quatro atributos básicos: a) repartição de competências; b) autonomia política das unidades federadas; c) participação dos membros nas decisões das unidade federadas; c) participação dos membros nas decisões da União; e d) atribuição de renda própria às esferas de competência’. [22]

Além das já citadas Borges Netto, elenca outras cabíveis, vejamos:

- Existência de uma Constituição como base jurídica do Estado: esta representa no Estado Federal, o pacto ou a aliança firmada pelas entidades que o integram, sendo a base jurídica comum de todas as entidade federativas, que encontram na Constituição todos os principais elementos relativos às suas inter-relações recíprocas. [23] Esse entendimento não destoa de Luiz Alberto David Araujo ao prelecionar "que o ajuste federalista tem como base uma Constituição. Enquanto uma confederação tem em um Tratado seu instrumento jurídico de criação, o Estado Federal tem sua sede em uma Constituição". [24]

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Na obra Estudios Sobre Federalismo Robert R. Bowie e Carl J. Friedrich, autores do livro, demonstram o importante papel da Constituição no estado Federal, vejamos:

"A. La Función de la Legislatura Federal

Una legislatura federal debe estar constituída de tal forma que combine dos objetivos:

(1) Asegurar que la federación pueda llevar a cabo com efectividad las funciones que le han sido asignadas. Al formarse una deferación se está reconociendo que ciertas tareas gubernamentales no pueden ya ser realizadas en forma adecuada por los Estados de por sí, y que requierem una dirección sobre base más amplia. De esto resulta esencial que el gobierno federal pueda actuar en gran escala, para cubrir las necesidades de una comunidad mayor. En particular, la legislatura federal debe proporcionar um medio efectivo de mediación en los conflictos de intereses, y en la formulación de una política básica dentro del área de la competencia federal.

(2) En el desempeño de sus prpias funciones, la federación debe, al mismo tiempo, tener en cuenta debidamente los intereses de las diferentes secciones de la nueva comunidad, y la continua responsabilidad de los Estados mimbros en puntos impotantes de gobierno. En lo que sea posible, la federación deve ejercer sus poderes de modo que no recargue o impida el ejercicio de sus propios poderes a los Estados miembros. Dentro de su competencia, las necesidades e intereses de la federación deben prevalecer, en tiempo normal, por encima de los intereses individuales de cada Estado, cuando sea necesario elegir entre uno u otro. Pero es importante asegurar que los intereses y problemas locales sean presentados en forma adecuada cuando la federación llegue a decisiones para ejercitar sus poderes.

Al combinar estos dos propósitos, la constitución no debe permitir que un estado o una pequeña minoría puedan llegar a bloquear una acción necesaria. Más aún, en vista de antagonismos y lealtades profundamente arraigadas desde tiempos heróicos, deberá tratar de despertar sentimientos en favor de la federación en vez de fomentar divisiones". [25]

- Repartição constitucional de competências: o núcleo, a própria razão de ser do Estado Federal reside na característica da descentralização política, onde diferentes níveis de governo ou de centros decisórios possuem a faculdade, delegada pela constituição, de emitir, criar ou editar as normas jurídicas necessárias para controlar a conduta humana em determinado espaço territorial. [26]

- Autonomia das entidades federadas: trata-se de aspecto característico e essencial do regime federativo, vez residir na autonomia das coletividade parciais integrantes do Estado nacional, o que nos faz ver o Estado Federal como união de coletividades políticas autônomas, onde existem vários centros decisórios, por haver a consagração da existência de duas ou mais ordens governamentais distintas e autônomas entre si. [27] Este, também é o pensamento de Luiz Alberto David Araujo que aduz ser a autonomia das unidades federadas um dos principais característicos da Federação. [28] Diz ainda: "Não basta que exista uma Constituição. Ela deve ser escrita e rígida, de forma que evite a mudança de critérios fixados pelo pacto inaugural do Estado Federativo". [29]

- A soberania pertence ao Estado Federal: Os Estados-membros, dispõem de autonomia e não soberania. No momento em que o pacto federativo se viabiliza, com a promulgação e publicação da constituição, perdem os Estados a soberania que lhes era característica, para cedê-la ao Estado Federal, que passa a ser o único a deter capacidade de pessoa jurídica de direito internacional público, reunindo parcelas de poderes que não são superados por nenhum outro poder ou Estado. [30]

- Ausência do direito de secessão: em virtude de os Estados-membros não mais possuírem soberania (para legitimação de uma decisão separatista) é que os mesmos não mais poderão se retirar do pacto federativo, que dizer, no Estado Federal a união de coletividades políticas autônomas se dá em caráter perpétuo, sendo a indissolubilidade do vínculo criado uma de suas marcas características, ao contrário, como se vê, das Confederações, onde o Tratado criado pelos Estados permite a secessão. [31] Luiz Alberto David Araujo, assim reforça: "A união que envolve os entes federais é indissolúvel. Não pode, sob qualquer pretexto, deixar a Federação". [32]

- Rendas próprias para as entidade federadas: detentoras de competências administrativas e legislativas, as entidade federadas necessitam de recursos financeiros para dar cumprimento às missões ou deveres que a constituição impõe. [33]

- Existência de uma Corte Suprema Nacional: ponto característico do Estado Federal é a existência de uma corte Jurídica que seja suprema e superior, em termos de competência decisória, a todas as outras esferas do Poder Judiciário, para que sua atuação sirva de elemento estabilizador da sociedade, principalmente por atuar como legítima guardiã da Constituição Federal, que é o documento revelador dos aspectos funcionais do regime federativo. [34] Para Luiz Alberto David Araujo deve este órgão controlar a repartição de competências, mantendo o pacto federalista. "Trata-se de um órgão do Poder Judiciário encarregado de dizer o direito em caso de dúvida sobre o exercício das competências ou mesmo em caso de ferimento da forma federativa". [35]

- Existência de um dispositivo de segurança: além dos atributos já apontados, Luiz Alberto David Araujo, nos apresenta este aduzindo ser necessário à sobrevivência do Estado federal. E justifica: "Este dispositivo constitui, na realidade, numa forma de mantença do federalismo diante de graves ameaças. Trata-se da intervenção federal. Pela intervenção federal, a União, em nome dos demais Estados-membros, intervém em um ou alguns estados onde se verifiquem graves violações dos princípios federativos". [36] Para o citado jurista, a intervenção federal "é forma extrema, necessária para que se evite a desagregação do Estado Federal". [37]


4.Origem do federalismo brasileiro

A origem do federalismo brasileiro se deveu à derrubada da monarquia, em 15 de novembro de 1889, com a edição do Decreto nº 1 que adotou a república federativa como forma de governo e de Estado, ganhando estrutura definitiva somente com a Constituição de 1891. [38] Para a prof.ª Janice Helena Ferreri Morbidelli "a Constituição de 1891, corresponde ao período clássico do Estado federal brasileiro, consagrou a autonomia dos Estados-federados [39] dando-lhes ampla competência da qual somente se excetuavam as matérias que a União reservou para si na própria Constituição [40]". [41] E fez mais, ao prever a Federação e República, sagrou-os como princípios fundamentais ao sistema, sobrepujando todos os demais.

Todavia, sustenta Paulo Bonavides ser "errôneo supor que a Federação no Brasil foi produzida unicamente pelo Decreto nº 1, do Governo provisório de 1889. Se o presidencialismo colhe de surpresa o País, desconhecido que era a todas as tradições de embate doutrinário em que nos havíamos empenhado durante a fase anterior à República, tal não se deu, porém, com a Federação. Esta, ou já se desejava, no sentir de monarquistas abalizados, da índole liberal de Nabuco e Rui, ou já aguardava, por solução lógica e idônea aos antagonismos e crises que desde muito dilaceravam o corpo político da Monarquia. O Decreto 1 foi apenas o coroamento vitorioso de velhas aspirações autonomistas que, não se podendo fazer nos quadros institucionais do Império por um ato reformista, se fizeram via improvisa da ação revolucionária de 15 de novembro de 1889, resultando, assim, na implantação dos sistema republicano". [42]

Há que se destacar, que o federalismo entre nós possui uma diferença básica do modelo norte-americano. Citando novamente a prof.ª Janice Helena Ferreri Morbidelli, esta aduz que o "Estado federal brasileiro formou-se a partir de um Estado Unitário, que se desmembrou e não de uma confederação que se dissolveu, como nos Estados Unidos, paradigma de todos os sistemas federativos constitucionais. Talvez pelo fato de Rui Barbosa ter se inspirador fielmente no modelo norte-americano, para introduzir na constituição Republicana a forma federativa, é que tenha havido o desencontro da realidade com a lei, pois a diversidade de situação era profunda. A federação americana resultara da agregação de Estados já independentes que, para o benefício comum, concordaram em ceder o mínimo de suas competências em favor do Poder central, conservando ciosamente as restantes. Entre nós, a federação resultara de uma segregação, de uma ampliação da autonomia provincial, por decisão política do Poder Central". [43]

E conclui: "tomando como dogmas as soluções adotadas pelos americanos, a federação brasileira nasceu dualista: 1) estabeleceu a absoluta igualdade jurídica entre os Estados, que passaram a ter idêntica competência [44], com igual representação no Senado; 2) exclui expressamente a interferência da União nas competências dos Estados, reservado-lhes os mesmo tributos, apesar da extrema diversidade de rendas em vista do desnível de desenvolvimento entre os Estados". [45]

4.1.Sua evolução

Assevera Janice Helena Ferreri Morbidelli, que "faltou ao federalismo brasileiro, já na sua origem, um elemento essencial, ou seja, a existência anterior de Estados soberanos, como ocorreu nas 13 colônias americanas. Apesar de ter sido o federalismo brasileiro adotado a exemplo do modelo americano, as diferenças entre os dois países eram acentuadas, ocasionando um federalismo absolutamente irreal entre nós". [46]

No raciocínio evolutivo do federalismo no Brasil, com muita perspicácia e clareza sobre o tema, a citada jurista traça a linha evolutiva, onde demonstra que o "instituto constitucional da intervenção federal marcou a primeira fase do federalismo brasileiro. Com a Revolução de 1930, em face da crise política e das mudanças de caráter socioeconômico, sofre o federalismo o impacto de um autoritarismo, ainda pior que o do império. Surgiu uma outra fase, chamada de federalismo pátrio, onde os estados passaram a cortejar o poder central para dele receber auxílio para os investimentos, subsídios, incentivos, fazendo com que os mesmo, em razão disso, perdessem por completo a autonomia constitucional e federativa. Dessa fase resultou uma espécie de guerra econômica entre as regiões e os Estados-membros, posto que somente a autoridade executiva da federação detinha o alto poder decisório, o que acabou por fazer ruir de vez com o sistema federativo". [47]

Veio então as Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967 onde o federalismo, ora era suprimido [48], ora era restaurado [49], com destaque à supressão deste princípio do nosso sistema constitucional.

4.2.O Federalismo na CF/88.

Luiz Felipe D’avila, aduz ser o "federalismo a bússola que deve orientar o processo da descentralização do Estado brasileiro". [50]

Acreditamos que nessa vertente trilhou o constituinte de 1988 quando inseriu no Artigo 1º da CF/88 ser o Brasil uma "República Federativa" e o enalteceu como um Princípio Fundamental.

Destaca-se, outrossim, a petrificação dessa forma de Estado entre nós. O § 4º do Artigo 60 da CF/88, dispõe que a forma federativa de Estado não poderá ser abolida e nem tampouco será objeto de projeto que delibere tal assunto, idem para a forma republicana do governo.

O constituinte de 1988 vislumbrava que o federalismo deveria ser reformulado, principalmente no aspecto relativo à distribuição de competências legislativas e tributárias, para que se fortalecessem os Estados membros e os Municípios, descentralizando o exercício do poder político-tributário, que estava em maior número nas mãos da União. [51]

Embora este fosse o anseio do constituinte, na prática ainda o que vemos é a União concentrando inúmeras competências, tendo os Estados e Municípios como súditos. Em vista disso, talvez seja a indignação de Paulo Bonavides pelo atual modelo federalista no Brasil quando assevera que o "chamado "federalismo cooperativo" [52] tem sido uma palavra amena e esperançosa, de emprego habitual pelos publicistas que ainda acreditam comodamente na sobrevivência do velho federalismo dualista, batizando como outro nome, posto que esteja a encobrir realidade nova. Mas não se trata de dar nome novo a realidades extintas. Urge primeiro reconhecer o desaparecimento da velha ordem federativa, esteada no binômio Estado autônomo e poder federal. Com efeito, a intervenção econômica da União, já institucionalizada, cassou praticamente a autonomia dos Estados, desfazendo a ilusão que publicistas de boa-fé e inocência vêm desde muito acalentando, mercê de um eufemismo corrente – o "federalismo cooperativo" -, expressão confortável, mas ingênua e nem sempre bem-arrazoada, com que se busca dissimular a verdade rude da morte do federalismo das autonomias estaduais.

A esse federalismo há de suceder, decerto, um federalismo sobre novos pressupostos ontológicos, alternativa que cuidamos plenamente exeqüível com o federalismo das Regiões. A não ser assim, descambaremos, debaixo da capa do "federalismo cooperativo" no Estado Unitário monolítico, desenvolvimentista, tecnocrático, autoritário, superintendente dos objetivos econômicos permanentes, que nada deixaria ocioso ou autônomo às esferas intermediárias.

Examinem-se os reflexos da política unificada de promoção do desenvolvimento, de que resulta um impiedoso Estado centralizador. Tudo, aí, patenteará que estamos vivendo uma idade antifederativa, que já se não deixa prender aos moldes das autonomias estaduais. Se não cogitarmos, de imediato, de reformular o federalismo com alternativas democráticas e abertas, que não sejam simplesmente a conservação rebuçada do modelo federativo do passado, ainda hoje de vigência formal, a saber, Estado autônomo e União, acabaremos inevitavelmente, com o gigantismo descomunal desta última, por institucionalizar o Estado Leviatã, cujos braços já nos apertam e cuja sobrevivência não seria a resposta que as gerações de amanha aguardam das promessas generosas e recentes de quantos hoje se emprenham na modernização política e social do Estado brasileiro". [53]

Todavia, em que pese as críticas existentes quanto ao federalismo hoje existente, coadunamos com o pensamento André Luiz Borges Netto quando diz que "a despeito dessa reconhecida centralização, julgamos ser possível demonstrar que os estados-membros foram aquinhoados com parcela considerável de competências legislativas, que poderão ser desenvolvidas de forma a solucionar problemas regionais, tudo a depender como é óbvio, da capacidade e da criatividade do legislador local". [54] Reforçando o asseverado, buscamos em Luiz Alberto David Araujo que citando Herculano de Freitas aduz: " ‘Desde que a Constituição investiu os Estados de uma personalidade autonômica, dando-lhes a também de organização, deu-lhes implicitamente (aliás também expressamente, como vereis depois), o poder de angariar os recursos indispensáveis para a sua vida e seu desenvolvimento.

Os Estados têm, numa esfera limitada que a Constituição Federal traçou, o poder de taxação; eles podem procurar, em contribuições obrigatórias, os meios de que precisam para a sua vida e o seu desenvolvimento’ ". [55]

No tocante ao federalismo cooperativo, essa também é a posição de Janice Helena Ferreri Morbidelli ao escrever que "a tese sobre o federalismo atual fundamenta-se na cooperação, que dá sustentação à teoria do federalismo intergovernamental ou solidário. No dizer de Raul Machado Horta: ‘A concepção do dual federalism, que se expandiu nos Estados Unidos, fundando nas relações de justaposição entre os ordenamentos da União dos Estados, recebeu a contribuição do novo federalismo, a partir do governo Roosevelt, que intensificou a forma de programas e convênios’. [56]

Inspirando-se na cooperação, muitos Estados federais adotaram a técnica da legislação concorrente, que atenua a separação dualista e favorece o desenvolvimento de relações intergovernamentais. A tese da descentralização em maior ou menor intensidade, é discutida com fundamento na cooperação, na interação federal-estadual em benefício do interesse da coletividade. A descentralização legislativa permite o respeito às peculiaridades sócio-econômicas e culturais dos entes federados.

O federalismo cooperativo contemporâneo firma-se nas relações de colaboração. Seu objetivo é estimular a ação conjunta da União e dos Estados-membros, que atuam como parceiros na solução dos problemas sociais e econômicos. Tércio Sampaio Ferraz Júnior prevê, como exigência fundamental e condição de efetividade da cooperação dos entes federados, o "contrato fechado", para regular as relações entre as unidades. Diz ele: ‘Esta cooperação, entretanto, tem outro fundamento. Em verdade, as relações interindividuais entre as entidades que compõem a federação possuem um sentido jurídico-político que transcende a aparência das vinculações consensuais: (...) não se trata de contrato, mas de status. A federação não une contratualmente seus membros, mas altera-lhes o status’." [57]

Como se denota, os posicionamentos antagônicos fazem escola. Tanto o pensamento de Paulo Bonavides como o de Janice Morbidelli, parecem coerentes, todavia, nos filiamos à esta última, pelo fato de ser esta a tendência brasileira e porque não dizer mundial. (ver a União Européia).

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Sobre o autor
Cristian de Sales Von Rondow

advogado em Lins (SP), mestrando em Direito pela ITE – Bauru (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VON RONDOW, Cristian Sales. Brasil: um país a caminho de uma Federação justa e equilibrada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3508. Acesso em: 19 abr. 2024.

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